domingo - 10/04/2022 - 07:38h

Para quem agitamos os nossos ramos?

Por Marcos Araújo

Hoje é Domingo de Ramos, festa cristã celebrada no domingo anterior à Páscoa. A data relembra a entrada triunfal de Jesus na cidade de Jerusalém. Diz a tradição que as pessoas jogavam seus mantos à Sua frente e agitavam ramos de palmeiras, saudando em cânticos o Rei dos reis.

A passagem tem registro nos quatro evangelhos canônicos (Marcos 11:1, Mateus 21:1-11, Lucas 19:28-44 e Lucas 19:41).

Foto ilustrativa (Autoria não identificada)

Foto ilustrativa (Autoria não identificada)

No Oriente antigo, era costumeiro cobrir de alguma forma o caminho à frente de alguém que merecesse grandes honras. A saudação com ramos a Jesus foi um acréscimo, superlativando a honraria. Estes eram símbolos de triunfo e vitória na tradição judaica e aparecem em outros lugares da Bíblia (Levítico 23:40 e Apocalipse 7:9, por exemplo.

Bem sabemos que a acolhida festiva de Jesus dura muito pouco, pois uma semana depois já o crucificam. Do dia de sua entrada triunfal ao seu martírio, a tradição cristã denomina de Semana Santa, ou de Semana da Páscoa.

Desta episódica semana, dois enlevos: i) a festa da exaltação ao Cristo, Rei do universo; e, ii) a celebração da Páscoa. A palavra páscoa tem etimologia na expressão hebraica “pesach”, e na grega “pascha”, ambas significam “passagem”.

Na forma religiosa, as expressões podem ter diversos significados, tais como: passagem da morte para a vida; passagem de Deus para nos salvar; passagem da escravidão para a liberdade, enfim, a passagem pela qual o homem que se encontra neste mundo, passa para um novo céu e uma nova terra.

Pois bem. Voltemos aos ramos dos judeus…A elevação de galhos, a salva com agito, foi algo novo naquele tempo. Um excesso. Não demorou muito para serem baixados e transformados em instrumentos de açoite. Os galhos ainda estavam por lá, largados nas ruas de Jerusalém, quando voltaram a ser utilizados na sexta-feira, desta feita para chicotear Jesus.

A mudança comportamental dos judeus é inata à condição humana. Em um dia, estamos endeusando pessoas e situações, euforicamente agitando os nossos “ramos” do elogio fácil e da idolatria; no outro, a pulsão pela destruição, desconstituição e morte social (senão, física) do elevado.

Nas redes sociais, o ídolo de hoje pode ser o “cancelado” de amanhã. No mundo virtual, “curtir” algo ou alguém tem a simbologia de “agitar os ramos”, do mesmo modo que o inverso pode ser o ato tanatológico do “bloqueio”, ou do polegar invertido. Por isso, está justificado o suplício musical reportado por Gustavo Lima ao ser “bloqueado”.

Freud explica isto ao se apropriar dos nomes dos deuses mitológicos gregos Eros e Thanatos para exemplificar as teorias das pulsões, que explica a formação psíquica de todos os indivíduos, entre desejo de vida e de morte. A elevação é símbolo da vida; o açoite, a simbologia da morte.

Essas pulsões são visíveis nos escritos das redes sociais em qualquer temática. São extremadas as posições entre vida e morte. Nem merece parâmetros para o presente lembrar dois respeitosos estilos literários: a poetisa Cora Coralina, destacava sempre a vida, integrando nos seus versos o homem e a natureza; já o inigualável Augusto dos Anjos é o portal traduzido para quem adentrava na dor e nas sombras que conduzem à morte.

Voltando ao dia de hoje, é próprio das festas religiosas buscar no cotidiano ligações significativas, para que o vivido no contexto da religião encontre sua relação com a vida em seu cotidiano. É assim que Jesus institui a ceia. Ele faz isto na páscoa judaica, dando a ela um novo sentido, para o nosso cotidiano (“… todas as vezes que comerdes… e beberdes..”). Por isso, no dia de Ramos, faz sentido perguntar: para que, ou para quem, estamos agitando os nossos ramos? Ou, contra o que, e contra quem, temos deles feito uso?

Marcos Araújo é professor e advogado

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Rocha Neto diz:

    A entrada de Jesus em Jerusalém foi tão triunfal que só os ramos das oliveiras com o seu verde intenso foi capaz de demonstrar a alegria e o agito triunfal do momento tão sagrado e sublime da história da humanidade.
    Marcão, amigo de sempre… grato pelo artigo em uma linguagem acadêmica mas com uma nitidez histórica dantesca. Parabéns!!!!

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