domingo - 20/04/2025 - 08:46h

Obrigado, Neuza

Por Bruno Ernesto

Óleo sobre tela de autoria de Neuza Medeiros, homenageada na crônica (Foto: Bruno Ernesto)

Óleo sobre tela de autoria de Neuza Medeiros, homenageada na crônica (Foto: Bruno Ernesto)

Quando alguém me pergunta qual é o segredo para se escrever uma crônica, minha resposta é simples e direta: observe a vida ao seu redor.

Escrever uma crônica nada mais é que uma extensão tangível do nosso pensamento e sentimentos.

Escreve-se o que, por vezes, não se diz.

O hábito de ler, embora indispensável para o ofício, representa apenas uma fração do que é necessário para a criação de uma crônica.

Sentimento, percepção e sensibilidade são o que, de fato, nos induz e conduz nessa criação.

Aliás, nem criação é. Se fosse criação, seria uma estória.

Por ser a pura realidade, ainda que figurativa, nos faz refletir e, talvez, desperte algo parecido em quem se disponha a lê-la. Ainda que seja sem interesse.

Tem dia que é mais fácil; dia mais difícil. Alguns, impossíveis. E hoje é um dia difícil.

Embora seja Sexta-feira Santa, acordei cedo como sempre e, num despertar lento e compassado, sentei e aguardei meus gatos virem se enroscar nas minhas pernas, num balé sincopado entre roçados e miados, como de costume.

O dia aparentemente seria como qualquer outro. Não foi.

Até pensei em enviar uma mensagem para o editor, comunicando que talvez não conseguisse escrever algo para esse domingo. Pediria sua compreensão.

Talvez no decorrer do outro dia surgisse uma estreita faixa de luz que me levasse a um texto sóbrio, apurado. Mas seria o outro dia. Não serviria. Perderia sua essência.

No decorrer do dia, num misto de emoção e incredulidade, descartei a ideia pois, às vezes, a crônica vem justamente como uma avalanche.

Imediatamente me veio – vividamente -, a nossa última conversa. Ao pé do ouvido, no aniversário de quinze anos de minha filha – sua única neta, como dizia -, comemorado há exatas duas semanas.

Há alguns anos os nossos caminhos já não convergiam como outrora.

Os almoços aos domingos e o veraneio em Tibau ficaram na minha memória. Porém minha admiração e respeito seguiram inabaláveis. Admiração e respeito são inegociáveis.

Me perguntou se eu ainda tinha a tela que ela pintou e me presenteou há vários anos, num dom artístico que despertara na flor da idade.

– Claro, que sim! O deserto, as pirâmides. Está na sala de casa, em Natal. Numa linda moldura vermelha.

Me pediu que me enviasse uma foto para completar o seu acervo para a exposição que estava por acontecer. Me comprometi, a trazê-la para a exposição.

– É uma das que mais estimo. Porém não devolvo.

Sorrimos como há muito não sorríamos numa conversa franca.

Um tanta debilitada, quis abraçá-la, porém, não o fiz. Não o fiz.

Queria tanto retribuir o afetuoso, consolador e longo abraço que ela me dera cinco anos, no dia da despedida do meu pai. Jamais esquecerei.

Mal sabia que aquela seria nossa despedida. Sorrimos e nos despedimos.

Não deu tempo par mais nada.

Só para as boas lembranças, agradecimento e saudade.

*Crônica em homenagem à Neuza Medeiros, servidora aposentada da Universidade do Estado do RN (UERN).

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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Categoria(s): Crônica

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