domingo - 23/02/2025 - 20:24h
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Plano de saúde ‘baratal’ é aposta perigosa num universo já sofrido

Por Breno Pires para a revista Piauí

Arte ilustrativa

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No último dia 10, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) deu o primeiro passo do que pode ser uma mudança drástica no mercado dos planos de saúde. A autarquia aprovou a realização de uma consulta pública sobre a implementação, em caráter experimental, de um tipo de plano barato e com cobertura baixíssima. Não permite atendimentos de emergência nem internações. Não inclui tratamento para câncer, autismo ou outras condições médicas, tampouco exames essenciais para a detecção de doenças graves, como tomografias e ressonâncias.

No jargão técnico, o que a ANS pretende fazer se chama sandbox regulatório – uma medida por meio da qual as agências reguladoras flexibilizam normas e permitem que empresas privadas (no caso, as operadoras de planos de saúde) testem uma nova prática por um determinado período de tempo sem risco de serem punidas. O “plano para consultas médicas estritamente eletivas e exames”, como a ANS vem chamando a nova modalidade, atende a um pleito antigo das empresas do setor.

A decisão foi aprovada por unanimidade pela diretoria colegiada da ANS e anunciada como uma boa notícia. “O objetivo é ampliar e simplificar o acesso dos brasileiros aos planos de saúde, aumentando a oferta e a diversidade de produtos na saúde suplementar”, disse o texto de divulgação da agência. Mas médicos e especialistas no assunto temem que seja o início de um processo de precarização ainda maior do acesso à saúde suplementar no Brasil.

A tese da ANS e das grandes empresas do setor é de que é preciso oferecer planos de saúde mais baratos para brasileiros que, hoje, não são capazes de arcar com a modalidade tradicional e sofrem nas filas de hospitais públicos. Segundo eles, esse grupo consiste sobretudo de trabalhadores informais, desempregados e idosos. Por tabela, além de beneficiar essas pessoas, diz a ANS, o novo plano pode ajudar a desafogar o Sistema Único de Saúde (SUS).

Contestação

Os especialistas contestam essa tese por dois motivos. Primeiro, alegam que um plano de saúde com cobertura tão precária vai inevitavelmente empurrar seus clientes para o SUS sempre que eles ficarem doentes ou precisarem de um atendimento mais complexo. Segundo, dizem se tratar de uma proposta que fere a Lei dos Planos de Saúde. Em vigor desde 1998, ela obriga as operadoras de planos a cobrir atendimentos de urgência e emergência. Mesmo o tipo mais simplificado de plano que existe hoje, o ambulatorial, garante atendimento de urgência, emergência e internação por até doze horas. Também abarca tratamentos como quimioterapia, radioterapia e hemodiálise.

Soma-se a isso a percepção de que a ANS está tomando decisões sem o devido debate. A Diretoria de Normas e Habilitação de Produtos da agência, responsável por elaborar a proposta que foi aprovada, dispensou a realização de uma Análise de Impacto Regulatório (AIR), medida adotada quando se quer dimensionar o impacto de uma nova regra. Nenhum gerente, coordenador ou diretor adjunto dessa diretoria assinou a proposta, que foi elaborada por um único especialista e endossada pelo diretor responsável, Alexandre Fioranelli.

A criação desse novo tipo de plano também não foi discutida até agora com o Ministério da Saúde. É de se esperar que fosse, já que mudanças regulatórias na saúde privada inevitavelmente impactam o SUS.

Dois coelhos

Para as operadoras de saúde, a proposta, caso vingue, matará dois coelhos com uma única cajadada. Primeiro, derrubará uma proteção garantida por lei, abrindo um precedente que pode resultar em novas brechas na regulação da saúde suplementar. E, em segundo lugar, permitirá que essas operadoras disputem mercado com os cartões de descontos e clínicas populares, que surgiram no Brasil como alternativas de baixo custo na saúde.

“Trata-se de uma manobra administrativa da maior gravidade, com um objetivo claro: criar um mercado novo, tentando liberar planos de menor cobertura para competir com os cartões de desconto. Pauta das operadoras absorvida mais uma vez pela ANS, um desserviço aos consumidores e ao sistema de saúde”, disse à piauí Mario Scheffer, professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP.

O outro lado

O Ministério da Saúde respondeu com uma nota curta à abordagem sobre o assunto: “O Sistema Único de Saúde (SUS) tem como princípio fundamental garantir atendimento integral, universal e gratuito a toda a população. Sobre a proposta da ANS, que ainda está em fase de análise, o Ministério da Saúde acompanha de perto debates sobre este tema e segue atento às discussões em andamento.”

A Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) não respondeu. Wadih Damous, indicado pelo presidente Lula (PT) para assumir a presidência da ANS, disse à Piauí que não vai se manifestar sobre questões relativas à agência antes de ser submetido à sabatina no Senado.

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Categoria(s): Política / Saúde

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