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domingo - 08/09/2024 - 06:22h

O Porto Franco

Por Odemirton Filho

Embarque de sal ensacado no Porto Franco, em 1940 (Reprodução do Baú de Macau)

Embarque de sal ensacado no Porto Franco, em 1940 (Reprodução do Baú de Macau)

Sempre tive a curiosidade de conhecer a história do Porto Franco. Encontrei algumas notas em relação à sua criação e localização, e de como foi vital para a economia da nossa região. Fiz a minha pesquisa lendo alguns historiadores locais, sobretudo Geraldo Maia e Francisco Fausto de Souza. Às vezes, em minhas diligências lá na cidade de Grossos, indago a algumas pessoas sobre o Porto Franco, contudo, não consigo informações detalhadas, a maioria até desconhece. Felizmente, nesses tempos de internet, temos o conhecimento ao alcance de nossas mãos.

Segundo consta, coube ao comerciante suíço Ulrich Graff à concessão por parte da então Província do Rio Grande do Norte, em 1875, para a construção de uma linha de ferro, ligando Mossoró a Petrolina. À época, o transporte de mercadorias era feito por meio de tropas de burros. Todavia, por falta de recursos financeiros, o comerciante não conseguiu concretizar o empreendimento.

Cabe uma nota sobre o comerciante suíço: foi por meio do vigário Antônio Joaquim, com sua influência, que se generalizou pela província, a vinda para Mossoró do capitalista João Ulrich Graff, chefe da firma J. U. Graff & Cia, com casas em outros lugares. Data daí, do estabelecimento dessa poderosa firma importadora e exportadora, a grande comercial de Mossoró, que dantes fazia suas provisões de Aracati. Visionário, o comerciante tentou dar impulso as suas atividades e ao comércio local, pois uma linha de ferro certamente daria celeridade ao fluxo de mercadorias importadas e exportadas.

Entretanto, somente em agosto de 1912, com a Companhia Estrada de Ferro de Mossoró S.A, pelo trabalho da firma Sabóia de Albuquerque & Cia, iniciou-se a construção da linha férrea. Em 19 de março de 1915 foi inaugurado o primeiro trecho, ligando o Porto Franco (atualmente a cidade de Grossos), em Areia Branca, e Mossoró.

De acordo com o historiador Geraldo Maia, “quando a locomotiva “Alberto Maranhão” chegou à Estação, foi recebida com aplauso.  Na plataforma do carro-chefe da composição, viajavam: João Tomé de Sabóia, Cel. Vicente Sabóia de Albuquerque, Farmacêutico Jerônimo Rosado, Camilo Filgueira, Rodolfo Fernandes, Cel. Bento Praxedes, Vicente Carlos de Sabóia Filho, além do mais velho habitante da cidade, o Sr. Quintiniano Fraga, que ostentava o pavilhão nacional. Aquele 19 de março foi realmente uma data muito importante para Mossoró”.

O periódico O Comércio de Mossoró registrou: “Toda a população correu à estação: eram homens, mulheres, meninos, de todas as classes e de todas as idades. O trem entrou grave e solene, devagar para não atropelar o povo que se apinhava ao longo da estação, saudando-o, vibrando”.

Não sei ao certo, mas lembro que ainda criança, talvez, lá pelo final dos anos setenta, início dos anos oitenta, eu fui no trem até a cidade de Sousa, na Paraíba. Há fatos de nossas vidas que marcam, ficam guardadas na memória, e eu tenho um fio de lembrança daquele dia.

No tocante ao comércio com a cidade de Areia Branca, o historiador Francisco Fausto de Souza, no seu livro sobre a história de Mossoró, descreveu: “as comunicações terrestres, ora são feitas por intermédio de Porto Franco, ponto inicial da estrada de ferro Mossoró, ou estradas carroçáveis entre os municípios de Açu e Mossoró”. Produtos como o sal, algodão, mandioca, cana-de-açúcar, entre outros, iam e vinham do Porto Franco.

Permita-me ressaltar um fato histórico:

“Durante a República Velha no estado do Rio Grande do Norte, as matérias-primas como o sal e o algodão foram os produtos de maior peso e valor monetário na pauta das exportações, acompanhado pelo açúcar e pela cera de carnaúba. Nesse período, as disputas econômicas entre o Rio Grande do Norte e o Ceará culminaram em disputas territoriais. Como no estado havia muitas terras com potencial salineiro, e mediante a proibição de Pernambuco na fabricação de carne seca em 1788, enfrentamos uma grande perda na economia norte rio-grandense. Entretanto, o Ceará que poderia continuar fabricando esse produto de “Aracati para o norte”, precisava da matéria-prima do sal e reivindicou as terras de Grossos (RN) ricas em salinas. Assim, iniciou-se à época a delimitação entre os estados do Rio Grande do Norte e o Ceará, desembocando numa refinada discussão jurídica acerca dos limites e fronteiras territoriais entre o RN e o CE. Em 1901 algo sobre a questão de limites foi publicado pelos jornais potiguares, quando A República fez pela primeira vez menção ao conflito”. (extraído do livro 130 anos do TJRN: do papel à Justiça 4.0).

Por fim, sobre o Porto Franco, eu li que a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e a Prefeitura Municipal de Grossos firmaram uma parceria, num projeto que resgata a história do Porto; o objetivo seria a confecção de uma cartilha, a fim de ser trabalhada com os alunos da rede municipal de ensino. Espero que a parceria tenha rendido frutos, pois conhecer o passado é fundamental para se entender o presente.

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Bruno Ernesto diz:

    Que belíssimo registro, Odemirton! Assim como você, sempre fico a imaginar como eram aqueles locais históricos no auge de suas atividades. Nossa região é riquíssima, não só economicamente, sobretudo, na história do povo. Também trago na memória a lembrança de ter ido algumas vezes deixar o meu avô paterno, Silvio Ernesto, para embarcar de trem de Mossoró para Patu. Tenho uma imagem latente na minha memória de meu pai comprando a passagem dele na janelinha da bilheteria da hoje Estação das Artes. Até já fui lá na mesma janela só para reavivar aquele dia. Já a questão de Grossos, certamente é um fato histórico importantíssimo para nós. Inclusive, Ruy Barbosa e Tavares de Lyra (Macaibense) foram os advogado contratados pelo Estado do Rio Grande do Norte e que obtiveram a vitória. Parabéns pelo resgate histórico!

    • Odemirton Filho diz:

      Exatamente, meu caro. Gosto sempre de resgatar fatos históricos, pois acho fundamental conhecer as nossas origens familiares e o chão no qual pisamos.
      Um abraço.

      • Carlos Antônio Soares diz:

        Parabéns Ordemirton, já que vc conhece tão bem o assunto Porto FRANCO, tenho uma vaga lembrança de interferência do Cel.Francisco Solon, no assunto “Pôrto Franco/limites R N/Ce” onde foi envolvido a Inglaterra em um financiamento para melhorias do Porto. Tem fundamento?

  2. Rocha Neto diz:

    Interessante como você Odemirton, consegue mexer com a minha infância vivenciada em sua maior parte na beira da linha do trem, o velho Expedito Rocha, meu saudoso pai, era um dos comerciantes que possua uma bodega no histórico local da feira livre, denominada de Buraco do Tatú, inclusive sei aonde fica o local aonde a centenária tamarineira com suas raízes frondosas conseguia disfarçar dos caçadores, aonde o tão falado tatú escapava da morte, pois para muitos sua carne saborosa fazia parte do menu nordestino.
    Voltando ao contexto da linha férrea por onde corria a antiga locomotiva Maria Fumaça, que tinha como combustão a lenha trazida de nossas caatingas, lembro e muito bem; que além do sal e algodão produzidos nas salinas e capoeiras do sertão do oeste potiguar, também o gesso das jazidas do povoado de São Sebastião, hoje cidade de Governador Dix-Sept Rosado era escoado pelo Porto Franco.
    Por sinal cheguei a viajar para Porto Franco, saindo de Mossoró em carona de um vagão carregado com pepitas de gesso que seria colocadas em barcaças lá na margem esquerda do rio Mossoró, precisamente no terreno aonde hoje fica a salina Piabinha, onde estão instaladas as bombas elétricas para captação da água do mar para a produção do sal marinho.
    Desde meu tempo ao lado do meu pai, um dos comerciantes do original Buraco do Tatú, o destino quiz que um dia, eu ingressasse na indústria salineira, prestando serviços nas maiores empresas do ramo salineiro, Salinas Alfredo Fernandes, Norsal, Cirne e Sosal, e numa tarde qualquer parasse exatamente na base de concreto aonde um dia foi realmente o Porto Franco da região salineira e algodoeira do nosso velho estado potiguar, e alí contemplando o horizonte para o lado leste do universo rumo ao Porto Ilha, toda uma história da minha vida pueril aflorasse com a emoção que só o tempo há de apagar.
    Concluindo, te faço um convite amigo de “copo e cruz”, para junto irmos um dia contemplar as pilastras de concreto decoradas por casulos de ostras e taiobas lá na margem do velho rio Mossoró, aonde um dia foi realmente o nosso Porto Franco.
    Seu artigo em tela está supimpa!! como sempre!
    Um abraço.
    P.S. Desculpas p comentário quilométrico!!! Caaaaaaaaakkkkkkk

    • Carlos Santos diz:

      NOTA DO BLOG – Tanta memória, tanta história, mas você reluta em escrever um livro necessário ao nosso tempo e às próximas gerações. Eu ainda vou conseguir esse feito de editar livro seu. Me aguarde. Abração e grande semana.

      • Odemirton Filho diz:

        Exatamente, meu caro Editor. Também já pedi várias vezes para que Rocha Neto escreva sobre suas reminiscências, que são muitas.
        Mas ele reluta, é teimoso que só. Votz!

    • Odemirton Filho diz:

      Meu amigo, saudade de seus comentários. Que, aliás, são um complemento ao texto. Comente vez ou outra, por favor.
      Um forte abraço.

  3. Rocha Neto diz:

    Adendo…
    Mencionei o Buraco do Tatú, pois o início da linha férrea para Porto Franco, partia dali passando pela Estrada da Raiz e até alcançar o município de Grossos.

  4. Inacio Rodrigues diz:

    Que história rica! Me animou a pesquisar mais! Parabéns, Dr. Odemirton!

    • Odemirton Filho diz:

      Sim, meu caro Inácio, é uma história rica, bastante interessante. Creio que existem vários detalhes que desconhecemos. Faça uma pesquisa e, com certeza, encontrará.
      Um forte abraço.

  5. Nildo diz:

    Belo registro! Meu pai nasceu e foi criado no Porto Franco, Meu avô foi um dos agentes da estação ferroviária do Porto Franco.

  6. Francenildo Máximo diz:

    Meu pai nasceu e foi criado no Porto Franco, Meu avô foi um dos agentes da estação ferroviária do Porto

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