domingo - 16/06/2013 - 12:32h

O Ministério Público deve resistir a leis iníquas?

Por Honório de Medeiros

Consta que indagado pelo repórter Dinarte Assunção, do Novo Jornal (edição de 14 de junho de 2013), acerca do pagamento da remuneração indireta denominada “Auxílio-Moradia” ao Ministério Público potiguar, seu futuro Presidente e beneficiário respondeu que não podia analisar o assunto à luz de suas convicções pessoais:

“Não posso. Não posso fazer uma interpretação eu sozinho. Nenhum gestor pode estar fazendo juízo de valor só dele. (O entendimento) É pela responsabilidade que a gente tem com o órgão. Como gestor, devo estar atrelado à legislação. Eu tenho que ter como parâmetro a jurisprudência oficial. Não posso trazer meus valores. Não posso trazer meus valores pessoais.”

Como diria um grande amigo meu chegado ao português de antanho, quedei perplexo.

Então quer dizer que quando o promotor escolhe entre uma jurisprudência e outra, uma lei e outra, uma doutrina e outra, não o faz a partir de alguma convicção pessoal? Se assim o é, como o faz?

Ao dizer o que disse, o promotor quer que nós creiamos que não é a pessoa dele quem toma essas decisões enquanto Presidente de uma instituição. A pessoa dele fica em casa, um cidadão como outro qualquer, com suas convicções pessoais, enquanto quando vestido com as insígnias do cargo está um órgão a quem é dado a condição de encontrar a Verdade-Em-Si-Mesma contida nas normas jurídicas e nas jurisprudências, normas jurídicas e jurisprudências essas concebidas por outros órgãos semelhantes a ele, capazes de perceber algo que somente tais órgãos veem, uma extraordinária manifestação de inteligência diferenciada, e que o vulgo não consegue.

Menos a verdade, caro promotor. Desde Kant, pelo menos, que a coisa não é assim.

Fuja dessa maldita armadilha platônica de acreditar que há verdades morais fora de nós. Não há fundamento nessa retórica dicotomia entre homem x órgão. Não há como deixar o cidadão em casa.

Em qualquer decisão que o órgão, o promotor tome, o cidadão, por menos que se queira, estará presente. Essa argumentação desenvolvida por aquele a quem a Constituição Federal atribuiu o papel de defensor da Sociedade é recorrente entre os burocratas que querem se furtar ao pesado ônus de decidir se algo é justo ou não, legítimo ou não, quando analisam a norma jurídica e o resultado da análise incomoda porque incomoda o cidadão que é a essência do burocrata.

Incomodado, o burocrata se esconde por trás do discurso técnico, aparentemente neutro, escondendo o cidadão.

Trata-se de uma transferência de responsabilidade, de um escudo retórico: não faço porque queira; faço porque assim determina a lei.

Ora, na lei, na Constituição Federal, principalmente nos princípios, há possibilidades de interpretação que viabilizem qualquer juízo de valor. Tais princípios são extremamente difusos, confusos mesmo, sem consistência pragmática, aptos a suportar qualquer veleidade comportamental humana.

É o caso, por exemplo, do Princípio da Moralidade.

Portanto é muito frágil essa linha de raciocínio usada pelo futuro Presidente do Ministério Público Estadual.

Quanto ao mais, para evitar-se uma solução radical que possa prejudicar a imagem do órgão, haja vista a natureza impositiva da lei que obriga o recebimento do auxílio-moradia, mas pode ferir as convicções pessoais dos cidadãos que são promotores, sugiro uma solução salomônica: os promotores obedecem à decisão da lei, instituem o pagamento, mas doam essa diferença remuneratória iníqua às instituições de caridade.

Assim estaria resolvido o impasse moral e os promotores poderiam, sem hesitar, trazerem suas convicções pessoais de casa e leva-las até o Ministério Público.

Por fim, em homenagem a todos que lutaram contra leis iníquas, recusando-se a cumpri-las, lembro aqui os jovens americanos que resistiram à convocação para lutar no Vietnã, mesmo sabendo que seriam presos por tal. E lembro, também, todos os promotores, juízes, policiais, servidores públicos, enfim, que, em algum momento de sua vida, ousaram resistir a alguma lei iníqua.

Resista promotor!

Assuma suas convicções pessoais!

Ah! Uma última questão para quem ler esse artigo: uma lei é iníqua quando você necessita de arroubos retóricos, contorcionismos verbais, excessiva e empolada linguagem técnica para justificar sua existência.

Recomendo a todos quanto quiserem aquilatar a iniquidade desse auxílio-moradia lerem o texto “ENGENHARIA JURÍDICA”, do jornalista Aluísio Lacerda (AQUI).

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Marcos Pinto. diz:

    Com algumas exceções pontuais, esse texto se insere literalmente na atuação do Ex-Procrurador Geral do MP Manoel Onofre Júnior.

  2. Marcos Pinto. diz:

    Retificando: Manoel Onofre de Neto.

  3. Marcos Pinto. diz:

    Digo, Manoel Onofre Neto.

  4. Marcos Araújo diz:

    Brilhante artigo, Professor Honório!
    Magistral lição de que não se biparte a personalidade e a equidade moral entre o servidor público e o cidadão. Não cabe partição de interesses.
    Abraços do seu admirador.

  5. Marcos Pinto. diz:

    Se estes – Os Promotores, não doam o descomedido e inconcebível e famigerado e insípido e incipiente AUXÍLIO-MORADIA à instituições de caridade, fazem jus ao objeto de que este foi criado como mais um adjutório econômico ao seu portentoso e ostensivo salário, que por sua vez constitui um acinte ao humilde salário mínimo do trabalhador brasileiro. Oh mundo cão !.

  6. Inácio Augusto de Almeida diz:

    Enquanto isto eu fico há exatos um ano e três meses tentando adotar duas crianças que já moram comigo há quatro anos e não consigo. Até advogada tive de contratar. Fiz exame de sanidade mental (será que neste país quem quer adotar uma criança é doido?), apresentei atestado de bons antecedentes e tudo o mais que se possa imaginar.
    O mais incrível.
    EU SOU CASADO COM A MÃE DAS DUAS CRIANÇAS.
    Em que lugar do mundo isto pode acontecer?
    Enquanto isto fica o governo na televisão gastando dinheiro em publicIdade para que as pessoas adotem uma criança.
    Senhores membros do Tribunal de Justiça do RN vejam este meu caso.
    Estou já com 67 anos e quero deixar estas crianças pelas quais nutro um amor paternal muito forte completamente amparadas no que diz respeito aos direitos da família.
    Onde está a prioridade no atendimento ao idoso?
    Por que tanta dificuldade nesta adoção?
    Será que terei que encaminhar este fato ao Ministro da Justiça?
    Será que terei que encaminhar este fato à Presidenta Dilma?
    Será que terei que encaminhar este fato a todos os jornais, rádios, televisões e revistas deste país?
    Será que eu não tenho o direito de adotar duas crianças com a plena concordância da mãe, mãe esta que é a minha legítima esposa?
    Por que tanta demora?
    Sou portador de pressão alta e diabetes.
    E SE EU MORRER ANTES DESTA ADOÇÃO SAIR?
    QUE OS DESEMBARGADORES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ANALISEM ESTE CASO.
    O que pode estar acontecendo para este processo de adoção demorar tanto?
    Inácio Augusto de Almeida
    Jornalista
    Registro Profissional 303 DRT-CE
    Peço a ajuda dos meus colegas jornalistas de todo o Brasil nesta minha luta pela adoção destas que dentro do meu coração são minhas filhas.
    REPRODUZAM ESTE TEXTO, PELO AMOR DE DEUS.
    EU NÃO QUERO MORRER SEM ANTES ADOTAR ESTAS MINHAS DUAS FILHAS.

  7. Francy Granjeiro diz:

    A Ditadura voltou?
    Ops!digo Ditabranda.

  8. FERNANDO fF diz:

    Aos senhores do olimpo jurico tudo,para os educadores nem cuccuz.

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