domingo - 12/10/2025 - 08:00h

O Efeito Casulo – Dia 20

Por Marcos Ferreira

Arte ilustrativa com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Arte ilustrativa com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Terra úmida e fofa. Tempo chuvoso. Caía um borrifo d’água. Tive receio de não conseguir. Contudo a pá descia fácil, empurrada vez por outra com o pé direito. Calçava botas de couro com sola de borracha. A folha de metal seguiu cortando a terra úmida, aumentando o tamanho da cova perto do muro aos fundos desta casa. De modo premeditado, eu iniciara a abertura do buraco no começo da manhã e findara no meio da tarde, deixando-o com a profundidade necessária. Não choveu forte nas últimas quarenta e oito horas e por isso não acumulou água na cavidade.

Foi a primeira vez que matei alguém; e logo um duplo assassinato. Sepultei-os na calada da noite, nos fundos do meu extenso quintal. Foram atraídos por uma promessa de fazermos as pazes e, quem sabe, experimentarmos um ménage à trois. Não contavam que estavam caindo na arapuca de um homem frio, calculista, de instinto vingativo. Logo me livrei dos cadáveres e agora seguirei com os poucos meses de vida que me restam. Mas não foi fácil sumir com os corpos dos safados.

Eu suspirava, exausto. Enxugava a água e o suor das faces com as costas das mãos. Daqui por diante poderei descansar. Não desejo outra coisa exceto agir como se nada houvesse acontecido e cuidar da minha curta vida. Estou satisfeito e um tanto orgulhoso de mim mesmo. Segui o plano à risca e deu tudo certo. Aqueles filhos da puta tinham que morrer. Se Deus não me perdoar, não importa.

Adotei uma estratégia infalível: vinho tinto com sedativo, substância cuja receita adquiri com o doutor Jarbas Sabóia. Falei que nas últimas noites tenho sofrido com insônia, o que de certa forma é verdade. Assim, conforme eu esperava, a bebida e o sedativo derrubaram os patifes. Daí a pouco Roberto disse que estava com muito sono, deixou a mesa aqui na cozinha e foi se deitar no sofá. Leopoldo ainda tentava resistir ao efeito do vinho com o sonífero. Porém, estando ele já grogue, acertei-lhe a cabeça (pelas costas) com a pá deixada estrategicamente próxima da porta da cozinha. Ao tombar, quebrou uma taça, virou a garrafa sobre a mesa e desarrumou parte da toalha. Depressa ergui a garrafa e joguei os cacos da taça num cesto de lixo. Leopoldo ficou estirado no chão, enquanto Roberto estava debruçado no sofá. Troquei de roupa e calcei as botas. O cheiro do vinho recendia no ambiente meio na penumbra. Será difícil desvendarem o sumiço de ambos. Felizmente, tenho a favor o seguinte detalhe: nenhuma residência aqui nesse trecho da Pedro Velho possui câmeras de segurança.

Se, porém, a polícia chegar até mim por algum motivo, imagino que será tarde demais. É possível que eu já esteja morto e enterrado. Cuidei de recolher os celulares deles, quebrei os chips, joguei no sanitário e dei descarga. Os aparelhos foram sepultados juntamente com os seus respectivos donos.

“Vocês tiveram o que mereciam”, falei de mim para comigo enquanto me preparava para arrastar os dois para uma cova só. Por segurança, apliquei uma pancada com as costas da pá na cabeça de Roberto. Uma pequenina quantidade de sangue tingiu a pá. “Esse também está prontinho para cumprir o seu destino”, pensei enquanto os relâmpagos clareavam as frinchas do telhado, e os trovões ribombavam como se a casa porventura fosse desabar. Era uma noite desértica nesta Pedro Velho. Em razão da garoa, nenhum vizinho se aventurou a colocar uma cadeira na calçada. Ajoelhei-me e conferi as veias do pescoço de Leopoldo e de Roberto. Nada. Nenhum sinal de pulsação. Nunca mais esses sacanas vão espancar quem quer que seja.

O mais difícil foi arrastar os dois até o buraco. Então, depois de percorrer pouco menos de trinta metros puxando meus agressores pelos braços (um de cada vez, claro), consegui colocá-los na cova. Quando comecei a lançar as pás de terra, percebi que Leopoldo ainda respirava. Olhos cerrados, gemia baixinho. Isso me angustiou e concluí que não poderia enterrar ninguém vivo, embora se tratasse de um canalha. Daí posicionei a pá e o acertei na testa umas duas ou três vezes.

Nessa noite, após um banho demorado, dormi um sono profundo e reparador. Na manhã seguinte, como parte do plano de vingança, enterrei no local algumas sementes de jacarandá, árvore bela e de rápido crescimento.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Conto/Romance

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