Por Marcos Pinto
“Lemos o mundo às avessas e queixamo-nos de não compreender“. (Tagore).
O ordenamento factual dos últimos anos tem sido prolífico em desmontar a concretude e as certezas de várias ciências, impondo-nos um perfil degringolante. A empáfia arrogante de poderosos detentores das maiores riquezas do mundo projetou-os , levando-os a ascensão e ao comando das superpotências, como é o caso do fenômeno Donald Trump, nos Estados Unidos. Arremessam o presente ao redemoinho sísmico do imponderável e do imprevisível.
Configurase um tétrico e desmotivante quadro de um mundo onde a maioria dos fatos que impulsionam o cotidiano apresentam-se às avessas, insuflado por detentores de sórdida desfaçatez destilada às escâncaras. A dignidade e a honra são violentamente relegadas a segundo plano.
Os valores cristãos são vistos como coisa corriqueira, corrente, efêmero,passante,em trânsito – aquilo que não apenas se vai, mas que não esgota o destino. Há um lampejo de sorte que ainda nos deparamos com espasmos de amplos sentimentos de dignidade, sustentando o tom da composição diuturna.
Somos a maioria assustada com o futuro, sem o alento da perspectiva da chegada da velhice desassistida em direitos, e violentada com a nova proposta de reforma da previdência social. O que mais nos espanta é o silêncio cúmplice da classe política, que não apresenta o mínimo interesse para a imprescindível adoção de estratégias que levem a saída da crise.
A situação agrava-se com o desvirtuamento da fé, através de algumas igrejas ditas protestantes, em que Jesus Cristo é vendido como mercadoria e à prestação. Pastores já mudaram até o nome referencial para apóstolos. Passam para a plebe ignara uma sensação poderosa no manejo da palavra, imprimindo surpreendente dinâmica a informações de fatos corriqueiros, ligando-os e comparando-os a eventos bíblicos.
Transmitem a certeza fantasiosa de um lugar no paraíso, verbalizando a sugestão das contingências aos fatos elencados.
Dia-à dia aumenta o número de hipócritas e farsantes, a transitar lépidos e fagueiros em todos os segmentos sociais, cujas descrições factuais são de uma nitidez, de um gosto pelo detalhe, que o interlocutor fica realmente a ver tanto o cenário quanto a ação, como coisas vivas, realizáveis.
As experiências e a extração das lições dos acontecimentos pretéritos são sedimentados por uma amnésia dominante. O esquecimento torna-se um bálsamo para os fracassos, as mais dolorosas culpas e até mesmo para crimes. Mesmo sob o impacto de acontecimentos recorrentemente terríveis e horripilantes, veiculados nos programas policias radiofônicos e televisivos, firmam uma visão progressiva e otimista de um final promissor como habitante da Corte divina.
Esse premeditado e infundado otimismo faz com que as pessoas vejam as tragédias dos outros em lances remotos, mas não vêem aquelas que estão diante delas próprias.
De nada adiantará procurarmos válvulas de escape para nossas atitudes amnésicas. Quando vivemos tempos de relativa tranquilidade, esquecemos das artimanhas do ter e do possuir. Nunca devemos olvidar da insubsistência das posições almejadas e conquistadas, da mudança de rumo dos ventos e dos tempos.
A ambição e o egocentrismo empurraram a prudência para o plano do esquecimento, do desprezo voluntarioso.
O incauto materialista dialético sabe da importância da convocação da prudência para antever os riscos do futuro. Nesse dolente caminhar surgem rios revoltosos e destrutivos, animados pelas devastadoras ondas do imprevisto, pelo acaso e pelo contingenciamento letal das minudências.
Longe de mim a pretensão de ser detentor da capacidade de resolução de fatos e atos arrebatadores.
Inté.
Marcos Pinto é escritor e advogado
Uma correção: Na penúltima linha, onde se lê …contingenciamento letal das contingências, Leia-se contingenciamento letal das minudências.
NOTA DO BLOG – Fiz retificação, Marcos.
Bom domingo
Obrigadooo pela sua contumaz e inerente fidalguia. Como diz o nosso querido amigo Chico de Neco Carteiro: Abraçaço.
Mais uma vez Dr Marcos Pinto mandou bem,