Por Inácio Augusto de Almeida
E lá se vão mais de 55 anos que eu te conheci, Mossoró.
Lembro-me ainda das sessões de sábado no Cine PAX, onde quase sempre os filmes eram de guerra ou de espionagem. De Afundem o Bismarck ao Dia D, de Um corpo que cai ao Homem que sabia demais, vi tudo.
E aos domingos eram os seriados, no Cine Caiçara, onde o Batman, sempre acompanhado do Robin, vencia os seus eternos inimigos, inimigos que na outra semana já estavam soltos e de volta ao crime.
Eu ficava chocado com aquilo, não entendia como aqueles criminosos já podiam estar soltos. È que a criança que eu era ainda desconhecia que cadeia só existe mesmo para ladrão pé-de-chinelo. Hoje eu entendo que existem ladrões e ladrões.
Havia também os jogos de futebol de salão na quadra do ADP, onde atletas bons de bola e outros não tão bons deslumbravam a grande plateia que sempre lotava a quadra do mais simpático clube mossoroense. E nas noites mais alegres, quando varávamos as madrugadas e caminhávamos tranquilamente por estas tuas ruas tortuosas e cheias de histórias.
Lembro-me, eu ainda um garoto descobrindo o gosto do pecado na Copacabana, na Casablanca ou no Bar Brahma.
Saíamos, eu e meus colegas, da Escola Técnica de Comércio União Caixeiral e nas nossas bicicletas íamos à busca das primeiras emoções sem nem mesmo pedir a proteção da deusa Vênus. E de corpo e alma nos atirávamos no bem-bom do amor cheio de sonhos e de fantasias.
No amor puro, sem medo, sem preconceitos e sem ciúmes. No amor simplesmente amor.
Dávamo-nos por completo e recebíamos em troca toda a emoção represada naquelas mulheres que ansiavam por alguém a quem querer bem.
O tempo passou.
Corri mundos, andei por lugares que nunca sonhei, conheci terras diferentes, gente com outros costumes, outros valores. Mas um dia a saudade bateu forte. E a volta aconteceu. E vejo uma Mossoró diferente.
O que houve com a Farmácia dos Pobres, com o cafezinho na Praça do PAX, com as lutas de vale-tudo que aconteciam nas noites de sábado na ADP, onde o magrinho Takiano sempre vencia os grandalhões, usando para isto a técnica do jiu-jítsu?
E o menino acreditava que as lutas eram para valer…
Hoje o homem não acredita nem mais que as disputas eleitorais são para valer…
A estrada para Tibau sendo duplicada nem lembra a pequena trilha de chão batido que dava acesso a uma da mais lindas praias do mundo. Já não mais vejo as fábricas de sal, onde o ouro branco era esmagado e ensacado para ser levado para todos os lugares deste Brasil. E junto com o sal, nas embalagens, ia o nome Mossoró.
Hoje já não existe a fábrica de óleo Tibiriçá.
Hoje já não existe a corrida de bicicleta Assu/Mossoró que era realizada anualmente.
Hoje já não existem os banhos no rio que leva o teu nome.
Mas hoje ainda existe a mesma determinação nesta gente sem medo. Foi aqui que o bandido Lampião sofreu sua primeira derrota, derrota que animou outras cidades a não mais se curvarem aos desejos do facínora e de seu bando de malfeitores. Foi aqui que pela primeira vez no Brasil uma mulher recebeu o seu título de eleitor. Em 1928 Celina Guimarães Viana tornou-se a primeira mulher apta a votar, direito este que somente depois de muitas lutas foi estendido a todas as mulheres brasileiras. Isto muitos anos depois.
Foi aqui que cinco anos antes da Lei Áurea a escravidão foi abolida.
E quando olho para este céu sempre azulado lembro-me do azul dos olhos da mulher amada. E nas brancuras das dunas de sal vejo a pureza da alma de uma gente que não se deixa dobrar por nada nem por ninguém.
O progresso fez mudanças físicas. Mas o progresso não conseguiu mudar o jeito simples e bom dos teus filhos. O teu espírito não mudou. Continua hoje o mesmo do meu tempo de adolescente. E não mudou porque sempre fostes autêntica. E é esta autenticidade que faz com que eu te ame sempre mais e mais.
Obrigado por me aceitar, Mossoró. Talvez um dia eu possa dizer que sou teu filho. Nem que a adoção seja à tua revelia…
Inácio Augusto de Almeida é jornalista e escritor
fiz uma viagem de volta a minha infancia adolencencia com esta crônica, era assim mesmo!
Belíssima sua crônica caro jornalista, pois nos leva a um passado próximo belo e puro, sem medos e sem constrangimentos de sabermos que foi ontem e nos deixa lembranças reais de quanto éramos felizes sem a violência urbana que nos deixam reféns em nossas residências. Mas a violência não é só privilégio ( triste ) nosso e sim de todo Brasil. A violência é um mal causado na raiz de nossos lares, pois a celula mãe da sociedade que se chama Família, está em decadência , onde os principais valores que são os pais não são respeitados e, onde não se tem mais temor a Deus. Precisamos resgatar esses principais valores.
Que bacana, Inácio. A sua bonita crônica me encheu de saudade. Como era gostoso sair à noite, pela madrugada, radiola e um punhado de discos debaixo do braço, não podia faltar Roberto Carlos, Jerry Adriani, Wanderley Cardoso e tantos outros que só cantavam musiquinhas bobas que falavam de amor. A namorada nem sempre acordava, mas valia a pena o esforço de caminhar pela madrugada sem qualquer medo de quem quer que fosse. Tínhamos a proteção do Major Clodoaldo e os seus comandados, poucos, é claro, que faziam a ronda policial no único transporte que havia na polícia de Mossoró: Um Jeep amarelo.
Como você mesmo diz no seu texto, o tempo passou e as coisas mudaram por aqui. É verdade, Inácio. Por aqui não se escuta mais o toque matinal das sirenes. Aquilo parecia mais uma sinfonia para acordar os pássaros e as pessoas preguiçosas. Era o toque para dizer que o dia estava começando para tudo e para todos.
O barzinho da praça do Pax, era o Pavilhão Vitória. Tinha uma canjiquinha que só de lembrar me dá água na boca.
E os Parques de Diversão, para onde foram? Você já imaginou o que era chegar no parque de diversão e começar uma paquera com uma garota e poder lhe oferecer uma música através do serviço de alto falante do parque. Era tiro e queda. Não tinha como a garota não cair. Quantas vezes eu ofereci a música DOMINGO A TARDE – Nelson Ned, com a certeza de que a menina iria cair na minha lábia. Parece que foi ontem, mas lembro-me da voz do locutor dizendo: ESTA LINDA PÁGINA MUSICAL VAI PARA UM ALGUÉM DE BLUSA ENCARNADA E QUE ESTÁ SEGURANDO UMA FOLHA DE CASTANHOLA E QUEM OFERECE É OUTRO ALGUÉM QUE ESTÁ EM SUA FRENTE OLHANDO PARA VOCÊ. NELSON NED, DOMINGO A TARDE. Era fatal. Não tinha como dá errado.
E as festas no Ypiranda, Inácio. Totoezinho e Seu Conjunto, depois Os Tremendões, Os Bárbaros, Inflamáveis/Infla 6. Parece que estou vendo, a mesa cheia de copos, algumas garrafas de coca-cola, um baldinho com gelo e o principal: Um litro de Ron Montilla. Na porta do club, lá fora, o taxi de Manoel Cardoso, que nos levava para casa. Isso, quando havia alguma sobra de dinheiro, que nunca sobrava mesmo.
Ah, e os cabarés. As famosas boates. Foi numa dessas que eu estreei. Que coisa gostosa foi aquilo que aconteceu naquela noite. Já imaginou, Inácio. Depois de tantas justiças feitas com as próprias mãos, ter estreado na boate A PERNAMBUCANA. Você acha que eu vou esquecer uma coisa dessa. É inesquecível.
E os desfiles de 30 de setembro daquele tempo e eu, desfilando com uma roupa de lutador de Karatê. Era como se estivesse dentro daquela roupa o próprio Bruce Lee. Hoje, está mais para desfile de escola de samba.
E as festas que Raimundo Sacristão promovia ali onde hoje é a Fábrica de Mosaico Bonito, na Avenida que mudou de nome e hoje é Dix-Neuf Rosado. Rua toda enfeitada e barracas para todos os gostos. Raimundo era o sacristão da Catedral de Santa Luzia e tinha como seu admirador maior, o Padre Mota.
Como é que dá para esquecer o Café e Bar Mossoró do “Seo” Fransquinho, com aquele pastel feito na hora, o litro de suco de cajarana ou tamarindo, super gelados, e também, aquela salada de frutas onde acompanhava uma bola de sorvete. Que delícia, era aquilo. A brutalidade do “Seo” Fransquinho, ninguém ligava.
É muita coisa para lembrar, Inácio. Tinha o Bar dos Doidos – Rua Coronel Gurgel com Felipe Camarão. Nozinho e Ovídio Fernandes. Eram irmãos e intrigados, também. O Bar dos Doidos, foi o primeiro estabelecimento comercial a funcionar 24 horas em Mossoró. Na parte interna do bar havia a seguinte mensagem: ABERTO DIA E NOITE. Eu gostava do Bar dos Doidos, pois o cachorro quente de lá vinha num prato sopeiro, o pão grande, cheio de carne moída, uns dois quilos de verduras e mais duas conchas grandes de caldo. Era comer para duas pessoas famintas.
Vou ficando por aqui, Inácio. Mas, fique certo que a Mossoró daquele tempo, era uma Mossoró mais romântica e mais feliz. Saudade também é bom, amigo.
Um abraço grande e parabéns pela sua crônica saudosista.
Sebastião Almeida.
Sebastiao voce lembrou de coisas que ja tinha esquecido,voce foi longe.Quando dizem que o tempo e o senhor de tudo e de todos e a mais pura verdade.
Com estes comentários voltei 40 anos no tempo. Era muito bom aquela Mossoró, só quem viveu aquele tempo sabe disto. Obrigado por vocês me fazerem recordar de tempo tão precioso.
Como é bom ler essas histórias com gosto e cheiro de Mossoró de antigamente. Como é bom sentir a poeira do tempo invadir minha imaginação. Amo história, principalmente a de Mossoró. Agradecendo a bela narrativa cheia de saudade…Touché!