Por Marcos Araújo
Nesta semana que passou, o malfadado golpe militar que depôs o presidente João Goulart fez 61 anos. Simbolicamente, na mesma semana, o STF aceitou a denúncia criminal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Os dois eventos marcaram a história do Brasil, destacando-se dois personagens relevantes: Pedro Aleixo e Alexandre de Moraes. De comum a ambos, o uso da “caneta” como um instrumento de poder.
Pedro Aleixo era o vice-presidente da República na época da edição do Ato Institucional nº 5. Este ato fechou o Congresso, acabou com liberdades individuais e culminou no endurecimento do regime militar. Pedro Aleixo, na qualidade de jurista experiente, se posicionou contra a sua edição e recusou colocar a sua assinatura. Perguntado se duvidava das mãos honradas do presidente, que seria o único juiz da aplicação do ato, o vice-presidente civil respondeu: “Das mãos honradas do presidente Costa e Silva, jamais. Desconfio é do guarda da esquina”. Pedro Aleixo queria dizer que o perigo da ditadura estava no poder que se assentava nas mãos de uma escala de autoridades que descendia do presidente da República até o guarda que vigia a rua.
As “canetadas” recentes do STF trazem à lembrança a necessária menção ao “guarda da esquina”. São evidentes os abusos de poder, como o interminável Inquérito das “Fake News”, iniciado sem a provocação do órgão acusador natural (a Procuradoria da República) e apenas com uma “canetada” do Ministro Alexandre Moraes. Outro exemplo é a ADPF 635 (a chamada “ADPF das Favelas”), em que o STF interveio nas políticas de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, suspendendo a instalação de bases fixas nas favelas e o uso de helicópteros nas operações policiais.
O autor inglês Edward Bulwer-Lytton dizia: “A Caneta é mais poderosa que a espada”. A frase foi usada pela primeira vez pelo Cardeal Richelieu em sua peça “Richelieu: Or the Conspiracy”. Em um mundo onde a gratificação instantânea e as tendências passageiras dominam nossa atenção, este ditado da caneta encapsula a ideia de que as habilidades intelectuais e comunicativas podem ter um impacto mais significativo do que a força física.
Embora o meio de transmissão do poder da caneta possa ter mudado — de tinta e papel para pixels e telas — a essência permanece a mesma. As ordens, sejam digitadas ou escritas, têm o poder de inspirar mudanças, provocar pensamentos e influenciar ações.
Pois bem! Assim, como as “canetadas” do pseudo-juiz lá de Curitiba, que fazia arremedos processuais com sua caneta tirânica, idênticos riscos sofremos agora com os atos abusivos do STF. Os que não aceitam limites, comungam intimamente com a hipertrofia do Poder Judiciário, e militam, sem saber, em favor da Juristocracia. O termo “juristocracia” foi criado pelo cientista político canadense Ran Hirschl para descrever o tipo de regime político que nasce do deslocamento de poder da esfera representativa para a esfera judicial – implodindo a clássica separação entre os Poderes, um dos pilares da democracia moderna.
A Juristocracia se alimenta das “canetadas”, e apropria-se da ficção que seu uso se dá em favor da Democracia. A retórica, materializada numa assinatura, ganha contornos de uma encenação teatral, já que as decisões importantes são tomadas em favor próprio. O poder de verdade é exercido pelo estamento burocrático, expressão usada por Raymundo Faoro em sua interpretação da sociedade brasileira.
Alguns hão de dizer que não temem Alexandre de Moraes e os ministros do STF. Acham-se imunes a eles. Mas, lembrando Pedro Aleixo, o nosso problema pode não ser o STF, mas o Juiz da “esquina”, geograficamente situado na nossa Comarca. É dele o poder da caneta.
Marcos Araújo é advogado, escritor e professor da Uern