domingo - 01/01/2023 - 10:28h

Feliz Ano

Por Marcelo Alves 

A literatura brasileira possui dois livros famosos cujos títulos – e ao menos parte dos seus conteúdos – são curiosas “homenagens” à inexorável passagem de um ano a outro. Àquilo que chamamos de Virada do Ano, Ano Novo ou, festivamente, de Réveillon. Convencionalmente, uma das mais relevantes “passagens do tempo”, afinal, queiramos ou não, a marcação do ano civil é importantíssima, do ponto de vista prático, para as nossas vidas. E, ludicamente, um momento em que brindamos, nos confraternizamos e muitas vezes fazemos promessas (sobretudo a nós mesmos) de darmos um giro positivo nas nossas vidas.feliz ano novo

Os livros são “Feliz Ano Novo” (1975), de Rubem Fonseca (1925-2020), e “Feliz Ano velho” (1982), de Marcelo Rubens Paiva (1959). Curiosamente, entretanto, ambos são livros muito “negativos”, no sentido de mostrar o lado sombrio da vida. Tristes, posso dizer, sobretudo quanto ao segundo, cujo título não faz qualquer questão de isso esconder.

Formado em direito, Rubem Fonseca foi um gigante das nossas letras. Ficcionista multipremiado, ganhou o Jabuti (umas seis vezes), o Prêmio Camões e o Prêmio Machado de Assis da ABL, entre outros. “A Grande Arte” (1983), “Agosto” (1990) e “O seminarista” (2009) são alguns dos seus melhores romances policiais/detetivescos. Sua personagem Mandrake, o advogado detetive, protagoniza várias aventuras. “Feliz Ano Novo” é um livro de contos, cujo título decorre do primeiro deles, uma estória de crime e violência que se passa exatamente numa virada de ano.

Crime, violência, sexo, traição, miséria, conflito de classes são alguns dos temas dos vários contos. Best-seller em 1975, foi censurado pela ditadura. Supostamente atentava contra “a moral e os bons costumes”, seja lá o que isso for, sobretudo na arte. A coisa foi parar nos tribunais. A ditatura levou um pé na bunda. O autor ganhou a causa. E o livro foi reeditado em fins dos anos 1980. Mas isso é outra história.

Já o xará Marcelo Rubens Paiva é um dos nossos grandes escritores da atualidade. Romance, teatro, roteiro de cinema, jornalismo (no Estadão, se não me engano), entre outras coisas. É filho do ex-deputado Rubens Paiva (1929-1971), que foi cassado, exilado, preso e covardemente assassinado pela infame ditadura militar. Uma segunda tragédia marca a vida de Marcelo Rubens Paiva: quedou-se paraplégico, aos 20 anos, após saltar, batendo a cabeça e fraturando a coluna, em um lago pelas bandas do estado de São Paulo.

“Feliz ano velho” é um romance autobiográfico. Conta essas tragédias. Conta suas circunstâncias. O antes, o durante e o depois. Os amores, as amizades. Os medos, o sofrimento. O tratamento, as lutas. Há um certo bom humor. Mas é um livro triste. Pelo menos eu acho. E não poderia deixar de ser, pelo que conta. Li-o ainda na década de 1980, com deleite e angústia, se é que esses dois sentimentos podem ser vividos juntos. “Feliz ano velho”, livro de estreia do autor, continua sendo a sua “obra-prima”.

Ademais, lembro-me de então haver assistido à adaptação para o cinema de “Feliz ano velho”, de 1987, com a direção de Roberto Gervitz. Ganhou vários prêmios, em Gramado e no saudoso Festival de Cinema de Natal (em 1988), tão bem comandado pelo nosso Valério Andrade.

O filme tinha Malu Mader em um dos papéis principais. Ela no auge. Fera radical. Lindíssima. Ponha linda nisso. Adolescente à época, comparecendo ao festival naquele ano, lembro-me de haver sido apresentado à beldade. Malu me deu uma “bicoca” (ou “selinho”, para quem não é desse tempo). Acho que era moda ou costume dela. Sem censura. Que “feliz ano velho”. Aqui, no meu caso, no sentido mais feliz do termo.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República e Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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Categoria(s): Crônica
domingo - 01/01/2023 - 09:20h

110 anos do Colégio das Irmãs; Pedagogia do amor de Irmã Zelândia

Por Marcos Araújo

Em agosto último, o Colégio Sagrado Coração de Maria (CSCM) fez 110 anos de existência em Mossoró. É crédito seu a formação de milhares dos profissionais de ontem, do hoje e dos que se consolidarão no amanhã. É mais de um século de dedicação ao ensino, retrocedendo das irmãs Zelândia e Lucilene, às antecedentes Anair, Aparecida, Ana, Dalvanir Rosado (irmã dos meus diletos amigos Fernando e Tibério Rosado), Francisca, Livramento, Cecília, Zezé, Terezinha, entre outras.

Registro histórico do CSCM em foto de Manuelito

Registro histórico do CSCM em foto de Manuelito

No CSCM, a ESCOLA sempre será o espaço público do conhecimento, da formação humana e do culto aos valores morais e divinos. O SABER não é a única atividade-fim dessa instituição, mas apenas um elemento a mais dos valores morais, sociais e culturais edificantes no ser humano. Ajudar a constituir uma consciência crítica a uma sociedade humanizada tem sido um dever.

Como vivemos em uma sociedade ultratecnicista, na era do digital, o CSCM deve ser exaltado por sua tradição, pelo privilégio do humano, pela relevante preservação da comunicação interpessoal, como elementos educativos diferenciais. As escolas “ultramodernas” do momento privilegiam a robótica, a estética, o egoísmo, a individualidade, com foco (a palavra principal dos coach´s!) na disputa, na competição entre pessoas, mandando às favas o desempenho coletivo.

Que bom que o CSCM não se enquadra neste perfil, substituindo as disciplinas da ”robótica” pela “humanótica”, a “estética” pela ética, a “individualidade” pela alteridade, o “egoísmo” pelo cristocentrismo. A crescente onda de etnocentrismo cultural que, infaustamente, assola o meio educacional, tem merecido no CSCM enfrentamento por esta educação inclusiva, coletiva, cristocêntrica e humanizadora!

Por isso, no cumprimento do seu desiderato, a escola tem se revestido de um misto de formação teológica e científica que agrega aos professores-educadores uma mística de ensino entre o saber formal e o exercício dos dons de Deus. E as freiras no CSCM têm adicionado o “dom do ministério religioso com o dom de ensinar”. Uma delas, Irmã Maria Zelândia, tem uma história pessoal com Mossoró há 38 anos.

Qualquer pessoa que resida neste Estado já ouviu falar de Irmã Zelândia. Se estivéssemos diante de um tribunal eclesiástico em busca de sua beatificação, cada um dos ex-alunos do CSCM podem retratar com precisão seu esforço ingente na melhoria instrutivo-formacional, material e educacional de suas personalidades, através de inefáveis ações, como: sua ponderação maternal nas chamadas de atenção;  sua instintiva proteção aos injustiçados; seu colo conciliador aos adolescentes incompreendidos; sua evangélica tolerância à diversidade; sua equilibrada atuação para a superação das desigualdades sociais entre os alunos, tratando isonômicamente filhos de ricos com os filhos de pobres, algo muito raro nas demais escolas.

Os pais podem igualmente testemunhar em seu favor.  No campo moral e educacional, pode ser lembrado o respeito às instituições, com a preservação da memória das datas históricas e cívicas (dia da Bandeira, dia do Índio, dia do Folclore…); no campo religioso, o diferencial dos hinos religiosos tocando na acolhida dos filhos no início das aulas; a reunião de pais e mestres principiando sempre com a oração do Pai Nosso; as celebrações cristãs de Natal e Semana Santa envolvendo pais e alunos etc.

Do ponto de vista financeiro, pode ser o testemunho dos inadimplentes, renovando por anos a fio prestações impagas, com direito automático à renovação da matrícula dos filhos; das bolsas contínuas, ou descontos tão generosos aos pais assalariados, de modo a permitir que o pagamento da mensalidade escolar não comprometesse a qualidade e a dignidade da família. Por sua caridade, o CSCM abrigou – e abriga – centenas de alunos bolsistas.

O testemunho de Nossa Senhora como modelo perfeito de educadora-evangelizadora referenciou a nossa outra Maria (Maria Zelândia). Assim também como Nossa Senhora perseverou junto aos apóstolos à espera do Espírito Santo, cooperando com o nascimento da Igreja missionária, na qual imprimiu um caráter que a identifica profundamente, nossa Irmã Zelandia tem persistido na missão de ver os seus filhos adotivos crescerem como homens e mulheres de valor, imprimindo neles sua marca zelosa de educadora do bem.

Sabemos da dificuldade de se viver uma espiritualidade encarnada nos tempos presentes. Numa sociedade dividida, polarizada, desigual, tecnocêntrica e desumanizadora, com crianças e adolescentes fixados em celulares e tablets, é um desafio quase inglório pedir para que eles se voltem para o céu. Uma tarefa para educadores-santos.

E mais: em um tecido social esgarçado, com os pais “lavando as mãos” e transferindo para as escolas o dever de edificação moral dos filhos, é muito difícil formar pessoas socialmente comprometidas em gerar objetivos de vida comunitária e altruísta.

Certa vez, Paulo Freire, disse: “Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão”. De fato, a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda. Sei apenas (e sou testemunha como pai de três ex-alunas) que o CSCM tem contribuído muito na construção de uma sociedade melhor, justa e fraterna, formando e estimulando jovens para o espírito da cooperação e da paz.

Ao Colégio Sagrado Coração de Maria e à Irmã Zelândia, pelo esforço em edificar seres humanos e almas melhores, de moldar educandos e forjar personalidades pela pedagogia do amor, a nossa eterna gratidão!

Marcos Araújo é advogado e professor da Uern

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domingo - 01/01/2023 - 07:26h

Necessidade e talento

Por Marcos Ferreira

Hoje me ocorre dizer que escrevo não por talento, mas por necessidade. Uma necessidade, contudo, no sentido de complemento de minha existência. Digo isto sem sugerir ou reivindicar para mim qualquer espécie de nobreza ou excelsitude. Não se trata disso.Ilustração Escrever

O que me motiva a redigir, entre outros aspectos, é sobretudo o fato de que não aprendi a fazer outra coisa com mais desenvoltura que lidar com palavras. Não estou insinuando, vejam bem, que sou um craque das letras. Bem ou mal, porém, o que me sinto mais apto a realizar é esta valsa com nossa língua portuguesa.

Então, mesmo ciente de minhas limitações e pouco brilho, tal constatação afirmo sem falsa modéstia, escrever me restitui certos valores e posses que o mundo me negou. Outro detalhe é que não envergonho a língua portuguesa, não pisoteio sobre nosso já tão massacrado idioma. Quem se mete e se declara escritor deve (tem a obrigação) de conhecer e respeitar a própria língua. É o que eu penso.

Um literato que desconhece sua língua é como uma ave implume: até almeja e sonha com altos voos, mas não consegue ir a lugar nenhum. Eu, cujas asas e as penas não são as de um albatroz, por exemplo, aprendi ao menos a sobrevoar os melhores expoentes, os mestres do ofício da palavra escrita. Não vou deitar aqui uma listinha desses nomes tão consagrados quanto batidos, ademais não é possível decolar para o céu da grande literatura sem conhecer certos autores e obras, nacionais quanto estrangeiros. “Que rapazinho pedante”, talvez alguém assim me classifique.

Rabiscar, acreditem, digo escrever literatura, requer algo mais que boas intenções e autoridade curricular, estofo acadêmico e títulos outros. Felizmente isso não é uma regra. Porque textos que não são puramente literários (digo literários no sentido de artísticos) têm seu relevo e grande importância. Imaginem que saco seria a escrita cravejada apenas com poesia, contos, crônicas, romances, etc.

Nem oito nem oitenta. É verdade, todavia, que a cada rede social que se passa as pessoas (salvo exceções) estão se divorciando da maneira correta de escrever. Muitos dão coices e patadas violentíssimos no léxico. Sei que este é um assunto chato, pois é uma forma de colocar o dedo na ferida de muita gente, no entanto não sei onde vai parar a pancadaria sobre a língua de Camões e de Machado de Assis. De minha parte, pelo prazer e respeito ao nosso idioma, continuo tentando errar o menos possível quando rascunho, por exemplo, uma página de arriscada como esta.

Redigir, menos por talento que necessidade, é meu barato, meu ópio, meu fraco, minha onda e o meu vício. Decerto um leitor mais atento, ou menos discreto, vai colocar o lápis sobre determinada falha desta crônica um tanto quanto pretensiosa. O tal leitor, cheio de orgulho, dirá assim: “Olha só, falando de quem escreve mal e aqui está um erro dele”. Ainda que seja um mero deslize de digitação.

Escrever com certo talento ou arte, agora chovendo no molhado, é impossível sem que o sujeito antes adquira um bom cabedal oriundo dos autores e de suas melhores obras. Não. Sem isso não dá. Como se diz, é colocar o carro na frente dos bois.

Eu prometi que não vou expor aqui nenhuma listinha de grandes vultos da literatura estrangeira ou nacional e vou cumprir a promessa. Porque sempre é um risco, além de ostentatório, desfilar medalhões das letras, quer daqueles que já foram “estudar a geologia dos túmulos” ou dos que estão neste plano terreno e em atividade.

Torço que embora nesta crônica prolixa o rigorosa o leitor consiga encontrar algum prazer ou vestígio de arte literária. Porque o que tem para hoje é isto. Quem sabe na próxima semana, aqui neste mesmo Canal BCS, blog este onde tenho vivido a aventura de escrever semanalmente, eu lhes traga um assunto menos resmelengo. No mais, repito, escrevo menos por talento que por necessidade.

Marcos Ferreira é escritor

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domingo - 25/12/2022 - 08:40h

Sem fim

Por Marcelo Alves

Como disse certa vez, há livros que li, reli e lerei novamente. “Civilização” (1969), de Kenneth Clark, “A era da incerteza” (1977), de John Kenneth Galbraith, “O nome da rosa” (1980), de Umberto Eco, “Amor a Roma” (1982), de Afonso Arinos de Melo Franco e “O século dos intelectuais” (1997), de Michel Winock, então certamente entre eles. São os meus queridinhos.

Câmara Cascudo em seu habitat (Foto: Web)

Câmara Cascudo em seu habitat (Foto: Web)

Formam o meu simulacro da “Biblioteca de Babel”, tal qual imaginada por Jorge Luis Borges, com os mesmos volumes se acumulando na desordem ordenada da minha mesa de cabeceira.

Há também o oposto. Livros que, começando e até insistindo, não consegui ler. Alguns eram ruins mesmo e rogo distância. Outros eram – na verdade, são – considerados obras-primas da literatura. “Auto-de-fé” (1935), de Elias Canetti, e “O jogo das contas de vidro” (1943), de Hermann Hesse, por exemplo. Talvez eu não estivesse preparado à época para essas duas leituras. São livros “densos”. Ou, o que é um fenômeno comum, “os nossos santos não bateram”. Acontece.

Todavia, por estes tempos – e contem para lá de dois anos –, está acontecendo comigo um fenômeno/problema em relação a um outro livro clássico, uma obra-prima no seu gênero, posso dizer: “Civilização e cultura”; o autor, Luís da Câmara Cascudo (1898-1986). Também não consigo terminá-lo. Mas isso se dá por um outro motivo, deveras curioso, paradoxal até: nossos santos bateram demais. E estou nitidamente desacelerando a leitura do danado, parando a cada página, indo e voltando, postergando um fim que rejeito ser inexorável.

O historiador, sociólogo, antropólogo, etnógrafo, folclorista, cronista, jornalista, jurista e professor Câmara Cascudo dispensa maiores apresentações. O seu “Civilização e cultura”, perdidos os originais, reencontrados e restaurados anos após, publicado quando Cascudo já completava 75 anos, é um livro de madureza, de chegada, depois de andanças por “Sertão de pedra e Europa”.

Da edição que possuo, de 1983, da Editora Itatiaia, dedicada pelo autor aos meus pais, consta: “Este livro de Luís da Câmara Cascudo resulta de uma longa experiência de pesquisador, explorando ao mesmo tempo conceitos teóricos e realidades materiais, numa amplitude de visão que surpreende e encanta. Alia à seriedade do erudito a leveza do artista. O rigor do informe e o pitoresco dos fatos e da forma combinam-se em páginas de estudo e diversão. (…). A riqueza e a minúcia com que descreve as atividades dos grupos humanos, desde suas técnicas de vida material aos tipos de organização social, religiosa e estética, fazem deste livro uma obra fundamental na extensa bibliografia do autor. Obra pensada e repensada em longos anos de trabalho intelectual”.

Mas o fato é: não consigo – na verdade, não quero – terminar o livro. E olhem que não cheguei à parte do direito (ciência da qual Cascudo foi professor), às páginas 600 e tanto, onde o mestre afirma: “O problema da origem do Direito tem sido sempre objeto especulativo de filósofos e juristas. Não de etnógrafos. O ângulo de apreciação não coincide embora o interesse pela pesquisa tenha a mesma importância máxima. Como o Direito é uma norma fixada para a conduta humana na continuidade cronológica, é óbvia a necessidade de sua elucidação, as raízes milenárias da formação, clareando a diversidade do comportamento na história do mundo”. Isso promete.

Tenho suspeitas para essa minha malevolência literária, que vão além do conteúdo da obra ou do deleite intelectual da sua leitura. É algo sensorial que me prende à “Civilização e cultura”.

Fisicamente, a visada e o toque no livro me subjugaram. Falo da textura do papel, das páginas já amareladas e da fonte utilizada. Recordam-me leituras de outrora. Sejam as edições da velha Forense, os meus Orlando Gomes e Caio Mário, que entesouro desde a Universidade. Seja a coleção Vaga-lume e o seu sinistro “O escaravelho do diabo”. Sinto-me, palpavelmente, voltando àqueles bons tempos, de irresponsável juventude ou de lúdica infância, o que já seria muitíssimo.

E algo mais: o sábio conterrâneo Cascudo sempre foi para mim um referencial de um tempo em que eu perguntava aos meus pais “O que é isso?”, “Por quê?”, exatamente como hoje me faz o pequeno João. As cousas que eu indagava e que hoje João repete são as mesmas que Cascudo busca responder no seu livro de madureza. A infinitude de grandes e pequenas coisas que forjam civilizações e culturas. Com pais vivos e filho desabrochando, o livro em mãos parece ser um elo, um amuleto, que une essas duas pontas do destino. Não posso soltá-lo. Postergando o fim de “Civilização e cultura”, vou trapaceando, sensorialmente – e “tudo é sensação”, já dizia o poeta-filósofo Pessoa –, o curso da vida.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador regional da República e Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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domingo - 25/12/2022 - 07:42h

O inverno está chegando

Por Marcos Ferreira

Aqui não cabe todo mundo. Nem pretendo expor os nomes dos bons samaritanos deste dezembro que transcorre para mim como um verdadeiro presente de Natal. Não. Não vou deitar nomes agora. Deixem estar que num domingo destes farei isso. Encontrarei outro ensejo para nominar tantos amigos que nos últimos dias têm me dado a perspectiva de viver sob um teto e entre paredes novos.Casa e inverno, residência e echarpe

A obra está um pouco além da metade. Não tem um só dia em que eu não sonhe ou deixe de espiar o serviço. Tanto pela manhã quanto à tarde, lá estou no canteiro, buscando o máximo possível não atrapalhar os trabalhadores. Nesse tempo converso e troco algumas brincadeiras com eles, que parecem gostar da minha presença e do meu gênio espirituoso.

São dois pedreiros e dois serventes que até o momento não têm me dado a mais mínima dor de cabeça. O mestre de obras é Jailson Batista. Os demais são Rogério (pedreiro) e os serventes Wellington e Gutemberg.

As paredes estão altas. Acima da altura de portas e janelas. A laje dos banheiros está pronta e receberá duas caixas d’água de mil litros. A parte de ferragem (conforme minha vasta experiência em sapataria) é reforçada e, segundo Jailson, possui uma estrutura que suporta primeiro andar. Tento não atrapalhar, como eu disse, mas se eu pudesse colocaria a mão na massa para acelerar o processo.

Após longos anos sob uma estrutura precária, respirando salitre entre paredes velhas e malseguras, habitando um lar periclitante, quase inóspito, hoje se me apresenta a realização de um sonho nutrido (estes não posso me furtar de mencionar primeiro que os demais) por um amigo de longa data chamado Elias Epaminondas e a sua esposa, arquiteta Miriam Ferreira. Exatamente.

ELIAS E MIRIAM bateram o pé e disseram: “Você não vai vender sua casa. Vamos aproveitar seu terreno, que é bem localizado, e construir outra”. E foi assim que começamos a saga da nova moradia.

— Vai dar tudo certo! — garantiu-me Elias.

Em breve virão as chuvas, o inverno está chegando e vai lavar minha alma e meu coração contentes, e aí estarei bem abrigado sob uma residência novinha, cheirando a massa fresca, mesmo que alguns detalhes (como a cerâmica) fiquem para outro momento devido ao nosso curto fôlego financeiro. Hoje, enquanto a nova casa é erguida, moro num cubículo que aluguei bem próximo da construção.

Meu novo domicílio é pequeno, porém confortável, de cômodos espaçosos resumidos a uma suíte, um banheiro social, sala e cozinha interligadas, além de uma garagem e terraço para a área de serviço. O projeto de Miriam foi feito no capricho, levando em conta meus parcos recursos e a possibilidade de contarmos com a contribuição dos amigos que mostraram que eu não estava sozinho nesta empreitada.

Amigos estes que citarei um por um noutra página aqui no Canal BCS — Blog Carlos Santos. Porque gratidão, ao menos para mim, não é motivo de constrangimento.

Que venham as águas de janeiro, fevereiro e março. Serão bem-vindas. Sempre gostei de chuvas, apesar de certos transtornos. E dessa vez não terei que colocar as minhas coisas para fora por conta de que dentro de casa molhava mais do que fora. Sim, sim. Que venham as chuvas. “Eu já escuto os teus sinais”. Muito embora o astro-rei esteja soberano sobre nossas cabeças.

O inverno está chegando.

Marcos Ferreira é escritor

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domingo - 25/12/2022 - 05:22h

O bem e o mal

Cainismo. Caim. Zoroastrismo e Heráclito de Éfeso - unidade dos opostos constituindo a Realidade.

Por Honório de Medeiros

O caminho que sobe e o que desce é o mesmo (Heráclito de Éfeso, dito “O Obscuro”)[1].

– Mas terá que aceitar isso – retrucou Woland, e o sorriso irônico entortou sua boca. Você mal apareceu no telhado e já disse bobagens, e vou dizer onde elas residem: na sua entonação. Você pronunciou suas palavras de tal maneira como se não reconhecesse as sombras, e muito menos a maldade. Não seria muito trabalho de sua parte pensar na seguinte questão: o que faria a sua bondade se não existisse a maldade, como seria a terra se dela sumissem as sombras? (O Mestre e Margarida, Mikhail Bulgákov)[2].O bem e o mal, luz e trevas, vida e seca

“A ave sai do ovo. O ovo é o mundo. Quem quiser nascer tem que destruir um mundo. A ave voa para Deus.” (Demian, Hermann Hesse)[3].

Quem, nos anos 70 do século passado, gostava de ler, possivelmente teve entre as mãos algum livro de Herman Hesse.

Talvez Sidarta, no qual ele romanceou a vida de Gautama Buda, ou mesmo O Jogo das Contas de Vidro e O Lobo da Estepe, os mais cultuados; quem sabe DemianPequenas HistóriasNarciso e Goldmund, os menos conhecidos.

É possível que dentre esses, Demian seja considerado um livro menor.

Na verdade, a crítica teceu e tece loas à O Jogo das Contas de Vidro e, em menor escala, a O Lobo da Estepe, muito embora o mais famoso seja Sidarta, cuja fonte foi a vida do grande líder espiritual Buda (Siddhärtha Gautama), Príncipe de Sakyas, “o Iluminado”, que viveu entre 563-483 a.C., um homem extraordinário.

Quando adulto, Sidarta, rebelado contra a hierarquia bramanista, largou todos os confortos materiais dos quais dispunha no palácio do seu pai, o rei, para ir em busca do real sentido da existência, ganhando fama imorredoura em todo o Oriente como Gautama, o Sublime.

Em Demian, Hesse nos apresenta a um enigmático adolescente e sua mãe, mulher bela e misteriosa iniciada em uma seita pouco conhecida, o Cainismo, que fascina Emil Sinclair, colega dele de escola e relator da história.

O Cainismo foi uma seita gnóstica cristã surgida no século II d.C. que venerava Caim como filho de um espírito superior ao que teria criado seu irmão Abel, considerada herética pela Igreja Católica.

Quando o Cainismo aparece na convivência entre Demian e Sinclair, aquele aponta, como ponto-de-partida para uma possível iniciação do amigo na doutrina Cainista, o conhecimento da vida de uma relação de personagens significativos, embora condenados pela história oficial, começando por Eva, depois Caim, cujo nome batiza a seita, bem como Judas Iscariotes, dentre outros.

Sabe-se que o Cainismo foi resgatado no século XIX da total obscuridade por Lord Byron, o cultuado e maldito poeta romântico inglês, e hoje é possível que somente exista em obras emboloradas praticamente desconhecidas, a grande maioria ocupando estantes empoeiradas no imaginário “Cemitério dos Livros Esquecidos” que fica em Barcelona, e do qual nos deu a conhecer Carlos Ruiz Zafón, em famosa tetralogia.

Voltando a Demian, a pergunta que ele faz a Emil Sinclair, durante o transcorrer da trama, no processo de sua iniciação nos segredos da seita, é se haveria Adão sem Eva; Abel sem Caim; Jesus, sem Judas, e assim por diante. Evidentemente, a verdadeira questão, implícita e fundamental, é se haveria o Bem, sem o Mal; e, fundamentalmente, a Ordem, sem o Caos.

Não é ousadia supor que o Cainismo seja descendente do Zoroastrismo ou Mazdeísmo, a religião dominante no Império Persa mais ou menos no século VI a.C. até sua invasão e dominação, no reinado de Dario III, por Alexandre “O Grande”, rei macedônio.

O zoroastrismo professava uma interpretação dualista da realidade, entendendo-a como governada pelas forças antagônicas do Bem e do Mal: existiria um deus supremo, criador de dois outros seres poderosos que seriam extensões de sua própria essência: Ormuzd (ou Ahura-Mazda, ou ainda Oromasdes, segundo os gregos), a fonte de todo o Bem, e Ariman (Arimanes), a fonte de todo o Mal, depois que se rebelou contra seu criador.

Os conflitos entre o Bem e o Mal seriam constantes até o momento em que Ormuzd venceria, condenando Ariman e os que o seguiam às trevas eternas.

Tampouco é ousadia crer que o Maniqueísmo seria continuação dessa linhagem herética e gnóstica originada na Pérsia, muito tempo depois renascida no Império Romano (sécs. III e IV d.C.). Sua doutrina, plena de um dualismo religioso sincretista, consistia em afirmar, também, a existência de um conflito cósmico entre o reino da luz (o Bem) e o das sombras (o Mal), assim como em localizar a matéria e a carne na escuridão.

Do Maniqueísmo foi seguidor, por um longo tempo, ninguém mais, ninguém menos, que Santo Agostinho de Hipona, Doutor da Igreja Católica, talvez seu mais importante pensador, autor da “magnum opus” De Civitate Dei (A Cidade de Deus), por quem Santa Mônica, sua mãe, tanto rezou para o converter.

Avançando no tempo, mas ainda na mesma linhagem, essa mesma percepção gnóstica, dualística, da realidade, constituiria o cerne da doutrina do Catarismo, professado pelos Perfeitos, a quem a Inquisição, no Século XIII, varreu da face da França na Primeira Cruzada da Igreja Católica, liderada por São Luis, o nono Rei francês.

É um fato que questões como essas, acerca do eterno embate entre o Bem e o Mal (a Luz e as Trevas), e a Ordem e o Caos, suscitaram debates ardentes e sinceros durante os famosos e esotéricos anos 60 e 70 do século passado, quando se questionava, entre outras coisas, o modelo de vida que o capitalismo “selvagem” ou o socialismo “científico” impunham ao mundo.

Era o tempo da Revolução de maio de 1968, na França, e do Festival de Woodstock nos Estados Unidos.

Havia, então, um inebriante fascínio pelo Oriente misterioso dos zoroastristas, cainitas, maniqueístas, iogues, faquires, dervixes, sadhus, budistas, taoístas, e seus estilos de vida, enquanto contraponto à possibilidade de hegemonia da sociedade de consumo ou do marxismo-leninismo.

Ainda hoje encontramos, em alguns nichos na internet, tal percepção esotérica acerca da realidade, herdeira longínqua dessas arcaicas seitas, que parece muito distante do feijão-com-arroz cotidiano ao qual estamos acostumados.

Existem também espaços diminutos, embora alvoroçados, no campo das ideias, resultantes de raízes solidamente firmadas na tradição oriental, que se voltam para a tentativa de explicar fenômenos tais como a antimatéria, física quântica, ou a teoria do Caos, em uma perspectiva que resvala para a metafísica, menos atenta ao rigor metodológico ortodoxo próprio da ciência. Que o diga Fritjof Capra, famoso físico teórico autor de O Tao da Física e O Ponto de Mutação.

Fritjof Capra traça um suposto paralelo entre a física relativística, assim como a quântica e a das partículas, e as filosofias e pensamentos orientais tradicionais, tais quais o taoísmo, o Budismo, e o Hinduísmo. Surgido nos anos 70, seu livro O Tao da física busca os pontos comuns entre as abordagens oriental e ocidental da realidade.

Por fim, voltando a Herman Hesse, com o qual abrimos este ensaio, é possível entender que, em Demian, ele tratou obliquamente, ao utilizar o Cainismo como pano de fundo da trama cujo epicentro é a relação entre Demian, Emil Sinclair e Gertrud, em uma perspectiva esotérica, acerca do que seja a Realidade, e cujo ponto de partida é a onipresença da eterna guerra entre o Bem e o Mal.

Mais: ao fazê-lo, trouxe para a claridade, ou pelo menos tentou, a misteriosa seita que seus personagens professavam e, para quem optou por se aprofundar na questão, como consequência, os mistérios do Zoroastrismo, Maniqueísmo e Catarismo, seus parentes próximos pela linhagem.

Teria o Zoroastrismo, cujo apogeu ocorreu aproximadamente no século VI a.C., influenciado Heráclito de Éfeso (aproximadamente 500 – 450 a.C.)?

Pode ser que sim. O certo é que antecede o filósofo em um ponto principal de sua cosmovisão, a de que os opostos são idênticos, embora apareçam para os homens como diferentes:

Vida e morte, vigília e sono, juventude e velhice, tudo é o mesmo. (…) pois um virado, é o outro e o outro, virado, é o primeiro. (…) O caminho que sobe e o que desce são o mesmo (…) bem e mal são idênticos. (…) Para Deus todas as coisas são belas e boas e justas, mas, para o homem, há algumas coisas justas e outras injustas (…). Não pertence à natureza ou caráter do homem possuir o verdadeiro conhecimento, mas sim à natureza divina[4].

                   Sir Karl Popper, analisando esse trecho, observa que:

Assim, na verdade (e para Deus) os opostos são idênticos: só aos homens eles aparecem como não idênticos. E todas as coisas são uma só – todas elas são parte do processo do mundo, o ‘Fogo’ perene[5].

Todo esse Conhecimento arcaico, mas fundante, de natureza esotérica, é calcado na crença de que a Realidade é a extensão visível e material de uma divindade única e suprema, da qual são emanações antagônicas o Bem e o Mal; por outro lado, de natureza filosófica, é calcado na conjectura da unidade do mundo, identidade dos opostos e da aparência e realidade.

                   Para o Zoroastrismo, o Bem e o Mal são forças antagônicas que seriam extensões da essência de um Deus supremo. Heráclito de Éfeso disse que o Bem e o Mal são idênticos, “Somos e não somos”[6], e concluiu que para Deus, todas as coisas são belas, boas e justas, e todas as coisas são somente uma.

                   O Bem e o Mal: o Um.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

[1] POPPER, Sir Karl. O Mundo de Parmênides: Ensaios sobre o Iluminismo Pré-Socrático. São Paulo: Unesp, 2019.

[2] BULGÁKOV, Mikhail. O Mestre e Margarida. Rio de Janeiro: Alfaguara. 2003.

[3] HESSE, Hermann. Demian. Rio de Janeiro: Record. 2015.

[4] POPPER, Karl. O Mundo de Parmênides: Ensaios sobre o Iluminismo Pré-Socrático.

[5] Idem.

[6] Ibidem.

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domingo - 18/12/2022 - 07:30h

Sob o pé de seriguela

Por Odemirton Filho 

A casa onde eu morava quando era criança ficava na rua Tiradentes, no centro de Mossoró. Na rua por trás, José de Alencar, era a padaria do meu pai. Havia ligação entre a casa e a padaria. Eu passava o dia pra lá e pra cá.

Foto ilustrativa - por Mário Franco

Foto ilustrativa – por Mário Franco

 A casa tinha um primeiro andar. No pavimento superior, ficavam os quartos, no inferior, sala e cozinha. No quintal existia uma simples e pequena piscina, onde eu, minhas irmãs, primos e amigos tomávamos banho. Ali, aprendi a nadar.

Havia, também, um frondoso pé de seriguela. Sob a árvore, ficávamos conversando e brincando. Nos finais de semana, juntava-se uma ruma de meninos para tomar banho de piscina e comer as seriguelas. Eu gostava das verdes, minhas irmãs, das maduras.

Às vezes, meu pai reunia alguns familiares e amigos para tomarem umas sob o pé de seriguela. Entre outras músicas, ouvíamos meu pai cantar Nelson Gonçalves, “boêmia, aqui me tens de regresso”, e o Calhambeque, de Roberto Carlos, sua preferida. Eu via emoção em seus olhos, talvez, por relembrar da Mossoró do seu tempo de rapaz.

Meu tio Albecir, da Banda Bárbaros, acompanhava com o violão. Tio Alcides cantava O Menino da Porteira. Tio Ezanildo, lá pra tantas, levantava-se e fazia um discurso. Preocupações da vida? Deveriam existir, é claro. No entanto, curtia-se a vida, como deve ser.

Quando era adolescente convidava um bocado de amigos lá pra casa. Como sabemos, para a juventude tudo é diversão; reunir-se com amigos, paquerar, os namoricos, os passeios sem a responsabilidade da vida adulta.

Certa vez, num comício da vitória de um candidato, tomei uns goles a mais de vodka com Fanta Laranja. Os meus amigos foram me levar em casa e, para não perder o costume, mergulharam na piscina, de madrugada.

Hoje, aqui ou acolá, lembro-me, com saudade, da casa da rua Tiradentes, na qual vivi os dias da minha infância e adolescência. Dos momentos ali vividos forjou-se o homem com inúmeros defeitos e, quem sabe, alguma virtude.

De vez em quando, vem à memória o quintal da minha infância. E eu ainda sinto o sabor das seriguelas.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 11/12/2022 - 04:38h

Insônia

Por Marcos Ferreira

Nove horas e cinco minutos. Escovo meus dentes (meu sorriso desfalcado) e tomo um punhado de psicotrópicos. Há duas noites, porém, estou sem meu clonazepam de 2mg, o famoso Rivotril. Aqui no cubículo alugado provisoriamente, sem ventilação, quente feito uma cuscuzeira, sou salvo por um ventilador miúdo e ruidoso. Meus olhos estão secos, nenhum vestígio de sono.Insônia

A vizinhança é tão ruidosa quanto o ventilador. Bem mais, na verdade, pois há uma casa aqui perto onde residem alguns doidos, um homem e talvez duas mulheres, ambos irmãos. São loucos de verdade, doidos varridos. O homem se põe a gritar não se sabe por que motivo. Uns gritos lancinantes que entram pela madrugada entrecortados por pequenos intervalos.

Tomado banho, nu, o corpo úmido, apago as luzes e busco encontrar uma posição na rede que me ajude a dormir. Tento várias posições e não obtenho sucesso. Não tem jeito. O louco grita. Seu uivo dói nos meus ouvidos, aperta o meu coração. Por que será que tanto grita? Não faço ideia. Os vizinhos mais próximos devem ter se acostumado a isso e dormem serenamente, pois não se trata de algo apenas de hoje ou de ontem. Não, não. É coisa antiga. As mulheres também gritam, porfiam com o louco, e este responde com termos chulos contra as doidas suas irmãs.

Minha cabeça gira, viaja no tempo, penso em mil coisas. Retalhos do passado vêm à minha lembrança. Eventos remotos e outros recentes assomam, ocupam a minha mente já perturbada pelos gritos do homem louco. Súbito, então, o sujeito se cala, e eu concluo que ele enfim dormiu. Pois é, até o alienado conseguiu dormir, enquanto eu permaneço refém da insônia.

Por mais que feche os olhos, alternando posições na rede, lutando mentalmente contra mim mesmo, de nada adianta o meu esforço para cair nos braços de Morfeu. De repente me angustio com a ideia de morrer aqui sozinho, vítima de um infarto. Não sei quanto tempo depois me encontrariam hirto e despido, o sexo flácido quase oculto em meio à mata de pentelhos um tanto grisalhos.

Num determinado momento, contudo, sinto um leve relaxamento. Então me empolgo com a possibilidade de conseguir pegar no sono. Tolice. Pois o louco volta a gritar dentro da madrugada e meus olhos seguem secos.

Que horas serão? O celular está ao pé da rede, sobre meus chinelos, mas não tenho coragem de consultá-lo. O tempo decorrido desde o momento em que deitei é longo. Tenho certeza de que já estamos a horas mortas. Não posso consultar o celular. A confirmação da alta madrugada só me imporia ou ampliaria a minha obrigação de conseguir dormir, coisa esta que me parece impossível a cada minuto que passa. O louco sustenta uma nova e pungente sessão de gritos. As irmãs igualmente loucas ralham com ele e o doido reage com termos de baixo calão. Custo a crer, apesar dos pesares, que os bem vizinhos dessa residência de malucos tenham se habituado a isso e consigam dormir placidamente. Porque esta não é a primeira vez que ouço tal gritaria.

Enquanto isso me remexo, os olhos secos, atordoado, a roda-viva dos meus pensamentos fragmentados está cada vez mais veloz na minha cabeça. Toda espécie de bobagens me ocorre nestas horas mortas, noite insone.

Um vigilante noturno passa buzinando sobre uma motocicleta. Haverá quem talvez duvide, mas recentemente eu soube que um desses homens da segurança de bairro, que circulam desarmados exceto por uma buzina, teve a sua moto e a sua carteira tomadas de assalto aqui no Conjunto Walfredo Gurgel. Cruel ironia contra um trabalhador que se propõe a defender o patrimônio coletivo, no entanto não possui condições de defender a si próprio em meio à solidão destas ruas esburacadas.

Daqui a mais uns dias, a continuar assim, roubarão até mesmo carros da própria polícia.

Levanto, acendo a luz, vou à geladeira beber um pouco de água. Imagino se não seria o caso de tomar mais uma quetiapina de 200mg. Não é propriamente o efeito mais indicado, todavia a quetiapina contribui um pouco para o sono. Não. Abandono essa ideia. Quem sabe um relaxante muscular. Olho os remédios dispostos sobre o balcão e não vejo nenhum relaxante muscular.

O calor, arrefecido pelo banho frio e o copo d’água, já não incomoda. Volto para a rede melancolicamente nu, e outra vez me vem o receio de morrer vítima de um infarto e me encontrarem aqui desnudo, isto após chamarem por mim e precisarem arrombar a porta. É isto, a insônia nos faz pensar em mil e uma coisas, inclusive na lástima de morrer nu e sozinho neste cubículo.

O louco se calou. Enfim suspendeu os gritos. Então, menos por sono do que por cansaço, eis que também findei adormecendo. Mas ouvi que os passarinhos já cantavam nas copas das árvores. O importante, contudo, é que finalmente consegui dormir. Até que alguém, por engano, bateu na porta chamando por um tal de Roberto. Despertei atordoado. Noite de insônia. Preciso comprar meu Rivotril.

Marcos Ferreira é escritor

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domingo - 04/12/2022 - 05:20h

Stanislaw Ponte Preta

Por Odemirton Filho 

Nos últimos tempos tenho me dedicado a escrever sobre alguns bons cronistas deste país. Já falei sobre Antônio Maria e Rubem Braga. Hoje, conheceremos um pouco sobre mais um deles.

Vamos lá.

Sérgio Porto com as três filhas e um cachorro da família (Foto: acervo de família)

Sérgio Porto com as três filhas e um cachorro da família (Foto: acervo de família)

Sérgio Marcus Rangel Porto nasceu em 1923, em Copacabana, no Rio de Janeiro. Gostava de praticar esportes, jogando futebol na praia e remando pelo Clube Guanabara. Chegou a cursar até o terceiro ano de Arquitetura, mas abandonou, percebendo que não era “sua praia”.

Em 1947 começou a escrever no Jornal do Povo, de propriedade de Apparicio Torelly, o barão de Itararé. Com o tempo, tornou-se um cronista da noite, como o seu amigo, e depois desafeto, Antônio Maria.

Através do também cronista Paulo Mendes Campos, passou a escrever no Jornal Comício, onde faziam parte da equipe, Otto Lara Resende, Fernando Sabino, Clarice Lispector, Millôr Fernandes, entre outros.

Foi, ainda, crítico de cinema, Jazz e música popular, bem como redator de programas de humor, tamanha era a sua verve cômica. Casou-se com Dirce Pimentel de Araújo, em 1952, e tiveram três filhas.

Em 1953 nasceu o heterônimo Stanislaw Ponte Preta, com o qual passa a escrever suas crônicas. Nesse tempo, Samuel Wainer o contrata para publicar matérias no diário Última Hora sobre pessoas pitorescas da cidade.

Numa de suas andanças, reconheceu Cartola, trabalhando como garçom e lavador de carros. Sabendo do talento do grande sambista, coloca-o, novamente, no meio da vida artística.

Quem já leu Ponte Preta sabe como são geniais os textos sobre tia Zulmira, o primo Altamirando e Rosamundo, criados por ele. A velha contrabandista, uma de suas inúmeras crônicas, é sensacional. Sem esquecer, é claro, o Febeapá (Festival de Besteira que assola o País).

Diziam que era um leão para trabalhar, em torno de quinze horas por dia. O exagero pelo trabalho e a vida desregrada o levaram à morte, aos quarenta e cinco anos de idade.

Não tem problema, diria Stanislaw, “melhor viver pouco, mas tudinho”.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 27/11/2022 - 08:20h

Grandes e Pequenos Homens e Mulheres especiais

Porque, como eu a considero, a história universal, a história daquilo que o homem tem realizado neste mundo, é no fundo a história dos grandes homens que aqui têm laborado (Os Heróis, Thomas Carlyle)[1].

É bem verdade que isso acontece em casos isolados e únicos em várias partes da Terra e sob as mais variadas culturas, nas quais certamente se manifesta um tipo superior; tipo que, comparado ao restante da humanidade, aparece como uma espécie de super-homem (O Anticristo, Friedrich Nietzche)[2]. 

heróiPor Honório de Medeiros

Sempre houve alguma percepção, às vezes discreta, outras, não, de que o percurso da humanidade somente pode ser compreendido se for levada em consideração a noção de que homens ou mulheres especiais, heróis ou bandidos, o mais das vezes anônimos, construíram a história.

Não se defende, aqui, que haja uma lei histórica que aponte a existência desses homens ou mulheres especiais, heróis ou bandidos, conduzindo o processo histórico, às ocultas ou claramente.

O que se defende é que sempre houve essa percepção, discreta ou ostensiva, por parte significativa de pensadores, de que isso realmente aconteceu.

Sempre houve essa percepção, assim como a de que esses homens ou mulheres especiais, heróis ou bandidos, tanto poderiam ser considerados do “Bem”, quanto do “Mal”, seja o que seja um e outro a depender da avaliação dos seus contemporâneos ou pósteros.

Essa percepção, atenta às suas circunstâncias, originou relatos mitológicos, como os do Zoroastrismo, onde Ormuzd é a fonte de todo o Bem, e Ariman, a fonte de todo o Mal.

Há, portanto, uma justificativa metafísica para essa conjectura desenvolvida por muitos pensadores.

Saliente-se o embaralhamento proposital, no romance de Hermann Hess, Demian, entre o que seria o Bem, e o que seria o Mal, quem seriam os heróis, e quem seriam os bandidos, que aponta para o problema da construção das narrativas que solapam verdades ocultas até que o tempo e as circunstância as resgate da escuridão.

No texto, Demian diz para Emil Sinclair, o personagem principal e narrador, referindo-se a Caim:

– Também gostei, mas creio que essa história de Caim pode ser interpretada de maneira diferente. A maioria das coisas que nos ensinam é, sem dúvida, verdadeira, mas também pode ser considerada de um ponto de vista diferente daquele dos professores, e então passa a apresentar quase sempre um significado muito mais amplo. Por exemplo: essa história de Caim, o homem que tinha um sinal na fronte, não poderia nunca nos satisfazer tal como nos é ensinada. Não achas?… Que um homem possa matar seu irmão numa disputa é algo admissível; como também o fato de haver sentido medo em seguida e se humilhado. Mas que sua covardia seja premiada com uma distinção que o ampara e inspira medo a todos os demais… isso já é francamente estranho.

                        (…)

O que houve desde o princípio, e constituiu como ponto originário da história, foi o sinal. Havia um homem que tinha algo no rosto que atemorizava os demais. Não se atreviam a toca-lo e sentiam medo diante dele e de seus filhos. Mas, naturalmente, o sinal que aquele homem trazia na face não era material, não era, por exemplo, como o de um carimbo dos correios; as coisas não costumavam acontecer, na vida, de maneira tão rudimentar. Tratava-se, possivelmente de algo talvez sinistro, apenas perceptível, digamos um pouco mais de vivacidade e de audácia no olhar. Aquele homem era poderoso e esparzia inquietude. Tinha um “sinal”. As pessoas podiam explicar aquilo como quisessem. E sempre queremos aquilo que nos seja mais cômodo e que nos dê razão. Os filhos de Caim, marcados com o “sinal”, atemorizavam os demais, e aquele sinal passou a ser explicado não como a distinção que realmente era, mas exatamente como o contrário. Passaram a dizer que os homens assim marcados era pessoas suspeitas e ímpias, o que, na verdade, ocorria. Pois os homens corajosos, as pessoas de caráter, sempre inquietaram as demais. Tornava-se, portanto, francamente incômoda a existência de uma raça especial de homens sem medo e capazes de infundir medo aos demais, e então lhes atribuíram um apodo e uma lenda para se vingarem daquela raça e justificarem de certo modo os temores sofridos…[3]

Observemos que a crença na existência do Bem e do Mal atuando concomitantemente, e, em decorrência, de anjos e demônios, heróis e bandidos, constituindo parte do caldo fundamental do qual surge a história poderia, assim, ser considerada arquetípica, fazendo parte do inconsciente coletivo da humanidade, nos moldes propostos na obra de Carl Gustav Jung, um dos maiores psicanalistas de todos os tempos, fundador da Psicologia Analítica.

É de se mencionar o interesse de Carl Jung, tão condenado por Freud, pelo esoterismo, espiritualidade e artes ocultas, que temia pelo comprometimento da credibilidade da Psicanálise.

Carl Jung foi muito importante para a comunidade psicanalítica, chegando a presidir a Associação Internacional de Psicanálise. Fez significativas contribuições para esse ramo do conhecimento, como a elaboração do conceito de “Complexo de Édipo”, chamado por ele de “Complexo de Electra”; da noção de “inconsciente coletivo”; da hipótese dos “arquétipos”; além de outras. Uma teoria famosa de Carl Jung é a dos “tipos psicológicos”, por meio da qual ele propôs os conceitos de introversão e extroversão.

Pois bem, o texto do capítulo anterior é uma alegoria, utilizada para propor a hipótese de que, ao longo do tempo, não faltou quem defendesse ser a história da humanidade constituída pelas ideias e ações daqueles que, de uma forma ou outra, enquanto “heróis” ou “bandidos”, louvados ou condenados, ao resolverem seguir em frente, impulsionaram a história.

No que diz respeito aos “heróis”, respeitados Homero, Heródoto, Tucídides, Hesíodo, Ésquilo, e tantos outros antecessores, Thomas Carlyle foi um dos principais pensadores a defender diretamente o papel fundamental por eles exercidos.

Seu livro Os Heróis, o mais notório de quantos escreveu, publicado em 1841, reuniu seis conferências por ele realizadas desde 1837, e é imediatamente posterior à História da Revolução Francesa, e, nele Carlyle discorreu acerca dos heróis, do culto dos heróis, do heroísmo na história, e expôs sua teoria fundamental, qual seja a de que o conhecimento da história do mundo resulta do estudo da vida de homens como Maomé, Dante, Shakespeare, Lutero, Knox, Samuel Johnson, Jean Jacques Rousseau, Cromwell e Napoleão.

Deve-se ressaltar, entretanto, que uma exegese atualizada do seu texto exige uma abrangência maior quanto a quem impulsiona, com suas ideias e ações ou omissões, a história universal, para englobar tanto aqueles que possam merecer os elogios dos seus contemporâneos e da posteridade, quanto aqueles que mereceriam o opróbrio da humanidade:

Porque, como eu a considero, a história universal, a história daquilo que o homem tem realizado neste mundo, é no fundo a história dos grandes homens que aqui têm laborado. Eles foram os condutores de homens, estes grandes homens, os modeladores, padrões e, em sentido amplo, criadores de tudo o que a massa geral dos homens imaginou fazer ou atingir; todas as coisas que nós vemos efetuadas no mundo são propriamente o resultado material externo, a realização prática e a incorporação dos pensamentos que habitam nos grandes homens mandados ao mundo: a alma de toda a história universal, pode justamente considerar-se, seria a história destes[4].

É de Carlyle a avançada teoria, para a época, de que os patrões, que ele apontava como um dos tipos de heróis, viriam a pensar, algum dia, que é (seria) “possível e necessário conceder a seus empregados um interesse permanente nas suas empresas”[5].

Não é possível deixar de comparar o trecho anterior, com outro, do romance Demian, de Hermann Hesse:

Para isso levamos o sinal, como Caim o trazia para infundir medo e ódio e arrancar a humanidade de então de um mundo idílico e limitado, conduzindo-a a horizontes mais amplos e perigosos. Todos os homens que influíram na marcha da humanidade, todos eles, sem exceção ou diferença, puderam fazê-lo porque estavam sempre prontos para o destino. Tanto Moisés quanto Buda, Napoleão ou Bismarck. Ninguém pode escolher a onda a que obedecerá nem o polo pelo qual será atraído. Se Bismarck tivesse compreendido os social-democratas e acolhesse suas inspirações, teria sido um político prudente, mas não um homem do destino. O mesmo se passou com Napoleão, com César, com Inácio de Loyola, com todos eles. Essas coisas devem ser consideradas sempre do ponto de vista biológico e evolutivo[6].

Mais que à noção de “heróis”, no sentido proposto por Thomas Carlyle, é melhor estar atento, portanto, aos que ele nomina de “condutores”, “modeladores”, “padrões”, “criadores” de tudo quanto “a massa geral dos homens (ou mulheres) imaginou fazer ou atingir”.

Seriam os “grandes homens” de Carlyle os mesmos “homens do destino” aos quais aludiu Hermann Hesse, pela boca de seu personagem Demian, todos eles, enfim, heróis” ou bandidos”, “santos ou hereges”, “estadistas” ou “terroristas”, a depender, um ou outro qualificativo, de como os seus contemporâneos e pósteros os julgaram e julgam, formando a unidade primordial entre os opostos mencionada pelo Zoroastrismo e Heráclito de Éfeso e constituindo a história da humanidade.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Governo do RN

[1] CARLYLE, Thomas. Os Heróis. São Paulo: Melhoramentos. 1956.

[2] NIETZSCHE, F. O anticristo. São Paulo: Martin Claret. 2015.

[3] Demian, O.a.c.

[4] Os Heróis, O.a.c.

[5] Idem.

[6] Demian, O.a.c.

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domingo - 27/11/2022 - 06:46h

Uma comovente lição de vida

Por Cyrus Benavides

Muitas coisas da vida, aprendi vivendo. Observando gestos disfarçados de lições.

Conheci um comediante chamado “Silva”, que ganhava a vida fazendo shows imitando Chico Anysio.

"Silva", um personagem humano, bastante humano, para o cronista (Foto: arquivo do autor)

“Silva”, um personagem humano, bastante humano, para o cronista (Foto: arquivo do autor)

Ele dizia em tom de soberba e glória que ganhava a vida com sua feiura.

Percorria o país todo, carregando na mala somente sua solidão.

Ficava em hospedarias simples ou quartinhos cedidos por pessoas de bem. Tinha problemas com sua diabete e alcoolismo.

Ficamos amigos.

Nos 15 dias que permaneceu em Natal, observei que ele estava sempre com a mesma camisa.

Sempre limpo, mas com a mesma camisa.

Fui ao shopping e achando que o faria feliz, comprei uma camisa e embalei para presente.

No caminho para rodoviária. Como um nômade, ele partiria para outra cidade.

Entreguei o presente.

Muito agradecido, agindo de supetão, trocou a camisa imediatamente ainda dentro do carro.

Pensei comigo : Nossa! Como ele adorou o presente.

Ao pararmos no semáforo, sem dizer uma palavra, ele baixou o vidro do meu carro, chamou um flanelinha e deu de presente a camisa velha.

Olhou para mim e disse: – Não preciso de duas.

Isso me fez enxergar o quanto sou tolo.

Que os olhos enxergam imagens diferentes, quando os corações são diferentes.

Que a beleza do meu presente, não estava em proporcionar ter mais uma camisa…

A beleza do presente estava na oportunidade que lhe proporcionei em poder dividir, o que já não lhe servia mais.

Cheguei em casa e ao olhar para o meu closet … Vi o quanto sou pobre e pequeno no espírito.

Crônica escrita por Cyrus Benavides em 2012.

Cyrus Benavides é professor, advogado e escritor

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quinta-feira - 24/11/2022 - 13:22h

Velas acesas

Foto ilustrativa

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“Somos velas acesas por aqui.” Era essa a definição de Dona Maura, minha santa mãezinha, sobre a existência humana na terra.

Estamos de passagem, somos fugazes.

A vida está sempre por um triz.

Por um sopro.

Hoje (quinta-feira, 24), a mulher de um amigo muito querido resolveu fazer grupo no Whatsapp, com lista de contatos dele.

Foi a forma encontrada para nos manter informados, unidos, na torcida e oração. Seu marido está em hospital, lutando pela vida.

“Quero muito que ele saia, para poder ver o primeiro neto que nasceu anteontem”, manifestou.

E nós queremos tê-lo de volta.

Não é hora dessa vela expirar.

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domingo - 20/11/2022 - 09:02h

Obediência constitucional

Por Marcelo Alves

Como é uma temática da moda, hoje eu vou novamente tratar, misturando o que aqui foi dito nas semanas passadas, do nosso Supremo Tribunal Federal (STF) e do respeito às suas decisões na jurisdição constitucional.

STF fez acordo para extinção do auxílio-moradia em troca de garantia de reajuste (Foto: arquivo)

Foto ilustrativa: arquivo

A coexistência em nosso sistema jurídico dos dois modelos de controle de constitucionalidade, concentrado e difuso, dá ensejo a algumas situações no mínimo interessantes. Inspirados no exemplo norte-americano, nós adotamos o modelo difuso de controle. Mas o fizemos de forma capenga, sem adotarmos como regra a doutrina do stare decisis. Isso é causa determinante da falta de uniformidade decisória no controle de constitucionalidade entre nós. Enquanto que, nos EUA, as decisões no controle difuso são razoavelmente uniformizadas pela aplicação da doutrina do stare decisis, no Brasil, pela ausência dessa doutrina, essa uniformidade não existe.

E o pior ainda está por vir. Uma mesma norma é objeto de ação direta junto ao Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula encarregado do controle concentrado e em abstrato, e, ao mesmo tempo, é também objeto de controle difuso, incidentalmente em casos concretos, em um ou vários órgãos judicantes do país.

Se a multiplicidade de processos no controle difuso gera decisões contraditórias – o que, dada a igualdade perante a lei, já não é desejável – o problema ganha feição bem mais grave quando essa contradição se dá em relação às decisões, em sede de controle concentrado (ou não), do STF, órgão responsável pela guarda da Constituição.

É verdade que possuímos os mecanismos jurídicos para harmonização dos dois modelos de controle ou para, pelo menos, minorar, a um grau aceitável, o problema da falta de uniformidade. Dentre eles estão a eficácia erga omnes e o efeito vinculante das decisões do STF (especialmente no controle concentrado e em tese, realizado via ação direta), que devem ser fomentados sob pena de se ver a jurisdição constitucional – e o nosso Estado Democrático de Direito como um todo –, sobretudo aos olhos do jurisdicionado, gravemente comprometido.

De fato, distanciando do modelo americano/difuso puro, em que a justiça constitucional é confiada a um conjunto difuso de órgãos jurisdicionais, se adotamos também o modelo europeu/concentrado, com a justiça constitucional atribuída diretamente a uma Corte Suprema/Constitucional vocacionada para tanto, com competência para exercer o controle abstrato (e em concreto, em muitos casos) da constitucionalidade das leis, isso teve sua razão de ser.

O objetivo primordial, com a concentração da atribuição em um Tribunal Supremo/Constitucional, foi afastar o risco de se ver determinada lei tida por constitucional por alguns juízes e tribunais e por outros, não; algo que, em inexistindo a concentração, seria a regra. E isso, para o pai da matéria, Hans Kelsen (1881-1973), como lembra Oscar Vilhena Vieira (em “Supremo Tribunal Federal: jurisprudência política”, RT, 1994), implicaria, no fundo, descumprir a própria Constituição.

Ademais, se, segundo o princípio da supremacia da Constituição, o restante do corpo normativo (leis, decretos etc.) de um país deve respeitar, formal e materialmente, o que é prescrito ou consagrado em sua Carta Magna, isso deve valer para todos. Repito: todos. Trata-se de uma consequência lógica, e ferir essa isonomia seria ferir o que está disposto na própria Constituição.

Se o poder de dizer se as leis estão ou não em conformidade com a Constituição está concentrado num órgão jurisdicional de cúpula, nada mais natural – e necessário – que suas decisões sejam de seguimento obrigatório para os demais órgãos do Judiciário e do Estado como um todo.

Sem desmerecer o papel constitucional dos demais órgãos do Judiciário, do Poder Legislativo, do Poder Executivo, do Ministério Público, das Forças Armadas e também sem menosprezar os delírios das vivandeiras de plantão (que carecem de tratamento profissional urgente), sobreleva o peso do STF in casu. Devemos – todos, não custa repetir – obediência constitucional às decisões do STF. Ele é o guardião da nossa Constituição. Ele dá a última palavra sobre a Constituição. Assim o diz o famoso art. 102, caput: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição (…)”. Assim diz, reza a lenda, o Ministro Moreira Alves: “As decisões do STF não são definitivas porque são certas, mas são certas porque são definitivas”. É assim no nosso Estado Democrático de Direito.

O problema é que alguns, vivandeiras ou não, insistem em sabotar isso.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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sexta-feira - 18/11/2022 - 23:18h
Alheio

Essa Copa do Mundo

Bola-murchaDesde criança, sempre atento à Copa do Mundo em rádio, TV, impressos e depois o webjornalismo, hoje me sinto alheio e desestimulado à nova disputa.

Não sei escalar Seleção nem quais são as disputantes.

E não vejo em minha volta ninguém empolgado.

Pode ser bom para mim continuar distante do Catar.

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domingo - 13/11/2022 - 10:02h

O bom Maria

Por Odemirton Filho 

Escrever crônicas é um exercício diário. É como andar de bicicleta, se parar, cai, disse-me Inácio Augusto de Almeida, certa vez.  Observar o cotidiano das pessoas; os pormenores da vida, aquilo que poucos conseguem enxergar, é o que fazem os cronistas. Eles mergulham nos sentimentos, trazendo à tona as lembranças; as saudades.

Antônio Maria, Ary Barroso, Vinícius de Moraes, Isaac Zuchman, Paulo Mendes Campos em noite carioca, claro (Foto da Revista Manchete)

Antônio Maria, Ary Barroso, Vinícius de Moraes, Isaac Zuchman, Paulo Mendes Campos em noite carioca, claro (Foto da Revista Manchete)

Leio muitas crônicas, apreciando os grandes cronistas deste país. Rubem Braga, Rachel de Queiroz, Stanislaw Ponte Preta, Clarice Lispector, entre outros, inspiram-me.

Leio, ainda, Antônio Maria, “o bom Maria”, como chamava Vinicius de Moraes. No livro Vento Vadio, uma antologia com suas crônicas, Maria nos mostra toda a sua genialidade e, ao mesmo tempo, simplicidade, pois escreve fácil, fazendo-se entender.

Antônio Maria Araújo de Moraes nasceu em 1921, em Pernambuco. Era de família de posses. Seu avô, Rodolpho Albuquerque de Araújo, era dono de usina de cana-de-açúcar. Em suas crônicas, Maria resgatava a sua infância nos engenhos da família, juntamente com seus quatro irmãos e mais de quinze primos.

Narrava as suas aventuras, nas quais entrava mata a dentro, espiando as mulheres tomando banho nos rios. Falava do medo de assombrações; da solidão que marcou a sua vida.

Com a decadência dos negócios da família, aos treze anos iniciou a sua carreira profissional como locutor de rádio, em Recife. Em 1948 foi morar no Rio de Janeiro, onde escreveu crônicas na Revista Manchete, O Cruzeiro, O Jornal, O Globo, Última Hora e Diário Carioca. 

Boêmio, gostava da noite. Muitas de suas crônicas foram inspiradas nas madrugadas insones. De acordo com Guilherme Tauil, “Antônio Maria foi, de longe, o maior cronista da noite. Afinal, todos os infortúnios se acumulam e se liquidam nos balcões de bar e nas pistas das boates. A noite pede o ombro amigo, o conselho. A noite pede a união das pessoas em torno da mesa, a cantoria. A noite abriga os solitários e proporciona remédio”.

Para entregar as crônicas no prazo exigido pelos jornais, levava a máquina de datilografia pra lá e pra cá.

Numa de suas aventuras, Maria teve um intenso e breve relacionamento amoroso com Danuza Leão, que largou o poderoso Samuel Wainer, do Última Hora, para ficar com ele, que também se separou de sua mulher.

Ele foi, também, compositor dos bons. Em parcerias, compôs Manhã de Carnaval, Ninguém me ama, Suas mãos, O amor e a rosa, Menino grande e outras belas canções. Além disso, apresentava televisão, escrevia roteiros de humor, conduzia programas na rádio, dirigia espetáculos de casas noturnas.

Ao escrever crônicas, derretia-se em sentimentos: “voltaram as chuvas e, com elas, o jardim ficou, de repente, antigo. Antigo e bom para mim, porque todas as coisas antigas foram boas para mim. Ou, se não foram, o tempo as passou a limpo”.

Na madrugada de 15 de outubro de 1964, o cronista-boêmio teve um infarto fulminante, numa calçada em Copacabana, aos 43 anos. Estava na farra, curtindo a noite, pra variar.

Mas, para o nosso deleite, a sua obra permanece.

O “Menino grande” é eterno.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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quarta-feira - 02/11/2022 - 00:30h
Dona Maura

Imortal

Por Carlos Santos

Ela detestava fotos. Herdei. Dos escassos registros à nossa guarda, temos esse a ser fixado em seu túmulo.

Reprodução (Foto familiar)

Reprodução (Foto de família)

Se a lembrança estivesse em placa, na esquina de uma rua qualquer, talvez não fosse perpetuada em nós como está até hoje. Viva.

A imortalidade que acredito é plantada em vida. Se alguém continua em mim, mesmo após tanto tempo de partir, é-me claro que se fez imortal.

Não existe um único dia nesse tempo todo do adeus, que nao tive forças para dar, que eu a esqueça.

Se há vida após a morte física, não sei. Mas, Deus sabe como preciso acreditar que vou ter de novo Dona Maura comigo. Ser de novo “Carlinhos,” aquele menino mirrado e tímido que se fez forte, porque ela não deixou ser fraco.

Cuida de mim. Até lá.

Beijos.

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  • Art&C - PMM - Sal & Luz - Julho de 2025
domingo - 30/10/2022 - 14:44h

O bom conselho

Por Marcelo Alves

Logo depois que saí da UFRN, ainda na primeira metade dos anos 1990, fui trabalhar fora de Natal. No interior do Rio Grande do Norte e, seguidamente, em outras províncias do nosso país. E fui estudar ainda mais longe, para além das nossas fronteiras, no outro lado do Atlântico. Viajei muito, acredito. Acho que até demais, disse certa vez, menos arrependido de que cansado.

E se tive essa oportunidade de estudar fora, de morar no exterior, isso se deu pelo incentivo, pelo apoio mesmo, de algumas instituições. Tirando o Ministério Público Federal, minha casa há 25 anos, que até hoje nada me negou, talvez o maior apoio que eu tenha recebido – certamente um dos primeiros – me tenha sido dado pelo Conselho Britânico (o British Council, no original).

Ilustração de Olivia Holden

Ilustração de Olivia Holden

Segundo consta, o British Council foi fundado, em 1934, como British Committee for Relations with Other Countries. Seu objetivo, trabalhando em conjunto com diferentes organizações internacionais e locais (governos, instituições de ensino e por aí vai), por meio de variados programas, é oportunizar, a milhões de pessoas no mundo, saberes sobre “a cultura e a criatividade britânicas”. Guardadas as especificidades (e elas são muitas), o British Council pode ser inserido num grupo de organismos de países europeus que visam divulgar suas respectivas culturas (línguas, em especial) mundo afora.

Refiro-me ao Instituto Goethe alemão, ao Instituto Cervantes espanhol, ao Instituto Camões português, à Sociedade Dante Alighieri italiana e, claro, à querida Aliança Francesa. Eles são como uma “mão longa” do país. Tem um quê de colonialismo nisso, admito. Mas o British Council busca mesmo promover o acesso à educação de qualidade. Tem foco na internacionalização do ensino superior. E isso é tudo de bom. Eu asseguro!

Eu mesmo fui premiado pelo British Council com duas bolsas de estudo na Inglaterra. A primeira delas, recebi para participar de um seminário e de um período de pesquisa em tradicional universidade desse país. O ano era 1999, e estive por cerca de duas semanas em Durham, cuja Universidade do mesmo nome, de reconhecida fama, é a terceira mais antiga da Inglaterra, só ficando atrás de Oxford e Cambridge.

Posteriormente, no ano de 2002, uma outra oportunidade de estudos em universidades da Inglaterra me foi dada. Dessa feita, primeiro na Universidade de Oxford, junto ao Corpus Christi College; em seguida, junto à Universidade de Northumbria, na cidade de Newcastle upon Tyne. Essa segunda visita de estudos, mais longa e proveitosa, durou, ao todo, cerca de dois meses. Foi super!

Lembremos, repetindo as palavras do próprio British Council, que “estudar no exterior é o sonho de muita gente e, para alcançar essa realização acadêmica, é necessário muito planejamento. A questão financeira é uma das primeiras a ser pensada – afinal de contas, os custos de moradia em um país com moeda valorizada e as taxas cobradas pelas instituições podem acabar pesando no bolso”. E aqui eu agradeço, penhoradamente, a ajuda financeira do bom Conselho.

Ademais, foi a partir dessas duas bolsas de estudo, dessas duas oportunidades, que conheci uma das minhas paixões (no direito, que fique claro). Que entronizei a lição de René David, em “Os grandes sistemas do direito contemporâneo” (Martins Fontes, 1993), sobre o direito comparado. Essa disciplina/método “é útil nas investigações históricas ou filosóficas referentes ao direito; é útil para conhecer melhor e aperfeiçoar o nosso direito nacional; é, finalmente, útil para compreender os povos estrangeiros e estabelecer um melhor regime para as relações da vida internacional”.

É claro que, com o tempo, o contato com a literatura inglesa especializada – falo da literatura jurídica –, tanto com os clássicos como com autores mais recentes, progressivamente se estreitou. Veio o PhD (doutorado) em Direito, que iniciei no ano de 2008, recebendo o título respectivo em 2013, no King’s College London – KCL. E aqui já devo agradecer a bolsa de estudos que me foi dada pela própria Universidade. Sou um homem sempre grato.

Na verdade, o British Council, sem saber ou mesmo imaginar, acabou me dando, com o tempo, muito mais do que apoio financeiro. Deu-me mil oportunidades. De incrementar os meus conhecimentos jurídicos. De aperfeiçoar o meu domínio da língua inglesa. Estadas maravilhosas nas “provincianas” Oxford e Cambridge e na cosmopolita Londres (“Quem está cansado de Londres, está cansado da vida”, já dizia o Dr. Johnson). E muitas amizades.

Gente como William Shakespeare, Charles Dickens, Arthur Conan Doyle, Agatha Christie e por aí vai. Suas muitas personagens incluídas nesse círculo, claro. Aliás, são por essas amizades/relações, que pretendo manter pelo resto da minha vida, que eu sou mais grato ao bom Conselho. Maravilha!

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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domingo - 30/10/2022 - 07:22h

De volta à infância e à adolescência; saudades de um amigo

Por Odemirton Filho 

Fim de tarde. Eu voltava às pressas da escola. Ficava agoniado para chegar logo em casa e assistir aos desenhos animados. No caminho, via as andorinhas sobrevoando a velha Igreja de São Vicente, onde as balas do bando do cangaceiro Lampião e da trincheira em defesa da cidade de Mossoró troaram.

Esperava o jantar; comia apressadamente. Depois, ia brincar com os amigos da vizinhança. As brincadeiras eram, normalmente, passear com a minha bicicleta BMX azul e jogar futebol com a bola dente de leite.

Márcio Iuri Albuquerque Dias (Foto: redes sociais)

Márcio Iuri Albuquerque Dias (Foto: redes sociais)

Às vezes, as brincadeiras eram na casa de um amigo, com carrinhos e bonecos. Colecionávamos maços de cigarros. Uma noite, vimos luzes de cores variadas no céu. Brilhavam intensamente. Um disco voador ou o fim do mundo? Era menino correndo pra todos os lados.

Esperava, ansioso, a vinda de um parque de diversão. A roda-gigante, pra variar, estava com as cadeiras enferrujadas. Em dezembro, participava dos festejos de Santa Luzia; e ganhava uma roupa, novinha, novinha.

De vez em quando, ia com os meus pais almoçar na churrascaria O Laçador para comer uma maionese de lamber os beiços. Aos domingos, assistia aos vesperais no Cine Pax e tomava sorvete no Juarez. Ao lado de meu pai, ia saborear salada de frutas com sorvete no Café Mossoró.

Quando somos crianças queremos que o tempo passe depressa. A maturidade, porém, apresenta-nos a fatura da vida; entre elas, a dor da perda e da saudade.

Pois é. No último dia 22 perdi um querido amigo: Márcio Iuri Albuquerque Dias, filho do “Nego” Rubens e Genoveva (Vevinha).

No patamar da Igreja de São Vicente passeávamos com as nossas bicicletas; jogávamos bola. Íamos brincar no casarão do doutor Leodécio Néo.

Depois, na adolescência, passávamos a tarde do sábado lavando e polindo o Chevette vermelho do seu pai, para que pudéssemos sair à noite. Juntamente com amigos, comprávamos um litro de Rum Montilla e Coca-Cola. Eram porres “de virar a perna”. Coisas da juventude.

Vez ou outra íamos às vaquejadas das cidades vizinhas, voltávamos de madrugada, escondidos de nossos pais. Curtíamos as festas no Imperial, no Realce, no clube do Banco do Nordeste. Na praia de Tibau, “Tibauzim de açúcar”, eram as festas no Creda e no Álibi. Dirigíamos os nossos buggys de Areias Alvas até o “arrombado”. íamos a Canoa Quebrada; brincamos os carnavais de Aracati.

Já adultos, mantivemos a nossa amizade, apesar de cada um seguir a sua vida. “Quase quarenta anos de amizade”, dizia. Ele era pura alegria; não existia tempo ruim. Sempre tinha uma brincadeira pra dizer, gostava de “tirar onda”, mas sabia escolher a palavra certa, no momento certo. Ao seu lado, conversando sobre a vida, eu sorri, eu chorei.

Dias antes de partir, foi ao Rio de Janeiro assistir ao jogo do Mengão, no Maracanã. Realizou um sonho. “Mengão do meu coração, vai começar a festa”, cantava. Estava feliz. A vida é um instante. Por isso, devemos vivê-la. Ele viveu do jeito que gostava, pois o que conta é a vida em nossos anos.

Márcio Iuri se foi. Levou um pedaço da minha infância e adolescência, deixando uma saudade danada no peito de seus familiares e inúmeros amigos.

Quando eu estiver tomando umas, lá pra tantas lembrarei de nossa amizade, levantarei o copo em direção ao céu e direi, com os olhos cheios d`água, uma de suas “tiradas”:

“Eu nem ia beber hoje”.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça.

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domingo - 23/10/2022 - 12:14h

Xeretando e pedindo mais

Por Marcelo Alves

Por esses dias, andei xeretando o site do Supremo Tribunal Federal. Nada daquilo que alguém afeito a teorias da conspiração porventura esteja pensando. Era uma pesquisa simples, para saber a quantas anda a edição de enunciados da Súmula Vinculante do STF.

Como muitos sabem, sou um fã do instituto da Súmula. A “original”, dita não vinculante, que remonta à década de 1960, quando o STF, sufocado pelo acúmulo de processos pendentes de julgamento, a imensa maioria versando sobre questões idênticas, após alteração em seu regimento (em agosto de 1963) e enorme trabalho da Comissão de Jurisprudência composta pelos Ministros Gonçalvez de Oliveira, Pedro Chaves e Victor Nunes Leal (este último seu relator e grande mentor), em dezembro de 1963, decidiu publicar oficialmente, pela primeira vez, a Súmula da sua jurisprudência, para vigorar a partir de março de 1964.

Leal foi mentor da Súmula Vinculante (Foto: Web)

Leal foi mentor da Súmula Vinculante (Foto: Web)

Então (e depois assim continuou, é bom registrar), a edição da Súmula – e dos seus vários enunciados individualmente –, foi resultado de um processo específico que passou pela escolha dos temas, discussão técnico-jurídica, aprovação e, ao final, publicação para conhecimento de todos e vigência. A Súmula era e é uma bússola na selva do direito brasileiro. Uma enorme sacada, de fato!

E sou também fã da chamada Súmula Vinculante (do STF). Como disposto no art. 103-A da Constituição Federal, o STF “poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei”.

Esses enunciados/súmula terão por “objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica”. Quer melhor? Eu acho o máximo! Inclusive, foi tema da minha dissertação de mestrado na PUC/SP e do meu primeiro livro, “Do precedente judicial à súmula vinculante” (Juruá, 2006).

Mas o fato é que me decepcionei com o que vi. E não foi a primeira vez. O STF tem sido parcimonioso na edição dos tais enunciados vinculantes. Muito parcimonioso. Talvez eles estejam querendo focar apenas nos chamados “temas de repercussão geral”, produzindo, na prática, quase os mesmos efeitos (vinculantes) da Súmula. Ou porque a confusão lá, no STF, esteja tão grande, com tanta coisa para lidar, que eles estejam sem tempo para “alimentar” a minha querida Súmula.

Constatei que até hoje só foram editados 58 enunciados vinculantes. Nos últimos 5 anos apenas 3. É quase nada. E há temas tão importantes, tão caros, tão atuais, para a sociedade como um todo (e, para mim, especialmente, confesso), que mereceriam ser sumulados. Como é o caso do Enunciando Vinculante 57 (de abril de 2020), que versa sobre a tributação de livros eletrônicos (e-books) dispondo: “A imunidade tributária constante do art. 150, VI, d, da CF/88 aplica-se à importação e comercialização, no mercado interno, do livro eletrônico (e-book) e dos suportes exclusivamente utilizados para fixá-los, como leitores de livros eletrônicos (e-readers), ainda que possuam funcionalidades acessórias”.

Quer algo mais atual? Aliás, no precedente (RE 330817) que levou à elaboração do citado enunciado, afirmou o Ministro Dias Toffoli: “as mudanças históricas e os fatores políticos e sociais presentes na atualidade, seja em razão do avanço tecnológico, seja em decorrência da preocupação ambiental, justificam a equiparação do ‘papel’, numa visão panorâmica da realidade e da norma, aos suportes utilizados para a publicação dos livros. (…). Embora esses aparelhos não se confundam com os livros digitais propriamente ditos (e-books), eles funcionam como o papel dos livros tradicionais impressos e o propósito é justamente mimetizá-lo”.

Por fim, aqui rogando por enunciados com esse tipo de conteúdo, ainda milito em causa própria. Ter livros, físicos ou eletrônicos, mais baratos é tudo. E isso inclui os seus suportes, seja o bom e velho papel ou uma tela medida em megapixels. Uma enorme sacada! O máximo!

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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domingo - 23/10/2022 - 10:52h

Quando fui estudante e professor

Por Odemirton Filho 

O primeiro dia de aula na Faculdade de Direito na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) foi marcado por uma grande expectativa. Lembro-me como se fosse hoje. E faz mais de vinte anos.

A primeira aula foi com uma juíza. Apresentou-nos, em linha gerais, o curso. Falou sobre os desafios e encantos da área jurídica. Quando se ingressa no curso de Direito a maioria dos alunos pretende ser juiz. Outros, sonham em ser promotores de Justiça. Existem aqueles que querem advogar. No Direito, sem dúvida, há diversas oportunidades profissionais.

Foto ilustrativa Getty Image

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Como primeira atividade a ser apresentada na aula seguinte, a professora nos mandou pesquisar sobre o livro O Caso dos Exploradores de Caverna.  

Fiquei tenso no dia da apresentação; suava frio; as mãos geladas. Aos poucos fui me adaptando ao ambiente acadêmico. No início são ofertadas as chamadas disciplinas propedêuticas, ou seja, disciplinas iniciais. Sociologia, Filosofia, Introdução ao Estudo do Direito, entre outras.

Lembro-me de Direito Romano, lecionado pelo padre Sátiro Cavalcanti Dantas. Nas aulas, ele desfiava toda a sua erudição e conhecimento. Um português escorreito. Vez ou outra enveredava pelo latim. O Direito Romano, para quem não sabe, é base para todo o arcabouço jurídico ocidental. Até hoje muitos dos institutos jurídicos, criação dos romanos, são aplicados.

Depois vieram as aulas de Direito Civil, Constitucional, Penal, Processo Penal, Direito do Trabalho e tantas outras da grade curricular.

A maioria dos alunos se apaixona pelo Direito Penal. Havia discussões acaloradas em sala de aula sobre um ou outro tema criminal. Quem não gosta de ver os debates entre a acusação e a defesa no palco do Tribunal do Júri? A oratória de promotores e advogados fascina os alunos.

Eu, particularmente, não me “apaixonei” pelo Direito Penal. Sempre preferi o Direito Civil e o Direito Processual Civil. Por gostar de política, uma das minhas disciplinas preferidas sempre foi, e ainda é, o Direito Eleitoral.

Tive excelentes professores. Contudo, para não cometer o pecado do esquecimento, rendo homenagem a todos, lembrando-me da querida e saudosa professora Heldery Negreiros e as aulas de Direito Administrativo; suas inseparáveis fichas de aula.

Mas não só de estudos vivia a turma, é claro. Havia as brincadeiras, as conversas, as brigas; a fila para “tirar” xerox. Sempre gostei de sentar no “fundão”, ali, eu tinha uma visão privilegiada da sala de aula. Alguns alunos gostavam de ir ao bar do Robert´s para jogar conversa fora e tomar umas.

Ficávamos no intervalo, ou quando existia aula vaga, sentados nos bancos do lado de fora das salas, sob as árvores, conversando. Cada um tinha um sonho. Uma vida. Uma história para contar. Sonhar é um incentivo para se buscar e concretizar os nossos objetivos na vida.

Fiz bons amigos, com os quais compartilhava projetos. Muitas vezes, ia e voltava de carona para a UERN. Cursar a faculdade, já casado, foi uma luta medonha. Após um dia de trabalho, chegava da faculdade e ia estudar até a madrugada. Para aguentar o tranco, tomava café e Coca-Cola.

Noutros tempos, alguns alunos ficavam na subida da ponte do Alto de São Manoel ou na Cobal, esperando carona. Sim, milhares de alunos enfrentaram, e enfrentam, dificuldades para estudar, inclusive maiores, não era um “privilégio” meu.

Passaram-se cinco anos. Veio a festa de formatura. A alegria e a emoção. Tudo valeu a pena. Cada um seguiu o seu rumo. Há juízes, delegados, servidores da Justiça, defensores públicos, advogados egressos de minha turma. Alguns colegas, porém, por já exercerem outras atividades, queriam apenas concluir a graduação.

Pois bem. Já formado, lecionar nunca esteve em meus planos. Contudo, a vida nos leva por caminhos nem sempre planejados.  Assim, em 2004, ingressei na Universidade Potiguar (UnP) como professor. A UnP ainda estava se consolidando em Mossoró, funcionando no prédio do Colégio Diocesano Santa Luzia. A primeira disciplina que lecionei foi Sociologia Jurídica.

Foram anos à frente de disciplinas com as quais tenho afinidade, como o Direito Processual Civil. Citação, intimação, penhora de bens, reintegração de posse, pensão de alimentos, entre outros processos da área cível, fazem parte do meu dia a dia na Justiça. Sem esquecer, é claro, das diligências criminais. Além disso, lecionei Direito Eleitoral, por ter sido advogado nessa área.

Como sabemos, aluno é aluno. As conversas, “as colas” e os grupinhos fazem parte de toda e qualquer sala de aula, sem falar nas recorrentes frases: “Professor, a atividade vale ponto”? Professor, o trabalho pode ser em dupla? “Professor, deu um branco agora na hora da prova”.

Todavia, a sala de aula também tem os seus momentos de descontração. Eu contava uma piada para “prender” a atenção da turma, e costumava falar sobre a minha atividade enquanto oficial de Justiça, de alguma diligência mais complicada e, por vezes, engraçada.

Com o tempo vamos conhecendo a melhor forma de lecionar, de se relacionar com a turma. Entretanto, mesmo com vários anos lecionando, no primeiro de aula, eu ainda sentia um frio na barriga.

Com a experiência o professor vai conhecendo os alunos. O conversador; o “rolando lero”; o sabe tudo; o tímido. Existiam aqueles que ficavam consultando os livros para fazer uma ou outra pergunta para avaliar o conhecimento do docente.

É preciso ter jogo de cintura, não só conhecimento. Às vezes, o profissional domina profundamente a matéria, é doutor na área, mas não consegue ser didático em sua exposição.

Na apresentação de seminários eu via muitos alunos nervosos. Presenciei alunos saírem correndo da sala de aula com medo de ficar diante da turma. Era preciso muita conversa para convencê-lo a apresentar o trabalho. Realizar prova oral, então, era um Deus nos acuda. Nessas horas, lembrava do meu tempo de estudante.

Participei de inúmeras bancas de avaliação de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Após a apresentação, alguns alunos reconheciam como era difícil lecionar, pois ficavam nervosos para apresentar um tema que tinham conhecimento ou, pelo menos, deveriam ter.

Foram quinze anos na docência, proporcionando-me amadurecimento pessoal e profissional. Ensinar é um aprendizado constante. Como disse, nunca esteve em meus planos seguir a carreira acadêmica. A vida exigiu. Muitos colegas, porém, seguiram por esse caminho.

De vez em quando, lembranças vem à memória; quando fui estudante e professor. E bate saudades daqueles tempos.

Enfim, ainda sou um estudante, aprendendo as lições da vida.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 16/10/2022 - 10:12h
Reflexão

Para ser sincero…

direito ao esquecimento, memória, apagar lembranças, cérebro,Por Carlos Santos

Alguns pedidos de desculpas apenas confirmam o deslize.

Não revelam humildade nem reconhecimento de erro.

O inconsciente tem uma força incontrolável.

É o seu ‘eu’ dizendo quem você é de verdade.

Eu acredito no que deixas escapar, mais do que em sua ‘sinceridade’.

Que fique claro.

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domingo - 16/10/2022 - 09:32h

Precedentes de outrora

Por Marcelo Alves

No meu tempo de Universidade Federal do RN (UFRN), lá pelo começo dos anos 1990, dizia-se que os precedentes judiciais não eram vinculantes no Brasil. Aliás, dizia-se que a “jurisprudência” – esse era o termo usado – não era vinculante. Eles eram, pelo menos era essa a minha impressão, quase desimportantes. Não tínhamos, até então, de fato, uma “cultura” dos precedentes.

Foto ilustrativa (Web)

Foto ilustrativa (Web)

Não que inexistissem precedentes no Brasil ou que eles não fossem tomados como exemplos na prática forense. O instituto do precedente – mesmo que o termo seja tomado no sentido mais estrito – é encontrado em qualquer sistema jurídico. Como então explicava Nelson Sampaio, em “O Supremo Tribunal Federal e a nova fisionomia do judiciário” (artigo publicado na Revista de Direito Público, n. 75, p. 09, jul./set. 1985), “toda sentença cria, por sua vez, um precedente. A própria lei do mínimo esforço leva o juiz, ou o aparelho judiciário como um todo, a julgar do mesmo modo uma lide que tenha características iguais de outra causa já julgada. Um primeiro julgado assemelha-se à trilha aberta em selva inexplorada. É a única clareira que convida à passagem. Se os que por ela seguirem chegarem à meta procurada, o caminho se tornará frequentado e se converterá, com o tempo, em segura estrada real. Sob o ponto de vista ético, o próprio ideal de ‘justiça igual para todos’ inclinaria o julgador a seguir o precedente. Assim sendo, é puramente platônica a conhecida proibição do Código de Justiniano, de que não se julgue conforme os precedentes – non exemplis, sed legibus indicandum est – até porque o julgador pode basear-se em decisão anterior sem mencioná-la”.

O problema era que os atributos dos precedentes no Brasil de então – se persuasivos ou vinculantes, é do que falo aqui especificamente – diferiam em muito daquilo que era preconizado no mundo anglo-saxão ou do common law (Reino Unido, EUA e por aí vai), que ouso aqui chamar de “terra-mãe” da cultura dos precedentes. Nos sistemas filiados à tradição do common law, o precedente era (e ainda é, claro), em regra, de seguimento obrigatório. É um elemento fundamental. É o cerne desses sistemas jurídicos, seu elemento caracterizador, pode-se dizer.

Entre nós – seguindo a trilha dos países/sistemas jurídicos filiados à tradição do civil law ou tradição romano-germânica, entre os quais se inclui o Brasil – se atribuía força meramente persuasiva ao precedente judicial, emprestando-lhe um caráter claramente secundário se comparado com a norma legislada. E aqui adapto a lição de José de Oliveira Ascensão, em “O direito: introdução e teoria geral: uma perspectiva luso-brasileira” (Renovar, 1994), que, com maestria, resumia a posição clássica nos países filiados à tradição do civil law. Como regra: (i) os tribunais superiores não tinham de julgar como fizeram juízes inferiores, o que é facilmente compreensível; (ii) os juízes não tinham de julgar como fizeram já juízes do mesmo nível hierárquico – assim, se o juiz chamado a decidir um caso verificava que outro juiz decidiu já caso semelhante de certa maneira, nem por isso estaria vinculado a manter a orientação seguida; (iii) os juízes não tinham de julgar consoante eles próprios já fizeram – o fato do Supremo Tribunal ter decidido sempre em certo sentido uma categoria de casos, não o inibia de um dado momento adotar outra orientação que lhe pareça mais fundada; (iv) os órgãos judiciais inferiores não tinham de julgar conforme o fizeram já tribunais superiores – e esta seria a chave do sistema.

E, hoje, as coisas estão diferentes no Brasil?

Sim! Atualmente no Brasil, com o desiderato, entre outras coisas, de alcançar a uniformidade de entendimento sobre as questões jurídicas e de garantir maior celeridade na prestação jurisdicional (pelo menos são esses os objetivos mais aparentes), existem determinados tipos de decisões ou conjunto de decisões, fruto de institutos processuais específicos os mais variados – decisões com efeito vinculante no controle concentrado de constitucionalidade, súmulas vinculantes, decisões com repercussão geral no âmbito dos recursos extraordinários, decisões em recursos especiais repetitivos e por aí vai – cuja autoridade é vinculante para os órgãos do Judiciário (às vezes para todos, outras só para alguns) e para a Administração como um todo.

Mas hoje eu não quero falar sobre o presente. Quero apenas resgatar o passado. Seja dando uma de historiador do direito. Ou porque “essa lua, esse conhaque” botam a gente nostálgico como o diabo.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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