domingo - 22/12/2024 - 14:00h

Não é tristeza, é cansaço

Por Honório de Medeiros 

Imagem do autor da crônica

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“O que você chama de preguiça, eu batizei de cansaço”.

“Isso mesmo, cansaço”.

“Não, não é depressão. Procurei os Doutores, e eles me garantiram que não. São homens cheios de diplomas e certezas. Quem sou eu para deles discordar?”

“Fui atrás desse estranho mundo que os homens estão construindo, a tal da Rede, e os Sábios que lá fazem guarida disseram a mesma coisa”.

“Não ouso contestá-los: tenho até certo receio de que entendam mal algum elogio meu, se houvesse”.

“Fiquei tranquilo quanto a isso”.

“Melancolia? Pode ser. Entretanto, me disseram que a diferença entre tristeza e melancolia é a permanência. Uma é passageira, a outra insiste em não desistir”.

“Mas acho que não. Não estou permanentemente triste, portanto, não estou melancólico”.

“Sequer estou triste”. “Estou cansado, é outra coisa. A tristeza parece ter causa específica, seja ela qual seja”.

“Ela vem, por exemplo, quando perdemos alguém que amamos, ou presenciamos algo injusto e sucumbimos ante nossa impotência…”

“Estar cansado, esse cansaço de tudo e de nada, a vontade de ficar por aqui e ali, sem fazer coisa alguma específica, essa lassidão de corpo e de alma, é diferente”.

“Na tristeza e preguiça eu não me levantaria para pegar um bebê e lhe cobrir de beijos”. “Não ergueria a mão para fazer um carinho, quanto mais muitos outros”.

“Não tiraria o carro da garagem para viajar pelo interior pensando no pôr do sol por trás da Serra do Camará, lá no Sertão de Baixo, ou em ver a lua botando luz nas águas do açude de Cerro Corá, por entre a ramagem de nossa aroeira”.

“Então, como vê, se é que sei de algo a meu próprio respeito, isso é somente cansaço, mesmo. Aquele cansaço que aparece quando o tempo bate na nossa porta e nos diz que há muitas histórias em nossa mente e coração que não foram contadas”.

“E não serão”.

“Como a primeira noite que a minha memória agasalhou, foi na praia do Tibau, era uma noite escura, havia o bramido do mar do mês de janeiro, um frio molhado, fiquei maravilhado com a dança dos vagalumes”.

“Ou a noite na qual eu, inocente, contava as estrelas do céu sem lua do Ingá e alguém me advertiu: menino, seu dedo vai criar verrugas!”

“Deixa pra lá…”

“Enfim, o que resta é isso mesmo, esse cansaço que me agasalha e nos deixa, como dizer, pensativos, ensimesmados, com o olhar perdido no tempo”.

“É somente isso. Nada mais”.

Natal, meados de dezembro de 2024.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura de Natal e Governo do RN

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Categoria(s): Crônica

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