Por François Silvestre
O Brasil vive momentos de navegação sem bússola. Há uma sensação de barco à deriva. Com a tripulação amotinada. E o pior é que nem o comando sabe pra que lado fica o Norte nem os amotinados distinguem a direção do Sul. Ou o vice-versa do inverso.
A passagem do cruzeiro é paga pelo contribuinte, que não faz parte da cúpula nem da militância dos amotinados. E não é por omissão, mas por cansaço e nojo.
O Brasil não é neófito nesse tipo de crise. Pelo contrário, é um laboratório da História em matéria de instabilidade política e institucional.
Na colonização viveu os atropelos dos usurpadores. Cada um deles oferecendo prebendas e roubando riquezas. Sem exceção. Os donos “descobridores” e seus concorrentes no processo de rapina que durou cerca de três séculos.
Os nativos e os aqui nascidos que adotaram a terra como sua casa, viviam escondidos no quintal; enquanto a rapinagem fazia o rateio na sala de estar. A semelhança com o hoje é notória.
Veio a “independência” negociada, “antes que um aventureiro lance mão”. Como se não fossem eles os aventureiros originários. E nós os mal-aventurados.
O Império, montado na soleira da Casa real dos Bragança, só tinha de imperial a pompa simbólica. Não possuía colônias, só províncias. Pobres, endividadas e atrasadas.
A queda do primeiro Imperador, também negociada, ao levar a burra cheia para derrotar, na Guerra do Porto, o seu irmão Miguel, destronador da irmã, cujo resultado foi a coroação de Pedro IV de Portugal, o mesmo que fora Pedro I do Brasil.
O arrumado produziu as crises do intervalo. Regências de todos os números. Até que se completou o acordo, ao se colocar na cabeça do adolescente Pedro de Alcântara a coroa guardada longe do “lance da mão de um aventureiro”.
Veio um período até longo de estabilidade política, mesmo com os constantes embates das lutas nativas aqui ou acolá.
Porém, não foi uma estabilidade pela força da autoridade ou do seu crédito. Mas pela força do símbolo. E essa força simbólica tem perseguido o Brasil até hoje. Somos um país da casca, que é símbolo. E não do miolo, que é o organismo. Quando a casca apodrece, o miolo se expõe.
Ao perder a força do símbolo, caiu o segundo Império. Tão decrépito quanto o próprio Imperador.
A República, simbolicamente republicana, nunca o foi na realidade uma república contínua. Mas retalhos de poderes ditos republicanos ao sabor de cada tempo com suas crises.
Intercalada de períodos aristocráticos, autoritários, populistas ou ditatoriais. A única coisa permanente nessas interseções, sem exceção, é a demagogia.
Limpeza política só nos tempos de Pindorama. Dos índios, que conheciam apenas “um”, “dois” e “muitos”.
Em mares de céu cinzento navega o Brasil, no balanço de enjoo. Onde está o cruzeiro do Sul? Cadê a estrela Polar?
Té mais.
François Silvestre é escritor
* Texto originalmente publicado no Novo Jornal.
Miais uma aula de história e de sabedoria, sobretudo do saber dizer, contar e escrever sobre essa mesma história.
A leitura do belo artigo acima, pode muito bem ser traduzido como a síntese do conhecimento e do desnudamento das nuances do processo histórico nacional, sobretudo das mudanças políticas e do poder, que de fato, desde as capitanias hereditárias, efetivamente não mudaram muita coisa, e só evidencia o quanto a cultura, atávica e empedernida cultura do imobilismo político, social e cultural, ainda hoje nos envolve, nos amordaça e nos mantém praticamente à mercê do mesmo Status quo de quinhentos anos atrás.
Obrigadíssimo meu Caro François Silvestre…!!!
FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
OAB/RN. 7318.