Por Bruno Ernesto
Quando alguém me pergunta qual é o segredo para se escrever uma crônica, minha resposta é simples e direta: observe a vida ao seu redor.
Escrever uma crônica nada mais é que uma extensão tangível do nosso pensamento e sentimentos.
Escreve-se o que, por vezes, não se diz.
O hábito de ler, embora indispensável para o ofício, representa apenas uma fração do que é necessário para a criação de uma crônica.
Sentimento, percepção e sensibilidade são o que, de fato, nos induz e conduz nessa criação.
Aliás, nem criação é. Se fosse criação, seria uma estória.
Por ser a pura realidade, ainda que figurativa, nos faz refletir e, talvez, desperte algo parecido em quem se disponha a lê-la. Ainda que seja sem interesse.
Tem dia que é mais fácil; dia mais difícil. Alguns, impossíveis. E hoje é um dia difícil.
Embora seja Sexta-feira Santa, acordei cedo como sempre e, num despertar lento e compassado, sentei e aguardei meus gatos virem se enroscar nas minhas pernas, num balé sincopado entre roçados e miados, como de costume.
O dia aparentemente seria como qualquer outro. Não foi.
Até pensei em enviar uma mensagem para o editor, comunicando que talvez não conseguisse escrever algo para esse domingo. Pediria sua compreensão.
Talvez no decorrer do outro dia surgisse uma estreita faixa de luz que me levasse a um texto sóbrio, apurado. Mas seria o outro dia. Não serviria. Perderia sua essência.
No decorrer do dia, num misto de emoção e incredulidade, descartei a ideia pois, às vezes, a crônica vem justamente como uma avalanche.
Imediatamente me veio – vividamente -, a nossa última conversa. Ao pé do ouvido, no aniversário de quinze anos de minha filha – sua única neta, como dizia -, comemorado há exatas duas semanas.
Há alguns anos os nossos caminhos já não convergiam como outrora.
Os almoços aos domingos e o veraneio em Tibau ficaram na minha memória. Porém minha admiração e respeito seguiram inabaláveis. Admiração e respeito são inegociáveis.
Me perguntou se eu ainda tinha a tela que ela pintou e me presenteou há vários anos, num dom artístico que despertara na flor da idade.
– Claro, que sim! O deserto, as pirâmides. Está na sala de casa, em Natal. Numa linda moldura vermelha.
Me pediu que me enviasse uma foto para completar o seu acervo para a exposição que estava por acontecer. Me comprometi, a trazê-la para a exposição.
– É uma das que mais estimo. Porém não devolvo.
Sorrimos como há muito não sorríamos numa conversa franca.
Um tanta debilitada, quis abraçá-la, porém, não o fiz. Não o fiz.
Queria tanto retribuir o afetuoso, consolador e longo abraço que ela me dera cinco anos, no dia da despedida do meu pai. Jamais esquecerei.
Mal sabia que aquela seria nossa despedida. Sorrimos e nos despedimos.
Não deu tempo par mais nada.
Só para as boas lembranças, agradecimento e saudade.
*Crônica em homenagem à Neuza Medeiros, servidora aposentada da Universidade do Estado do RN (UERN).
Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor
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