Por Marcos Ferreira
Existem certos golpes que nós sofremos e precisamos de muitos anos para assimilar. Passamos por céus e terras, terremotos e vendavais psicológicos, até conseguirmos (se pudermos) seguir em frente. Nesse ínterim, como às vezes ocorre, o mercurocromo do tempo cuida de cicatrizar as feridas do coração e do espírito. Aí o sujeito toma fôlego, retorna à superfície e encara a correnteza da vida.
Mas nem todo mundo consegue cruzar o rio enfestado de crocodilos e chegar ileso à outra margem. Alguns cansam, ficam no meio do caminho, e são devorados pelos répteis.
Essas metáforas todas são para recordarmos do quanto somos (há exceções) pequenos e falíveis. Pois da noite para o dia, de uma hora para outra, num momento em que julgamos desfrutar de plena saúde, poder e riqueza, súbito nos damos conta de que tudo isso ruiu e o céu desabou sobre as nossas cabeças.
Vivenciamos coisas terríveis, incontornáveis, das quais nunca conseguimos nos recuperar. Por mais que tentemos nos reerguer ou nos iludir com a autossugestão de que batemos a poeira e demos a volta por cima, os traumas e sequelas ficarão para sempre e jamais seremos os mesmos. Como afirmou o ator e filantropo americano Robin Williams, ganhador, entre tantas outras premiações, de um Oscar: “Ninguém finge que está com depressão. As pessoas fingem que estão bem”.
Williams cometeu suicídio em agosto de 2014, aos sessenta e seis anos. Sofria de depressão, ansiedade e foi diagnosticado com mal de Parkinson. Ainda há indivíduos que dizem que isso é malandragem, besteira, frescura.
Um sem-número dos melhores psiquiatras e psicólogos fazem uso da mais avançada psicologia e de um arsenal de medicamentos poderosos, no entanto, às vezes, esse conjunto de ciência e aconselhamentos finda derrotado por uma única mente atormentada. Não importa que o céu esteja azul e propício para um banho de mar, que os pássaros cantem lindamente, que o Sol brilhe, que nasça e se ponha todo santo dia, que as estrelas e a Lua ainda sejam uma fonte inesgotável de poesia. Embalde. Chega um dia em que vemos que a casinha do nosso amor-próprio caiu.
Antes que a casa de nossa alma caia, é preciso tomar algumas providências cruciais: fortalecer nossas fundações psíquicas, tirar o salitre do coração, pintar tudo de branco, exceto as portas e janelas, que podem ficar agradáveis na cor azul.
Se houver sótão ou porão, afugentar os fantasmas com pinturas de Laércio Eugênio, Túlio Ratto e Airton Cilon. Não esquecer de extinguir os cupins do pessimismo que danificam a madeira que sustém o teto do nosso bom humor. Recomenda-se também colocar um arco-íris em nossa moringa, como naquela canção do Paulo Diniz.
Existe a possibilidade de que nada dê certo, que nademos bravamente e morramos na praia. Contudo, reunindo as últimas fibras do nosso instinto de autopreservação, quem sabe possamos nos agigantar diante da morte e mandá-la para os quintos. Aí será possível reaprendermos que viver sempre valerá a pena.
Marcos Ferreira é escritor
Sempre vale a pena!!!!!
Bom dia, Marcos. Amo demais a linguagem que você usa para falar das coisas que vivenciamos. Falando de depressão assim, toda a monstruosidade que é essa doença, parece perder força. Você é um escritor que descreve a alma das pessoas de forma leve e agradável. Mais um texto excelente que amei ler.
Como eu gostaria que cada um pudesse nadar tão rápido a ponto de escapar aos crocodilos desse rio onde a casa às vezes submerge. Ou que simplesmente encontre os braços acolhedores, a palavra exata, o médico de prontidão ou o remédio da felicidade. Que haja vida em abundância. Amém.
A vida não é linear! O sobe e desce faz parte! Mais de uma vez, tive que refazer planos. A casa tombou mas não chegou a cair! No lado pessoal, já enfrentei muitas turbulências. Depressão foi a pior: é um presente sem horizonte! Como já passei por muitas, não digo que estou isenta. Apenas criei couraça! O importante é continuar a luta. E tocar em frente! Excelente crônica! Boa semana!!!
Caro poeta e escritor, todos nós sabemos das dores e delícias de sermos o que somos. Mas estamos aqui pra tirar proveito daquilo que a vida pode nos dá de bom em prazer e felicidade, mesmo que seja de forma pontual, afinal a vida é feita de momentos felizes, já dizia o Odair José. Valeu pela referêcia! Abraços…
Nesta casa que cai ou caminha para cair, penso que além da casa, há bairros e condomínios com outras casas. Pode ser que a queda se acelere até devido as casas vizinhas, agirem para que o terreno da gente, não seja bom ou acharem que se nossa casa cair, a dele, jamais passará por tal problema, puro engano!