• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 03/03/2024 - 08:12h

Outra vez sob controle

Por Marcos Ferreira

Foto ilustrativa da Web

Foto ilustrativa feita pelo próprio autor da crônica

Precisei antecipar (Natália cuidou disso) meu retorno ao psiquiatra. Eu vinha até me esforçando, mentalizando coisas boas, entretanto não foi o suficiente. Minha cuca havia se complicado, saído do prumo. Pesadelos medonhos, noites maldormidas e dias de cansaço e desmotivação se tornaram rotina. Até Preciosa não brincava comigo como de costume.

A felina pressentiu o meu humor negativo. Fui logo para a clínica. Após uma longa consulta, o médico disse que eu estava em uma crise mista de depressão e bipolaridade. Isto é, na iminência de um novo surto.

Passei semanas borocoxô e uns três meses sem tirar a barba nem cortar o cabelo. Não queria sair de casa. A saudável peleja com a literatura entrou no fastio. Sentia-me nervoso, enraivecido, coração acelerado, sem vontade de falar com ninguém. Mantive o telefone fora de área durante vários dias. Hoje, contudo, estou num momento sereno. No entanto, por orientação médica, sigo fugindo, esquivando-me de qualquer coisa que possa me render inconvenientes, irritação, estresse.

Dr. Dirceu Lopes, como eu esperava, fez uso de sua poderosa bateria de psicofármacos. Voltou com alguns que eu já não tomava há tempos, como a olanzapina e o cloridrato de propranolol. Aumentou, entre outros, a dose do Rivotril, que passou para dois miligramas. Entre as dez e as onze horas, quando finalmente consigo me levantar, estando com o equilíbrio e a coordenação motora comprometidos, tomo um Levoide em jejum. Após o café engulo a losartana e o primeiro Depakote do dia. À noite, depois do jantar, a sobremesa é literalmente substancial e colorida.

Então decidi colocar essas drogas todas num pratinho azul em cima da mesa e fazer uma foto para ilustrar a minha própria crônica. Aí estão todos os comprimidos do período noturno: os grandes e azulados são o Depakote; as bandas longas e amarelas são a quetiapina; o branco com fenda é o famoso Rivotril; o outro branco (sem fenda) é a olanzapina; o amarelo grande com fenda é a lamotrigina. O último é o cloridato de propranolol, que aparece em uma bandinha branca.

Estou, portanto, sob controle. Tranquilo.

Bem! Não tenho o menor pudor de compartilhar com meus leitores essas turbulências psicológicas. O Blog Carlos Santos, se me permite, é o meu divã. Aqui me desnudo, me visto e me inspiro com a escrita dos demais colaboradores deste espaço eclético. Domingo passado, felizmente, tivemos a volta do François Silvestre. Há muito não dava o ar da sua graça. Torço que ele sempre retorne.

Trago à tona estes meus sufocos emocionais como fizeram em suas épocas, por exemplo, indivíduos como o filósofo Friedrich Nietzsche e o escritor Lima Barreto. Este último, assim como eu, também experimentou os dissabores de passar por um hospício. Agora (e de novo) é preciso renovar as forças, ficar o mais longe possível dessa moléstia silenciosa e traiçoeira.

Estou me autoanalisando. Tentarei colocar menos angústias e ocupações infrutíferas no meu juízo. Porque o tratamento medicamentoso não resolve tudo. Preciso exercitar, além da mente, este corpinho pré-histórico. Farei meditação, caminhadas, e continuarei cometendo os meus escritos.

Além disso, vou diminuir drasticamente a atenção que eu dava às redes sociais. E, ao menos por enquanto, só estarei disponível no telefone e no WhatsApp a partir das treze horas. Preciso de um tempinho para sair do nevoeiro dos medicamentos. Aí já terei tomado um banho, feito alguma coisa para comer e bebido um café puro. Ainda assim, por via das dúvidas, peço ao meu exército de quase dez leitores que continue com as orações para o bem-estar e proteção deste cronista.

Marcos Ferreira é escritor

Nota do BCS – Querido Marcos, esse divã é seu, mas também meu, nosso. O “Nosso Blog“, como definiu Naide Rosado, é compartilhado, diverso, necessariamente conflituoso, plural, feito por muitos; dialético. É, também, onde temos o privilégio de seus escritos e da participação ainda de tantos outros colaboradores, incluindo os webleitores e comentaristas.

Faz-lhe bem? Que bom! A nós, então…

No caso deste editor, a página nasceu como terapêutica às próprias neuras e segue sendo útil nesse fim.

Tamo junto.

Cuide-se.

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Odemirton Filho diz:

    Meu querido, Marcos Ferreira. Tenho certeza que logo, logo, você estará plenamente bem. Nós, fiéis leitores dos seus textos, estaremos rezando por você.
    Saúde e paz, amigo.
    Um forte abraço deste seu amigo-aluno.

  2. Ayala Gurgel diz:

    Só os tolos e arrogantes não cuidam de sua saúde mental. O cuidado de si, como o amor próprio, deve ser o paradigma de qualquer cuidado, de qualquer amor: ama a teu próximo como ama a te mesmo. O preconceito e a estigmatização são violentos e maltratam, mas dizem mais a respeito do emissor. Ninguém em sã consciência romantiza a dor e o sofrimento, mas sabe que falar de seus demônios é uma forma de enfrentamento. Contar com um Sancho Pança ajuda muito. Bom combate, meu amigo.

  3. fransçois silvestre diz:

    Meu caro Marcos, colega nisso também. Caixinha e remédios, que me lembra da infância Evarista da Caeira. No meu caso, o psiquiatra é a cerveja. Mas o resto é fármaco. hipertensão, pré diabetes, deficiência cardíaca, problema vascular, bloqueio de carótidas e ansiedade. Comprimidos de manhã, tarde e noite. Cerveja no fim da tarde. Quando a noite, na nossa idade, não cai sobre o dia. Cai sobre nós. P.S. A fazenda onde eu nasci, Cajuais, era conhecida como a nascença dos doidos.

  4. Cristiane dos Reis Braga diz:

    Meu amigo, há quanto tempo não nos vemos?… Estou a muitos quilômetros de você. Como eu gostaria de te acolher com boas conversas como era nosso costume. Bem, estando na cidade dos seus contos vou me esforçar para espantar esse leão. Durma um pouquinho e acordei em paz. Carinho…

  5. Amorim diz:

    Caro Poeta, somente mentes brilhantes, sábias e seguras tem o desprendimento de expor estes terríveis sofrimentos, que bem sei, a público.
    Tem minha admiração.
    Um abraçaço

  6. Valdemar Siqueira Filho diz:

    Grande escritor, parece que em nossa sociedade um talento é pago com muitos desajustes. Não conheço escritores, nem cientista que ficaram ilesos ao nosso tipo de vida. Assisti em um vídeo o Ailton Krenak dizendo que em sua cultura, não existe qualquer tipo de doença que se trate com isolamento, remédios ou prisões. Todos se conhecem e todos se ajudam e assim viveriam muito bem, se não fosse a nossa sociedade que os estermina incansavelmente. Talvez tanta beleza nos seja insuportável. Como os índios, vc tem poucos leitores, mas sabemos que o amor não é fácil, que prevaleça a qualidade e não a quantidade. Forte abraço.

  7. VANDA MARIA JACINTO diz:

    Bom dia, Marcos!

    O prazer de te- lo por aqui, é sinal de uma boa reação! O nosso corpo, essa perfeita máquina, assim como tudo no universo também tem o seu prazo de validade. Com o tempo ela vai relaxando na própria manutenção – daí a importância dos medicamentos na suplência do necessário para que continue ativa. Esse é o preço da longevidade. Abraços saudosos

  8. Fátima Feitosa diz:

    Parabéns pelo texto. Logo você retorna muito mais forte. Esses desafios da vida são para a nossa evolução. Paz e força!

  9. FRANSUELDO VIEIRA DE ARAUJO diz:

    Caro Marcos Ferreira, a par das aflições, incertezas, medos e atribulações de toda ordem que nos impõe a certeza da chamada finitude existencial, claro, são demais os perigos desta vida. Eles estão a nossa volta, todavia pior seria não estar vivo para enfrentá-los.

    Nesse contexto, desde já fica minha torcida para que venças mais essa batalha nessa renhida luta contra demônios muitas vezes imperceptíveis, e juntamente com a imprescindível presença de Natália, venças com seu aliado Sancho Pança/Médico Tupiniquim Terapeuta.

    Em fim, como diria o sábio escritor mineiro Guimarães Rosa

    “Viver é rasgar-se e remendar-se”

    Não esqueça, a troca salutar troca de mensagens e comentários dominicais, deriva também da sua indefectível pena e do seu talento quando nos brinda com sua verve, servindo essa, apropriadamente de terapia a todos nós, cujo talento se resume poder observar, ler, refletir e se deleitar do teor dos seus escritos.

  10. Rizeuda da Silva diz:

    Olá, amigo Marcos Ferreira,
    Conheci o seu trabalho literário através do livro “A Hora Azul do Silêncio”, e fiquei encantada com a riqueza dos seus sonetos. Agradeço o poeta Cilon pela apresentação do nobre escritor, foi a partir desse momento, que me apaixonei pela sua escrita. Embora não comente sempre, leio e acompanho suas crônicas aos domingos, um verdadeiro deleite para seus leitores. Fique bem, amigo. Receba um carinhoso abraço aqui das bandas do Norte, poeta! 🤗🌹

  11. Francisco Nolasco diz:

    Bom domingo, caro Ferreira.
    É hora de administrar as dificuldades,suspirar ante os problemas da alma. Tolerância é a palavra de ordem… Vamos à luta!

  12. Kite diz:

    A dor e a doença são partes de nós.
    Pena que td que nos constitui seja estigmatizado.
    São nossas dores e falar sobre elas nos cura tambem

  13. Bernadete Lino - Caruaru - PE diz:

    Depressão! Mundo sem cor; sem interesse; sem prazer… às vezes, um viver sem viver! É uma doença! Quase sempre subestimada! Já escutei os maiores absurdos durante as crises: isso é frescura; doença é um câncer, e por aí afora. A própria família me deixava com sentimento de culpa. Como pode uma pessoa, sem motivos (pelo menos aos olhos das pessoas), estar doente? Sei e conheço esse túnel escuro que parece não ter fim! O processo é doloroso! O que eu fiz? O que eu faço? Terapia; ouvir meu interior; me agradar mais; não me obrigar a nada que eu veja que me faz mal! E tomar remédios sem me explicar pra ninguém! Sem me sentir menor! Meu querido escritor, conte conosco! Amamos você! Beijos!

  14. Honório diz:

    Marcos, um abraço, amigo. Estamos juntos. Que venha a recuperação, e, com ela sejamos premiados com seu talento. Estamos juntos.

  15. Inacio Rodrigues diz:

    Eu, com meus 27 anos de atividade policial, conheço há tempos esses, e outros remédios! Saúde, Marcos!

  16. Mário Gaudêncio diz:

    Querido poeta,

    Mesmo de longe, continuamos lendo os seus textos e torcendo por sua recuperação.

    Grande abraço,

  17. Airton Cilon diz:

    Caro amigo Marcos Ferreira, espero que você supere esses mares de águas turbulentas, que essa nuvem negra passe logo. Precisamos de sua letra, do seu verbo escrever! Abraços.

  18. Raí Lopes diz:

    Meu amigo, dos males o menor. Como diria o título do filme que tem ator rebelde James Dean, “Assim caminha a humanidade”. Somos, quase sem exceção, providos por estímulos; uns, a base de coisinhas coloridas; outros, de coisinhas brancas e; muitos poucos, de coisinhas sem cores. Então, se as coisinhas coloridas equilibram, que sejam bem-vindas. Cuide-se!

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