Por Marcos Araújo
“A minha meta de vida? Apenas gastar o resto da areia da ampulheta, antes que chegue ao fim!”
Segundo o dito popular, “quem vive de passado é museu”, e confesso que estou nessa condição de “museólogo”. Sou um memorialista, um historiógrafo vivencial. Depois de cinco décadas de existência, meu pensamento se retém mais no passado, sem conseguir expectrar quase nada sobre o futuro. Na ampulheta da vida, vejo que escorreu muito mais areia para a parte de baixo, remanescendo uma pequena porção na parte de cima…
Estou preso nas memórias do ontem, vivendo o hoje, sem pensar muito no amanhã. Outro dia, entre jovens do “Segue-me” (movimento da igreja católica), dei um depoimento do tempo de adolescência, falando sobre a importância da Catedral de Santa Luzia na formação das famílias mossoroenses, na construção dos relacionamentos… Contei aos garotos que muitos dos casais de hoje se conheceram nas paqueras da Praça do Cid, depois da missa da Catedral na noite aos domingos. Foi por ali que dei as minhas primeiras piscadas, depois de girar na praça umas cinco vezes…
Desde sempre tive um pendor para olhar o passado. Fui um “velho” na pele de um adolescente. Sempre convivi e adorava conversar com idosos. Fui amigo de Rafael Negreiros, Cristóvão Frota, Negro Chico do Bar, Chiquinho Germano, Tibério Rosado, Osires Pinheiro, Francisco Revorêdo, Heriberto Bezerra, Antônio Rosado, entre tantos…
Ainda garoto, fui frequentador do Café e Bar Mossoró, tendo conhecido seu Fransquinho e Aurino. Minhas primeiras cervejas foram no bar de Raimundão, na rua Almino Afonso, sob seu olhar de censura à minha falta de recursos. Alcancei ainda o Castelinho, e frequentei algumas festas no clube ACEU. Conheci seu João Pinheiro, do IP, e “roía” por não poder beber whisky e conversar sobre política no seu bar. Assisti a filmes nos Cines Pax e Cid, comprando bombons nos carrinhos que ficavam em frente.
Testemunhei a abertura do bar de Zé da Volta na Abolição II, proximidades da Usibrás, aonde aos domingos papai e mamãe iam dançar. E também “pastorei” minha irmã Odinha e suas amigas Patrícia, Daniela, Rosimeire e as irmãs Kênia e Kélia Rosado na boate/bar Burburinho, propriedade de Gustavo Rosado. Esperei por elas cochilando dentro de um carro muitas noites, enquanto elas se divertiam e dançavam na Hastafari, uma boate de Samuel Alves, na rua Mário Negócio (em cima da Panificadora 2001).
No período político, panfletei algumas vezes durante a madrugada colocando “santinhos” nas portas das casas, com imagens de Vingt Rosado e Francisco Lobato (pai do meu colega do curso de Direito, Serlan Lobato). Ao receber o título de eleitor, fui recepcionado à vida eleitoral com a candidatura do Professor Paulo Linhares a Prefeito Municipal.
“Ganhei” minha primeira habilitação do então candidato a vereador Regy Campelo, sob o patrocínio do governador Lavoisier Maia, e posso testemunhar haver assistido, com entusiasmo juvenil, no largo do “Jumbo” (local onde está edificado o Ginásio Pedro Ciarlini), os discursos emocionados de Geraldo Melo (o “tamborete”), Odilon Ribeiro Coutinho e do velho alcaide Dix-Huit Rosado.
Minha predileção musical também denuncia a minha maturidade, e, principalmente, a inaptidão aos ritmos atuais. Fui incitado a refletir sobre cidadania com Zé Geraldo (“Cidadão”); protestei ao som de Geraldo Vandré (“Pra não dizer que não falei das flores”); fui agitado pela revolta cívica de Renato Russo (“Que País é este?”); vibrei com a personalidade confusa de Belchior (“Paralelas”), e envolvido pela loucura sana de Raul Seixas…
O romantismo e a fossa sempre ressoaram como bálsamo nas canções de Tom Jobim, Vinicius de Morais, Roberto Carlos, Moacyr Franco e Altemar Dutra. A devoção à música americana veio pelos acordes de “My Way” e “New York, New York”, com Frank Sinatra. Ou por “Unforgettable”, de Nat King Cole.
A “mão” da idade pesa nos ombros da minha existência. Resguardo no coração a tristeza de ter assistido a partida de tantos amigos para a eternidade, agradecendo a Deus com fervor pela minha vida, e mais ainda pela dos que ficaram.
Observando bem o ontem, fico genuflexo aos céus pela não contemporaneidade com os jovens de hoje. Não vejo muita graça no divertimento dos adolescentes do presente. Os jogos eletrônicos e as redes sociais como passatempo não superam os jogos de bola nos terreiros com carrascos de pedra de antanho. O passado é história. O hoje é o amanhã de ontem. E o hoje será o ontem de amanhã. Por aqui, conto o passado, sem saber o porvir.
Espero que meus filhos possam reproduzir memórias felizes. A minha meta de vida? Apenas gastar o resto da areia da ampulheta, antes que chegue ao fim!
Marcos Araújo é advogado, escritor e professor da Uern
Eu já havia escrito aqui a minha opinião sobre esta bela página do meu querido xará Marcos Araújo. Ocorreu, ao que parece, que fiz algo errado e meu comentário se perdeu. Falei no texto extraviado, entre outras coisas, acerca da rutilante inteligência e intimidade de Marcos no manejo da nossa língua portuguesa. Tais reminiscências são uma pequena joia literária. Abraço.
Parabéns Dr
Excelente crônica despertando o passado e o presente
Numa outra reencarnação, gostaria muito de ser sua irmã novamente! É a maior dádiva que posso receber de Deus!
Maravilhoso texto! Parabéns, Dr Marcos!
Ele é meu orgulho diário, não só pelo o que ele escreve, mas pelo que ele é. Um ser humano sem igual, sou fã dele em tudo e por tudo.❤️