domingo - 05/10/2025 - 08:00h

São Jorginho

Por Bruno Ernesto

Filhote de iguana posa tranquilamente numa árvore no rio Mossoró (Foto: Bruno Ernesto)

Filhote de iguana posa tranquilamente numa árvore no rio Mossoró (Foto: Bruno Ernesto)

Antes de tudo, é preciso ter fé e coragem – muita coragem – para se pedir proteção divina. Até os menos crédulos, vez ou outra, no íntimo, rogam por uma proteção. Desde que o pedido seja genuíno, acredito que nenhuma divindade se recusará a lhe conceder.

Eu mesmo, no início da minha adolescência, ousei – uma única vez – brincar com a proteção divina e o arrependimento veio poucos minutos após. 

Antes que você possa pensar, não considero Deus sádico. Não, ele não se deleita com sacrifícios, embora toda a tradição espiritual ocidental se baseie no sofrimento.

No texto intitulado “Na ponte à esquerda” (//blogcarlossantos.com.br/na-ponte-a-esquerda/), publicado no último dia vinte de julho, falei da necessidade de desacelerar e se observar as pequenas coisas que passam despercebidas, e que as duas iguanas que moram numa árvore na margem do rio Mossoró, bem no centro da cidade comprovam que nem tudo merece tanto esforço.

Aqueles dois pequenos dragões desafiam o caos e, tal qual a tradicional imagem de São Jorge em luta, nos dá coragem e fé num dia corrido e, para minha grata surpresa, após semanas sem avistá-las, eis que surge uma pequenina iguana pendurada nos galhos da mesma algaroba, e que logo batizei de Jorginho. Um pequenino dragão.

Quanto ao meu arrependimento, digo.

Após meses de negociação, convenci meus pais a permitirem que eu pudesse ir de bicicleta para todas as atividades fora do horário de aula, e assim, alguns dias da semana, eu atravessava a cidade inteira sozinho, num estirão de uns quatro quilômetros entre o Alto de São Manoel e o Colégio Diocesano Santa Luzia de Mossoró.

Nesses dias, podia sentir o gostinho da liberdade de locomoção, não sem antes minha mãe pedir à Deus que me acompanhasse nesse trajeto. Assim, com sua bênção, rumava para o colégio.

Num desses dias, ao sair de casa, ao pé do portão, minha mãe mais uma vez pediu à Deus para me acompanhar no trajeto. Eu, com uns doze anos de idade, muito empolgado, sem pensar, disse que não precisava, pois Deus era pesado e eu cansaria rápido pedalando e podia me atrasar.

Pois bem. Naquele dia – justamente naquele dia – fui assaltado por dois pivetes bem em frente ao Seminário Santa Terezinha. Naquele instante, ouvia em câmera lenta minha mãe dizer que Deus me acompanhasse.

Até hoje minha mãe me recorda deste episódio. Não com sadismo, jamais. Porém, como uma lição de que não se deve renegar proteção.

Quanto à Jorginho, em breve buscará seu próprio caminho. Antes, porém, certamente terá muitas lições e a proteção dos pais.

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

 

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Categoria(s): Crônica

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