Por Odemirton Filho
“A jangada se perde de mar afora. E à boca da noite vai chegando. É um ponto branco no horizonte. Doze horas de alto-mar, de paciência, de espera, de linhas soltas, na espreita das ciobas, das cavalas. Vai chegando. Veranistas se juntam para a compra do pescado. Seu João já encostou a jangada na praia” (…).
O texto acima é um fragmento de uma crônica de José Lins do Rêgo sobre a vida de um pescador. Mostra, com clareza, a labuta diária de quem se aventura no mar, ainda nas madrugadas frias.
Quando vou à cidade de Porto do Mangue pra exercer o meu ofício vislumbro na belíssima praia da Ponta do Mel, na Pedra Grande e na calmaria da praia do Rosado algumas jangadas na areia. E faz um bem danado a minha alma. Na maioria das vezes, não há um pé de pessoa. Só a imensidão do mar e um mundão de areia; a beleza da obra talhada pelas mãos de Deus.
Há algo na vida desses pescadores que me fascina. Talvez, seja a lembrança dos dias da minha infância, quando em férias, brincando na areia da praia, via as jangadas chegaram à beira-mar e os pescadores vendendo os peixes, ainda frescos, debatendo-se num carcomido cesto de palhas.
Vez ou outra, converso com um deles pra ouvir as suas aventuras. Decerto, deve existir um ou outro exagero nas “estórias”. Não me importo. Gosto de prosear. Falam-me da lida, do dinheiro pouco. Mas falam, principalmente, da paixão pela profissão, do amor pelo mar. Deixo claro, porém, que não quero romantizar as dificuldades enfrentadas por eles, de sol a sol. São muitas.
Certa vez, caminhei bastante sobre as dunas da praia do Cristóvão para fazer uma intimação. A casa ficava distante, num ponto alto. Sob um sol escaldante, com os pés atolando nas dunas “pegando fogo” consegui chegar à residência. Uma casa simples, de taipa. O velho pescador me ofereceu água e café. Sentei-me por um bocado de tempo apreciando a linda paisagem.
Ao ler o texto de Lins do Rêgo, lembrei-me dessa diligência e fiquei a imaginar aquele pescador como um personagem da crônica do autor de Menino de Engenho.
“Agora, espichado na porta da casa de palha, olha para o céu. Sopra o vento nos cajueiros floridos e há o barulho dos coqueiros agitados. Seu João vê a lua, vê manchas na lua. Levanta-se e vai dizendo para a mulher”:
“Amanhã é dia de cavala. A lua está dando o sinal”.
Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça