Por Francisco Edilson Leite Pinto Júnior
Sempre que posso, leio “As mil e uma noites”. Acho incrivelmente fantástica a artimanha de Xerazade, que para se livrar da ira do sultão (traído pela primeira esposa, resolve casar, a cada noite, com uma mulher diferente, para matá-la a cada amanhecer), começa a contar histórias “agradáveis e belas”, cujo desfecho, permanece sempre em aberto:
“Isso não é nada comparado ao que irei contar-lhe na próxima noite, se eu viver e for preservada”…
Jorge Luis Borges, no ensaio sobre este livro, faz questão de destacar a beleza do título: “É um dos mais belos do mundo… pois está no fato de que para nós a palavra ‘mil’ é quase sinônima de infinito. Dizer mil noites é dizer infinitas noites, as muitas noites, as inúmeras noites. Dizer ‘mil e uma noites’ é acrescentar uma ao infinito…”.
Nietzsche dizia que a arte existe, para que a verdade não nos destrua. E a verdade é que todos nós, um dia, morreremos. Esta é a mais certa de todas as verdades! A não ser que consigamos fazer como Xerazade, que contando histórias, consegue vencer Tânatos, consegue viver eternamente… A não ser que consigamos fazer como Beethoven, que através da sua Nona sinfonia, mesmo surdo – consegue enganar a morte – e continua vivo até hoje; a não ser que consigamos fazer como Cristo, que veio ao mundo apenas para amar e dizer a mais bela e simples frase, que resume toda a nossa existência:
“Amai o próximo como a ti mesmo!”.
Portanto, caro leitor, todas essas pessoas – que conseguiram driblar a morte e enganá-la-, tinham em comum a mesma coisa: amavam o que faziam… Veja a mensagem que Drummond, no inicio do seu belo poema “A quadrilha”, quis passar: “João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém.”.
Enquanto havia amor entre os personagens, não havia necessidade de vírgulas ou pontos, pois não havia pausa e nem fim: a vida era eterna! Mas aí, Lili resolveu não amar ninguém e o Poeta de Itabira teve que colocar um ponto final. A corrente se desfez, e o fim chegou.
Ensinar é um ato de amor. “Não é possível ser professor”, alertava Paulo Freire, “sem amar os alunos e sem gostar do que se faz!”. Por isso, acredito que Amor e Fé, talvez sejam as únicas coisas que, verdadeiramente, valem a pena passar para os nossos alunos.
Como?! Vou explicar, caro leitor! Vou explicar… Era domingo à noite. Estava de plantão no Hospital Luiz Antônio, toca o telefone: “Dr. Edilson, tem um médico do interior querendo falar com o senhor!/ Alô?!/ Pois não!/ Eu gostaria de falar com o medico de plantão…/ Pode falar, é Edilson Pinto!/ Professor!!!/ Quem falar?!/ É João Carlos!/ Oi, meu caro, a que devo a honra?!/ Sabe o que é professor: estou aqui no interior, com o paciente da LIGA, portador de neoplasia de próstata, com diabetes descompensada e já fiz tais e tais condutas, mas ele precisa de internamento, como devo proceder?!/ Olha, pode encaminhar que eu vou reservar um leito, para interná-lo./ Muito obrigado, professor!/ Até a próxima, João!”.
Até aí não há nada demais nessa história, não é caro leitor? Mas, duas horas depois, chega o paciente, ao CSO da LIGA.
E antes mesmo de começar a anamnese e exame físico, os familiares se dirigiram a mim, dizendo: “Doutor, o médico lá do interior diz que conhece o senhor, é verdade? Olha, vou falar… até hoje não vi médico mais atencioso… espero que o senhor seja parecido com ele”. Após, ter prometido aos familiares que iria me esforçar para não decepcioná-los, ri e chorei de alegria, afinal, estava também compondo o meu poema: “ERNANI Rosado ALDO Medeiros FRANCISCO de Lima CELSO Matias CARLOS Formiga FERNANDO Suassuna LUIZ Alberto IAPERÍ Araújo CARLOS Dutra STÊNIO Silveira e Francisco Carlos LA GAMBA que amavam Edilson Pinto que amava João Carlos que amava seu José”…
Pensas que o poema parou aí, caro leitor?! Não! Quarta-feira, da mesma semana, toca o celular e aparece, no WhatsApp, uma foto com a seguinte mensagem:
“Professor! Veja o que sua aluna Karol foi capaz de fazer… É a sua aula de ontem, sendo colocada em prática. Abraços, Rafael Rosas (Professor da UnP)”.
E assim, o poema continuou, não é caro leitor: “SÍLVIA Fonseca BERNADETE Cordeiro FÁTIMA Azevedo ANA Maria DALVA Araujo MARIA do Carmo MARIA Willions YVELISE Castro e IARA Marques que amavam Edilson Pinto que amava Rafael Rosas que amava Karolynne que amava seu João”…
Pensas que o poema parou aí, caro leitor?! Não! No dia seguinte, na quinta feira, recebo o email, do meu fiel e bom companheiro, Bruno Pessoa: “Caro professor, segue o texto inaugural do nosso novo blog: Veredas Médicas. Espero que aprecie a empreitada:(//veredasmedicas.blogspot.com.br/2013/03/boi-com-sede-bebe-lama.html)”; e assim, o poema continuou: “COQUINHO (História) HELDER e AUGUSTO (Matemática) JOCA (Biologia) PONTES (Física) Reinaldo RONDINELLI (INCA) Francisco REZENDE (INCA) e Alfredo GUARISCHI (INCA) que amavam Edilson Pinto que amava Bruno Pessoa que amava o seu pequenino paciente”…
Caro leitor, eu poderia passar toda a eternidade contando essas histórias de ex-professores e ex-alunos meus… E o mais interessante é que eu nunca poderia imaginar que, no dia 25 de março de 1993, há exatos 20 anos, ao assinar o meu contrato de Professor auxiliar I na UFRN, estava conseguindo driblar a morte, pois estava colocando mais um dia, nas minhas “mil noites”; colocando mais um dia ao infinito…
P.S. Dedico esse artigo a todos os meus mestres do Colégio Salesiano, da Faculdade de Medicina da UFRN, das residências médicas dos hospitais de Bonsucesso/Instituto Nacional de Câncer e, principalmente, aos meus mais de 2000 mil alunos, que tive o privilégio e o prazer de ensiná-los, nestes 20 anos de magistério…
Francisco Edilson Leite Pinto Junior – Professor (que enganou a morte), médico e escritor.
A MÚSICA DO DOMINGO
Devaneio
Era a saudade do passado.
Era um olhar em meu caminho…
agora a sombra do passado,
é uma sombra de lado,
já não vivo sozinho…
É minha crença no que creio.
É a certeza de que és minha…
meu sonho lindo, devaneio,
amanhã é você, só você,
viva inteirinha…
///
Como pode uma música como esta não mais tocar nas nossas rádios?
Como não existir, nem nas madrugadas, um programa para manter estas músicas vivas?
Enquanto o Carlos Santos permitir, todos os domingos postarei a letra de uma destas canções imortais.
“Faço dizer aos outros aquilo que não posso dizer tão bem, quer por debilidade da minha linguagem, quer por fraqueza dos meus sentidos.”
Montaigne
Sempre que leio os primorosos artigos do Professor Edilson Pinto, me recordo entrevista do Médico, Escritor/Humanista MOACYR SCLIAR sobre literatura e Medicina à revista Problemas Brasileiros //www.sescsp.org.br/sesc/revistas_sesc/pb/artigo.cfm?Edicao_Id=350&Artigo_ID=5448&IDCategoria=6239&reftype=1. E mais, de Edilson Pinto gosto “Ladrão de Citações” págs 179 e 180 de seu livro Morangos do Abismo, para minha satisfação que gosto muito de citações, o professor relata acontecimento que sua Mãe fazendo mestrado na UFPE assistiu:Certo dia, o grande escritor Ariano Suassuna foi convidado para fazer uma conferência para os alunos da pós-graduação. Interrompido, no meio da sua palestra, por um aluno que também gostava de contar o número citações — Professor, diante de todos estes autores famosos citados, o que é do senhor? Ariano, rapidamente, respondeu:”O FURTO”. Sim, o furto — acha que roubar todas estas frases e organizá-las, não tem seu mérito?”.
Tenho 33 anos, sou Natalense, formado em Farmácia pela UFRN, mas sempre quis fazer medicina e esse semestre, se Deus quiser, começo a realizar esse sonho. Um sonho que não se baseia em status nem dinheiro, mas sim em conhecimento, permissão e vocação. A Farmácia é linda, digna e respeitável, mas limita os meus anseios. Hoje preciso expandir minha cota de saberes, preciso estudar as doenças, quero entender as “engrenagens da vida”, o que aflige as pessoas. Quero, através do diploma médico, obter a permissão para colocar esses conhecimentos em prática e, acima de tudo, PRECISO externar essa vocação, NECESSITO ouvir e tratar seres humanos, de forma humana. É extremamente difícil explicar com palavras a satisfação de ajudar o próximo. É como uma “droga do bem”, que vicia sem fazer mal. É como o amor pelo meu filho, que é tanto que chega a “doer”. É como as 1001 noites… sem fim. Simplesmente nasci para andar nos braços da medicina.
Há poucos dias, navegando pelo mar de bytes da internet, descobri os textos desse que parece ser um exemplo de professor: Francisco Edílson Leite Pinto Junior. Homem de nome comprido, mas que fiz questão de decorar, pois seus textos são estímulos para essa minha empreitada rumo a uma guinada na minha vida, que começou nas carteiras dos cursinhos no início de 2012, mas que se estende até hoje. Esse fim de semana passarei por mais um vestibular na UnP e quanto mais leio esses textos, mais fortalecido e certo do que quero sinto-me. Se a mente está preparada, o meu coração está ainda mais!
Obrigado, professor Edilson!
P.S.: Um dia serei seu aluno!