domingo - 08/09/2013 - 03:46h

Fanatismo – a manifestação de força dos fracos

Por Carlos Santos

O fanatismo é a única forma de força de vontade acessível aos fracos“.

(Friedrich Nietzche)

O fanatismo – principalmente religioso e político – só levou a humanidade ao atraso, ao obscurantismo, à segregação e a estupidezes. Fanatismo é uma fortaleza perene no Rio Grande do Norte e demais recantos desse vasto mundo terreno e da alma humana.

Num passeio pela história do homem até nosso tempo, é fácil identificar como o fanatismo freia a evolução da espécie: da ciência à organização social. 

O fanático é um autista. Para ele, há um mundo próprio, com valores ortodoxos.

Seus dogmas, lógico, estão certos e são indiscutíveis. Sempre.

Nessa cegueira, o fanático estabelece o maniqueísmo como bússola, julgando tudo e a todos sob a bifurcação do bem e do mal. O bem, o seu lado. É o que ele defende, muitas vezes sem saber exatamente o que advoga como verdade.

O que seria de nós sem o Iluminismo, a democracia e o ponto de interrogação, em contraponto às trevas, o cesarismo e às maria-vai-com-as-outras?

Reflitamos quanto ao que nos aprisiona.

Na cela insalubre do fanatismo, ninguém pode se sentir ou se imaginar livre. É súdito da limitação.

Vejo duas modalidades de fanáticos: o que se tornou besta-fera por restrição cognitiva e o outro, que age assim para tirar proveito próprio, como um “fanático esclarecido”.

Nos dois casos, uma só vítima: o homem.

De ambos, a mesma conduta deletéria: um, tangido pela ignorância primária; outro, pela esperteza torpe.

Não… não insista. Não adianta discutir com ele.

O fanático é antes de tudo um idiota, o senhor da razão – pensa.

Mantenha-o ocupado; seja indiferente…

Intolerante, o fanático não debate, agride.

O fanático não conversa, ruge.

O fanático não se contrapõe a argumentos, ataca o argumentador.

Quem é o fanático?

É aquele indivíduo que ironizou Cristo na cruz, o SS nazista que cumpriu ordens do III Reich para queimar judeus ou aquele borra-botas que só vê virtudes em seu líder político.

Todos, cada um em seu contexto histórico e circunstância, age como fanático, incapaz de se portar com prudência e racionalidade.

Somos as suas vítimas até hoje.

Esse homem-bomba, como todo homem-bomba, é o primeiro a morrer em seus delírios.

Deixe-o ir só às profundezas de sua pobreza e insanidade.

Sejamos indiferentes…

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Categoria(s): Artigo
domingo - 25/08/2013 - 08:29h

Só Rindo (Folclore Político)

Da papa à merda

Desgostoso com o relacionamento do Governo Municipal com a oposição, o vereador oposicionista José Manassés, nome de referência da localidade rural de Arapuá, em Felipe Guerra, propõe uma reação.

É necessária uma valorização do vereador, prega ele, diante de outros colegas de bancada.

Astuto, procurando evitar dificuldades para seu governo, o prefeito Raimundo Pascoal se apressa em desembarcar em Arapuá no dia seguinte à reunião oposicionista.

No evento público, convidado a falar à comunidade, Manassés tenta mostrar que sabe o que faz. Deixa claro, ao seu modo, que é muito mais ardiloso:

– Pensavam que iam botar papa na minha boca, mas ele botam é merda!

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domingo - 04/08/2013 - 08:51h

A emoção, dividida, com Dominguinhos

Por Carlos Santos

Zapeando canais na TV, ontem, deparei-me com um documentário sobre Dominguinhos, apresentado pela TV Cultura. Era uma reapresentação.

Infelizmente, já o alcancei em trechos finais. Mas nem por isso, sem deixar de me marcar profundamente.

Ao volante de um carro que ele mesmo dirigia (tinha pavor de avião), o artista recém-falecido narrava sua vida, contava seus causos… se emocionava. Emocionou-me.

O que mais mexeu comigo: um amigo, produtor musical, relatou a gravação de “A triste partida” num estúdio em Rio ou São Paulo, não lembro.

Em determinado momento da gravação, houve o que parecia ser uma pane nos equipamentos. Na mesa de som, o operador mexia, outras pessoas presentes ao estúdios se entreolhavam e davam como certa a existência de um problema técnico.

Dominguinhos, que cantava “A triste partida”, com cabeça baixa, testa debruçada sobre seu instrumento, chorava copiosamente. Não conseguia dar sequência à gravação.

Aí, quando todos descobriram o porquê da “falha”, mantiveram o respeito à sua dor de ex-retirante. Firmaram um acordo tácito-emocional, presos ao silêncio.

Aguardaram-no enxugar as lágrimas, se refazer, para só quase dez minutos depois se pronunciar novamente, pronto para seguir em frente.

Estava pronto para completar “A triste partida”. A triste partida de Dominguinhos.

Como não chorar também, heim?

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Categoria(s): Crônica
domingo - 21/07/2013 - 14:02h

Quase pronto para não fazer nada

Por Carlos Santos

Copio o que é comum à cultura italiana, de zelo ao tempo destinado a não fazer nada. Estou agilizando providências para não fazer nada neste domingo de sol tímido e omisso.

O “Dolce far niente” [doçura de não fazer nada] é mal-interpretado por muita gente.

O “Shabath”, para os judeus, é dia sagrado de descanso. Significa “cessar o trabalho”.

Sagrado, veja bem.

Na Bíblia, em Gênesis, está escrito que Deus descansou ao sétimo dia, após a obra da criação. Tornou-o santificado.

Portanto, tenho que me apressar. Tenho um monte de coisa para não fazer ainda hoje.

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Categoria(s): Crônica
  • Art&C - PMM - PAE - Outubro de 2025
terça-feira - 09/07/2013 - 08:05h
Crônica

A ponte

Daqui a poucas horas, um de meus filhos – Carlos Júnior – levanta voo.

Inquieto, tem o ímpeto dos jovens conquistadores. Melhor: sabe exatamente o que quer; traça o próprio destino.

Vai pro Velho Mundo.

Não lhes digo que meu coração apenas pulsa. É diferente. Há aquele aperto, uma contração que parece me fazer sumir um pouco.

Adianto-lhes, entretanto: não tenho medo. Sou todo sentimento. Sinto-me leve, paradoxalmente.

A existência humana é feita de ciclos.

Estamos, eu e ele, vivendo o “ritual da provação”, em que a distância em vez de vácuo – definitivamente será nossa “ponte”. Caminhamos de mãos dadas sobre ela.

Ver a cria partir e, desgarrar-se, é testemunhar que a missão paternal venceu todas as dificuldades e medos.

Agora é com você, meu filho.

Qualquer coisa estou aqui, ao seu lado, na “ponte”.

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Categoria(s): Crônica / Notas Pessoais
sábado - 22/06/2013 - 20:56h
Chegaaaaa!!

Misturados, mesclados, irmanados, juntos na mesma causa

Por Carlos Santos

Gostei de ver crianças, adultos, idosos; polícia e cidadão juntos, misturados, mesclados….

Gente simples, classe média; empresários e empregados no mesmo chão, na mesma praça; sobramos como povo/gente no leito da rua, irmanados na avenida e na praça.

Todos em paz: Chegaaaa!

O “Movimento Chegaaaaa!!!” foi sucesso em sua natureza de protesto pacifista, um fracasso em número – hoje (sábado, 22) – em Mossoró.

Por quê?

Porque a maioria de nós quer tudo de graça. Sem luta.

Mossoroense – com exceções – adora transferir responsabilidades; poucos topam a boa luta e a defesa de propósitos coletivos.

Pessoas pequenas adoram arranjar desculpas menores para grandes causas. Anote, por favor.

Os que se atrevem a transgredir costumam pagar caro pela ousadia.

Mas lhe digo: vale a pena desafiar o imobilismo e defender causas que acreditamos.

Depois, até quem cruzou os braços, calou-se, poderá usufruir dos resultados.

Talvez eu seja um sonhador. Ótimo.

Não me imagino indiferente, omisso e sem fé.

Bom demais poder olhar para trás e exclamar: “dei o meu melhor”.

Claro que não é o suficiente, mas é uma parte maior do que a ofertada pela maioria.

Aí, lá adiante, talvez faça alguma diferença para todos nós.

Chegaaaaa!!!

* Foto de Ebelardo Freitas

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 16/06/2013 - 15:43h
Microcrônica

Para lembrar Torquato

Amanheci sob a batuta do poeta-letrista-jornalista Torquato Neto.

Não, não imaginem que estou “down”. Não mesmo. Muito pelo contrário.

A cabeça efervescente de Torquato Neto remete-me à geleia geral, a ebulição da Tropicália, ao inconformismo, à inquietação criativa.

Pena que tenha partido tão cedo (28 anos). Nem tive tempo de cogitar um bate-papo.

Mas, até no adeus, ele foi incomum.

Antes de ligar o gás de seu apartamento, para dizer “bye” à vida, o jovem artista piauiense deixou bilhete para a mulher, entre sarcástico e compenetrado:

“FICO. Não consigo acompanhar a marcha do progresso de minha mulher ou sou uma grande múmia que só pensa em múmias mesmo vivas e lindas feito a minha mulher na sua louca disparada para o progresso. Tenho saudades como os cariocas do tempo em que eu me sentia e achava que era um guia de cegos. Depois começaram a ver e enquanto me contorcia de dores o cacho de banana caía. De modo q FICO sossegado por aqui mesmo enquanto dure. Ana é uma SANTA de véu e grinalda com um palhaço empacotado ao lado. Não acredito em amor de múmias e é por isso que eu FICO e vou ficando por causa de este amor. Pra mim chega! Vocês aí, peço o favor de não sacudirem demais o Thiago. Ele pode acordar”.

Thiago era o filho único de Torquato, de dois anos de idade. Não se transformou em poeta ou ativista cultural etc.

Thiago virou piloto de aeronave, atuando em voos comerciais. Enfim, tinha que voar também, a seu modo.

Grande Torquato Neto!

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Categoria(s): Crônica
domingo - 12/05/2013 - 01:06h
Neste dia

A maior parte que fica conosco

Já lhe confessei aversão ao formalismo de datas. Em relação ao Dia das Mães, também.

Continuo com a visão de que a gente não deve ter data predeterminada para declarar sentimentos. Aprendi com minha santa mãezinha.

Ela detestava essa “burocracia” alimentada pelo capitalismo.

Aproveite todos os dias para dizer que amas, manifeste a qualquer momento sua afeição, deixe seu bem-querer transbordar como uma cachoeira incessante. Não perca tempo, não poupe abraços, beijos e zelo.

Aí valerá a pena todos os dias.

Mesmo quando ela se for, sempre ficará a maior parte conosco: o sentimento.

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Categoria(s): Crônica
  • Repet
terça-feira - 30/04/2013 - 09:40h
Liso estável

De bem com o Leão (tudo declarado)

Apesar da minha condição de “liso estável” já fiz declaração do Imposto de Renda – com boa antecedência.

Estou melhor do que o ‘colega’ Eike, o Batista. Estável.

Tá tudo declarado: meus sentimentos, minha fé, minha indissociável crença no homem, meus medos (nunca o pânico).

Meus bens. Gente eu lustro, coisas eu uso.

Tudo declarado.

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Categoria(s): Crônica
domingo - 28/04/2013 - 08:44h

Crônica para tocar a vida em frente

Por Carlos Santos

Segunda-feira, 22 de abril deste 2013. Trabalho com o computador, mas vez por outra dou uma espiada em minha “pracinha virtual”, o Facebook. Já escrevi por lá e reproduzo aqui: é “minha terapia desocupacional”, lugar onde me sinto à vontade, de calção, nonsense e lúdico. Naquele rincão cibernético nada é muito sério para me tirar do sério.

A vida parece passar mais lenta, sem compromissos.

Daí, resolvo postar letra e áudio da música “Tocando em Frente”, de autoria da dupla Almir Satter e Renato Teixeira.

Essa letra/música diz-me muito. Parece minha biografia. Um dia, após tê-la ouvido tantas vezes, percebi que não era apenas uma música com letra bem-elaborada. Vi-me em seu enredo. Acho que cada um de nós tem uma música feita “por encomenda”. Às vezes nem percebemos isso até que um dia… a encontramos“, escrevi em meu endereço no Face.

E complementei: “Eis Tocando em frente, perfeita – para mim – a partir do título“. Foi o suficiente para surgirem várias manifestações de endosso à beleza da música e ao meu enfoque.

Tocando em Frente (Almir Sater e Renato Teixeira)

Ando devagar porque já tive pressa
E levo esse sorriso porque já chorei demais
Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe
Só levo a certeza de que muito pouco eu sei
Ou nada sei

Conhecer as manhas e as manhãs,
O sabor das massas e das maçãs,
É preciso amor pra poder pulsar,
É preciso paz pra poder sorrir,
É preciso a chuva para florir

Penso que cumprir a vida seja simplesmente
Compreender a marcha e ir tocando em frente
Como um velho boiadeiro levando a boiada
Eu vou tocando dias pela longa estrada eu vou
Estrada eu sou

Conhecer as manhas e as manhãs,
O sabor das massas e das maçãs,
É preciso amor pra poder pulsar,
É preciso paz pra poder sorrir,
É preciso a chuva para florir

Todo mundo ama um dia todo mundo chora,
Um dia a gente chega, no outro vai embora
Cada um de nós compõe a sua história
Cada ser em si carrega o dom de ser capaz
E ser feliz

Conhecer as manhas e as manhãs
O sabor das massas e das maçãs
É preciso amor pra poder pulsar,
É preciso paz pra poder sorrir,
É preciso a chuva para florir

Ando devagar porque já tive pressa
E levo esse sorriso porque já chorei demais
Cada um de nós compõe a sua história,
Cada ser em si carrega o dom de ser capaz
E ser feliz

Conhecer as manhas e as manhãs,
O sabor das massas e das maçãs,
É preciso amor pra poder pulsar,
É preciso paz pra poder sorrir,
É preciso a chuva para florir.

Suplemento o que eu tinha escrito com dois depoimentos distintos e que se somam, postados no próprio Facebook. Assim, consigo produzir uma crônica para o Blog, em parceria com os webleitores Nilson Gurgel e Yonara Carrilho, em cima dessa obra prima de Almir e Teixeira.

Nilson premia-nos com detalhes quanto ao contexto e formatação da letra/música, narrada pelo próprio Satter para ele, no distante ano de 1998. Yonara disserta sobre a essência do que os autores retraram, falando de vida, experiência, maturidade… serenidade.

Aproveito esse cabedal de informações, conhecimento e emoções de ambos e faço uma crônica para tocar a vida em frente. “Estrada eu sou…” Somos.

Caro Carlos,

Esta música é também minha paixão, todos meus amigos que têm o dom de cantar me presenteiam e homenageiam-me com ela. Nossos amigos do “Sêbado” (confraria que se reúne todos os sábados em Mossoró), Ferreira que já partiu, Joãozinho dos Teclados em Alexandria, Nonato de Tabuleiro, por aí vai, incluindo Almir Sater. Por volta de 1998, em um “Confaz” (reunião do conselho fazendário do país), que houve em Bonito MG do Sul, ele fez o show de encerramento, a convite do governo de lá.

Na oportunidade, referenciou nosso pedido. Esta música, na época, fazia o maior sucesso na gravação de Maria Bethânia. Como tive a oportunidade de um dia todo de contato, aproveitei-me e nas conversas, comentei com ele e perguntei como tinha se inspirado para fazer e musicar um poema tão perfeito.

Ele disse: “Não foi inspiração, nem trabalho, foi um dádiva. Eu estava sentado com Reneto Teixeira e peguei a viola, dei um acorde e comecei… Ando devagar, aí o Renato emendou ‘ porque já tive pressa'”, ou vice versa. Quando cuidaram, estava pronta, rapidinho.

Quando Almir chegou em casa tinha uma ligação de Maria Bethania – que nem o conhecia. Retornou a ligação e ela foi logo dizendo: “Quero gravar uma composição sua”, aí ele contou que deu essa resposta: “Acabei de fazer uma agoro com Renato, quer que eu cante um pouco?” Ela disse logo: “Cante”.

Almir narrou que começou a cantar e não demorou muito para Bethânia se manifestar. “Ela disse: Essa é minha, quero gravá-la e fechei na hora”.

Paixão por esta música não divide, só soma. acho que por isso não senti ciúmes de sua postagem, Carlos Santos.

Um abraço. Nilson Gurgel.

Yonara Carrilho complementa nossas palavras, sem pressa…

Carlos Santos,

Muita gente se identifica com essa música. Principalmente quem tem mais de 4 décadas de vida. Ter muita pressa junto com a ansiedade de que as coisas aconteça ao nosso tempo é marca registrada de quando se tem menos 30 anos de vida.

Só os anos nos ensinam a ser paciente. Vem junto com os primeiros fios de cabelos brancos e com as primeiras rugas a compreensão de que não se pode fazer muita coisa, a não ser esperar.  O tempo de Deus é diferente do nosso, e muitas vezes falta merecimento de nossa parte ou da outra, faltas que precisam ser trabalhadas, para que se consiga o almejado.

Por isso que é sempre bom carregar o sorriso de uma consciência tranquila, de que minha lição eu fiz e estou fazendo direitinho…

Yonara Carrilho

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Categoria(s): Crônica
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terça-feira - 19/02/2013 - 08:21h
Crônica

Meu papel de gente no mundo

Já ouvi de algumas pessoas próximas, uma censura em tom de zelo:

– Você se cobra muito!

Talvez.

Mas costumo retrucar, com o cuidado de usar a voz baixa, para não parecer ingrato:

– Já imaginou se em vez de me cobrar, ser tão exigente comigo, eu lhe impusesse essa pressão?

Aprendi nessa longa estrada da vida, que tenho de fazer minha parte. Não posso pedir, se não me faço melhor.

Se quero mudar algo, transformar meu mundo, começo por mim. Quem achar que estou certo e mereço a companhia, acompanhe-me.

É opressivo cobrar e impor aspirações e nossos valores a outrem indivíduo, por mais que gostemos dele.

Exigir que um filho torça por meu time de futebol e ainda por cima me ame…? Por que eu teria esses direitos?

Quem gosta, zela; se domina, o faz pela força da atitude, não por “atitudes de força”.

Claro que posso estar errado. Se estiver, tentarei mudar. Não sou um ser estático e acabado.

Ainda estou me fazendo ser, contra as forças que nos asfixiam cotidianamente. É uma luta incessante contra o não-ser.

Só muito depois da longínqua infância compreendo o alarido de minha mãe, para me por nos “eixos”, com olhar que me fuzilava no paredão:

– Você tome jeito de gente!!!

Tenho tentado, tenho tentado, lhe garanto.

Quem tem de melhorar sou eu. É parte de minha contribuição para esse mundo.

Cobro de quem pode fazer algo, sem impor nada a ninguém. Cobro de mim. Acho que suporto essa pressão.

Assim espero.

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Categoria(s): Crônica
domingo - 17/02/2013 - 09:44h

Resposta a um “Funcionário”

Por Carlos Santos

“Servir só para si é não servir para nada.” (Voltaire)

Meu querido “funcionário” Francisco Edilson Leite Pinto Júnior:

Recebi e publiquei mais abaixo – sua extremada missiva, em que trata de seu vínculo laboral com este Blog, página há muito adotada por centenas e milhares de pessoas sob compromisso diário de leitura. Outras tantas, de forma mais visível, como comentaristas e articulistas. Esse último caso o seu, atesto.

Sua tarefa, bom que fique consignado, tem sido contribuir à formação de uma bolha crítica e quebra do oligopólio da opinião, na chamada “imprensa convencional” – via este Blog. Seu trabalho merece remuneração diferenciada e regular, sempre ensejando cevados reajustes.

O trabalho dignifica o homem – alardeou o filósofo Hesíodo e eu poderia me valer desse aforismo para – quem sabe – aplacar sua suposta indolência. Não o farei.

Reconheço. Nem tergiverso quanto ao que lhe é meritório.

É um “soldo” que o Blog admite dificuldades em saldar, mas nem assim se sente inibido em cobrar sua maior contribuição a missões tão significativas à nossa civilização.

Claro, muitos podem afirmar que tudo não passa de esforço inglório – seu, meu, nosso. Seria apenas uma gota no oceano de lágrimas de um planeta selvagem e predatório.

Contudo recorro à Madre Teresa de Calcutá para incensá-lo e a outros tantos que pensam da mesma forma:

Por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota de água no mar. Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota.

Compreendo o sobrepeso de seus outros afazeres como professor, escritor e médico, uma tríade nobre e que certamente lhe dará o reino dos céus. Para muitos, talvez seja mais uma condenação terrena do que benção celestial.

Tenho ouvido seus murmúrios, testemunho seu alarido, identifico seus desapontamentos e reconheço seu esforço para ser pelo menos razoável nas tarefas principais que adotou, além de ser – também ouço – um esposo nota 10 e um pai zeloso e extremado.

Pensar é cansativo. Muitos se especializam em tudo, como um Conselheiro Acácio do grande Eça de Queiroz. Em síntese: não se aprofundam em nada. É um fardo conflitar com o status quo, o pensamento dominante e as atitudes tacanhas de uma maioria incapaz de refletir sob a ótica do bem comum. É remar contra a maré.

– Pensar é o trabalho mais difícil que existe. Talvez por isso tão poucos se dediquem a ele – diria Henry Ford.

Seu exercício laboral em nossa “organização” é imprescindível. Cobro-lhe em particular e de público, para dar eco ao que ouço no cotidiano neste mundo virtual e real. Suas  palavras, mesmo que muitas vezes pareçam o apocalipse narrado por Jim Morrison (The Doors) em “The End”, emergem como uma luz.

Se nos faltar energia, talvez sobre sua centelha para nos estimular à incessante luta. Desistir, jamais!

Por favor, não me interprete como um patrão rançoso e afeito ao contorcionismo das palavras, para seduzir seus operários ao trabalho escravo, com a vã promessa de melhorias a posteriori. Sou sincero, tão somente. Falo do fundo d´alma.

Não temas. Não utilizarei de artifícios lúdicos para atrai-lo à labuta e passar ao mundo a imagem de que lhe oferto um ofício sem maiores dificuldades. A máscara nazifascista não me cabe.

No frontispício de Auschwitz I, os judeus que chegavam a esse campo de concentração liam o que parecia uma esperança: “Arbeit macht frei” (“O trabalho liberta“). Era a senha para maus-tratos e morte bárbara.

Nesta página, morrer é não exercitar a palavra, suprimir ideias e tolher o pensamento conflitante. A gente não é obrigado a concordar um com o outro, mas aprendemos desde cedo a respeitar o livre arbítrio e o direito de qualquer um discordar de nós.

Isso é dialética. Sem ela, ainda estaríamos amontoados em cavernas, matando bichos com pedra e paus; apenas subsistindo.

Sem a presunção de Michelangelo diante de seu Moisés, eu pondero que não pares.

É-me significativo lhe adiantar, que não lhe dou ordens. Delego-lhe uma missão. Reproduzo a vontade de milhares de webleitores: “Parla! Parla! Parla!

Se “no princípio era o verbo“, como descreveu o evangelista João, como posso suprimir a criação, a reinvenção e a clarividência do seu pensamento?

Tens direito ao “ócio criativo” orquestrado por Domenico Di Masi, movido apenas pelo diletantismo, cultura e sua inteligência privilegiada. O básico bastaria à sua felicidade, sei.

Contudo, assinalo, nós queremos mais de ti – exemplo de funcionário diferenciado e imprescindível em qualquer corporação.

Recorro a um de nossos ídolos comuns para atestar o reconhecimento de seu esforço e a constatação de suas fragilidades. Posso dimensionar o que é a exaustão, a quase desistência: “Não sois máquinas; homens é que sois!” (Charles Chaplin).

Também já quis parar, caro funcionário. A tentação da desistência é recorrente, como uma mazela recidiva. Se tem cura, não sei. Trato de conviver com ela; domá-la pela paixão.

Escolhe um trabalho de que gostes, e não terás que trabalhar nem um dia na tua vida – proclamou o mestre Confúcio há milhares de anos. Fiz minha escolha. Por isso trabalho tão pouco.

Quase me convenceram a deixar tudo para trás e me ocupar em tarefas menos insalubres, mais rentáveis e que me distanciassem dessa luz, ou daquela centelha que vejo em ti.

Há um brilho incomum em seus textos – por mais amargos que às vezes se revelem. É o brilho dos loucos, de um “maluco beleza” como Raul. Dos que sonham acordados e partilham a utopia de voar, muito superior ao delírio de Ìcaro em seu voo solo fracassado.

Se desabarmos, desabaremos juntos. Por quê?

Porque voamos sincronizados, acreditando que talvez consigamos mais aliados nesse trajeto migratório que pode nos levar da ignorância à sapiência redentora.

Você não está só!

Seu emprego está mantido, caro funcionário. Deixe de moganga; pode voltar ao trabalho.

Carlos Santos – Editor do Blog Carlos Santos

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domingo - 10/02/2013 - 10:35h

Minha palavra, minhas letras

Por Carlos Santos

Minha caligrafia é na verdade um hieróglifo. De nada adiantou a preocupação em melhorá-la, com uso de técnicas artesanais, ainda à infância. Tinha que passar horas “cobrindo” letras sobre papel transparente para ganhar forma.

Tempo perdido.

Os muxicões e batidos ao ouvido para torná-la compreeensível, inteligível, foram em vão. Sobrou esforço de minha santa mãezinha, que tinha arte à ponta do lápis e caneta, mas não a transferiu para mim. Sua caligrafia era técnica de ourives.

Pecado meu. Desinteresse meu. Poderia ser menos ruim.

Escrever virou necessidade, ganha-pão, uma razão de viver ao longo de décadas. Fui-me descobrindo. Na escola, não. Era apenas um aluno mediano, com espasmos de interesse pela leitura, história (em que colecionei 10), além de um olhar nas meninas do lado, apesar da timidez catatônica.

Pânico? De matemática. A tabuada até hoje é uma “Pedra de Roseta”. Números, fórmulas… argh! fora!

A desavença com o português é antiga. Perdura até hoje. Mais do que conhecimento técnico, a ponto de dissecar as frases como se fora um legista do verbo, escrevo por intuição. Tenho pressentimento do deslize, mesmo que não saiba o porquê.

Apontar um advérbio, identificar substantivo acolá ou adjunto não sei das quantas ali… não conte comigo.

Sou um “semianalfa”.

É provável que minha dedicação e perfeccionismo tenham me poupado de estar entre os medíocres. Nem assim, estou livre do mico, da saia-justa, do erro crasso. O ridículo faz parte de minha trajetória. Muita coisa imperdoável a alguém que parece dominar o vernáculo.

Acho que disfarço bem.

Quem sabe muito é o professor e cronista “José Nicodemos” de Areia Branca. Ele é uma de minhas referências para melhorar a redação, tornar mais leve a escrita e fugir do gongorismo. Sou seu discípulo desde que nos conhecemos há mais de 23 anos na redação da Rádio Difusora de Mossoró.

Ficava arrasado com suas correções e reprimendas. Laudas inteiras picotadas por seus riscos e complementos. Com o tempo fui melhorando ou ele relaxando no rigor. Perdi o medo de perguntar, de admitir que não sei.

Abrir um dicionário é ritual comum, não um sacrifício ou decisão feito às escondidas.

Ler, ler muito. Escrever, escrever muito. Ler de tudo um pouco, questionar tudo; rabiscar e sublinhar livros, revistas, jornais etc. Até hoje é assim.

Nenhuma leitura é por acaso. Sempre tem meu olhar de aprovação ou discordância, exclamações nas bordas: “Gostei!” “Não concordo!” A simples leitura por lazer vira coisa séria.

Tornar tudo inacabado, revisar, revisar novamente. Continuar insatisfeito, questionar sempre, procurar fazer o melhor. É assim o  hábito – paixão – de escrever e ler.

Nesse universo, a admiração por autores nativos como Dorian Jorge Freire e Jaime Hipólito. Não esquecer Vicente Serejo, o cronista diário, desde o Diário de Natal.

O encantamento com Guimarães Rosa, Machado de Assis, mas principalmente a frase telegráfica e cortante de Graciliano Ramos.

Stanislaw Ponte Preta, Antônio Maria, Rubem Braga, Vivaldo Coaracy, Truman Capote, Camus, Carlos Lacerda, Paulo Mendes Campos, Gibran, Hermann Hesse e tantos outros autores foram se enfileirando.

Bem antes deles, centenas de revistas em quadrinhos eram empilhadas e colecionadas em casa. Parte, camuflada em guarda-roupa, debaixo da cama e outros compartimentos secretos.

Para muitos pedagogos e mães, os “gibis” eram um atraso e tiravam nosso foco do conhecimento didático na escola. Meia-verdade.

Valeu ler a Tesouros da Juventude (Alexandre Dumas, Júlio Verne etc.), folhear a Enciclopédia Britânica e revistas como o Cruzeiro e Seleções. A fascinaçção pelo futebol com a Placar. A volúpia  pela informação com o Almanaque Abril e os jornais que apareciam em casa em meio aos mantimentos do dia, num balde de alumínio trazido do Mercado Central ao lado de verduras, cereais, frutas.

Bote uma Playboy aí no “cardápio”. Sempre gostei das entrevistas dessa publicação mensal. Ninguém é de ferro.

Sem que eu percebesse estava “me formando”. Tornava-me lentamente um apaixonado pela escrita, mesmo que ainda sob desavença com a língua-pátria. A propósito, esse nosso litígio é incessante e sem armistício, que se diga.

Puxado pelo jornalismo, virei repórter político. Com a tarefa segmentada, a rápida constatação: não poderia me prender tão somente ao ramerrame de declarações óbvias, entrevistas enfadonhas e o factual de releases.

Ficou claro para mim que teria que conhecer a essência da política, ir à sua raiz e encontrar respostas para uma série de interrogações. Do contrário, eu me transformaria numa espécie de escrivão, apenas reproduzindo clichês: “Fulano disse, sicrano afirmou, beltrano declarou…”

Nasceu na necessidade a paixão pela ciência política, antropologia, sociologia e outros ramos do conhecimento. Dei-me conta da existência e o porquê de mergulhar na descoberta de Schopenhauer, Kant, Aristóteles, Platão, Raymundo Faoro, Oliveira Vianna, Gramsci, Darcy Ribeiro, Quentin Skinner, Hannah Arendt (minha devoção), Popper, Montesquieu, Roberto Campos, Baltasar Gracián, Maquiavel, Sun Tzu, Roberto da Matta, Rousseau, Victor Nunes Leal, Foucault, Jules Mazarin, Russell…

Tanto tempo depois, ainda tenho espírito da descoberta. Ainda me espanto com a própria ignorância e continuo acreditando que posso melhorar minha caligrafia, conhecimento e texto.

Antes, tudo era feito em papel almaço, com lápis em ponta grafite que geravam garranchos toscos. Depois veio a máquina datilográfica com suas teclas e a digitação em computador.

Hoje, passeio meus dedos longilíneos em telas multicoloridas que abrem e fecham janelas virtuais num smartphone e tablete. Nem de longe formo aqueles hieróglifos que eram o terror das professoras no caderno ou no quadro negro.

Nem assim me aproximo da perfeição ou algo razoável, tamanho o que exijo de mim.

Saí das cavernas. Mas sinto que ainda tenho que voltar a ela vez por outra, como um arqueologista. Há sempre alguma coisa a ser revirada, rebuscada e reestudada.

Nessa memória mais distante ainda estão meus principais utensílios de sobrevivência – mesmo que novas ferramentas e plataformas de informação me dêem a graça de ser universal e moderno. Daí continua saindo a base de minha palavra e letras.

Sei, que pouco sei. Se fosse um Sócrates, nada saberia.

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Categoria(s): Crônica
domingo - 27/01/2013 - 11:55h

É, amadureci…

Percebo que cresci. Flagrei-me dando boas gargalhadas de micos e idiotias próprios.

Histórias recentes, que se diga.

São reveladoras.

Do nada, o riso frouxo e desbragado. Parece sem fim.

É um filme sendo rodado de trás para frente. Se fosse com outrem, seria engraçado e pareceria escárnio.

Acho que seria imperdoável.

Comigo, não. Tenho bons e bons motivos para rir de meus deslizes, bobagens, fragilidades.

É, amadureci…

Que bom!

Como diz filosoficamente meu querido amigo Diassis Linhares (radialista mossoroense), “umas pessoas amadurecem, outras apodrecem.”

Experiência é tempo vivido. Maturidade é o que a gente fez desse tempo vivido, convertendo-o em bom senso. Sapiência.

Não se levar muito a sério e tolerância cabem e são fundamentais a esse coquetel. Quão difícil é alcançá-los.

Apelidos, troça com o próprio físico, lero-lero com a idade que passou do Cabo da Boa Esperança, tropeços amorosos, rasteira de ‘amigos’, fracassos profissionais ou a simples topada à porta de casa são motivos pra gargalhada solitária.

Um palavrão escapa. E daí? Sou humano, mesmo que logo me venha a reprimenda inoculada ainda na infância. O subconsciente fala mais forte: “Feche essa boca podre!”

Kkkk!! Fecho, sim.

O dinheiro é ralo? Sem problema.

Sou mesmo um “liso estável” há décadas, o que me garante uma estabilidade muito superior à maioria dos mortais do pindorama brasileiro. Não devo à Riachuelo, não tenho carnê da Casas Bahia, nenhum carro financiado ou empréstimo consignado.

Portanto, “um bom partido”, mesmo assim um Rapaz Velho Encruado, modelo standard.

Previno-o: por favor, não me julgue um insensível e gélido como um psicopata siberiano. Nem superior, inatingível e acabado. Estou sendo feito e moldado ainda.

Se der tempo, me completo. Se tiver a benção, serei acrescido. Se não houver jeito, fico com o débito. Aceite-me assim.

Parei há muito tempo de me estressar com coisas pequenas, de superdimensionar bobagens e entrar em erupção por não cumprir certas convenções sociais. “Epitáfio”, da banda Titãs, é inspiradora:

(…) Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr
Devia ter me importado menos
Com problemas pequenos
Ter morrido de amor…

O complexo de transferência de culpa, sempre atribuindo a outrem ou ao acaso, a responsabilidade por meus desapontamentos, não é minha regra. É a forma mais popular de se livrar dos próprios erros, que a humanidade utiliza há milhares de anos. Eu, não.

Carrego meus próprios fardos e às vezes até alguns alheios, que não me caberiam. Porém me pergunto, se a vida seria mais leve, se eu não os tivesse. Creio que não.

Sei de mim.

Falta agradecer mais. Pedir, quase nada. Não muito.

Detenho mais do que o planejado e bem além do que talvez mereça. Parte, por méritos, acredito. Outra porção, por aquela sorte de ter encontrado com as pessoas certas em horas que eram turvas.

Seria o fim sem elas. Com elas, garanto sempre o recomeço amparado.

Falo o que penso, gosto de graça e trato com indiferença meus verdugos a ponto de não lhes dedicar um único segundo díário de minha vida. Nem seus nomes pronuncio. Não é representação, mas desimportância.

Caso típico de adoção do “princípio da insignificância”.

Ser pai, amar meu trabalho e gostar dos meus amigos me dão um oxigênio novo a cada dia.

Conheço o amor e o desamor. O primeiro, alimenta; o outro, ensina. Ambos me humanizam.

Brindo com uma taça de vinho, tomo a água que mata minha sede; cada coisa a seu tempo e hora.

A vida é para rir ou chorar?

Para ser vivida.

A gente continua jogando aquelas pedrinhas no lago. Formamos seguidos círculos concêntricos, até atingirmos suavemente suas margens – como o beijo cálido da mãe fervorosa no rosto do filho amado e, ainda, imberbe.

“A gente rir, a gente chora…” (‘Chorando e cantando’, Geraldo Azevedo).

É, amadureci…

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domingo - 13/01/2013 - 02:15h

A metade de dentro feita fora de mim

Por Carlos Santos

A mulher tem uma natureza masoquista. Em pequena ou grande proporção, dependendo do caso.

Cada uma com sua margem de dor. É da natureza feminina.

Claro que a ciência explica esse fenômeno. Não é uma mazela das megalópoles ou do mundo capitalista no século XXI.

A ciência mergulha na antropologia e na genética, por exemplo, para fixar a relação primitiva que existe na convivência de dominação entre homem e mulher. Encontra uma dependência e escravismo que resistem ao tempo.

Seria ponto de partida para explicar a dor como regra e não exceção.

Lamentável.

À madrugada de ontem, por exemplo, em Tibau, vi uma mulher jovem e bonita, sobre saltos enormes, pedir socorro ao namorado para atravessar uma vala em que jorrava água. Ele, indiferente.

Um amigo tentou socorrê-la e foi rispidamente repreendido. “Não, não quero!”

Emendei: “Suspeitei que sua boa intenção fosse ser rechaçada, meu caro. Mas fiquei calado”.

Ainda bem que existe uma minoria que adora flores, ser cuidada e zelada. Protegida.

Minoria que não se sente constrangida por ganhar apelido carinhoso, cheirinho na testa e carícias nos pés.

Aquela porção de mulheres que transpira confiança encostada em nosso peito; se arrepia e revira os olhos quando lhe falamos em sussurros.

Temos também as vitoriosas, que fazem sucesso na vida profissional sem medo de constranger seu par. Ou outras que se realizam como a dona-de-casa típica, sem aceitarem a condição de nova “Amélia”.

Essa mulher não precisa participar de joguinhos de poder, disfarçados de truques de sedução, para ao final se ajoelhar diante de um mandarim.

A cara-metade não existe. Não falo em cara-metade com o sentido filosófico e mitológico, descrito em “O banquete” de Platão.

Os mitos são histórias nascidas da alma coletiva dos seres humanos, uma necessidade de auto-afirmação pela alegoria, através da cultura oral ou escrita.

Prefiro negar Platão. Não estamos à procura de uma suposta parte que nos falta, separada de nós punitivamente por Zeus – segundo o pensador grego.

No fundo, o vazio é a ausência do seu próprio eu; a incapacidade de se sentir único, em condições de ser alguém e não apenas penduricalho à perversão de outro ser.

A dupla de poetas/cantores/repentistas “Os Nonatos” (Nonato Neto e Nonato Costa) trata do assunto com enorme destreza. Na música “Encontrei em você”, eles falam o que Platão não conseguiu dizer:

“(…) Encontrei em você um começo sem fim
A metade de dentro feita fora de mim.”

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quarta-feira - 09/01/2013 - 08:35h
Distância

Bateu saudades, ora!

Conversando agora há pouco pelo bate-papo do Facebook, com um amigo que está em Fortaleza-CE, bateu saudades.

Saudades dos meus filhos. Por quê? Porque os amo, ora!

Vez por outra essa distância fere, mas não esgarça sentimento.

Distância não é para separar, porque ela me aproxima ainda mais daquelas pessoas que gosto.

Parece um paradoxo. Não é.

Distância não é hiato, fosso, vácuo. É ponte. Ponte sobre o Volga, o Bósforo, Sena, Tâmisa…

Uma ponte sobre o abismo.

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domingo - 06/01/2013 - 08:38h

Tão tranquila que…

Por Carlos Santos

Minha cidade está tão tranquila que os passarinhos que gorjeiam, logo cedo à minha janela, também sumiram.

Devem estar também em veraneio, creio.

Ah, agora ouço um cão que late sem muita convicção, lá longe, como se apelasse contra o silêncio ou a solidão de uma casa só sua!

Foi ouvido, mas não terá minha solidariedade à barulheira. Que fique bem claro.

Cadê aquela rapaziada com seu som ensurdecedor, sempre reverberando forró e outras músicas que falam em “aí, mãinha”?

Deram um descanso aos nossos tímpanos, nesse domingo de calmaria.

Faz verão mesmo é aqui, com o sol lá fora, ainda que minha vontade esteja voltada pro aroma da chuva.

Chuva que teima em não cair, ironizando-me por esses últimos dias com escassas neblinas e nuvens – carregadas.

É seu jeito cinza de me iludir.

A noite deu-me o orvalho. Esparramado sobre o teto do carro, ele ganha o formato de uma manta de incontáveis bolhas, ressecadas logo ao amanhecer.

Pela manhã, o silêncio. O silêncio que o cão teima em não aceitar.

Teclo devagar para não lhe parecer solidário. Cravo minha repulsa a seu alarido, sem ênfase – que se diga.

Se daqui sair uma crônica, ótimo! O máximo que lhe concedo, meu caro cão desconhecido, é um lugar nessa história boba.

Tão boba que passarinhos desapareceram e respostas jornalísticas básicas – Quem? Quando? Onde? Como? Por quê? – são ignoradas.

Coisa que só uma manhã tranquila, despojada, pode estimular. Tão tranquila que… quase escrevo uma crônica.

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domingo - 06/01/2013 - 06:22h

O casamento entre o direito e a arte

Por Marcos Araújo

Na história da humanidade, o Direito e a Arte sempre foram comensais da mesma mesa. Aliás, o processualista italiano Francesco Carnelutti já descrevera essa relação no livro intitulado “Arte do Direito”.

Em sua obra, ele mistura, com uma análise toda particular, a arte no sentido clássico da expressão (pintura, escultura, música, poesia, literatura, etc.) com a arte de quem emite uma lei. Todos, diz o autor, artistas e cultores da lei, somente produzem boas obras quando trabalham com amor.

Esta associação do Direito como Arte já vinha dos antigos romanos. Eles, inspirados filosoficamente nos gregos, criaram o Direito como arte autônoma, relativamente livre da álea fugaz da sorte política.

Realmente, quem trabalha com o Direito, assim como um artista, sente com a alma, vibra com o espírito, acalenta sonhos, incensa esperanças… Direito e arte andam juntas, são irmãs siamesas do espírito libertário do homem.

É por isso que o operador do Direito também é um artista. Não raro é ele um poeta, um esgrimidor de frases, um construtor de idéias e um célebre rebotador dos vagalhões de outras contra-idéias, tudo em defesa dos interesses e das causas que abraça.

Não é nenhuma novidade o profissional do Direito ser escritor, poeta, pintor, cantor, compositor, ou até bordador de panos.

Dizem que Rui Barbosa, o mais famoso dos advogados brasileiro, foi prendadamente ensinado na arte dos bilros por sua avó Ana. É sabido também que a música brasileira tem em seus quadros um bom número de artistas que, de uma forma abrangente, podem ser chamados de profissionais do Direito.

Podemos citar que se formaram em Direito: Ary Barroso, Mário Reis, Mário Lago, Vinícius de Moraes, Nei Lopes, Alceu Valença, Taiguara, Edu Lobo.

Mário Lago advogou por algum tempo, ficando mais conhecido como roteirista de peças para o teatro de revista.  Vinícius de Morais se formaria em Direito nos anos 30, e seria diplomata até ser defenestrado pelo Itamaraty, em meio a acusações de ociosidade. Vitória da música brasileira…

Artistas como Alceu Valença, Taiguara e Edu Lobo também foram acadêmicos do Curso de Direito.

Tendo em vista o viés repressivo que, em diferentes momentos, permeou o Estado Brasileiro, muitos passaram da arte do Direito para o direito de fazer Arte.

François Silvestre e Honório Medeiros são exemplos da convivência entre o Direito e a Arte. Cumulam as dádivas de amarem o Direito e serem amantes da Arte, especialmente a da escrita. Advogados brilhantes, altivos, irretorquíveis homens de bem, intolerantes com a injustiça, cultivam o Direito e esculpem como ninguém a palavra, acalentando os nossos espíritos e inflamando as nossas almas de leitores.

Carlos Santos segue na mesma trilha.

Pouca coisa nos alegra neste início de novo século. A esperança anda acovardada pela inação e indiferença humana. Somente animados pela fé em Deus, por amor pela Arte, ou pelo Direito, podemos superar esses angustiados tempos de tantas bobagens nas redes sociais; do modismo imbecil que chamamos de “veraneio” quando vivemos em plena seca, sem direito a conhecer as demais estações; da falta de compromisso social dos nossos governantes; da insensibilidade coletiva aos que padecem por falta d´água; da irracionalidade e intolerância que implica no aumento da violência; da despreocupação com a droga que tem destruído as nossas famílias…

Captemos a mensagem que nos vem de dentro do espírito: ame ao próximo, dedique-se ao Direito e aclame o artista! É a lei da sobrevivência.

Marcos Araújo é professor e advogado

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segunda-feira - 24/12/2012 - 09:17h
24 de Dezembro de 2012

Mesmo que eu não o conheça, Feliz Natal

O que eu desejo para o Natal?

Respondo-lhe:

– Tudo que é comum a outros dias, em minhas manifestações. Bastam saúde e paz.

Não sei quem você é? Talvez não lembre do seu rosto, menos ainda do seu nome. És um estranho, provavelmente.

Sem problema. Nada me impede de continuar lhe desejando saúde e paz.

O caso não é um arroubo próprio do que costuma ser definido como “espírito natalino”. É até mais simples. Diria que é um mantra, resposta pacífica aos que resmungam, vomitam impropérios e que acabam o mundo em sua volta a cada amanhecer, sendo Natal ou não.

O Natal tem uma atmosfera ambivalente. É misto de alegria e melancolia, caldeirão de sentimentos. Soma e perda, um pouco do que quero e tenho; a certeza do que perdi e me falta.

Como resistir à criança com olhos cintilantes, que ronda a árvore enfeitada de sonhos?

Impossível não ser tocado pelo sorriso dos que nada possuem e que são lembrados hoje, mesmo que esquecidos logo amanhã, pela ‘caridade sazonal’ de alguns mais afortunados.

Os sabores e aromas mexem com nossos paladar e olfato. Atiçam todos os nossos sentidos.

Eis as luzes, o colorido, a mesa posta…

O presépio continua na minha infância nos arrabaldes da Capela de São Vicente e Igreja do Coração de Jesus, em Mossoró. A casa de dona Maria de Uriel transformada em Belém, nossa Galileia em miniatura, ao alcance da mão traquina.

A espera de Papai Noel está atualíssima, mesmo que agora sem mistério. Causava insônia. Dali nascia a tentativa de simular o sono para flagrá-lo exatamente àquela hora em que deixaria meu brinquedo embaixo da rede.

Ele, o bom velhinho, enfim descoberto. Um espectro na escuridão, de silhueta conhecida, cometia o inafiançável crime da perpetuação da felicidade.

Eu, cúmplice, prometi a mim mesmo nunca entregar sua real identidade.

Crescido, com a vida indo bem além do Cabo das Tormentas, não é o lúdico que me instiga nesta data. Entre o profano e o sagrado, tento ser indiferente ou pelo menos cumprir o ritual exigido para o bom convívio social.

Oscilo entre a alegria da atmosfera dos festejos e a própria deprê que paradoxalmente esse período provoca.

Bom, me conheço. Um velho amigo, Diassis Linhares, até emendaria com sapiência: “Algumas pessoas amadurecem, outras apodrecem”.

Amadurecer é estar pronto no tempo certo, uma forma de sempre nascer. Aí o Natal se encaixa perfeitamente. Palavra de origem latina, Natal vem de “nativitas”, que significa “nascimento”.

De algum modo renasço e sobrevivo às minhas perdas nos olhos daquela criança boquiaberta e encantada, diante do presépio de Maria de Uriel e à espera do Papai Noel. Meu presente – hoje – é ter passado.

O brinquedo embaixo da rede é apenas um detalhe. O que vale é o vulto dos meus bons velhos diante de mim, a cada amanhecer. A cada dia, outro nativitas.

Saúde e paz.

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quinta-feira - 20/12/2012 - 11:47h
Ainda há tempo...

Declaração universal antes do fim do mundo

Declaro, para os fins de direito, que amo a vida;

Declaro que não dedico um tantinho assim de segundos, diários, a pessoas que me fazem ou fizeram mal. Não tenho tempo a perder e elas não possuem a importância que imaginam ter;

Declaro que quantas vezes caí, consegui forças para me levantar. E nunca estive só na tarefa de me soerguer;

Declaro que minha fé não é inabalável, contudo inalienável e ecumênica;

Declaro que acredito no ser humano, apesar de às vezes ele ser humanamente perverso;

Declaro que tenho feito da amizade um de meus sustentáculos, cônscio de que ela pode me desapontar, mas jamais me consumir pela completa descrença;

Declaro que em muitos momentos tive a vaidade do ter, para parecer ser alguém;

Declaro que pessoas eu lustro, coisas eu uso;

Declaro que tentei ser alguém como outro indivíduo, mas me descobri único sendo eu mesmo. Nem melhor nem pior do que outrem;

Declaro que já sofri muito ao tentar mudar o mundo e a outros indivíduos, porém me encontrei no necessário mergulho no meu eu. Posso melhorar o mundo e meu universo, melhorando como gente;

Declaro que ódio, rancor, mágoa e outros sentimentos menores me assaltam, sem que consigam me desvirtuar. Sou melhor e mais forte sem eles. Por isso, melhor e mais forte;

Declaro que se amo, proclamo; se não gosto, distancio-me e ignoro;

Declaro que faço o que gosto, tenho paixão pelo o que faço e sinto-me realizado por fazê-lo dessa forma;

Declaro que se me falta algo, é porque não fiz o esforço devido a merecê-lo. É justo não possui-lo;

Declaro que faço tudo por meus filhos, jamais qualquer coisa;

Declaro que acredito em ação e atitude, nunca em blá-blá-blá e incenso;

Declaro que minha família é o mundo, cada parte daqueles que me ouvem e sabem me escutar. Estamos juntos, não obstante diferentes;

Declaro que tenho algumas desculpas a manifestar, viagens a fazer, sonhos possíveis e perguntas ainda sem respostas;

Declaro que ao chegar ao fim – amanhã, o mundo não me obriga a fazer nada hoje de forma especial e açodada. Estou de bem com ele e comigo;

Vamos embora, antes que essa joça vá pelos ares! Se der tudo errado, a gente volta e tenta melhorá-la um pouco.

 

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terça-feira - 20/11/2012 - 23:52h
Impressões óbvias

Rio Grande Sem Sorte

Do Blog Brasília Urgente (Luís Fausto)

Trinta, quase 40 dias no estado potiguar, zanzando principalmente entre Natal e Mossoró, me fazem acreditar cada vez mais no que diz e repete há alguns anos o amigo e sumido blogueiro Carlos Santos: o Rio Grande do Norte é um Rio Grande sem Sorte.

Em Natal, a antes bela e acolhedora capital, o desgoverno criminoso da prefeita Micarla de Sousa (PV) tardiamente brecado pela Justiça provocou o caos absoluto, a desordem total, um desmantelo tão grande e tão grave que só milagres continuados e permanentes farão o novo prrefeito eleito, Carlos Eduardo Alves (PDT), recuperar a cidade e devolvê-la à normalidade.

Em Mossoró, o que se vê e o que se sente é a perpetuação de uma história com o mesmo refrão e os mesmíssimos capítulos de ontem, de tresantontem, de sempre. Os personagens não mudam, apenas se revezam. E o pior, o mais grave, é que os laços familiares estão se profissionalizando, se capitalizando, consequentemente se fortalecendo.

E no estado, a governadora Rosalba Ciarlini (DEM) caminha a passos largos e lépidos para transformar a sua administração (?) na pior da história do Rio Grande do Norte e sem Sorte. Já há quase dois anos no Palácio Potengi, continua de olhos vidrados no retrovisor, não tem meia dúzia de obras para chamar de suas, mantém uma equipe de auxiliares absolutamente incompetentes e tropeça mais e cada vez mais em ações desastrosas e perigosas.

É uma pena.

O Rio Grande do Norte merece melhor sorte.

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sexta-feira - 12/10/2012 - 07:38h
Às crianças

Os meninos cresceram, foi?

Ao telefone, pergunto: “Cadê os meninos?”

Nem percebo: eles cresceram. São timoneiros da própria vida.

Mas mesmo assim, meninos. São meninos.

As crianças pichototinhas estão esticadas, situadas como gente adulta nesse mundo que herdam de nós, repleto de novidades, mas cheio de armadilhas.

Ainda estão sob minha proteção, mesmo que não percebam. Cuido delas, compartilho de seus sonhos, norteio seus passos, sou leão-de-chácara e também menino.

O que desejo de verdade, como antes, lá bem atrás no tempo, é que sejam felizes.

Os meninos cresceram, foi?

Brincadeira. Quem disse que filhos crescem? Continuam nossos pequeninos.

O que seria de mim se eles crescessem? Continuo um Gullliver, no meio daquela algazarra na ilha de Lilliput.

* Minha homenagem a todas as crianças em seu dia, que se renova a cada dia, à eternidade.

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Categoria(s): Crônica
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