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domingo - 17/12/2023 - 10:04h

Monsenhor Huberto Bruening – vida doada a Mossoró

Por Padre José Artulino Besen

Monsenhor Huberto na juventude (Foto: reprodução)

Monsenhor Huberto na juventude (Foto: reprodução)

Huberto Bruening (pode ser grafado Brüning), natural de São Ludgero, SC, filho de Reinaldo Bruening e de Isabel Rohden, nasceu em 30 de março de 1914. Era irmão de Pe. Clemente Bruening, sobrinho do filósofo e teólogo Huberto Rohden e primo irmão de Dom Afonso Niehues.

Com vocação despertada pelas Irmãs da Divina Providência do Colégio Sant’Ana de São Ludgero, seguiu o Pe. Jaime de Barros Câmara, que tinha ido a São Ludgero buscar seminaristas para o novo Seminário a ser iniciado em Florianópolis e, logo depois, foi transferido para Azambuja, Brusque, ocupando dois andares do Hospital local. Assim, integrou a primeira turma do Seminário Menor Metropolitano Nossa Senhora de Lourdes, onde estudou de 1927 a 1936, e cursou o ciclo básico da época, denominado Curso Ginasial e, em seguida, o Curso de Filosofia. Impressionam as disciplinas cursadas nesse estudo filosófico e, mais ainda, pelas disciplinas serem ministradas em latim: lógica, criteriologia, ontologia, cosmologia, psicologia, teodicéia, ética, liturgia, ciências naturais, história da filosofia e canto gregoriano.

Em 1935 seguiu para São Leopoldo, RS, a fim de completar a formação com os estudos teológicos. No meio tempo, aconteceu a eleição de Mons. Jaime de Barros Câmara para 1º. bispo diocesano de Mossoró, RN. Mons. Jaime era extremamente ligado aos seminaristas e não pretendia ir para o Nordeste sozinho, numa diocese carente de vocações e padres. Dom Joaquim Domingues de Oliveira, arcebispo de Florianópolis, permitiu que convidasse alguns seminaristas a acompanha-lo: Huberto Bruening, Ivo Calliari, Arlindo Thiesen, Walmor de Castro foram os que perseveraram. Excetuando Huberto, os três se integraram à vida episcopal de Dom Jaime em Mossoró, Belém do Pará e Rio de Janeiro.

Huberto chegou em Mossoró em 25 de abril de 1936, e foi excardinado da Arquidiocese de Florianópolis em 24 de setembro de 1936. Tendo completado os estudos teológicos em Fortaleza, foi ordenado sacerdote na catedral Santa Luzia, em Mossoró, em 30 de janeiro de 1938. Lema escolhido para o sacerdócio: “Pela graça de Deus sou o que sou” (1Cor 15,10).

Como homem de saber, lecionou nos seminários de Fortaleza, Belém do Pará e Santa Teresinha de Mossoró. Entre outras matérias, lecionou latim, português, alemão, filosofia e música. Durante os quase 60 vividos em Mossoró, Mons. Huberto fez quase tudo: foi Reitor de Seminário, Vigário Geral, Capelão do Hospital, Censor, Cura da Sé catedral e Presidente do Instituto Amantino Câmara, que amparava e abrigava idosos. O Instituto Amantino Câmara foi fundado por Dom Jaime de Barros Câmara em 1941, com o dinheiro que recebeu de herança do irmão, patrono da instituição. Evidente que Mossoró não era apenas a Catedral, mas incluía dezenas de capelas espalhadas pelo território do município, à época com com 3.000 km2.

Além disso, evangelizou e formou aquele povo através do rádio, onde apresentava, sempre às 18 horas, o programa “Mensagens de Fé”. Era homem de fé e de Igreja, rigoroso consigo e com os outros.

Sua sensibilidade cristã fê-lo sofrer a situação de dois padres: o tio Huberto Rohden, que abandonara o ministério e a Igreja, e, de modo especial, o irmão, Pe. Clemente Bruening que, ordenado padre em 1929, deixou o ministério em 1939. Pe. Clemente causou-lhe muita dor e vergonha e isso o animava a permanecer longe de São Ludgero. A situação foi regularizada em 1969.

Tendo o coração guardado no Nordeste, duas vezes sentiu o cansaço do intenso trabalho e pensou, e tentou, retornar ao Sul. Mas, a situação da Igreja em Mossoró não o permitia, como também não o permitia o amor àquela terra que fez sua. Eram poucos os padres, pouquíssimas as vocações e aconteciam as desistências de padres. Viveu todo o período da renovação conciliar, suas crises, e não teve condições de avaliar os aspectos positivos que as crises trazem.

Em março de 1951, veio a São Ludgero recuperar forças e descansar. Dom Joaquim lhe ofereceu a Capelania do Hospital de Orleans, com a possibilidade de ajudar na paróquia com coadjutor. O segundo semestre de 1952 passou em São Ludgero. Em 12 de janeiro de 1953 foi nomeado reitor do Seminário Mínimo de São Ludgero. Seu estilo e temperamento radicais logo trouxeram e acentuaram problemas. Em 21 de setembro de 1954 escreveu a Dom Joaquim reclamando do auxiliar, Pe. Osni Rosenbrock, que “encontra-se no seminário somente para dormir, comer, lecionar e ouvir as confissões.”

Na verdade, Pe. Osni não se adaptava à vida de disciplina de Pe. Huberto: gostava de futebol, cinema, visitar famílias, chegar tarde da noite, envolver-se nas brincadeiras com os 47 meninos, assobiar e cantar nos corredores. Com isso, o povo de São Ludgero, acostumado com a férrea disciplina de Mons. Frederico Tombrock, também se escandalizava. Adepto igualmente de férrea disciplina, Dom Joaquim respondeu em 29 de outubro de 1954, dizendo que o padre ou não está contente com o trabalho, ou está doente.  E reitera: “Não há Seminário sem ordem, sem respeito, sem disciplina”.

Huberto chegou a ir embora de Mossoró, mas retornou com saudades (Foto: reprodução)

Huberto chegou a ir embora de Mossoró, mas retornou com saudades (Foto: reprodução)

Monsenhor sentiu que não estava no “seu” lugar e em 1955 retornou a Mossoró.

Muitos anos depois, em 1975, novamente tentou regressar a São Ludgero, mas ficou pouco tempo. Não deu certo: achava que tudo estava errado, a renovação era revolução e o povo também se cansou de suas lamentações no púlpito, atacando Leonardo Boff e a teologia da libertação, assuntos que aqueles colonos desconheciam.

O concílio e as dores do monsenhor

Tendo chegado em Mossoró em 1938, ali ocupou os postos principais da organização diocesana, de modo particular o Curato da Catedral São Luzia, dando vida a uma vivência católica própria, conseguindo milagrosamente combinar a espontaneidade nordestina com a dureza do catolicismo romanizado. Por sua presença bem humorada, franca, falando o que precisava falar, destratando amorosamente, ganhou aquele povo. Mas, no meio do caminho aconteceu o Concílio do Vaticano II (1962-1965) e as certezas e costumes passaram a ser questionadas. Sofreu muito, o Monsenhor, mas não desistiu.

Ao mesmo tempo, o Brasil e, em especial, o Nordeste viveu a ebulição política das Ligas Camponesas, de Miguel Arraes, Francisco Julião, Celso Furtado, viveu a formação de uma Igreja comprometida com as causas da justiça. Pe. Huberto não era um alienado, insensível frente à miséria, mas era um anticomunista. Em outras palavras, julgava que a pregação pela justiça, reforma agrária, era coisa de comunista. Sonhava com evolução paternalista, nunca revolução.

Em dezembro de 1964 o primo e amigo Dom Afonso Niehues assumiu como arcebispo coadjutor de Florianópolis, em 1976 arcebispo metropolitano. Foi seu confidente. Dom Afonso tinha a qualidade pessoal de escutar o que não julgava objetivamente correto, sem com isso criar conflito.

Em carta a Dom Afonso, 5 de outubro de 1965, Pe. Huberto transmitiu a feliz notícia de ter conseguido dinheiro para adquirir um Volkswagen (por quatro anos servira-se de uma Vespa), mas não se esqueceu de reclamar das preocupações sociais da Igreja, das inovações conciliares: “Aqui estamos rezando o Terço às 17,15hs., na catedral. Comparecem por enquanto umas 20 pessoas. Estão procurando primeiro a política. Deus tem cada morador em sua fazenda…”. “Parece que nossa revolução de abril de 1964 já está vazia… Em 11 Estados houve eleições. Pois bem, em 9 dos 11 triunfou a anti-revolução. Nenhuma revolução se consolida em 18 meses…Jamais. Nenhures!”.

No ano seguinte, em 18 de agosto, partilhava a decepção com o Concílio, com padres que dançam, com casamentos que fracassam: “Se conseguir, em dezembro visitarei São Ludgero. Se pudesse ficar… Logo que Dom Gentil sair… saio”. Não deu certo. Era muito ligado ao bispo Dom Gentil Barreto (1960-1984) e depois a Dom José Freire (1984-2004), e percebia a dificuldade deles de preencherem aos quadros diocesanos. Além disso, apesar de turrão, todos o amavam e respeitavam, e muito. Era um patrimônio vivo de Mossoró.

Mas, não se cansa de sofrer com a renovação. Em 10 de janeiro de 1967, nova confissão a Dom Afonso: “Aqui o povo começa a sentir a crise sacerdotal. E não há esperança de substitutos. Em 30 anos que vivo em Mossoró, nenhum padre… A desistência dos seminaristas aumenta. Depois da “abertura” aumentou muito. … Mossoró já tem 3 faculdades, 1 seminário, 4 hospitais, 4 paróquias, 3 emissoras de rádio, 80 mil habitantes. Em 30 anos… nem um só sacerdote”. Realmente, uma situação dolorosa e não se descobriam ainda novos caminhos para as novas situações.

Imaginativo, cometeu até uma parábola para explicitar a crise: “Deus chamou dois meninos, João e Paulo. Pegou um buscapé, entregou a Paulo e mandou João atear fogo… João faleceu… e o troço explodiu na mão de Paulo… O nome do “engenho” é Vatic. II …Serviu para desmascarar e desvendar muita podridão. É direitinho um furacão”. Se referia a João XXIII e a Paulo VI.

E prossegue: “Nossas vocações são como cogumelos: morrem tão depressa como nascem. Acho tanta liberdade nos seminários… Parece que não há concupiscência. … Ninguém mais aprende Harmônio. Mania de Salmos e Missas dialogadas. O canto, fina flor da alegria, morreu”. São mudanças que Pe. Huberto suporta, mas não desanima. Também acha que se dilui a esperança de retornar ao Sul, onde os “buscapés” conciliares também estouravam (cf. A Dom Afonso em 16 de janeiro de 1969).

SUAS CARTAS revelam sempre mais a decepção com as mudanças na Igreja, na formação. Sentia-se traído, solitário. Sua maior lamentação era a crise clerical. Sua alegria são suas abelhas, como veremos. Há a preocupação com o irmão Padre Clemente, que Dom Afonso procura remediar encontrando uma solução. Com relação ao tio Huberto Rohden: “Está no mesmo. Todos ao redor estão errados… cegos! Só ele enxerga. As obras dele estão chegando ao mercado local. Simeão tinha razão: ninguém consegue manter-se neutro perante esse ‘menino’. Ou pró ou contra”. Original ironia, colocando o tio no papel do Menino em Jerusalém…

As formas de religiosidade popular, alimentadas no trabalho e nas pregações, também passam por mudanças: “O culto mariano arrefeceu… a começar pelo clero”. Lamenta que os padres que ficam, os velhos, como ele, são taxados de “ultrapassados, conservadores, sacramentalistas, jurisdicistas, reacionários”. Critica bispos que celebram casamentos de ex-padres com pompa e circunstância, um costume que depois foi superado.

Mossoró descobriu um grande progresso e conforto: “furaram para encontrar petróleo e encontraram água. Quatro poços tubulares a 900 metros de profundidade, dando vazão a mais de 100 mil litros por hora, à temperatura de 52º C, água mineral, sem espuma”. (Foi um milagre mesmo, em 1974, obra da Petrobrás que queria petróleo acabou oferecendo à cidade a melhor água. De “cidade mais seca do mundo”, Mossoró transformou-se na “cidade com a água mais quente do mundo”. A afirmação não confere, mas está situada no estilo de comparar tudo. Verdade é que Mossoró tem a maior produção brasileira de petróleo em terra e 90% da produção de sal no Brasil).

“Confissões desapareceram quase por completo, ao passo que as comunhões duplicaram. Em todo o mês de março – incluída a Semana Santa, ouvi apenas 127. Tudo se resolve com a tal da comunitária. Como os pintos, depois de egressos, não cabem mais na casca – assim os padres não cabem mais no “caixão” do confessionário” (Carta a Dom Afonso em 10 de abril de 1975). “Já fomos 17 sacerdotes na sede; e agora, que a população duplicou, 7! …” (3 de dezembro de 1976).

Essas confidências sacerdotais expressam pessimismo, sem dúvida, mas não se pense que isso o desanimava na ação pastoral. Trabalhava sempre com o mesmo entusiasmo e amando aquela Igreja e povo. Analisar a situação não significa ausentar-se dos compromissos.

Crítica ao trabalho social da igreja

Quando deixou São Ludgero, em abril de 1955, experiência que não deu certo, não teve descanso: cura da catedral e confessor no seminário e professor, deixando de lecionar em 1966.

Além disso, a troca de bispos de Mossoró o incomodava: em 1960 trabalhava com o 4º. bispo: Dom Jaime de Barros Câmara (1936 a 1941), Dom João Portocarrero Costa (1943 a 1953), Dom Eliseu Simões Mendes (1953 a 1959), Dom Gentil Nunes Barreto (1960 a 1984). Seguiam adiante e ele, Mons. Huberto, perseverava.

Na verdade, Pe. Huberto não apreciou o trabalho social de Dom Eliseu Simões Mendes (1916-2001) que, revolucionando o meio rural através das Semanas Ruralistas, foi “Bispo da Seca”, das águas, das ações sociais. A história de Dom Eliseu resulta de anos de experiências, e sua ação pautou inúmeras realizações, tais como: criação de maternidades, postos de saúde, lactários, centros sociais, casas populares e de farinha, ampliação das bases fiscais e equipamentos do Colégio Diocesano, da Escola de Aprendizagem Mecânica da Diocese de Mossoró.

Mas “havia muita gente com medo”, especialmente os políticos: de um lado, era o receio da influência da Igreja e, de outro, “não era bom promover e esclarecer o homem do campo”, com a temida colheita de frutos revolucionários.

Dom Eliseu ajudou na unidade dos bispos do Nordeste no trabalho pelas condições do homem do sertão, na fundação da SUDENE. Também em Campo Mourão, PR (1960-1984) sua visão social causou estranheza e oposição. Por ocasião de sua transferência, Mons. Huberto perguntou a Dom Afonso: “Irá, ao menos desta feita, cuidar da Igreja?” (Carta de 5 de setembro de 1960).

Jandaíra era uma das paixões de Huberto, sendo considerado internacionalmente como grande especialista (Foto: Hiara Menezes/Gobo Rural)

Jandaíra era uma das paixões de Huberto, sendo considerado internacionalmente como grande especialista (Foto: Hiara Menezes/Gobo Rural)

Monsenhor apicultor e a abelha Jandaíra

É inestimável a contribuição social e científica de Mons. Bruening para aquela região do semi-árido: o cultivo, estudo e a preservação da abelha Jandaíra. Com alegria escreveu a Dom Afonso em 17 de setembro de 1968: “Fundamos o Clube Apícola, com 17 sócios. Prossegue a praga das africanas, cascavéis-de-asas. Ninguém colheu mel no corrente ano”.

Alimentou forte paixão pela criação de abelhas Jandaíra, da qual se tornou especialista. Além do ministério pastoral, do atendimento ao povo, a abelha Jandaíra ocupará seu tempo. Estudando e desenvolvendo meios de preserva-la do ataque das abelhas africanas, que denomina “cascavéis-de-asas”, ofereceu ao meio ambiente nordestino uma fonte de renda e de alimento.

Paulo Roberto Meneses, discípulo de Mons. Huberto e apicultor em Mossoró, assim se expressa: “Com o desmatamento, o homem destrói  a casa natural das abelhas que são as árvores de grande porte, refratárias à seca, já que possuem reservas d´água em suas raízes. As abelhas, então, ao coletar de flor em flor o néctar que transformará em mel, fazem um importante papel de reconstrução da mata nativa, pois é nesta hora que é  realizada a polinização,  processo  pelo qual é efetuada a  fecundação das flores,  dando origem a frutos e sementes”. Paulo Roberto Meneses é o titular e o coordenador do projeto denominado  “Projeto Padre Huberto – Preservação da Abelha Jandaíra”.

Consiste  no treinamento teórico e prático para capacitação do manejo  da abelha  Jandaíra. Direcionado  para mulheres de assentamentos rurais, tem como objetivo  a preservação dela, a manutenção do ecossistema através da polinização que as abelhas fazem à mata nativa, e de levar para o campo uma atividade que é ambientalmente correta, socialmente justa e economicamente viável, já que agrega renda ao pequeno produtor rural, fixando-o no campo, evitando como conseqüência o êxodo rural.

“Pe. Huberto”, segundo o professor e naturalista Dr. Paulo Nogueira-Neto, que foi secretário especial do Meio Ambiente, órgão vinculado ao Ministério do Interior, com prerrogativas de ministro, “é considerado verdadeiramente, entre outras coisas, o grande protetor da JANDAÍRA”.

Em 1969 participou do Congresso Internacional de Apicultura, em Munique, em 1984 do Nacional de Florianópolis, em 1986 de Salvador, em 1989 ao do Rio de Janeiro. Um nome com autoridade no assunto. Numa homenagem em 20 de fevereiro de 2012, Paulo Meneses narrava: “Certo dia convidei-o para professor da Escola Superior de Agricultura de Mossoró-ESAM – hoje Universidade Rural – uma escola de mestres extremamente jovens. Precisávamos da sua ciência, da sua maturidade, do seu aconselhamento.O somatório de todas as suas rendas, de uma multidão de atividades, não atingia 1/6 do que ele ia ganhar na ESAM. Respondeu-me: menino, dinheiro não é tudo e eu estou cheio de compromissos com a Diocese. Eis Pe. Huberto Bruening, glória do Clero Brasileiro, um dos grandes do país de Mossoró, conselheiro de a toda cidade, que veio nesta noite da Academia Mossoroense de Letras-AMOL, nos ensinar as coisas que ele sabe como ninguém, soldado de Deus, servo da bela ciência que cuida das abelhas”.

Fruto de estudos e experiências, redigiu e publicou um livro/manual: Abelha Jandaíra, com 181 páginas. Melhorado e procurado, tem sido reeditado e hoje integra a COLEÇÃO MOSSOROENSE, Série “C”, Volume 1189, da ESAM, com a última edição em 2008. Um livro muito agradável de ser lido, onde Pe. Huberto narra a vida da Jandaíra, quase um diário das pequenas e amadas abelhas.

O já apicultor Paulo Roberto Meneses ajudou-me nessa pesquisa sobre o lado científico e social do trabalho de Monsenhor, e dele recebi um exemplar desse livro Abelha Jandaíra. Além de ter recebido conhecimento e interesse através da obra de Mons. Huberto, levou-lhe o trabalho adiante, com reconhecimento internacional: “O início de minha atividade na meliponicultura se deu a partir de 1983 quando recebi das mãos do saudoso Mons. Huberto Bruening, o presente de uma colméia de Jandaíra bem como os primeiros ensinamentos sobre o fantástico mundo das abelhas”.

A seguir transcrevo três parágrafos do livro A abelha Jandaíra, cheios de bom humor, afeto e sabedoria, além de revelarem um fino literato.

“Como não conheço nenhum escrito específico sobre Jandaíra, fui obrigado a freqüentar a escola das Jandaíras, observar seus hábitos, seu trabalho, sua família, sua organização, manias e travessuras. Isto por mais de 30 anos. Serviu de aprendizado, lazer, higiene mental e reconstituinte, passatempo, espanta tédio e sobretudo é o segredo de manter-me em contato com Deus…”.

“Todos os animais respeitam o ambiente em que vivem, menos o homem. O peixe mantém límpida a água em que passeia. O pássaro conserva puro e diáfano o ar que cruza. A minhoca revira o solo mas não o degrada, ao contrário, torna-o mais fértil. A fera mora na selva, percorre-a atrás do sustento sem contaminá-la nem destruí-la. O colibri sorve o alimento do nectário das flores, roça com as suas pétalas delicadas sem deixar sinal de sua visita. A Jandaíra visita milhões de flores para coletar um quilograma de mel, passeia pelos estigmas, estames e anteras para colher pelotas de pólen, sem vestígio de sua presença, pelo contrário: enriquece-as através da polinização. Quanta lição de inseto para o rei-da-criação… o mais violento dos bichos… o mais barulhento”.

“Observemos o estardalhaço dos carros de zoada e o estrondo das motocicletas… fragor de batalha… sem nada produzir, a não ser ruído. Belíssimo exemplo de laboriosidade, de previdência e providência, de frugalidade e economia fornece a Jandaíra ao homem consumista e tecnocrata. Ela recolhe sempre que pode e o que pode – e guarda, ensila, economiza, sem nada esbanjar. Guarda até quotas supérfluas, Jandaíra não alimenta vícios, como faz o homem. Não fuma, não masca, não se embriaga, não sorve droga, não cheira cola, não se empanzina. Reparte a vida entre trabalho e repouso…”.

Gostava de dizer que as abelhas o deixavam mais próximo de Deus. Por onde passava, Pe. Huberto Bruening pesquisava novas famílias de Jandaíras e motivava pessoas a fazer o mesmo. Do mesmo modo que o botânico contempla a mata e analisa cada planta, o meliponicultor busca em pedras, árvores, troncos, flores alguma abelha e passa a estuda-la. Assim fez Monsenhor Huberto até o fim de seus dias.

Fioretti de monsenhor

Sem tê-lo conhecido pessoalmente, estive em Mossoró em 1982 e procurei Pe. Huberto Bruening. Um padre acabara de sair da Catedral Santa Luzia e logo imaginei que só poderia ser ele. Magro, alto e sério passava uma primeira impressão de severidade. Logo, porém, se revelava um homem bem humorado, quase incapaz de uma conversa “séria”, pois mudava muito de assunto. Gostava de contar causos.

Devido à seriedade de seu talhe, escutavam-se os causos também com seriedade para, no final, dar uma boa gargalhada por ter sido pego na brincadeira. Lembro-o narrando uma caçada a urubus: eram 50, pousados num fio de luz. Pe. Huberto pegou da espingarda, mirou o meio do primeiro e deu um tiro certeiro que atravessou e matou os 50. Perguntei-lhe se não tinha pena do que fez e respondeu: Eu não. Quem tem pena é urubu.

Era amado e respeitado por todos. Como descendente de alemães, herdou o jeitão de “ouvir muito e falar pouco”, mas não perdia ocasião de ser original. Era por demais zeloso e exigente com relação aos preceitos religiosos. Certo dia, uma senhora altamente maquiada, lábios cobertos de batom vermelho, entrou na fila para receber a hóstia consagrada.

Chegada a vez da carola glamourosa, o vigário saiu de lado e deu a hóstia à pessoa seguinte, e daí por diante. A mulher ficou no aguardo. Depois do último da fila, padre Humberto olhou-a e aconselhou: “Vá para casa, passe água com sal nessa “ferida” e venha. A hóstia sagrada não entra em fornalha!”

Era radicalmente contrário à americanização de nosso vocábulo. Por ocasião de um batizado, indagou do pai o nome da criança. – Washington, respondeu orgulhoso o pai do garoto. Padre Huberto indagou o por quê  daquele nome de origem americana. – É que gosto muito da letra “U”, informou o pai. Monsenhor arrematou:  – Se é por isso, você deveria ter registrado  com o nome de Urubu que tem logo três letras “U”.

Ninguém se ofendia, é claro, pois sabiam que Pe. Humberto, o Monsenhor, queria seu bem, era homem do Sul, galego, alemão, bonitão, tinha futuro e passava a vida entre eles. Não era por dinheiro. Era por amor.

Monselhor em foto nos últimos anos de vida (Reprodução)

Monselhor em foto nos últimos anos de vida (Reprodução)

O descanso final – homenagens

Monsenhor Huberto semeou amizade durante toda a sua vida. E essas amizades não lhe faltaram nos momentos finais da existência. Morreu em Mossoró no dia 29 de agosto de 1995, sem nunca ter lhe faltado a presença de suas “Camilas”, nome pelo qual chamava a todas as senhoras que o ajudavam. Sensibilizado pelo ato de compaixão que via em todas, sempre lhes dizia: “Eu não tenho com que pagar a ninguém, só Deus é que pagará a todas”.

Viveu 81 anos e exerceu o ministério sacerdotal por 57. A comunidade civil e religiosa soube reconhecer-lhe o valor humano, cristão, sacerdotal. Ocupou a Cadeira 5 da Academia Mossoroense de Letras e recebeu o título de “Cidadão Mossoroense”.

Comandou um dos programas radiofônicos mais antigos de Mossoró, que era a “Mensagem de Fé”, inicialmente na Rádio Difusora, passando depois para a Rádio Tapúyo e finalmente à Rádio Rural.

A cidade de Baraúna, desmembrada de Mossoró em 1981, prestou-lhe homenagem e a Prefeitura tomou iniciativa de construir uma estátua, inaugurada no dia 29 de agosto de 1996, quando fazia um ano do sua morte, em reconhecimento pela caridade e o respeito com que o Monsenhor tratara a todos. No ano seguinte, foi a vez de Mossoró prestar a sua homenagem, inaugurando, no dia 29 de agosto de 1997, o “Largo Monsenhor Huberto Bruening”. Ao lado direito da Catedral foi construído um pórtico, com pedestal encimado pelo busto do Monsenhor Huberto. Em placa de bronze afixada no pedestal se pode ler:

“Ao Mons. Huberto Bruening
o carinho e a gratidão da Cidade
e da Diocese de Santa Luzia de Mossoró.
* 30-03-14 – S. Ludgero – SC
+ 29-08-95 – Mossoró – RN.”

Nesse ano Centenário a diocese e a cidade de Mossoró promovem eventos comemorativos, incluindo os 80 anos da diocese. O trabalho de Pe. Huberto Bruening floresceu. A Igreja de Mossoró passou por crises que ele lamentava, mas renasceu. Hoje tem 46 padres! Igreja viva, participativa há nela, e muito, o suor fecundo de Monsenhor. A pequena e pobre cidade de 30 mil habitantes em 1936 hoje é cidade de médio porte no semi-árido, contando com 280 mil habitantes.

Padre José Artulino Besen é bacharel em filosofia, escritor e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e da Academia Catarinense de Letras

*Texto originalmente publicado no blog do autor (veja AQUI).

Leia também: Só Rindo – Conversa com Huberto Bruening.

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Otávio diz:

    Ele era amigo de calçada do meu avô e quando criança já vi eles conversando várias vezes. Gostava de fazer coisas engraçadas para a gente rir, como mexer a orelha

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