Por Marcos Pinto
Não há imprescindibilidade em se recorrer à filosofia e à dialética do conhecimento para se constatar com veemência a versatilidade e as paralelas cheias de nuances do Sr. Tempo. Os grandes passados, de tão profundos e abrangentes rasgam o sudário da vida, para se esvaírem numa súplica.
Pretéritos que insistem em serem revelados, traduzidos, explicados e interpretados por diversos olhares, por ângulos inimagináveis de vários pontos de vista. Não consistem num ajuntamento coerente e translúcido, mas antes numa massa quase infinita de nuances mais ou menos incompreensíveis e resistentes.
A tessitura da historiografia revela que estamos, segundo parece, condenados a escrever e escolher entre diversos regimes de verdade. Foi assim com o grande romancista Guimarães Rosa, quando filosofou através do instigante personagem Riobaldo (vide “Grande Sertão: Veredas”): “A natureza da gente não cabe em nenhuma certeza”.
Nesta mesma dialética, surge o exponencial intelectual da prosa Machado de Assis, sobejando razões enfáticaa: “Mas – dirás tu – como é que podes assim discernir a verdade daquele tempo, e, exprimi-la depois de tantos anos?” (vide obra literária “Brás Cubas”).
Não há como esquivar-se em fazer uma comparação com a sutil ironia e o grau de pessimismo de nosso Machado, quando no discurso metafórico de Brás Cubas.
Sob a temática do cangaço, alguma luz tem sido lançada sobre essa página da história, resgatando-a das sombras voluntariosas impostas por pesquisadores e historiadores atrelados ao amálgama das elites dominantes. A matéria tem sido objeto de múltiplos estudos, oriundos da árdua e incompreendida “pesquisa de campo”.
É nesta metodologia de pesquisa que não se poupa a pormenores pessoais. Às vezes, encontro na imprensa virtual e, também, na imprensa escrita, referência às incursões de pesquisadores/historiadores do cangaço, em especial à investida banditícia da sinistra horda lampionesca nos sertões da região Oeste-Potiguar, pautando pesquisa de campo no antigo “Brejo do Apodi”, atualmente município de de Felipe Guerra.
Por ser feudo territorial da tradicional família Gurgel, oriunda do Aracati-CE, injustificadamente, esquivam-se em abordarem os antigos habitantes sobre o grupo de jagunços pertencentes e comandados pelo truculento Décio Holanda (Décio Sebastião de Albuquerque) genro de Tilon Gurgel, cujo grupo de celerados era acoitado nos sítios “Pacó”, pertencente ao Décio, e no sítio “Brejo do Apodi”.
Acerca desta particularidade de milícia particular, escrevi e publiquei em plaquete da famosa e respeitável “Coleção Mossoroense”, com o título “O fogo de Pedra de Abelhas” (antigo referencial toponímico da atual cidade e município de Felipe Guerra-RN), fato ocorrido a 12 de maio de 1925, nas imediações do sítio “Boqueirão.” São abordagens com nuances sobre o embate entre a jagunçada do Décio Holanda e uma “força da polícia militar” composta por 40 soldados comandados por um tenente, enviado exclusivamente pelo então governador Dr. José Augusto.
Intuito do governador era desbaratar essa milícia particular, que, efetivamente fugiu para o Ceará, após perder um dos jagunços baleado e morto pelo contingente policial. O grupo foi acoitado na fazenda “Várzea Grande”, pertencente a Benedito Saldanha, situado no município de Limoeiro do Norte, e atualmente ao município de Alto Santo, também no Ceará.
Outra história do ataque de Lampião a Mossoró, ainda cheio de evasivas, diz respeito ao processo de eliminação na modalidade “queima de arquivo,” feita por Benedito Saldanha dias após o ataque a Mossoró, em sua fazenda “Várzea Grande.” O cabra conhecido por “Coqueiro” foi acoitado por Benedito que tomou conhecimento que fora o responsável pelo ataque ao veículo do sr. Antônio Gurgel, fato ocorrido na Várzea do Apodi, ocasião em que o Lampião o fez refém. No episódio, de imediato já fora exigida quantia à família para liberação de Gurgel.
Benedito era amigo íntimo do Tilon Gurgel.
O jornal “O Mossoroense,” edição de 25/04/1982, na coluna “Mossoró no passado,” informa que o bandido Coqueiro, do Bando de Lampião, fora eliminado na fazenda “Várzea Grande”, em confronto com a polícia.
Observe-se que o Benedito Saldanha enviou telegrama ao diretor de segurança pública do RN, informando que estava enviando o corpo do cangaceiro Coqueiro para Mossoró, onde seria sepultado. Até hoje não há notícias sobre a chegada e sepultamento desse corpo. História que segue e requer profunda “pesquisa de campo”.
Inté.
Leia também: A historiografia do cangaço
Marcos Pinto é advogado e escritor
Muito bom texto. Gosto desse resgate histórico realizado pelo escritor.
Abraços!
Um bom resgate histórico, um bom texto bem explicando! Parabéns Dr.Marcos Pinto.
Se o desenvolvimento humano é guiado pelas narrativas, é imprescindível que o pesquisador/historiador aja com imparcialidade quanto aos “regimes de verdades” que porventura encontre nas histórias e estórias. Sem tomar partido numa situação, a tarefa do historiador, hoje, é: “desfazer as versões do passado que nos chegam consagradas e oferecidas como matrizes de orientação e construção de identidades”, observa Durval Muniz de Albuquerque Júnior. Creio que o contexto do cangaço foi pautado numa realidade construída e reconstruída no interior de relações ( e práticas) sociais determinadas. Parabéns pelo excelente texto.
Marcos Pinto tem trazido muitas colaborações para a História do Oeste Potiguar.