Por Odemirton Filho
No mundo contemporâneo a internet é uma realidade. Os nossos dados pessoais estão arquivados em um sem número de cadastros. Fatos que tiveram repercussão social podem ser, facilmente, relembrados com uma simples pesquisa no mundo virtual, sobretudo, se os envolvidos forem pessoas públicas.
Segundo o livro Os Engenheiros do Caos, graças à internet e às redes sociais, nossos hábitos, nossas preferencias, opiniões e mesmo emoções passaram a ser mensuráveis. Hoje, cada um de nós se desloca voluntariamente com sua própria “gaiola de bolso”, um instrumento que nos torna rastreáveis e mobilizáveis a todo momento.
Entretanto, são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação, conforme diz a Constituição Federal.
Nesse contexto, a discussão sobre o direito ao esquecimento tem ganhado espaço.
Um dos primeiros casos que trata sobre o direito ao esquecimento aconteceu em 1918, nos Estados Unidos. O caso Melvin versus Reid. Gabrielle Darley era envolvida com prostituição, tendo sido acusada pela prática de um homicídio.
Entretanto, Gabrielle foi julgada inocente pela prática do crime. A discussão ocorreu no Tribunal da Califórnia, quando Doroty Davenport Reid resolveu produzir um filme sobre a vida de Gabrielle. Esta recorreu à justiça e obteve uma reparação pelos danos à sua imagem.
No Brasil, alguns casos podem ser citados, como o da apresentadora Xuxa Meneghel e a Chacina da Candelária. Além deles, um caso que ganhou repercussão foi o de Aída Curi. Ela foi vítima de um crime sexual ocorrido em 1958, tendo a Rede Globo de Televisão exibido a história do crime no Programa Linha Direta. Os familiares de Aída ajuizaram uma ação contra a Rede de Televisão, pleiteando uma indenização por danos morais.
O julgamento do caso chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). Na decisão, a Corte Maior entendeu, por maioria, que é incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento que possibilite impedir, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos em meios de comunicação.
Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, com base na Constituição Federal e na legislação penal e civil.
Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia asseverou: “Quem vai saber da escravidão, da violência contra mulher, contra índios, contra gays, senão pelo relato e pela exibição de exemplos específicos para comprovar a existência da agressão, da tortura e do feminicídio”?
Por outro lado, o ministro Gilmar Mendes acompanhou a divergência suscitada pelo ministro Nunes Marques. Fundamentando-se no direito à intimidade e à vida privada, Gilmar Mendes entendeu que a exposição humilhante ou vexatória de dados, da imagem e do nome de pessoas é indenizável, ainda que haja interesse público, histórico e social, devendo o tribunal de origem apreciar o pedido de indenização.
A tese de repercussão geral firmada no referido julgamento foi a seguinte:
“É incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social – analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”.
Assim, existe em relação ao direito ao esquecimento, um nítido conflito entre a liberdade de informação e os direitos de personalidade. Direitos de personalidade, diga-se, são aqueles inerentes ao homem, englobando a individualidade do indivíduo, protegendo a sua vida, a sociabilidade, privacidade, honra.
Aliás, o Código Civil reza que se pode exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Por outro lado, a liberdade de expressão, garantida constitucionalmente, assegura a liberdade de informação. No caso do direito ao esquecimento, a pessoa que manter a sua privacidade, não expondo ao conhecimento de terceiros fatos que possa desaboná-la. De um lado se tem o direito à privacidade, de outro, a liberdade de informação.
Em consequência, diante do caso concreto, o magistrado deverá analisar os fatos e compatibilizar os direitos fundamentais em conflito, em uma verdadeira ponderação de valores.
Creio que, em relação ao direito ao esquecimento, o Supremo decidiu de forma acertada.
Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça