Dei um tempo, um tempo para não escrever sob efeito de sentimentos menores. Chegou a hora. Com serenidade a gente vai teclando e falando sobre a via crucis de dona Ademilde Almeida Soares da Silva, 67. Professora aposentada com mais de 30 anos em sala de aula, em escolas públicas do estado, ela perdeu a luta contra o descaso.
É, infelizmente, não deu para dona Ademilde. E, como ela, estão se multiplicando os registros de pessoas entregues à própria sorte, barradas à entrada do Hospital Regional Tarcísio Maia (HRTM), único pronto-socorro de uma vastíssima região.
Ela morreu após muitas horas agonizando. Vamos à história. Tape o nariz. É rápido. Em pouquíssimos minutos vamos narrar uma eternidade de sofrimento e revolta que não vão sarar.
Sexta-feira (25), dona Ademilde perdeu a consciência e o controle motor em casa. Familiares tiveram a agilidade do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) para transporte dela à Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) do bairro Santo Antônio.
Houve constatação imediata da necessidade de transportá-la para o HRTM, único local na região com tomógrafo de laudo rápido e equipe de neurocirurgia para avaliar a enfermidade e decidir procedimentos à segura hipótese diagnóstica. Ela estava com sintomas de um Acidente Vascular Cerebral (AVC). A corrida era contra o tempo, a burocracia do Estado e a insensibilidade humana. Emergência.
Na manhã de sábado (26), depois de muita humilhação e uma ligação telefônica vinda de Natal – após pressão de setores da imprensa – como esse BCS (veja AQUI), ela foi recebida no Tarcísio Maia. Constatou-se uma lesão expansiva cerebral causando hipertensão intracraniana.
Após todo o atraso no atendimento inicial, que poderia ter mudado o curso desse enredo, a paciente ficou sem a necessária vaga de UTI; num local insalubre até para quem está saudável (repouso feminino do HRTM). Também não existia um medicamento imprescindível àquela situação crítica: o Dexametasona). Não foi possível salvá-la.
Era tarde. Faleceu no domingo (27), sendo sepultada no mesmo dia.
Para trás ficam familiares, amigos e uma indignação que se alastra. Ela poderia ter sido salva, mas normas exclusivas do Governo Fátima Bezerra (PT), para o HRTM, criaram barreiras e seleção para atendimento no hospital, mesmo em casos críticos como de dona Ademilde. Tudo é jogado às UPA’s ou à rua. Que fique por lá. Transfere-se problema, livram-se de suas obrigações morais e legais.
A gestão da governadora fez uma releitura da legislação nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) em Mossoró através da Nota Informativa 9/2024. Um documento asqueroso, que formaliza e normaliza a desassistência. Um SUS de Fátima, só para Mossoró e região.
Assim, a regulação do fluxo de pacientes, de quem terá chances de viver ou quem ficará da calçada para trás, no HRTM, é de autonomia da porta de entrada de lá. A quem serve e a que serve essa normatização esdrúxula?
O Ministério Público do RN (MPRN) tem procedimento aberto para apurar os casos de barreira à porta de entrada do HRTM. Provavelmente, a burocracia continuará protegendo culpados e deixando milhares de vidas à própria sorte. Ao deus-dará? Não, à vontade de quem manda e escolhe quem pode ter uma chance de viver ou não.
Nojento, imundo, revoltante.
Descanse em paz, dona Ademilde.

Paciente precisou ser intubada em UPA por não ser recebida pelo HRTM, mas faleceu (Foto: Mossoró Hoje)
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