Por Marcos Ferreira
Falei comigo mesmo que hoje eu me levantaria tarde. Afinal de contas é um domingo de uma manhã com grande possibilidade de chuva. Sim. Pode cair um aguaceiro nesta região. Ao menos foi o que alertou a classuda moça do tempo ontem à noite, no telejornal, ensardinhada num belo vestido azul-turquesa.
Torço muito por isso. A água se precipitando das alturas! Um convite à preguiça.
Após um longo bocejo, reuni forças e fui ao banheiro. Urinei, fiz uma coroa de espumas, mas a descarga dissipou tudo. Por enquanto, nada de banho! Abri a janela e mal avistei a luz do dia, o sol semioculto por uma manta de nuvens escuras. Fechei a janela. Um vento frio entrando pelas frestas. De volta aos lençóis, toquei no celular: seis e cinco. Não estava nos meus planos acordar tão cedo. Agora, porém, estou aqui entre a cadeira e o teclado a usufruir da nossa língua portuguesa.
O passaredo canta inspirado, remoinha na mangueira do quintal vizinho. A velha e portentosa mangueira de outras citações. À exceção dos bichinhos alados, o silêncio predomina. De vez em quando um veículo ou outro percorre esta Rua Euclides Deocleciano. Gosto dessa quietude.
O sono vai se desprendendo dos meus olhos. Começo, com moderada empolgação, a me fixar nesta página. Hei de ser breve. Almejo não ultrapassar as trinta linhas. Porque é domingo, dia de ócio, de não assumirmos compromissos. Contudo este vício de escrever sempre me captura.
Daqui a uma hora ou mais me renderei à intimação do chuveiro. Passarei um café e o degustarei sozinho, o pensamento vadiando, o olhar distante. No momento não largarei este osso. Pois é, fui derrotado pelo vício de escrevinhar.
A fidelidade, minha devoção às letras, mandou a preguiça embora. E ela se foi sem mostrar cara feia. Sabe que não pode competir com este sacerdócio. Estou relaxado. Ouço música baixinho. À noite, para desopilar, verei um filme besta e espetaculoso.
Começou a trovejar. Vem água por aí. Tomara. Abençoada chuva a lavar a minha alma. Agora me deem licença. Creio que cheguei mais ou menos às trinta linhas. Não quero cansar os olhos de ninguém num dia como este. Prezo pelo respeito ao leitor, patrimônio abstrato. De novo largo outro bocejo.
Marcos Ferreira é escritor