Por Marcos Ferreira
Gosto de ficar em casa. Aliás, para ser franco, tenho medo de sair. Sei que a violência me espera do lado de fora. Ela pode estar à minha espreita, que sou presa fácil, sem armas, saúde nem estrutura para certos enfrentamentos. Não me arrisco nem mesmo em bate-bocas, discussões. Não tenho nervos, sangue-frio. Exceto escrevendo. Até isso tornou-se muito raro hoje em dia.
Então, repito, gosto de ficar em casa. Aqui me sinto a salvo, a menos que seja atacado por um infarto ou derrame cerebral. Mas aí não será culpa desse bicho imprevisível chamado sociedade.
As ruas estão cheias de cães e gatos abandonados. Os governos municipal e estadual não se mobilizam, não fazem nada para mitigar o sofrimento desses animais. É triste. Como não bastasse, surge um vereador de Apodi (sem alma nem coração) propondo criminosamente que os infelizes sejam abatidos. Imaginem se fôssemos abater os políticos desocupados e inúteis que vivem soltos por aí.
O trânsito me assusta. Monstro de metal, carne, ossos e fúria. Um sujeito qualquer, desses que se autoproclamam cidadãos de bem, pode sair possesso de seu automóvel com uma arma de fogo e cometer um assassinato tão somente porque não tolera receber uma reprimenda ou reclamação de outro condutor.
Não me interesso por frequentar lugares públicos, cheios de pessoas potencialmente agressivas. Viajar também não é para mim. Sobretudo se a viagem for de avião. Instigado por amigos, fiz apenas duas viagens aéreas em toda a minha vida. Para receber premiações literárias. Uma vez no Rio e outra em Salvador. Não tive coragem, porém, de comparecer à solenidade de premiação em Manaus. Depositaram o dinheiro, e os livros vieram pelos Correios. Sou um animal terrestre. Deixo o céu para as aves, os seres alados. Embora também haja perigos, prefiro o solo.
Contudo, nesta pequena e agradável casa, projeto da querida amiga Miriam Ferreira, algo me preocupa: tremores em excesso. O problema só aumenta, apesar de meu psiquiatra ter substituído e retirado alguns medicamentos. Estou aqui me organizando para consultar um neurologista particular.
Esse tipo de profissional não está disponível na saúde pública de Mossoró. Atemoriza-me a possibilidade de não mais dominar o teclado, entre outras limitações. É trabalhoso tomar uma sopa, manejar um barbeador, uma caneta. Quase não consigo manuscrever o meu nome.
Talvez seja apenas coisa da minha cabeça. No mais estou muito bem. Não sinto a menor falta de multidão, palco nem holofotes. Negociei um armistício com os meus fantasmas e a nossa convivência tem sido respeitosa. Recebo alguns amigos que ainda me visitam e me alegro com o carinho e consideração que me transmitem.
Sei que esses não estão interessados em todo o meu dinheiro, ao contrário daquele moço remediado conhecido por Elon Musk. Esse está me devendo uma grana que tomou emprestada e que eu já dei por perdida. Que ele me perdoe a indiscrição.
Submerso em meus silêncios e recolhimento, observo este município com um periscópio que aponto especialmente para os blogues e redes sociais. Todavia não demoro. Receio me deparar com notícias abomináveis como essa do vereador apodiense que prega a matança de cães e gatos sem um lar. Assim, prejudicando meu equilíbrio, noto que perco um pouco da paciência, o sangue esquenta. Os nossos gestores precisam dar um tempo no populismo e agir em benefício dessa causa.
Era o que eu tinha para contar e dizer por hoje. O domingo está calmo. Ao menos neste recorte da periferia. Minha paz doméstica não será afetada pelo leve ruído da vizinhança. Hora de tomar um banho, esfriar a moleira, fazer um café. Quero esquecer essa malvadeza proposta contra os bichinhos de rua.
Marcos Ferreira é escritor