Por Marcos Araújo
Há uma famosa pintura atribuída a Friedrich Moritz August Retzsch, artista alemão do século XIX, intitulada “Xeque-Mate”. A obra retrata uma cena tensa: de um lado da mesa, o Diabo triunfante; do outro, um jovem abatido, desesperançado. No tabuleiro de xadrez entre eles, parece não haver mais escapatória: o Diabo sorri, certo de sua vitória, enquanto o jovem vê todas as peças alinhadas contra ele. Mas, a despeito das aparências, há uma peça esquecida: o rei ainda não foi vencido. Existe uma última jogada.
Esse quadro tem servido, ao longo dos tempos, como metáfora poderosa da luta entre o bem e o mal, entre o desespero e a resistência. E talvez não haja figura mais apropriada para ilustrar o momento que vivemos no Brasil.
Vivemos um tempo em que o tabuleiro nacional parece dominado por forças hostis à racionalidade, à liberdade e ao senso comum. A política se vê encurralada por polarizações que se retroalimentam. A sociedade, fraturada, busca identidade em extremos. E o Direito — última trincheira da civilidade — parece por vezes cooptado por conveniências ideológicas, ativismos institucionais ou silêncios convenientes.
Em nome de causas, esquecem-se os princípios. Em nome da ordem, rasga-se o devido processo legal. Em nome do bem comum, toleram-se abusos que seriam intoleráveis em qualquer democracia madura. O povo — como o jovem do quadro — observa o tabuleiro com crescente desesperança, como se os lances já tivessem sido todos feitos e a derrota fosse inevitável. Mas talvez, como no quadro de Retzsch, o jogo ainda não esteja perdido.
Conta-se que um grande enxadrista, ao observar essa pintura, exclamou: “O jogo ainda não acabou! O rei ainda tem uma última jogada!”. A observação partira do lendário campeão de xadrez Paul Morphy (1837–1884). Essa frase, que virou quase uma lenda, carrega um ensinamento poderoso: a esperança não está em negar a gravidade do cenário, mas em enxergar além do óbvio. O que parece xeque-mate pode ser apenas aparência — se houver sabedoria, coragem e fé.
O Brasil precisa reencontrar essa última jogada.
Talvez ela esteja na redescoberta dos valores republicanos, na restauração dos freios e contrapesos constitucionais, na recuperação da confiança entre as instituições e os cidadãos. Talvez esteja na sociedade civil, que pode — e deve — abandonar a passividade e exigir ética, técnica e decência na política. Talvez esteja na juventude, nos educadores, nos pequenos atos de resistência ao cinismo e à mentira.
A democracia brasileira não pode ser reduzida a um duelo de torcidas nem a um teatro de vaidades togadas. É tempo de nos lembrar de que o jogo da história nunca está encerrado enquanto houver um povo disposto a lutar, pensar e crer.
Como no quadro de Retzsch, pode parecer que o Diabo venceu. Mas o rei ainda pode se mover. Ainda há uma última jogada…Nas mãos do povo.
Marcos Araújo é advogado, escritor e professor da Uern
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