O pior encontro casual da noite ainda é o do homem autobiográfico. Chega, senta e começa a crônica de si mesmo: "Acordo às sete da manhã e a primeira coisa que faço é tomar o meu bom chuveiro".
Como são desprezíveis as pessoas que falam no "bom chuveiro!" E segue o parceiro: "Depois peço os jornais, sento à mesa e tomo meu café reforçado". Ah, a pena de morte, para as pessoas que tomam "café reforçado!" E a explanação continua: "Nos jornais, vocês me desculpem mas, a mim, só interessa o artigo de Macedo Soares e as histórias em quadrinhos".
Nessa altura o autobiográfico procura colocar-se em dois planos, que lhe ficam muito bem: o que ele julga de seriedade política (Macedo) e o outro, de folgazante espiritual (histórias em quadrinhos).
E vai daí para outra modesta homenagem a si mesmo: "Aí, então, é que vou me vestir. Quanto à roupa, nunca liguei muito, mas, camisa e cueca, tenha paciência, eu mudo todo dia". O "tenha paciência" é porque está absolutamente certo de que estamos com a camisa e a cueca de ontem.
"Acordo minha senhora, pergunto se ela quer alguma coisa e vou para o escritório". Gente que chama a mulher de "minha senhora" está sempre pensando que: não acreditamos que eles sejam casados no civil e no religioso; no fundo, desconfiamos de que sua mulher lhe seja infiel.
E vai adiante o mal-feliz: "Só aí vou para o escritório, mas nunca antes de passar no jornal, para ver se há alguma coisa". Esse "passar no jornal" é um pouco difícil de explicar. Mas todo homem banal tem muita vergonha de não ser jornalista e alude sempre a um jornal, do qual tem duas ações ou pertence a um primo, ou amigo íntimo.
Vai por aí contando sua vidinha, que termina, melancolicamente, com esta frase: "À noite, eu sou da família!". Bonito!
"Visto meu pijama, janto, deito no sofá e vou ver a televisão, com as crianças em cima de mim".
Está aí o retrato perfeito do cretino nacional. E, o que é triste, além de numeroso, está em toda parte. Que horror me causam as pessoas do "bom chuveiro", do "café reforçado", os de "Macedo Soares e das histórias em quadrinhos" (os que gostam só de Macedo Soares ou só de histórias em quadrinhos são ótimos), que precisam dizer que mudam camisa e cueca todos os dias, as que citam "sua senhora" e os que "passam no jornal, antes de ir para o escritório".
Nossa maior repulsa, ainda, por quem janta de pijama e deita no sofá, com as crianças em cima. Ah, essa gente me procura tanto!
Antônio Maria (1921-1964) – Jornalista, compositor e cronista pernambucano
* Texto extraído do livro "Com vocês, Antônio Maria", Editora Paz e Terra – Rio de Janeiro, 1994, pág. 163.
Esse texto antecipa a ressalva que eu ainda vou fazer quanto ao lançamento do seu livro: “Os que passam aquilo no jornal e depois deitam com as crianças em cima, sempre pegam carona e assume o volante da coisa e se passam como proprietários.
Seu livro, com certeza, ocupará um espaço no meu acervo bibliográfico porque sei que é bom e se é bom dispensa “certas” arranjos cerimoniais os quais legitimam os piores encontros casuais.
heheheh, isto me fez lembrar de ontem ao ser aberto oficial o cidade Junina, no itinerario de o pingo da mei-dia, qdo deu-se em um encontro “casual” diga-se de passagem, hululante de ambas as partes, de uma banda estava gustavo e chico carlos na outra larissa daniela rosado e sua trupe, ambas as bandas em festa pura com visttas a 2012. ufa q saia justa…, nao necessariamente a saia mas a situaçao ali de festa junina oa meio da afirmativa p/ os anos vindouiros.. no pingo, chico ou larissa? eis a questao