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domingo - 22/01/2017 - 08:34h

Mundo às avessas; desfaçatez às escancaras

Por Marcos Pinto

Lemos   o  mundo  às  avessas   e  queixamo-nos  de  não  compreender“. (Tagore).

O  ordenamento  factual  dos  últimos  anos  tem  sido   prolífico  em  desmontar   a  concretude  e  as  certezas  de  várias  ciências, impondo-nos  um  perfil   degringolante.   A  empáfia   arrogante   de   poderosos   detentores   das  maiores   riquezas  do  mundo   projetou-os , levando-os   a ascensão   e   ao  comando  das   superpotências, como  é  o  caso  do  fenômeno   Donald    Trump,  nos  Estados   Unidos.  Arremessam o   presente  ao   redemoinho   sísmico   do   imponderável   e  do    imprevisível.

Configurase  um   tétrico  e  desmotivante   quadro  de  um    mundo  onde  a  maioria   dos  fatos   que   impulsionam    o  cotidiano   apresentam-se   às   avessas,  insuflado   por  detentores   de  sórdida   desfaçatez    destilada   às   escâncaras.    A  dignidade    e  a   honra  são   violentamente    relegadas    a    segundo   plano.

Os   valores    cristãos  são  vistos  como  coisa  corriqueira, corrente,   efêmero,passante,em  trânsito    –  aquilo   que  não  apenas   se  vai,  mas que  não  esgota   o    destino.    Há  um  lampejo  de  sorte   que  ainda    nos   deparamos   com   espasmos  de  amplos  sentimentos  de dignidade,  sustentando  o   tom  da  composição   diuturna.

Somos  a  maioria   assustada  com   o   futuro,  sem  o  alento  da    perspectiva  da  chegada  da   velhice   desassistida   em  direitos,  e violentada com  a  nova  proposta  de  reforma  da  previdência  social.  O  que  mais  nos  espanta  é  o    silêncio  cúmplice  da  classe   política, que  não apresenta  o  mínimo  interesse  para  a  imprescindível   adoção  de  estratégias  que  levem  a  saída   da  crise.

A  situação  agrava-se  com  o  desvirtuamento  da   fé, através  de  algumas  igrejas  ditas   protestantes, em  que   Jesus  Cristo  é   vendido   como mercadoria  e   à  prestação.  Pastores   já  mudaram  até  o  nome  referencial   para  apóstolos.   Passam  para  a  plebe  ignara  uma  sensação   poderosa  no  manejo  da   palavra,  imprimindo  surpreendente  dinâmica  a  informações  de  fatos  corriqueiros,  ligando-os  e  comparando-os  a  eventos   bíblicos.

Transmitem  a  certeza  fantasiosa  de  um  lugar  no   paraíso,  verbalizando   a   sugestão  das  contingências   aos  fatos  elencados.

Dia-à dia   aumenta  o  número  de  hipócritas   e  farsantes, a  transitar  lépidos  e   fagueiros  em  todos  os  segmentos  sociais, cujas  descrições factuais  são  de  uma  nitidez, de  um  gosto  pelo   detalhe, que  o  interlocutor  fica  realmente   a  ver  tanto  o   cenário  quanto  a  ação, como coisas  vivas, realizáveis.

As  experiências  e  a  extração  das  lições   dos  acontecimentos  pretéritos   são  sedimentados  por  uma  amnésia   dominante.  O esquecimento  torna-se  um  bálsamo  para  os  fracassos, as  mais  dolorosas   culpas e  até  mesmo  para   crimes.  Mesmo  sob  o   impacto  de acontecimentos   recorrentemente  terríveis  e  horripilantes, veiculados  nos  programas   policias  radiofônicos   e  televisivos, firmam  uma visão  progressiva  e  otimista  de  um  final promissor  como  habitante  da   Corte   divina.

Esse  premeditado   e   infundado  otimismo  faz  com  que  as  pessoas  vejam  as   tragédias   dos  outros  em  lances   remotos,  mas  não  vêem   aquelas  que  estão  diante  delas  próprias.

De  nada  adiantará   procurarmos  válvulas   de  escape   para  nossas  atitudes   amnésicas.   Quando  vivemos  tempos  de  relativa tranquilidade,  esquecemos   das   artimanhas  do  ter  e  do  possuir.  Nunca  devemos  olvidar  da  insubsistência  das  posições  almejadas  e conquistadas,  da  mudança  de  rumo  dos  ventos  e  dos  tempos.

A  ambição  e  o  egocentrismo  empurraram   a  prudência   para  o   plano  do  esquecimento,  do  desprezo   voluntarioso.

O  incauto   materialista   dialético   sabe  da  importância  da  convocação  da  prudência  para  antever  os  riscos  do  futuro.  Nesse   dolente caminhar  surgem  rios   revoltosos  e  destrutivos,   animados pelas devastadoras ondas do imprevisto, pelo   acaso  e  pelo  contingenciamento letal  das  minudências.

Longe   de  mim  a  pretensão  de  ser  detentor  da  capacidade  de  resolução  de  fatos  e  atos   arrebatadores.

Inté.

Marcos Pinto é escritor e advogado

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Marcos Pinto. diz:

    Uma correção: Na penúltima linha, onde se lê …contingenciamento letal das contingências, Leia-se contingenciamento letal das minudências.

  2. Marcos Pinto. diz:

    Obrigadooo pela sua contumaz e inerente fidalguia. Como diz o nosso querido amigo Chico de Neco Carteiro: Abraçaço.

  3. Geraldo Fernandes diz:

    Mais uma vez Dr Marcos Pinto mandou bem,

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