Por Marcos Ferreira
Confiante, cheio de lábia, armado com um discurso de salvador da pátria, o candidato a vereador chega ao loteamento de casas humildes na periferia de Mossoró acompanhado por um cabo eleitoral. Por motivo de mera discrição, e para não aumentarmos o ibope do elemento, é melhor que não citemos o nome do autêntico ilusionista nem o partido pelo qual concorre a uma cadeira na Câmara.
Quando ele desce do carro, naturalmente com as cores do partido e com um adesivo circular de sua própria cara grudado na camisa, bem na altura do peito esquerdo, encontra todo mundo à sua espera. Cadeiras, banquinhos e tamboretes de todo tipo estão ocupados pelos potenciais votantes do senhor Cornélio. Pronto! Vamos chamá-lo assim, de Cornélio. As pessoas são todas olhos e ouvidos. Parece um transe coletivo. Os moradores se reúnem no terreiro de uma casa onde o ilusionista costuma discursar. O sujeito se mostra um craque no gestual e no papo-furado.
Com menos de cinquenta anos de idade, o garimpeiro de votos sabe levar o pessoal no bico. Até agora não deu nada a ninguém, e é provável que não dê mesmo que venha a ser eleito, todavia promete o Céu e a Terra ao grupo de trinta ou quarenta eleitores que escutam o seu falatório como se estivessem hipnotizados. É isso. Com a sua conversa para boi dormir, o senhor Cornélio dá um show.
Claro que as benfeitorias de maior vulto ele joga para depois do resultado das urnas. A exemplo do saneamento básico e da pavimentação com paralelepípedos da ruazinha que fica cheia de lama e escorregadia toda vez que chove. Obviamente, porém, a fim de garantir seu curralzinho eleitoral, assegura a um e a outro que vai dar isso e aquilo antes das eleições. Por exemplo, sem pestanejar nem gaguejar, afiançou a fulano e a sicrano que mandará vir alguns milheiros de telhas e tijolos de cerâmica para a construção de muros e a cobertura de certas residências.
À catadora de materiais recicláveis Maria das Graças, viúva e mãe de três crianças pequenas, mais uma iludida com as promessas de campanha do dito-cujo, falou que dará uma geladeira nova. De tão velha, a atual está cheia de ferrugem e com a porta presa por uma corda elástica. O amputado Nazareno nutre a esperança de que o candidato lhe consiga uma prótese para a perna direita e possa enfim livrar-se das muletas. Enquanto isso o mecânico Chico Mota segue na expectativa de contar com o apoio financeiro do senhor Cornélio na aquisição de uma máquina de solda.
O cabo eleitoral do senhor Cornélio, talvez por força do hábito, distribui nova porção de adesivos de papel com o rosto do tal messias. Cornélio é devoto de um ex-presidente da República a quem ele chama de mito, justo aquele que muito recentemente foi escorraçado por abelhas no município de Macaíba. Opa! Acabei revelando o nome do partido do senhor Cornélio. Mas deixo como está.
É lógico que nada disso é da minha conta. Sabemos que os homens fazem politicagem bem antes do surgimento da escrita, lá por volta de quatro mil anos antes de Cristo. Dia desses, como modelo de enganador, citei em uma inocente crônica o personagem Odorico Paraguaçu, mestre das maracutaias e da conversa-fiada.
Já o senhor Cornélio, como não poderia deixar de ser, possui as suas manhas e contos do vigário. Com admirável desenvoltura, estufa o peito, arregala os olhos por trás das lentes de grau e se vende para os moradores do loteamento como conservador, cidadão de bem, patriota, um defensor dos bons costumes e das virtudes da família.
Hoje à noite, segundo vi no Instagram de supostos e ingênuos eleitores, haverá outro encontro com o candidato sabido. Nada mais há que se possa fazer para abrir os olhos daquela gente humilde. E que ninguém se atreva a declarar que o senhor Cornélio não é um homem honesto e bem-intencionado.
Marcos Ferreira é escritor