quarta-feira - 03/06/2009 - 11:17h

O espírito antidemocrático da “reforma política”

Parece existir finalmente um consenso entre membros da chamada elite política brasileira, quanto ao tema “reforma política”: ela, de novo, não vingará. O Congresso Nacional não se entende.

O corre-corre agora é para se arranjar, outra vez, um atalho que oportunize apenas recauchutagem no sistema vigente. 

Por que a reforma política continua emperrada e o Brasil não avança mais na legislação político-partidária-eleitoral? 

Existem várias explicações, que se cruzam e se fundem ou se excluem, mas de alguma forma esclarecem o “buraco negro” da questão. Talvez tudo esteja concentrado no jogo de interesses conflitantes, acima das aspirações do país e do seu povo.

Temos um modelo político que preserva a prosperidade de clãs em vez de apostar na solidez partidária; que inibe a renovação de quadros; incapaz de ser igual para todos e pródigo em alimentar a corrupção.

As propostas mais destacadas são uma tentativa de golpe contra a frágil democracia nacional. O argumento para sustentá-las chega a ser um leque de sofismas, todos assentados na tese de que nos países mais avançados “é assim que funciona”. Balela.

O discurso encobre a má-fé de seus principais defensores. Eles não querem melhorar a legislação e, sim, torná-la ainda mais fechada à manipulação contra a vanguarda, a modernidade e o respeito à soberania popular.

Vejamos só algumas das pérolas em evidência:

1 – Financiamento público de campanha – Na realidade o financiamento já existe. Temos um regime misto, em que o erário entra de várias formas na conta final de campanhas e pré-campanhas. É o caso do “Fundo Partidário” que atende aos partidos; a propaganda eleitoral “gratuita” que de gratuita não tem nada.

Coloque nesse rebolo o que parlamentares e executivos derramam na propaganda personalista, tudo coberto pelo cofre estatal. De um programa de rádio e impressos (jornais, revistas etc).

Com o financiamento público no modelo pretendido por essa corriola, não desaparecerá a doação das grandes empresas. Entrarão definitivamente como Caixa 2, 3 etc. Levam a pior os pequenos partidos, que não interessam ao grande capital financiador.

2 – Lista fechada – Trata-se de outra bandidagem. Num passado remoto, o político era conhecido por ser vinculado a um partido. Exemplo: “Aluízio Alves do MDB”. Nos últimos tempos a gente houve diferente: “O PMDB de Henrique Alves”.

A proposta de dar ao comando partidário a prerrogativa de selecionar seus candidatos em “fila indiana”, para o eleitor votar numa chapa única a vereador, deputado estadual e federal, apenas vai privilegiar quem o “dono” da sigla quiser. Seu filho, irmão, sua concubina etc. E lógico que apareceriam casos de compra de vaga por quem pudesse e desejasse.

3 – Cláusula de barreira – É a tentativa de limitar ainda mais a vida "útil" dos pequenos partidos, como se eles fossem simples legendas de aluguel. O argumento é que só servem para negociatas em tempos eleitorais, daí a exigência que atinjam um número “xis” de votos.

Ocorre que a compra dos pequenos é normalmente feita pelos grandes e não o inverso. Só há corrupção com a existência de três ingredientes: o corruptor, o corrupto e o fato concreto em si. Nunca ouvi falar que o PHS tivesse “alugado” o DEM.

Todos têm direito à organização partidária, uma conquista político e civil amparada na Constituição. Em países mais sólidos em termos democráticos, partidos existem às dezenas. Assim é na França, Estados Unidos, Itália etc.

4 – Voto distrital – Essa é outra armadilha para favorecimento dos gigantes, oligarquias e dinastias. Em vez de um candidato deputado federal ter que catar votos em todo o RN, o seu espaço geopolítico ficaria limitado à área menor. Na prática ele deixaria de despejar R$ 5 milhões (estimativa mínima) em 167 municípios, para a concentração de recursos ficar em 20, por exemplo. Mais fácil de triturar adversários emergentes.

5 – Fidelidade partidária – Querem criar uma “janela” para a infidelidade. A brecha é a oficialização da quebra de compromisso com partido e o eleitor. A Justiça Eleitoral tinha decidido sobre a verticalização, mas o Congresso tratou de derrubá-la para ele mesmo continuar desmoralizando a vida partidária nativa.

6 – Fim de suplentes ao Senado – Corretíssimo. O atual formato é um absurdo. O candidato muitas vezes tem como suplente o filho, pai, sobrinho ou alguém para lhe bancar a campanha em troca de certos favores. O ideal é que o segundo colocado assuma, em caso de impedimento do eleito.

7 – Fim das coligações proporcionais – Acertado – Cada partido deve revelar sua própria força de atração de votos, capacidade de pulverização de sua mensagem e fôlego para outros pleitos.  Dificultaria mais os "acertos" que desaguam no poder, normalmente todo fatiado em negociatas. Deve ser mantido o voto proporcional, para valorizar a organização partidária e não nomes de forma individual.

Obs: Seria interessante também, que eleitos a cargos proporcionais fossem impedidos de assumir cargos de confiança no Executivo. Afinal de contas, cada um é eleito para ser vereador, deputado estadual ou federal e não secretário, ministro etc. Se houvesse a tal opção, então deveria renunciar e não se licenciar. ´

Obs 2: Já o senador que quisesse ser candidato a prefeito, governador ou outro cargo, seria obrigado à renúncia e não ao licenciamento. Assim ajudaria muito na renovação dos quadros políticos. No momento, o mandato é sempre objeto mudanças carregadas de enredos estranhos.

8 – Ficha suja – A ideia reinante é que o candidato condenado em primeira instância fique impedido de concorrer a qualquer cargo eletivo. Creio ser precipitada a decisão nesse tom. Em certas comunas, com grupos influentes agindo sobre o Judiciário, muita gente poderia ser prejudicada com fabricação de "sentenças".

Mas sensato é que processos quanto a agentes públicos tenha um rito diferenciado, para se tornar mais célere. Condenações transitado em julgado (sem direito a recurso algum) garantem o amplo direito à defesa. Inaceitável, porém, é que determinados processos durem cinco, dez anos ou mais.

9 – Voto facultativo – O Brasil ainda não tem ambiente político-social para adotar essa modalidade de voto, em que o eleitor tem liberdade para votar ou não. É preciso primeiro formarmos consciência crítica e condições sociais para esse novo salto, como aconteceu em toda nação que o adotou até aqui.

Nota do Blog – Depois depois vou sequenciar o tema, com outra abordagem sobre nossa flácida democracia.

* Esta postagem faz parte da série Pauta do Internauta.

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Categoria(s): Blog

Comentários

  1. Odemirton Filho diz:

    A reforma política se arrasta. Há algo para ser mudado, efetivamente. Contudo, o interesse de alguns se sobrepõe, as reais necessidades do povo brasileiro. A incipiente democracia brasileira ainda precisa de muito para se consolidar, como exemplo, cito que não se deve votar em partidos em lista fechada, em que poucos serão benefeciados, deve-se privilegiar o voto no candidato, esse sim depositário dos anseios do povo.

  2. Neto Vale diz:

    a reforma política se arrasta já algum tempo porque não há interesse da parte dos grandes partidos que isso aconteça. o atual modelo é elitista e dificulta os partidos do campo democrático e popular. neste sentido, temos que fortalecer a cultura partidária, temos que votar em propostas, em concepção de sociedade. ao contrário do nobre blogueiro o financiamento público faz parte dessa tentativa, assim a lista fechada, essa nos partidos democráticos o fortaleceram e abrirá perspectivas para a participação da juventude e das mulheres. não sei se o fim das coligações é melhor caminho, a aliança em torno de idéias ou ponto comum é salutar; a fidelidade é importante, nosso campo já pratica, faz parte da cultura partidária do democrático e popular. concordo com vossa opinião a cerca do voto distrital, na verdade “voto de curral”, o vosso raciocínio está correto, o que prevalecerá será o poder econômico que se concentrará. a cláusura de barreira é outra anomalia, cabe ao povo livre e soberania impor suas próprias restriçoes, barreira, fazendo suas escolhas. na verdade é preciso muita cautela nesta questão. uma boa referência é observar como se posicionar os “malandros’, os grupos familiares, no geral essa cambada sob o pretexto de aproximar o “parlamentar” do eleitor ou de valorizar o personalismo e não os partidos, estão pensando em como ferrar o nosso povo e de preferência contando seu precioso apoio(do próprio povo). solicito ao nobre sempre que possível dar uma olhada no “www.vermelho.org.br”, onde o nossos parlamentares expõe a opinião do PC do B a cerca do tema. um abraço, até a próxima.

  3. Everton Carlos da Costa Cardoso diz:

    Carlos Santos, numa verdadeira democracria, o cidadão é livre para fazer o que quizer, respeitando os direitos das outras pessoas. Numa verdadeira democracia, ninguém é obrigado a fazer algo. Numa verdadeira democracia, o cidadão não é obrigado a votar.

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