domingo - 07/05/2023 - 06:26h

Assunto polêmico

Por Marcos Ferreira

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No meu tempo de criança (não me perguntem quando) a gente era menino besta e pobre e se alegrava com qualquer besteira que vencesse os obstáculos do nosso nível de pobreza. Nem que fosse de maneira provisória. Calma aí! Não vou falar de coisas tristes, de sentimentalismos. Não. Sosseguem o facho. Somente quero contar uma história de algumas almas (pessoas) tal qual a história se deu.

— Sem assunto polêmico! — alguém dirá.

— Certo, vamos adiante!  — eu respondo.

Convém, portanto, que não descambemos para a pieguice. Nada pior do que choramingarmos por brinquedos quebrados ou nunca entregues pelo Papai Noel, aquele velhinho do Polo Norte que supostamente possui o dom da ubiquidade, capaz de estar em diversos lugares ao mesmo instante. Menos onde morávamos. Ali, em vez de chaminé, tinha apenas um fogão a lenha retinto, cheio de tisna.

A infância, por mais precária que seja, é mágica. Embora alguns imaginem que não, também já fui criança. Essa época pueril era motivo de júbilo quando, por exemplo, fazíamos uma simples turnê em uma manhãzinha de domingo no grandioso e único shopping desta cidade: o clássico Mercado Central.

Aquilo era o must, inclusive da classe rastaquera, dos “bem de bolso”, que cedinho acorriam ao Mercado com seus baldes (de plástico ou alumínio) para enchê-los com toda sorte de mercadorias, provisões. Eu, meu pai e irmãos ficávamos meio à margem desse intransponível círculo dos baludos. Isso mesmo!

Nosso orçamento era pequeno, apertado. Aqui apertado é uma modalidade de eufemismo. Porém a vida era modesta e boa. Não importava que o senhor João Batista Figueiredo só soubesse nos mandar apertar o cinto.

Ainda não havia para nós Rita Lee nem Caetano. O Sítio do Pica-pau Amarelo era a estrela que fazia os olhinhos de pirilampo da gente brilharem. Isto quando tínhamos ao menos uma tevê Telefunken em nossa casa.

Televisor, a propósito, era artigo de luxo e durava pouco no lar dos Ferreiras. Porque o meu pai, acossado pela inflação galopante, sempre encontrava um comprador oportunista.

Eis, para a decepção de alguns, o assunto polêmico de hoje. Quem sabe noutro ensejo eu discorra acerca de eutanásia, racismo, vida após a morte, tráfico de pessoas, ou sobre uma certa base de extraterrestres na Antártida.

Marcos Ferreira é escritor

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domingo - 30/04/2023 - 04:00h

Dinossauros no parquinho

Por Marcos Ferreiraolho de um dinossauro, olho animal

Com receio de ser mal interpretado e agredido verbalmente, pensei duas vezes em abordar ou não o assunto a seguir. É que tomei conhecimento de que agora o Ministério da Cultura, sob a batuta da senhora ministra Margareth Menezes, acaba de lançar um edital para a premiação de obras literárias escritas única e exclusivamente por mulheres.

Ótimo! Palmas para o autor ou autora dessa ideia.

Avaliem só isso. Com recursos milionários destinados a contemplar a intelectualidade feminina, o sensibilíssimo Ministério exclui impiedosamente o trabalho de homens de letras. Claro que concordo em se pensar e executar projetos voltados para as nossas nem sempre valorizadas mulheres no também machista segmento literário.

As senhoras e senhoritas operárias da palavra são mais que merecedoras de todos os incentivos. E que venham outros mais para estimular esse público.

Porém o referido Ministério e o governo petista mostram-se farinha do mesmo saco e findam por dar um tiro no próprio pé. Exatamente. O Partido dos Trabalhadores (com seus gênios e camaleões da cultura) perde ótima chance de apagar a escrita de menosprezo e descaso dos governantes anteriores contra a literatura de um modo geral. Isto porque a produção masculina também sempre foi criminosamente ignorada pelo Estado brasileiro e seus dinossauros de terno e gravata.

Hoje, portanto, os petistas são os mandachuvas, os dinossauros da vez a ocuparem o parquinho dessa poderosa máquina de fabricar coisas boas e outras muito desastrosas, despropósitos e despautérios. Porque criar um importantíssimo e oportuno prêmio literário para promover a produção das trabalhadoras da palavra escrita e não lançar outro edital voltado para os homens é qualquer coisa perversa.

Bom, antes que caia uma chuva de canivetes sobre minha cabeça, vou ficando por aqui. Creio que já corri um grande perigo ao botar o dedo sobre tal ferida. Esse, entretanto, é só o meu ponto de vista. Nada além disso.

De resto, mais uma vez, parabéns aos gênios e dinossauros responsáveis por essa ideia. Tchau!

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domingo - 23/04/2023 - 07:38h

Outras joias

Por Marcos FerreiraIlustração beija-flor e borboletas

Ainda estamos aqui. Claro que estamos. Mas até quando? Não sei. Ninguém sabe. Por isso a importância de vivermos cada dia, cada hora, cada minuto com o máximo aproveitamento. O que não significa dizer com afobação, desespero nem de repente. Vivamos com alguma urgência, contudo sem pressa, sem desperdício.

Degustemos a vida que possuímos de maneira inteligente. Não permitamos que nossa agenda seja pautada por terceiros. Esse tempo livre nos pertence e a mais ninguém. Não deve ser negociado. Então não o gastemos à toa, à revelia. Tenhamos pulso.

É preciso discernimento, cuidado, para distinguirmos prioridades de frivolidades. Apuremos o paladar, agucemos os olhos e os ouvidos. Tudo pulsa, lateja, transpira e também embeleza este planeta a todo momento. Vejam os colibris beijando as flores, prestemos atenção nas borboletas sobre o jardim. Quantas formigas haverá naquele formigueiro ao pé do muro? Não me aventuro nesse cálculo.

Pode não parecer, no entanto aspectos dessa ordem têm um valor inestimável. Importam mais que um carro-forte cheio de papel-moeda ou rutilantes barras de ouro. Besteira, polução noturna dos que sonham e gozam pensando em dinheiro que não lhes pertence, reféns do vil metal.

A vida se constitui de outras joias além daquelas oriundas das minas do rei Salomão ou provenientes da Arábia Saudita. Grana é importante, mas não tanto quanto saúde e amizades sadias. Como disse o poeta Manoel de Barros, o cu de uma formiga é mais importante que uma usina nuclear.

Essas coisas miúdas, supostamente irrelevantes para os homens de corações empedernidos e almas azinhavradas, saltam aos olhos quando se começa a enxergar a vida com sensibilidade. Falo assim, talvez com ar professoral, porém não me tomem por cabotino, alguém que busca atrair para si certos holofotes. Não é isso. Hoje decidi expor gigantescas miudezas que ignoramos no cotidiano.

Peço, ademais, que não confundam esta página com literatura de autoajuda, muito menos produto de autopromoção. Não é nada pior nem melhor que velhas receitas para elevar o próprio espírito, acaso tal medida funcione. Ora exibo meu pensamento com o mesmo pudor com que os gatos ocultam suas fezes.

Marcos Ferreira é escritor

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segunda-feira - 17/04/2023 - 06:22h
Virose

Tentando voltar à rotina

Sem ritmo à volta à normalidade de trabalho e vida em si, entro a semana tentando debelar virose braba que até o raciocínio me compromete.

Vamos lá, seguindo recomendação médica de muito líquido, repouso e alimentação.

Produzir o possível, na marra.

Fácil não está.

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domingo - 16/04/2023 - 07:50h

Bocejos

Por Marcos Ferreira

Falei comigo mesmo que hoje eu me levantaria tarde. Afinal de contas é um domingo de uma manhã com grande possibilidade de chuva. Sim. Pode cair um aguaceiro nesta região. Ao menos foi o que alertou a classuda moça do tempo ontem à noite, no telejornal, ensardinhada num belo vestido azul-turquesa.Ilustração para Bocejos

Torço muito por isso. A água se precipitando das alturas! Um convite à preguiça.

Após um longo bocejo, reuni forças e fui ao banheiro. Urinei, fiz uma coroa de espumas, mas a descarga dissipou tudo. Por enquanto, nada de banho! Abri a janela e mal avistei a luz do dia, o sol semioculto por uma manta de nuvens escuras. Fechei a janela. Um vento frio entrando pelas frestas. De volta aos lençóis, toquei no celular: seis e cinco. Não estava nos meus planos acordar tão cedo. Agora, porém, estou aqui entre a cadeira e o teclado a usufruir da nossa língua portuguesa.

O passaredo canta inspirado, remoinha na mangueira do quintal vizinho. A velha e portentosa mangueira de outras citações. À exceção dos bichinhos alados, o silêncio predomina. De vez em quando um veículo ou outro percorre esta Rua Euclides Deocleciano. Gosto dessa quietude.

O sono vai se desprendendo dos meus olhos. Começo, com moderada empolgação, a me fixar nesta página. Hei de ser breve. Almejo não ultrapassar as trinta linhas. Porque é domingo, dia de ócio, de não assumirmos compromissos. Contudo este vício de escrever sempre me captura.

Daqui a uma hora ou mais me renderei à intimação do chuveiro. Passarei um café e o degustarei sozinho, o pensamento vadiando, o olhar distante. No momento não largarei este osso. Pois é, fui derrotado pelo vício de escrevinhar.

A fidelidade, minha devoção às letras, mandou a preguiça embora. E ela se foi sem mostrar cara feia. Sabe que não pode competir com este sacerdócio. Estou relaxado. Ouço música baixinho. À noite, para desopilar, verei um filme besta e espetaculoso.

Começou a trovejar. Vem água por aí. Tomara. Abençoada chuva a lavar a minha alma. Agora me deem licença. Creio que cheguei mais ou menos às trinta linhas. Não quero cansar os olhos de ninguém num dia como este. Prezo pelo respeito ao leitor, patrimônio abstrato. De novo largo outro bocejo.

Marcos Ferreira é escritor

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domingo - 09/04/2023 - 11:44h

Muito barulho por lucro

Por Marcelo Alves

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Primeiro foi com Bond, James Bond. Como anotei dia desses (veja AQUI), este ano, em que comemoramos o septuagésimo aniversário do Agente 007, os herdeiros do escritor britânico Ian Fleming (1908-1964), que guardam os seus direitos autorais, decidiram publicar novas edições dos livros de Bond expurgando a linguagem dita racista e, por conseguinte, ofensiva a muitos leitores contemporâneos. Um expurgo suave foi prometido pela família/editores, para ficar o mais próximo possível do original e da época em que os romances foram escritos e originalmente publicados.

O mesmo se dá agora com as investigações de Hercule Poirot e Miss Marple, os famosos detetives da minha amiga Agatha Christie (1890-1976), celebrada como a “Rainha do Crime”. Vi isso quando dei de cara com a manchete do caderno Style da CNN americana: “Agatha Christie’s classic detective novels edited to remove potentially offensive language”. A CNN, por sua vez, já faz referência a uma manchete/matéria até mais assertiva do britânico The Telegraph: “Agatha Christie classics latest to be rewritten for modern sensitivities”.

Não é a primeira vez que minha amiga Agatha passa por esse tipo de constrangimento. Já expliquei aqui o problema com o clássico “Ten Little Niggers” (“O caso dos dez negrinhos”, 1939), que teve de mudar de título algumas vezes, para “Ten Little Indians”, “The Nursery Rhyme Murders” e “And Then There Were None”. Mas agora essas mudanças foram mais generalizadas.

Os romances de Agatha Christie datam de 1920 a 1976, iniciando com “The Mysterious Affair at Styles” (1920) e fechando a conta com “Curtain: Poirot’s Last Case” (1975) e “Sleeping Murder”, este o “último caso” de Miss Marple, publicado já postumamente. Segundo as matérias da CNN (autoria de Toyin Owoseje) e de The Telegraph (por Craig Simpson), logo em “The Mysterious Affair at Styles”, a descrição de Poirot sobre outra personagem como “um judeu, claro” foi retirada da nova versão.

Já por toda a edição revisada da coleção de contos “Miss Marple’s Final Cases and Two Other Stories”, a palavra “nativo” foi substituída por “local”, e um trecho descrevendo um empregado de casa como “negro” e “sorridente” foi revisada e essa personagem é agora simplesmente referida como obediente/prestativo, sem qualquer alusão à sua raça. E no romance “Death on the Nile”, de 1937, referências ao “povo núbio” foram removidas ao longo de toda a obra. Esses são apenas alguns exemplos da coisa.

Reitero aqui que acho essa preocupação com a linguagem ofensiva válida. Importantíssima. Mas também ressalto minha preocupação com os exageros que podem aí ser cometidos. Que vão desde a alteração do original em si, para melhor ou para pior (sei lá), mas que podem descaracterizar a obra “bulida”. Há sempre editores buliçosos demais, é fato. Até a questão fundamental pertinente à liberdade de expressão, podendo-se cair na censura ou no banimento da obra/autor, ou no tal “cancelamento” como se diz hoje, por motivações políticas, religiosas, sexuais e sociais, a partir do gosto da turma de plantão.

Todavia, os casos seguidos de James Bond/Ian Fleming e de Hercule Poirot/Miss Marple/Agatha Christie, figuras tão badaladas, que vendem aos tubos e arrecadam milhões de libras esterlinas, tanto no papel como no cinema e na TV, com suas novas edições expurgadas, me fizeram pensar em uma novel explicação para o sucedido.

Não vou desmerecer o motivo nobre de se remover a linguagem literária potencialmente ofensiva em respeito a padrões civilizatórios mais elevados e escorreitos. Pode ser. Deve ser isso. Tenho fé na humanidade. Mas também acredito em motivos mais terrenos (mais “pé no chão”, como se diz). Há todo um mercado de “mentalidades mais sensíveis”. Pode-se vender a esse mercado mais livros, até porque é uma edição “diferente”.

Ademais, o politicamente correto normalmente gera um engajamento positivo, um marketing positivo, isso é fato. Por fim, mesmo o engajamento neutro ou até negativo causa barulho. Traz Fleming e Christie à ribalta novamente (se é que eles estiveram um dia de fora). Com mais intensidade certamente. Debate, barulho, no caso da literatura, do cinema e da TV, gera marketing espontâneo e vendas. Com mais ganho, seguramente. O mercado – e o editorial não foge à regra – é bom, bruto e sabido.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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domingo - 09/04/2023 - 09:42h

Ressureição e fé

Por Odemirton Filho ressureição

Na semana passada o Brasil, mais uma vez, viu-se diante de uma tragédia. Crianças foram mortas e outras feridas. Não consigo imaginar a dor dos pais. Sinto compaixão; rezo por eles.

Tragédias como a de Blumenau-SC nos mostram como humanidade anda desumana. Casos como esses, segundo especialistas, não devem ocupar tanto espaço na mídia, evitando-se visibilidade para incentivar outras situações análogas. Contudo, esperemos que o autor do crime hediondo seja devidamente punido.

Desde a pandemia que a humanidade vem enfrentando uma situação delicada. O isolamento social causou instabilidade emocional, dizem. As redes sociais, palco de uma exposição exacerbada, contribui para a busca de holofotes.

Vivenciou-se o período da quaresma. Para a Igreja Católica, momento de reflexão, de penitência e jejum, um preparo espiritual para a Páscoa.

Neste domingo, celebra-se a Ressureição de Jesus Cristo. Para quem acredita, devemos renascer também para uma nova vida, resgatando valores deixados para trás, no dia a dia de nossas tribulações.  Em um mundo no qual a vaidade, a competitividade, a ganância e a violência são marcas registradas, torna-se difícil olhar o outro com bons sentimentos.

Porém, diz a Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios (Co 5,6b-8):

“Irmãos: Acaso ignorais que um pouco de fermento leveda a massa toda? Lançai fora o fermento velho, para que sejais uma massa nova, já que deveis ser sem fermento. Pois o nosso cordeiro pascal, Cristo, já está imolado. Assim, celebremos a festa, não com velho fermento, nem com fermento de maldade ou de perversidade, mas com os pães ázimos de pureza e de verdade”.  

Quando Maria Madalena foi ao túmulo de Jesus, no primeiro da semana, e viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo, disse a Simão Pedro e àquele discípulo que Jesus amava: “tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o colocaram”.

Que o Senhor ressuscitado seja colocado no coração de cada um de nós. Apesar de tudo, não devemos perder a fé em dias melhores.

“Fé na vida, fé no homem, fé no que virá”.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 09/04/2023 - 07:26h

Pontear um assunto

Por Honório de Medeiros 

“Sente aqui”, me disse Seu Antônio de Luzia, segurando o braço de uma espreguiçadeira próxima a ele.

Era cedo da manhã, umas seis horas, a bem dizer, mas a passarinhada já tomara conta dos pés de caju no terreno em frente, do outro lado da rua de chão batido, no Feijão, Sítio Canto, Serra da Conceição, Sertão do Norte de Baixo.

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“Já tomou café da manhã”? Respondi que sim, e agradeci.

“Traga uma caneca de café para o doutor, essa menina, sem açúcar. Foi coado agora?” A neta, filha de João, fez carreira casa a dentro, largando o bordado com o qual se divertia sentada no chão, escorada na parede.

Enquanto a caneca não chegava às minhas mãos, cuidamos de pastorar os passantes que iam no rumo da cidade, ou dela vinham, e olhávamos o vai e vem dos canários e sabiás, sem dizer qualquer palavra.

Caneca na mão, café fumegante, tapioca recusada, Seu Antônio virou-se para mim e me perguntou: “Doutor, me responda uma coisa, o senhor que é um homem sabido, estudado e viajado, vai haver uma guerra grande?”

Fiquei surpreso. Conhecia Seu Antônio de muito tempo, e tínhamos uma amizade até certo ponto estreita, nos limites bem claros da antiga cultura arcaica sertaneja. Homem calado, dado à introspecção, de pouca conversa, limitava-se, aqui e ali, a um dito, ou pequena história, para pontear um assunto, nunca o tinha visto agir dessa forma.

“Seu Antônio, não sei dizer. O Senhor, mais que ninguém, sabe que somente Deus conhece tudo, e eu sou um homem até certo ponto viajado, que já bateu algumas capas de livro, é certo, mas quanto mais vivo, tenho por mim mesmo que menos sei das coisas”.

“É, eu esperava que o Senhor dissesse isso mesmo. Agora, veja o Senhor: se os passarinhos estão voando baixo, as formigas assanhadas, se as pedras estão suadas, o mandacaru florando, é arriscado chover. Não é que vai ser, é que pode ser”.

Durante um fragmento de tempo me lembrei dos escritos do maior dos filósofos do século vinte, Karl Popper, que dizia o mesmo em sua epistemologia, para condenar o determinismo. “Meu Deus do Céu”, suspirei para mim mesmo.

“É verdade”, respondi. “O Senhor me pegou”. “Eu compreendo e admiro suas palavras, que são de sabedoria”. “Está conforme”. “O que eu posso dizer para o Senhor, sem medo de errar, é que eu nunca tinha visto um desmantelo tão grande quanto este que está tomando conta do mundo. Pode ter tido, mas eu não dou conta”.

“É como eu penso, Doutor. Parece o fim das eras. Pode não ser, mas é muita briga, muito ódio”. “Já me conformei”. “Vivi muitos invernos e secas, passei fome e hoje tenho umas coisinhas de nada, uns palmos de terra, andei légua tirana muitas vezes, conheci o coração do homem na sua maldade e bondade, mas tempos como estes, eu nunca vi”.

A conversa prosseguiu por muito tempo. Alguns passantes paravam, tomavam um gole de café mordendo um pedaço de rapadura, davam conta do que ocorria na cidade e no campo, arriscavam uma estória ou outra, formava-se um círculo de pessoas que se desfazia, depois outro, e mais outro, todos reverenciando Seu Antônio de Luzia.

De há muito as cadeiras tinham sido arrastadas para debaixo da cajaraneira frondosa, ao lado da casa, espécie de salão de visitas a ser usado quando o sol chegava forte.

Para o fim da manhã, mormaço se instalando, Seu Antônio me intimou a entrarmos, para pegarmos o feijão da comadre, misturado com arroz vermelho e um pouco de farofa d’água temperada com cheiro verde e cebola. Acompanhado por um guisado de carneiro, e rebatido com um naco de rapadura e um copo d’água gelado, seguido por um gole de café coado na hora.

“A rede está armada”, disse Seu Antônio, e eu embioquei quarto a dentro, me deitei alisando o lençol cheirando a flor de laranjeira, cobri os olhos, mergulhei em um sono de meia hora, mais não podia ser, até sonhei que voava feito um beija-flor, mundo afora, e via os homens, mulheres e crianças, em todos os lugares, felizes, sem malquerença, mágoa ou tristeza em seus corações.

Deus há de nos proteger…

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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sexta-feira - 07/04/2023 - 04:38h
Dor

As crianças são uma benção

Foto ilustrativa

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Dia agora de quarta-feira (5), além da notícia enunciativa sobre a morte de crianças, em Blumenau-SC (veja AQUI), evitei acompanhar detalhes, fotos e vídeos sobre o caso.

Acredito que a idade está me fragilizando a esse tipo de conteúdo.

Não divulgo nem procuro mais pormenores.

E não promovo restrições por critérios jornalísticos, como vi setores da imprensa justificarem.

Criança para mim é benção.

É por isso.

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terça-feira - 04/04/2023 - 16:28h
Inverno

Ah, as coisas do meu sertão!

Mendubim em Assu, num close de Canindé Soares

Mendubim em Assu, num close de Canindé Soares

Tantas cenas bonitas do inverno 2023 e eu vendo tudo em fotos e vídeos, além de um escasso banho de chuva.

Pouco para um capiau urbano que se encanta com o verdejar da paisagem, o mar campesino, o aroma de terra molhada, o sertanejo sorridente e os bichos em profusão.

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domingo - 02/04/2023 - 21:12h

Aluízio, o semeador

Por Vicente Serejo (Coluna Cena Urbana/Tribuna do Norte)

Os olhos das gerações jovens enxergam em Aluízio Alves só o político e o jornalista, mas é nos olhos temperados pelo tempo que esse homem se ergue por inteiro. O político lutou com o poder e o jornalista com a palavra. Ele sabia que a política e a palavra se completam, e que ambas são poderosas como armas de conquista. Tão poderosas que esconderam na memória coletiva a grandeza de um personagem que foi um grande semeador na história intelectual da província.

Peças do Memorial Aluízio Alves (Foto: Reprodução)

Peças do Memorial Aluízio Alves (Foto: Reprodução)

O pequeno jornal datilografado na máquina do seu pai, com as notícias da sua aldeia, a Angicos do fim dos anos trinta, logo ficou pequeno para caber seu talento precoce. Em outubro de 1940, aos 19 anos, é convidado a fazer uma conferência na Semana de Cristo Rei, em Angicos. Ao invés de um simples discurso, escreve um verdadeiro ensaio voltado para retratar não só os traços religiosos, mas a visão inovadora do panorama social, cultural e econômico do seu povo.

Poderia ter sido algo episódico, nascido da sua forte vocação política. Não foi. E tanto não foi que no mesmo ano de 1940 retira da gaveta seu primeiro livro: Angicos, edições Pongetti, Rio, sua revelação de semeador. E cria a ‘Biblioteca de História Norte-Riograndense’, a primeira coleção planejada para cumprir, com um pioneirismo inédito no Estado, um amplo conjunto de visões planejadas para que retratassem a história do Estado nos diversos ângulos e percepções.

Convidou José Augusto Bezerra de Medeiros a escrever o título inaugurador: ‘Famílias Seridoenses’. Seu livro ‘Angicos’ foi o segundo título e ‘Mossoró’, de Vingt-un Rosado, o terceiro. Manoel Dantas escreveu ‘Homens de Outrora’ e Adauto Câmara biografou Nísia Floresta. José Augusto ampliou com ‘Seridó’ e ‘O sal na economia norte-riograndense’. Com um detalhe: as obras eram subscritas por autores e leitores, garantindo a independência da coleção.

Eleito deputado constituinte em 1946, a tintura épica da palavra política começa a vencer o lírico da expressão literária. Mas, nos anos sessenta, já governador, retorna às velhas e boas raízes, e lança a ‘Coleção Jorge Fernandes’, reveladora de nomes como Dorian Gray, Sanderson Negreiros, Miriam Coeli, Celso da Silveira, Augusto Severo Neto – com projeto gráfico moderno – dimensões iguais, capas e manchas impressas padronizadas, numa grande e bela semeadura.

Foi Aluízio que sugeriu a Câmara Cascudo uma nova ‘História do Rio Grande do Norte’, nos anos quarenta, e que seria lançada em 1955, com apoio do então governador Sylvio Pedroza. A Eloy de Souza, sugeriu as ‘Memórias’. E fez outras sugestões que o tempo realizou.

Fascinado pela palavra, fundou esta TN há 73 anos e realizou um governo inovador que a História preserva como marco revolucionário. Só os pensadores são bons semeadores e vivem além do seu tempo.

Vicente Serejo é jornalista e escritor

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domingo - 02/04/2023 - 08:48h

Quebrando regras

Por Marcelo Alves

Dia desses, fortuitamente assistimos – meu pai e eu –, no canal Arte 1, um pequeno documentário sobre a obra e a vida da minha amiga Agatha Christie (1890-1976). Alguma crítica literária, comentários sobre as adaptações para o cinema e para a TV, estórias de venenos e boas fofocas sobre a “Rainha do Crime”. Maravilha!

Agatha Christie (Foto ilustrativa)

Agatha Christie (Foto ilustrativa)

Pelo que me lembro, da imensa obra de Christie, o programa, de menos de uma hora, tratou de alguns dos seus grandes romances: “The Mysterious Affair at Styles” (1920), “The Murder of Roger Ackroyd” (1926), “Murder on the Orient Express” (1934), “Death on the Nile” (1937), “Ten Little Niggers” (1939), “A Murder is Announced” (1950) e “Curtain: Poirot’s Last Case” (1975). “La crème de la crème”, como diria o indefectível Hercule Poirot.

Desses títulos, vou destacar aqui “The Murder of Roger Ackroyd”, que, embora não tão conhecido entre nós brasileiros, é por muitos considerado como a obra-prima de Agatha Christie. Acho que o título do livro, se comparado com coisas impactantes como “Assassinato no Expresso Oriente” ou “Morte no Nilo”, não ajuda. Essa é minha tese para a menor popularidade de “O Assassinato de Roger Ackroyd”. Mas é só um chute. O fato é que este foi o primeiro grande sucesso da autora, a obra que catapultou sua fama. E o livro é, sem dúvida, uma maravilha.

Um resumo do enredo de “The Murder of Roger Ackroyd” eu extraio de “100 Must-Read Crimes Novels” (A & C Black Publishers, 2006), por Richard Shephard e Nick Rennison: “O outrora empresário de sucesso e ora proprietário rural Roger Ackroyd vive em uma daquelas típicas cidadezinhas inglesas nas quais muitas das estórias de Agatha Christie são ambientadas. Como é sempre o caso nos romances de Christie, segredos temidos e sentimentos ameaçadores espreitam a todos, apesar da superficial placidez da vida local. Quando Ackroyd é assassinado, esfaqueado no pescoço enquanto sentado no seu escritório após um jantar festivo, há vários suspeitos, desde o seu amigo, o grande caçador Hector Blunt, ao seu filho adotivo Ralph Paton e a sua sobrinha Flora. Hercule Poirot – um novo vizinho na percepção do narrador do romance, o médico da cidade, Dr. Sheppard – é encarregado de investigar o homicídio e, após voltas e reviravoltas na estória, é capaz de juntar todos os suspeitos e revelar a extraordinária e inesperada identidade do assassino”.

E revelo mais nada. Longe de mim quebrar a regra de não fazer spoiler.

Apenas reitero: o livro, no seu final, tem uma das mais engenhosas reviravoltas – o tal “plot twist”, como costumam dizer os ingleses – da história dos romances policiais/detetivescos. Surpreendente. Inimaginável mesmo.

E mais: “The Murder of Roger Ackroyd” quebra/viola – e Christie foi bastante criticada por isso – uma das chamadas “regras do romance policial”. Para quem não sabe, S. S. Van Dine, pseudônimo de Willard Huntington Wright (1888-1939), ainda na década de 1920, em “The American Magazine”, publicou uma lista de regras que devem (ou deveriam) ser obedecidas por quem quer escrever essas estórias detetivescas. A lista de Van Dine já foi debatida, ampliada e restringida, respeitada e corrompida, tanto por grandes como por pequenos autores.

Todavia, entre outras, podemos citar como exemplos dessas regras: o detetive nunca é o culpado (ou, pelo menos, nunca deve ser); o narrador, que é onisciente, por esse motivo, também nunca é o culpado (ou, pelo menos, nunca deve ser); o detetive e o leitor devem ter a mesma chance de descobrir o criminoso; evitando trapaças, o mistério deve ser explicado de uma maneira plausível; a intriga amorosa ou discussões filosóficas mais profundas não compõem o centro da trama; este é ocupado pelo crime e o seu entorno; e por aí vai.

Mas qual dessas regras foi violada em “The Murder of Roger Ackroyd”? Não vou dizer, por óbvio. Não faço spoiler nem de mim mesmo. Não tenho a “canxa” de Agatha Christie para poder quebrar regras. Imaginem uma “regra do policial”. Portanto, investiguem!

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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domingo - 02/04/2023 - 04:30h

Clube do Cafezinho

Por Marcos Ferreira

Esta semana precisei ir ao banco. Parei diante da porta giratória e dentro de uma caixa em acrílico (creio que fosse em acrílico) larguei alguns pertences que trazia comigo. Eram nada mais que um celular, as chaves de minha casa e algumas moedas embaladas numa fita adesiva transparente. Apenas depois disso foi que a desconfiada porta autorizou o meu ingresso naquele típico reduto do capital.

Foto ilustrativa

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Peguei uma ficha no porteiro eletrônico e, a seguir, tomei uma maçada de quase hora e meia até meu número ser chamado no monitor de televisão afixado no alto de uma parede. Nem sei dizer se toda aquela espera valeu a pena, pois o motivo de eu estar ali era um só: receber um novo cartão do Banco do Brasil. O outro estava vencido e com uma rachadura. Então, para obter esse objeto de importância nenhuma no tocante a dinheiro em caixa, lá estava eu, um cidadão ordinário e igualmente desimportante com uma merreca de setenta e quatro reais na conta-corrente.

Deixei a agência da Alberto Maranhão convicto do quanto o meu viver é uma espécie de zero à esquerda. Hoje me permitam estar assim, melodramático. É uma espécie de trejeito, um cacoete. Imagino que não se trate de vitimismo ou autocomiseração. Como se alguém houvesse perguntado, digo também que no próximo dia 10 de abril (peço que isto fique somente entre nós) completarei cinquenta e três anos de idade. Até o momento, para lhes ser franco, não me tornei outra coisa à exceção de um homem de letras sem relevo nesta terra e menos ainda por aí afora.

O que possuo de valor, outra vez sendo honesto comigo e com um bocado de gente bacana, não é muita coisa material, mas amigos que me têm honrado com sua amizade e consideração gratuitas. Alguns são de longa data, desde 1912, como Antonio Alvino, outros se achegaram não faz muito tempo. Talvez devido à minha súbita mudança de açougueiro do verbo para cronista dominical. Então, feito um sonâmbulo, eu caminhava devagar pela Avenida Alberto Maranhão, escolhendo os passos nas calçadas irregulares desta cidade, pensando à toa numa coisa e noutra.

Meti a mão no bolso, peguei o telefone e consultei as horas: 16:05. Com a mixaria no banco e aquelas moedinhas, cogitei entrar num café e pedir uma xícara da rubiácea. Mas, num reflexo de bom senso, larguei tal ideia e rumei para outro endereço: o do meu próprio casulo, onde uma porção do velho e saboroso moca não desfalcaria o meu orçamento como certamente ocorreria no comércio.

Quem sabe num dia qualquer, acompanhado de cafezistas como Elias Epaminondas, Marcos Rebouças, Odemirton Filho, Rocha Neto, Antonio Railton, Clauder Arcanjo, Carlos Santos, todos esses notórios apreciadores do líquido citado, sentemos para tomar essa bebidinha quente e odorífica. Por onde andarão Mário Gaudêncio, Ayala Gurgel, José Arimatéia, Francisco Amaral Campina, Túlio Ratto?… Estarei feliz ao redor dessas pessoas. Ontem mesmo, antes que eu me esqueça, recebi a visita do Dr. Marconi Amorim. E, evidentemente, tomamos mais um cafezinho.

Marconi veio conferir como ficou esta nova morada da Euclides Deocleciano, 32, fruto, em grande parte, do apoio de amigos. Claro que esta crônica não deveria ser tristonha, como se vê de modo predominante, todavia alguns ímpetos depressivos ainda me acometem, morbidez que combato seguindo as prescrições do Dr. Dirceu Lopes. Então, geralmente devido ao meu estado psíquico, às vezes esqueço do quanto a vida é maravilhosa e este mundo não é tão ruim quanto parece.

Portanto, às quatro e pouco da tarde, lá ia eu um tanto sem rumo, decerto em busca de algum amigo com o qual não havia agendado me encontrar. Realmente não encontrei ninguém, nenhum dos meus colegas batendo pernas.

Entrei no meu lar, tomei um banho, fiz café e bebi uma xícara sozinho. Após uns minutos o telefone tocou. Era o poeta Rogério Dias. Trocamos umas ideias através da invenção de Graham Bell e combinamos em ele vir aqui na próxima semana. Trará os seus apetrechos culinários para produzir algumas de suas boas e famosas tapiocas recheadas. De minha parte ficarei encarregado do café.

No fim das contas, dando o braço a torcer, reconheço que esta tarde não foi nada infecunda. Vez por outra, cheio de caraminholas, é o meu quengo que inventa as penas em que vivo, como no belo soneto de Olavo Bilac.

Marcos Ferreira é escritor

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sábado - 01/04/2023 - 11:20h
Adeus

Vai lá, Velho!

Vá lá, 'Velho' (Foto: Ricardo Lopes/Arquivo)

Valeu, ‘Velho’ Júnior (Foto: Ricardo Lopes/Arquivo)

Como posso escrever, sem exatamente ser solene, burocrático ou ficar equidistante da notícia, para comunicar um falecimento? Na verdade, esse não é o caso de me amparar em técnica ou qualquer formalismo textual.

Eis registro de um tempo que vai se dissipando com o adeus a pessoas, nomes… laços.

Hoje, 1º de abril, é a verdade sem volta, a despedida de Júnior. Irmão.

Passagem esperada há alguns dias, não obstante os cuidados médicos e de equipe de apoio entre o Hospital Regional Tarcísio Maia (HRTM) e o Hospital São Luiz, em Mossoró. Além claro, da intercessão de outras pessoas amigas e voluntariosas.

Minha gratidão.

Cuidemos agora das providências rituais e do adeus terreno.

O nome é despedida.

Vai lá, Velho.

Descanse.

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  • Art&C - PMM - Sal & Luz - Julho de 2025
domingo - 26/03/2023 - 09:42h

O tempo passa

Por Marcelo Alves

Havia estado no Porto/Portugal uma única vez, no ano de 2000 (se não estou enganado), para fazer um curso de pós-graduação em direito comunitário na Universidade Lusíada local. Bons tempos. Era bem jovem. E viva o vinho do Porto e do Douro!

Livraria Lello do Porto, mais de 100 anos de história (Foto: Web)

Livraria Lello do Porto, mais de 100 anos de história (Foto: Web)

Voltei à cidade esses dias no rescaldo do Carnaval. Logo descobri que me lembrava de muito pouco da urbe. Quase nada. Suas ruas e monumentos me eram completamente estranhos. Bom, já fazia quase cinco lustros de minha única estada lá. É bastante tempo. E a “cidade mudou muito, completamente”, depois me disse a simpática recepcionista do meu hotel na Ribeira, ao compartilhar meus sentimentos com ela. Ou talvez eu apenas tenha bebido e aproveitado demais o meu período de estudante no Porto. Sei lá. Bons tempos.

De toda sorte, eu tinha uma missão ali: revisitar a Livraria Lello do Porto. Dela eu tinha uma boa lembrança. E, deixando minha mulher e meus sogros já próximos dos restaurantes à beira do Douro – onde, disseram eles, comeram o melhor bacalhau e tomaram o melhor vinho da viagem –, saí sozinho, esbaforido, mapa à mão, subindo as ladeiras, em direção à famosa casa de livros.

O trajeto foi curioso. O centro da cidade não é grande. Mas, em obras, perdi-me e achei-me algumas vezes. E, numa praça da qual não me recordo o nome, dei de cara com um casal de primos e um casal de amigos de Natal, entre estes um ex-jogador de futebol, deveras fora de forma, que ainda insiste em correr atrás da pelota. Vinham da Lello.

Deram-me dicas de como entrar no estabelecimento. Hoje se paga para lá entrar e a fila é enorme. Foi uma alegria encontrar aleatoriamente conterrâneos em terra tão distante. Mas eu deveria ter interpretado aquele encontro com o meu amigo ex-jogador como um sinal, um presságio, de que o tempo passa, até no Porto.

Cheguei à livraria, no nº 144 da Rua das Carmelitas, afogueado. Na porta, apressadíssimo, pela Internet, fiz uma reserva para uma entrada vip, para cinco minutos depois, por 16 euros e algo. Enrolei-me um pouco com o cartão e o e-mail, mas deu certo. O sistema financeiro é bruto e bom. E os 16 euros eles devolvem em livros da Lello. Vale a pena, em princípio.

Bom, o interior da livraria é lindo. Continua lindo. A madeira escura trabalhada é belíssima. As paredes e as estantes prendem a nossa atenção. As colunas e os corrimões também. O teto em gesso e madeira idem. O enorme vitral nos ilumina. E, claro, a badalada escadaria, cuja forma nos dá um desejo de subi-la (a escada) até o infinito, é um must. Tudo isso ainda está lá. Fato!

Todavia, o ambiente, definitivamente, não é mais o mesmo de outrora. Vi uma exposição sobre José Saramago (1922-2010). Legal. A disposição dos livros, sistematizada por ganhadores do prêmio Nobel e por escritores que poderiam/deveriam ter ganho, também é interessante. Mas o acervo no geral é muito pobre. Pobre mesmo.

São tomos bonitinhos para exposição e não para consulta e consequente aquisição. E o pior: a livraria está apinhada de turistas. Muitos. Muitíssimos. Assim como eu, tirando fotos para todos os lados (ainda consegui uma ou duas fotos com apenas duas ou três cabeças e pernas nos cantos das imagens). Saí de lá “retratofóbico”, já adianto.

Ao final, interessei-me por um livro de Orhan Pamuk (1952-), escritor turco, prêmio Nobel de literatura em 2006. O título era “Istambul: Memórias de uma cidade”. Gosto de livros sobre cidades. Imagine um escrito por um prêmio Nobel. Mas não pude trocar o meu crédito pelo danado (mesmo pagando uma pequena diferença). O crédito só valeria para livros de uma nova edição de bolso da Livraria Lello. São livros bonitinhos, mas uma coleção pouco variada, clássicos sobretudo, que eles devem editar já sem pagar direitos autorais. Fui no óbvio: uma edição dos “Lusíadas”, do enorme Luís de Camões (1524-1580). Nada mais português.

Aí veio a cereja do bolo. A vendedora foi até simpática e me ofereceu uma edição anterior, segundo ela mais bonitinha. Ambas eram bonitinhas. E perguntei se havia alguma diferença entre elas. Foi aí que a vendedora portuguesa olhou para mim dizendo: “claro que são iguais, não se pode mudar os Lusíadas”; e quase completando: “brasileiro idiota”. Bom, evidentemente, eu queria saber se havia introduções diferentes para cada edição (algo comum), se alguma das edições era anotada (como uma belíssima que tinha visto, dias antes, em Braga) ou mesmo podia se tratar de uma edição adaptada em prosa (que talvez ela, a vendedora, nem saiba que existe). Sei lá.

Como já tenho outras edições dos “Lusíadas”, queria algo diferente. Mas terminei sendo tratado como o mais ignorante dos turistas literários, digo fotográficos. Devia ter compreendido o encontro com o ex-jogador: um mau presságio. Perdi bacalhau e vinho. E o tempo passa.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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domingo - 26/03/2023 - 04:34h

Grilos e grilhões

Por Marcos Ferreira

Então, como um pássaro cativo, eis que a gente se vê entre as grades de uma gaiola chamada vida em sociedade. Nessa gaiola, que também podemos chamar de tempo, somos prisioneiros de uma série de rigores e ditames. Temos que obedecer a isso e àquilo. Do contrário, se nos rebelarmos, cortarão o alpiste do final do dia ao começo da manhã. Talvez até por período mais longo. Não duvidem.Ilustração grilos e grilhões

Alheios ao cativeiro, os notáveis cidadãos de bem vivem nas suas bolhas prisionais, crédulos de que têm algum poder sobre terceiros e que mandam em suas próprias existências. Não. Todos estão numa só clausura. É verdade, todavia, que uns dispõem de melhores casas de detenção. Esses possuem tornozeleiras eletrônicas e têm especial liberdade para deixarem suas penitenciárias residenciais e curtirem a noite sem serem incomodados por nenhuma autoridade policial ou judiciária. A esses é imposto apenas o dever de retornarem para suas casas no final da noite.

De tal modo, mesmo que a liberdade lhes pareça uma vitória inconteste, percorremos os limites dos nossos recintos prisionais a supor que usufruímos de plena liberdade. Isto porque, entre outros prazeres e sensações, cremos piamente que dispomos do direito de ir e vir para fazermos o que bem nos der na telha. A isto, com a licença de Saramago, poderíamos chamar de ensaio sobre a cegueira.

Por deleite ou imposição, temos o dever de frequentar determinados ambientes, sobretudo noturnos, escolher uma mesa requintada, ser de pronto atendidos por um garçom educadíssimo, e aí exibirmos nossa sociabilidade ante um copo de uísque com gelo (às vezes em harmonia com um cigarro) ou diante de um prato naturalmente de elevado custo. É o que estou dizendo. As casas de pasto, os restaurantes chiques, graças a Deus, estão repletos dessas pessoas sintonizadas com os padrões sociais. Os casais, as famílias, põem à mostra seu bom gosto e poder aquisitivo.

— Boa-noite. Traz um Old Par, por favor.

Aquele sapato em ótimas condições se torna feio aos olhos do dono e este resolve que seus pés carecem de outro mocassim. A esposa do homem julga que seu guarda-roupa está ultrapassado e vai a uma loja grã-fina, lança mão do seu poderoso cartão de crédito e, de uma só tacada, adquire quatro peças de fino corte e excelente tecido. Os filhos do casal também não ficam de fora do upgrade.

Estamos o tempo inteiro, além da reclusão das gaiolas metafóricas, sujeitos às vontades e humores do capital. Indivíduos de menor alcance monetário se endividam com frequência para se exibirem à altura de outros elementos de seu ciclo de amizades. Põem a corda no pescoço, gastam o que não podem e o que não têm para não fazer feio no aniversário da filha do patrão, ou no casamento do filho do gerente da empresa bancária. Não acreditam? Não estou contando nenhuma história da carochinha. Há pessoas que se enforcam até para comprar uma gravata chique.

Por que não vivermos segundo as nossas posses? Assim não haveria essas gaiolas. Ser natural, autêntico, não é apenas um indício de bom caráter. É ter zelo e respeito consigo próprio. Abandonemos as cadeias da pose e da aparência. No fundo, bem no fundo, todos nós somos seres alados. Uns com ambições maiores, outros com ambições menores. E eis que o céu permanece tão azul e o voo é livre.

Basta, enfim, de tantos grilos e grilhões.

Marcos Ferreira é escritor

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  • San Valle Rodape GIF
sábado - 25/03/2023 - 19:44h
Leitura

Prazer, estou de volta

Voltei à leitura de 2 ou mais livros no mesmo espaço temporal. Tinha me desfeito do hábito há tempos, com a rotina de muitas horas diante de telas de computador, tablet e smartphone. Ler, por prazer, tinha virado sobrepeso de labuta, que a ‘vista’ e o corpo não aguentavam.

As boas companhias do fim de semana (Foto: pessoal)

As boas companhias do fim de semana (Foto: pessoal)

Agora vai.

Fim de semana embalado com “De uma longa e áspera caminhada” (Honório de Medeiros), “Doze contos peregrinos” (Gabriel García Márquez) e releitura de “Os cães ladram” (Truman Capote).

Não sei qual o melhor, cada um com seus atrativos, me instigando mais à cada página.

Prazer. Estou de volta.

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quarta-feira - 22/03/2023 - 23:38h
Contratado

Salve, salve, Senhor Redator

letras, palavras, teclas, textos, nomes, datilografia, teclas, tecladoChegou-me agora à noite no WhatsApp um suposto “salve” de facção criminosa, relativamente bem escrito, antecipando o que será feito nessa quinta-feira (23) em Mossoró e região.

Vou contratar o redator.

Será muito útil na redação do Canal BCS – Blog Carlos Santos, inclusive como revisor.

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  • Repet
quarta-feira - 22/03/2023 - 21:24h
É guerra!

Precisamos que vocês acertem

Foto ilustrativa

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Chuvinha boa nesta noite de quarta-feira (22) em Mossoró.

Daí, passa-me uma picape da Força Nacional em alta velocidade, com giroflex e sirene abrindo caminho.

Desejo boa sorte, numa manifestação individual e inaudível.

Precisamos que vocês acertem.

Não é fácil está no meio dessa guerra insana e estúpida.

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domingo - 19/03/2023 - 10:28h

Obrigado, Inácio

Por Odemirton Filho 

“Escreva de forma simples, Odemirton, para as pessoas entenderem, não faça um texto extenso, escreva com o coração, dê um tempo, e depois corrija”.

outono da vida, folha seca, partida, varalFoi esse um dos muitos ensinamentos repassados pelo jornalista-escritor-boêmio-sonhador Inácio Augusto de Almeida.  Eu o conheci através deste Blog. Li muitos dos seus comentários e crônicas neste espaço. E não foram poucos.

Ele era um guerreiro no combate à corrupção, gostava de dizer que “onde existe corrupção não existe salvação”. Às vezes, era duro em seus comentários, em razão disso, atraiu a antipatia de alguns; bom de briga, usava as palavras como arma.

Escrevia como poucos, sabia transmitir sentimentos e emoções em suas crônicas. No campo político-ideológico tínhamos as nossas diferenças, mas o respeito e admiração recíprocos sempre falaram mais alto.

Ano passado fui à sua casa, num domingo à tarde. Uma chuvinha gostosa molhava as plantas do seu quintal, enquanto tomávamos café e comíamos pão com queijo de coalho. Presenteou-me com três livros de sua autoria: Maranhão, Versos & Prosa e Liberdade Trancada. Contou-me várias histórias, inclusive um pouco sobre sua família.

Eu ouvi, atentamente, a sua inteligência singular.

O livro Maranhão teve alguns capítulos publicados no Blog. Entretanto, devido à sua dificuldade para escrever por causa das fortes dores, não conseguiu concluir. Semanalmente, ele me repassava as suas crônicas para que eu formatasse e remetesse para o editor do “Nosso Blog”. No finalzinho do ano passado, disse-me que não enviaria mais as crônicas. Estava cansado. Sentia que a hora do encontro final estava chegando.

Honrava-me a sua confiança. “Considero você um filho, Odemirton”, dizia.

Diariamente ele mandava mensagens para o meu “zap”. Na ultima semana, recebi uma ligação do seu celular. Não pude atender e, infelizmente, esqueci de retornar. Talvez fosse a sua mulher ou uma de suas filhas para me comunicar sobre a sua doença.

Calou-se a voz firme contra os corruptos. Para quem quiser apreciar um artesão das palavras, as suas crônicas estão eternizadas no Blog. A sua partida me deixou triste. Aliás, nos últimos tempos, perdi amigos queridos. Eu sei, é a vida. Mas, dói, como dói.

Pois é, mestre, desculpe-me se o texto não ficou do seu agrado. Contudo, escrevi com o coração. Poucas foram as palavras para agradecer todos os ensinamentos. Todavia, garanto que sobraram emoção e sentimento de saudade.

Conforta-me o fato de ter agradecido, por diversas vezes, quando ainda estava no plano terrestre.

Obrigado, Inácio, pelas lições e leveza da amizade.

Transcrevo, ao fim desta singela homenagem, um fragmento de uma de suas belas crônicas:

“Chego ao ocaso da vida com a tranquilidade dos que não se deixaram dobrar por um punhado de lentilhas. Breve partirei com a certeza do dever cumprido. Usei o cobertor que recebi para aquecer não só a mim nas noites de frio. Partirei tranquilo por não temer os deuses”.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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  • Repet
domingo - 19/03/2023 - 04:50h

A extrema curva do senhor Inácio

Por Marcos Ferreira

Inácio Augusto de Almeida faleceu nessa sexta-feira última (Foto: família)

Inácio Augusto de Almeida faleceu nessa quinta-feira última, 16 (Foto: família)

— Inácio Augusto?! — indagou a voz rouquenha.

— Aqui estou! — respondeu o velho cronista.

Ele atendeu à convocação e partiu, destemido.

Agora este eclético espaço, infelizmente, fica sem a opinião do senhor Inácio Augusto de Almeida. O homem, que não conheci de maneira pessoal, foi convocado pela Moça da Foice. Não sei, portanto, detalhes da pessoa nem da vida do senhor Inácio. Tão somente o que ele, de modo incansável, publicava no Canal BCS. Era, quem sabe, o mais atuante, o único ombudsman do Blog Carlos Santos.

Que sua família encontre a necessária força, conformação. Porque Deus é assim: envia e manda buscar pessoas. Possui os seus desígnios, e todo mundo (ou quase todo mundo) aceita isso de bom grado, de forma resignada. O senhor Inácio foi chamado por Deus para uma conversa mais próxima entre ambos. Sem conforto, conheço bem esse tipo de partida: já me tiraram meus pais e dois irmãos.

Também ainda no campo da suposição, imagino que este seja o segundo óbito, o segundo sinistro que este espaço dominical sofre desde o princípio de suas atividades. Não sei, posso estar enganado. Sou o mais novo entre os colaboradores do Canal BCS. Não vou ligar para Carlos Santos para fazer esse tipo de pergunta. O fato, porém, é que perdemos um expressivo colaborador. Suas ideias, contraditórias ou não, bem aceitas ou não, farão muita falta. Era ele uma espécie de pedra no sapato de certos políticos e indivíduos da sociedade mossoroense. Malquisto, ridicularizado.

Enquanto cidadão, personagem humana, não vou entrar nesse mérito, pois, como eu disse, não o conhecia nem mesmo de chapéu. Nunca nos avistamos, jamais trocamos um aperto de mãos. E assim (como eu) era ele para muitos que acompanham estas páginas do domingo um simples desconhecido, só um nome.

Com pouco mais de setenta anos, pelo que ouvi dizer, o senhor Inácio fez “a extrema curva do caminho extremo”. Sentença esta, mais uma vez, que pesco num soneto de Olavo Bilac. Então, sem retrato, sem foguetes, Inácio Augusto de Almeida partiu deste mundo para outro completamente indecifrável. Isto se deu na última quinta-feira, dia 16 de março do corrente ano. Foi sepultado no município de Granja, no Ceará. Talvez sua terra natal, coisa que não asseguro, ou de familiares.

Neste blogue, entre inúmeros comentários desferidos ao longo de mais de uma década, ele também deixou um romance incompleto.

De minha parte, embora não o conhecesse pessoalmente, como já referi, mantivemos um contado por telefone de pouca duração. Pois o senhor Inácio sempre esteve muito irritado com a política (com um determinado candidato à Presidência, na verdade) e deixava outros assuntos importantes de nossa amizade em segundo ou terceiro plano.

Enjoado daquele envio de conteúdo feroz, fui aos poucos me conservando em silêncio, e ele findou, não sei o motivo, me bloqueando no WhatsApp. Parou de me ligar e desapareceu da porfia política após seu candidato perder a eleição.

Ao fim e ao cabo, excetuando-se a sua virulência no tocante a alguns políticos, pude observar que o falecido era um indivíduo de bom coração, um sujeito de bem com Deus e respeitável. Torço que a sua obra inacabada (o romance chamado “Maranhão”) seja publicada, ainda que em edição póstuma e inconclusa. A pior coisa para um autor, ao menos para mim, é deixar algo assim, na orfandade.

Publique-se, portanto, preferencialmente com outras informações acerca do literato, o romance do senhor Inácio Augusto de Almeida.

Marcos Ferreira é escritor

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quarta-feira - 15/03/2023 - 11:32h
Um beijo

Mossoró, meu amor

Capela de São Vicente no centro da cidade (Foto: autoria não identificada)

Capela de São Vicente no centro da cidade (Foto: autoria não identificamos. O autor nos contacte)

Hoje, quarta-feira, 15 de março de 2023, Mossoró faz 171 anos de emancipação política.

Nesta foto eu rendo minhas homenagens ao lugar que melhor traduz minha identificação com a terra em que nasci: a Igreja de São Vicente, coração da cidade.

E minha ligação com ela não é por empatia religiosa ou força histórica, mas de bem-querer derivado da infância, como marco de um tempo. É aquela relação de afeto que carregamos para sempre. Jamais será o abismo que olha para mim, mas uma luz que não cessa a me guiar.

Sou ainda o menino capaz de circundar a velha igreja e apressar o passo por seu patamar (ou adro, mais elegante), como se fosse engrossar as pernas de talo de coentro e voltar no tempo. Nem uma coisa nem outra. Fracasso nas duas missões.

Na memória estou sempre me esgueirando das missas dominicais sem que dona Maura controle, porque confia que o Espírito Santo Paráclito possa cuidar de mim ao seu leve descuido. Tem sido assim.

Capiau que não consegue ser universal, mesmo pintando a própria aldeia há várias décadas, diante de seu pórtico frontal levanto os olhos para espiar seu cume… aquela torre inexpugnável de 1927. Isso, para depois fazer o sinal da cruz e sussurrar, só para Ele, as graças de sempre.

A ideia, já li por aí, “é morrer jovem o mais tarde possível“.

Que seja aqui mesmo, Mossoró.

Meu amor, feliz aniversário.

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