Por Marcos Araújo
“A terra é azul. Como é maravilhosa. Ela é incrível”, declarou entusiasmado o cosmonauta russo Iuri Gagarin, um nanico de 1,57m (para os padrões russos), a bordo da aeronave Vostok 1, uma hora após ter decolado da plataforma de Baikonur, no Cazaquistão, numa manhã cinzenta de 12 de abril de 1961.
Passados 60 anos da frase de Gagarin, o planeta não está mais azul. As últimas imagens do Hamawari-8, um satélite japonês lançado em outubro passado, mostram que a verdadeira cor da Terra é outra: cinza. Certamente, fruto da devastação biológica e da poluição causada pelo ser humano.A geomorfologia histórica ensina que o mundo já passou por duas grandes devastações biológicas. A primeira no Período Paleozoico, a fratura da Pangeia. A segunda, no período Mezozóico, o choque com o meteoro de 9 Km de extensão, acabando com o domínio dos Dinossauros, há mais de 130 milhões de anos. A terceira devastação está em pleno andamento.
Denunciada por biólogos e cosmólogos, ela está sendo provocada por um “meteoro” arrasador: o ser humano, o homo habilis e sapiens. Com sua tecnologia energívora, o homem está acelerando o processo de exterminação do planeta a níveis incontroláveis.
Basta ver que no dia que Gagarin pronunciou a frase acima, cada ser humano produzia menos de 100g de lixo por dia. Hoje, produzimos, em média, 800g. Quando Gagarin estava na janela da Vostok olhando o planeta maravilhado, o The Daily Telegraph (Grã-Bretanha) anunciava que a indústria automobilística contava com 90,5 milhões de veículos no mundo. Presentemente, existem mais de 1,8 bilhões de veículos.
Em pleno Século 20, 26 países sofrem escassez crônica de água e a previsão é de que em 2025 serão 3,5 bilhões de pessoas em 52 países nessa situação. Apenas para ficar com esses três exemplos.
Era consenso entre os biólogos que não seria possível evitar o colapso ecológico. Aquilo que a ciência não previa, nem concebia como possível, que era a redução da poluição, aconteceu. Graças ao coronavírus! Segundo dados de satélites dos Estados Unidos e da Europa, desde janeiro que há uma queda substancial na concentração de poluição por dióxido de nitrogênio (NO2).
Na Itália, colhem-se às dezenas exemplos de recuperação da natureza, em curtíssimo espaço de tempo. As águas dos canais de Veneza estão limpas, cristalinas, trazendo peixes e cisnes de volta. O mesmo acontece nos lagos de Roma e no porto de Cagliari, na Sardenha, onde agora se pode ver patos e golfinhos, respectivamente.
O planeta está voltando a ficar azul. Em tempos de trevas para os humanos, o meio-ambiente está se regenerando, paulatinamente. Dá mostras de que é possível conviver – para sobreviver. Eis o desafio ético e político-social que se nos antolha. Estamos cercados pela natureza, e dizia Goethe, ser humano e natureza são parceiros intercorrespondentes e interrelacionados.
Se no passado falharam as alternativas racionais para a manutenção de um mundo ecologicamente equilibrado, o presente clama por uma relação harmoniosa. A história não antevia um final feliz.
Com a pandemia, a natureza propõe que reescrevamos um novo roteiro. Quem sabe, deixando a natureza respirar, possamos garantir nossa própria existência. Somos obrigados a propalar essa nova ordem: o respeito ao valor ambiental. Temos que ser homo sapiens, nunca homo demens.
Marcos Araújo é professor e advogado