domingo - 28/08/2022 - 07:24h

Um dia na fazenda

Foto ilustrativa (Web)

Foto ilustrativa (Web)

Por Odemirton Filho 

Um menino nascido e criado na cidade não é acostumado ao dia a dia do campo. No máximo vai a uma fazenda ou sítio de um parente ou amigo. Com aquele menino criado no centro da cidade não poderia ser diferente. Raras vezes foi à zona rural.

O seu mundo era o patamar da Igreja perto da sua casa e as ruas adjacentes, onde brincava com os amigos de infância.

Certa vez, o menino foi a uma fazenda lá pelas bandas do “Junco”. Conheceu, também, uma fazenda do pai de um amigo, na terra dos poetas.

Nunca tinha visto uma mesa tão farta. Café coado e leite quentinhos; tapiocas; queijo de coalho; cuscuz; carne de sol. Comida à vontade. Na cozinha, potes de barro e pilão, entre outros utensílios domésticos.

Foi ao curral. Tentou andar a cavalo; tomou um banho nas águas barrentas do açude. Abriu porteiras. Viu a plantação; o gado pastando. Ficou andando pra lá e pra cá. Sentiu-se quase um Menino de Engenho, do livro de José Lins do Rêgo.

À noite, depois dos adultos tomarem uns goles de cachaça, ficaram deitados nas redes, no alpendre da antiga casa. Uma ruma de meninos ouvindo as conversas dos mais velhos. “Estórias” sobre almas penadas que, aqui ou acolá, assombravam a fazenda.

Dormiram cedo e sentiram o friozinho gostoso da madrugada. Somente a lua e uma fogueira (para espantar os mosquitos) alumiavam a escuridão da noite. Acordaram com o sol raiando; o galo a cantar; a sinfonia dos pássaros.

Para ele, tudo era novidade. Porém, o que mais gostou foi ir de madrugadinha ao curral pra ver a ordenha das vacas e tomar o leite num caneco.

“O leite cru, ao pé da vaca, era quente e gostoso. Tinha gosto de vaca por dentro. Gosto e calor. E espumava no copo”, disse, numa de suas belas crônicas, o velho Antônio Maria.

Foi a única vez que o menino tomou o leite ao pé da vaca.

E ainda sente o sabor.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Crônica
domingo - 21/08/2022 - 09:28h

Muito místico

Por Marcelo Alves

A bela comuna de Orvieto, com seus pouco mais de 20 mil habitantes, está a cerca de 100km de Roma. Fica na Umbria, “a mais mística das regiões italianas”, foi o que me disse a também bela Francesca, minha professorinha de italiano na Divulgazione Lingua Italiana – DILIT de Roma. “Você deveria conhecer. Eu amo”, completou a minha insegnante, num tom que devaneei como dúbio entre sugestão e convite. Tudo isso – e o que vem a seguir – aconteceu no já distante ano de 2013, desde já eu registro.

Orvieto tem cerca de 20.692 habitantes e conservas aspectos medievais (Foto: Web)

Orvieto tem cerca de 20.692 habitantes e conservas aspectos medievais (Foto: Web)

Acabei indo a Orvieto, numa expedição arranjada pela minha escola de italiano, a citada DILIT, sem Francesca, mas com dois frades Premonstratenses, ordem fundada em 1120 por São Norberto (1075-1134), ambos chilenos, que também estavam em Roma para aprender o idioma de Dante Alighieri (1265-1321). Eram místicos. Embora não na forma de “mistério” que eu inicialmente esperava, confesso.

Como consta do meu surrado “Guia Visual Folha de São Paulo – Itália” (PubliFolha, 1998), “qualquer que seja o ângulo que se escolha para admirar Orvieto, ela se revela uma linda cidade. Sobre um platô, a 300 metros de altitude, tem a seus pés uma planície coberta de vinhedos. Em seu centro histórico, ressalta-se o Duomo, uma das mais grandiosas catedrais gótico-românicas da Itália”. Bela e mística, Francesca tinha razão.

De toda sorte, duas coisas me marcaram nessa excursão a Orvieto. Duas experiências “místicas”, uma de fundo milenar e outra contingencial, mas também deliciosa para mim.

Orvieto é uma cidade muito antiga. Do tempo dos etruscos, dizem. O nome Orvieto seria até uma corruptela de Urbs Vetus (ou “cidade antiga”, em latim). Foi abandonada, destruída e reconstruída através dos séculos. Ademais, seu subsolo é feito de tufo, um tipo de rocha vulcânica muito maleável. E o fato é que, já no século XX, foram redescobertas inúmeras cavidades/edificações no subsolo de Orvieto. Coisas milenares até. Para lá de mil. Por toda a cidade. E a aventura mais interessante ali é, sem dúvida, descer por uma “Orvieto Subterrânea” (o nome já diz tudo), o que se faz por um acesso na praça da Catedral. Foi uma experiência claustrofóbica, mas também – e talvez até por isso – mística. Muito mística.

A segunda revelação em Orvieto foi contingencial. Uma coincidência, diriam os céticos. Lembro-me de que, ao sair dos subterrâneos para flanar pelas ruelas da cidade, acabei topando com uma livraria que vendia suas obras num beco, por detrás de um pórtico antigo. Passei por aquele pórtico à procura de Andrea Camilleri (1925-2019) e do seu detetive Salvo Montalbano, que me interessavam na ocasião.

Mas, por apenas 99 centavos de euro, restei achando Marcelo Simoni (1975-) e sua então recentíssima novela “I soterranei della cattedrale” (“Os subterrâneos da catedral”, no nosso idioma), numa edição de bolso da Newton Compton Editori de 2013. Não conhecia o meu xará, que depois vim a descobrir ser autor de maravilhas como “Il mercante di libri maledetti” (“O mercador de livros malditos”) e “La biblioteca perduta dell´alchimista” (“A biblioteca perdida do alquimista”), entre outros títulos. Essa temática é tudo. É mística.

Na minha edição de “I soterranei della cattedrale” consta: “Urbino, 1789. O cadáver do professor Lamberti, docente de filosofia à universidade, é encontrado no interior da catedral. A hipótese é que tenha caído do andaime posto para reconstrução da cúpula, destruída por um terremoto. Mas Vitale Federici, o seu aluno mais brilhante, intui imediatamente que há naquela morte algo não esclarecido. Inicia então a sua investigação pessoal sobre os últimos dias de vida de Lamberti, até que vem a conhecer um fato desconcertante: o homem estava na trilha de um antigo templo dedicado às ninfas, escondido no subsolo da cidade. Vitale se apaixona imediatamente pelo mistério, mas a busca o coloca logo defronte a uma inquietante verdade: Lamberti deve ter sido assassinado. Mas por quem? Tantos são os suspeitos, e todos têm interesse em ter Vitale longe de um segredo que não deve ser revelado…”.

Comprei um livro e ganhei o seu cenário. Vi as imagens, vivas, quase reais. Misturei Orvieto com Urbino, por sinal também uma comuna edificada em um platô, embora já na região italiana do Marche.

Esse livro doravante me acompanhou na minha estada em Roma. Enfronhei-me nas estórias e nos romances como se protagonista fosse. E até vi Francesca me transportar para Urbino, desta feita sem dubiedade. Foi místico. Muito místico mesmo.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República e Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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  • Art&C - PMM - Abril de 2025 - 04-05-2025
sábado - 20/08/2022 - 08:24h
Com garfo e faca

Num tempo em que éramos nós

Prédio dos anos 40, fechado há cerca de 17 anos, volta à vida e à história de cores, sabores, aromas... (Fotomontagem do Canal BCS/19/08/2022)

Prédio dos anos 40, fechado há cerca de 17 anos, volta à vida e à história com cores, sabores, aromas… (Fotomontagem do Canal BCS/19/08/2022)

Vejo-me novamente no Café Mossoró, no Centro da cidade. O prédio do ano de 1945 estava fechado há cerca de 17 anos, reaberto dia 2 de Agosto pelo ex-gerente hoteleiro Doziteu Ozanam e George Medeiros (Espetinho do George).

Lembro do lugar como anexo de minha adolescência, porta larga para sabores, cores, aromas e confraria – até idade adulta.

Era a casa de ‘seu’ Francisquinho Nunes, um aluizista xiita, que se mudou pro local (Rua Dr. Antônio de Souza, 44) em 1974. Com sua morte, um dos filhos, Aurino Nunes, assumiu o balcão até 2005.

Agora é com Doziteu e George, do jeito deles, noutro tempo, mas resgatando muito do que não sai de nós: ‘refrescos’ de tamarindo e maracujá servidos à mesa no litro, pastéis, salada com sorvete, além de cachorro-quente com garfo e faca (sim, isso mesmo, nada mais mossoroense).

*Aberto de 4 às 18h, de segunda a sábado.

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domingo - 14/08/2022 - 09:42h

Aí complica

Por Marcelo Alves

Sean Connery em 1964, no filme 007 contra Goldfinger (Foto: reprodução)

Sean Connery em 1964, no filme 007 contra Goldfinger (Foto: reprodução)

Eu sempre digo e repito que, das franquias do cinema, a minha preferida é, de longe, a que tem como protagonista o espião 007. Eu sempre invejei – inveja, boa – o Bond, James Bond. Suas aventuras, sejam na pele de Sean Connery, de Roger Moore ou de qualquer dos seus sucessores. E, sobretudo, cobicei as bond girls. Honor Blackman, Diana Rigg, Lois Chiles, Maud Adams e a oficiosa Kim Basinger, entre as minhas preferidas. Mas isso, falo da minha simpatia para com as bond girls, que fique cá entre nós.

Como sabemos, James Bond e suas aventuras são uma criação do britânico Ian Fleming (1908-1964), mestre dos romances de espionagem. “Casino Royale”, de 1953, é o primeiro título da série de enorme sucesso. Ele já nos mostra um espião 007 “charmoso, sofisticado, bonito, friamente implacável e mortal”, como consta da edição que possuo da obra, em inglês, da Penguin Books, de 2006. E as estórias de Bond foram transpostas para a tela grande.

O filme de estreia foi “Dr. No” (“007 contra o satânico Dr. No”, no Brasil), de 1962, com direção de Terence Young e com Sean Connery e Ursula Andress no elenco, entre outros. O legado da dupla Fleming/Bond é indiscutível. E o sucesso no cinema foi e é mais que estrondoso.

Todavia, estes dias, revisando as minhas anotações do já distante ano de 2013, anotações que sempre faço para poder escrever as minhas crônicas, acabei reencontrando uma reportagem alarmante da Folha de São Paulo: “Estudo diz que James Bond era alcoólatra com risco de cirrose e impotência”. E ainda confirmei a informação numa matéria, da mesma época, da BBC/Brasil: “De tanto beber, James Bond seria impotente, dizem médicos”. Aí a coisa complica!

Entre outras “maldades”, relata a Folha: “O famoso espião britânico James Bond corria o risco de sofrer de ‘cirrose, impotência e outros problemas de saúde’ devido ao seu alcoolismo, segundo um estudo publicado nesta sexta-feira (13) pela revista científica British Medical Journal (BMJ). A pesquisa, divulgada em uma edição especial de Natal do BMJ e baseada na análise dos 14 romances de Ian Fleming, concluiu que o Agente 007 consumia cinco martínis (‘batido, não mexido’, como costumava pedir) por dia e que seus hábitos de consumo podiam gerar ‘risco de morte’. De acordo com o estudo, realizado por pesquisadores de Nottingham e Derby (Inglaterra), Bond ingeria 92 unidades de álcool (736 gramas) por semana, taxa quatro vezes maior que o máximo recomendado no Reino Unido para um homem. Ao todo, 007 consumiu 1.150 unidades de álcool (9.200 gramas) em 88 dias e ficou apenas 13 dias sem beber ao longo de todos os livros. ‘O nível de funcionamento físico, mental e sexual de Bond é incompatível com o nível de álcool que consumia’, conclui o estudo, acrescentando ainda que Bond ‘não era um homem confiável para desativar uma bomba nuclear’”.

Eu também não sou confiável para desarmar a tal bomba atômica, mas essa de cirrose e impotência é de lascar.

Estou até meio indignado. E tenho as minhas contraditas a essas “aleivosias” dos especialistas britânicos, até porque, segundo a BBC, os médicos “deixaram claro que suas observações não vieram de um estudo científico, mas apenas de anotações coletadas após leituras nas horas vagas (…)”. Assim, até eu posso dar alguns “pitacos”.

Primeiramente, os mais famosos Bonds, Sean Connery (1930-2020) e Roger Moore (1927-2017), só vieram a falecer nonagenárJames Bond, espião ios, o que não é pouco. George Lazenby (1939-), octogenário, mesmo com a esposa morta em “007 – A Serviço Secreto de Sua Majestade”, está ainda entre nós. E, pelo que sei, os mais jovens, Timothy Dalton, Pierce Brosnan e Daniel Craig, “vão muito bem, obrigado”.

Ademais, de 2013 para cá, já vieram mais dois filmes da série, “007 – Contra Spectre” (2015) e “007 – Sem Tempo para Morrer” (2021), ambos sucessos retumbantes de crítica e público. E a coisa não para: a atual produtora da série já revelou estar em busca de um novo ator para o papel do protagonista Bond, James Bond. Quem sabe não me ofereço?

Por fim, de toda sorte, pedia sempre Bond “Vodca martíni, batido, não mexido” (“shaken, not stirred”, no idioma de Fleming). De minha parte, descomplicando, a partir de agora, só bebo uísque ou uma boa cachacinha.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 14/08/2022 - 05:32h

Memórias do vento enquanto fogo

Por Marcos Ferreira

Somos inúmeros e estamos em toda parte o tempo todo, embora em quantidades às vezes mínimas, imperceptíveis. Diversidade é uma das nossas principais características. Há quem se engane, porém, achando que somos um único fenômeno atmosférico, que o vento que sopra no Alasca ou na Sibéria é o mesmo que abrange o deserto do Saara.ventos, ventania,

Não. Mas é como se possuíssemos o dom da ubiquidade, da onipresença, e nos tornamos tão essenciais para a vida quanto a água e o Sol, apesar de tanta destruição que já causamos e continuaremos a causar. Fomos criados para corrermos livres por este mundo sem termos que prestar contas com nada nem ninguém.

Em certas condições e lugares, a depender também da cultura de alguns povos, chamam-nos de nomes exóticos e estrambóticos. Normalmente somos conhecidos por palavras como ciclone, tufão, tornado, furacão, etc. e tal. Há ensejos em que atingimos velocidades da ordem de quase quinhentos quilômetros horários, no caso dos tornados. Aí pouca coisa continua de pé após nossa passagem. Os supersticiosos, ao surgirmos com pequena intensidade, nos chamam até de Saci Pererê.

Isto, contudo, são histórias da carochinha, folclore brasileiro. Na realidade, acreditem, não temos nada de fantástico ou prosaico.

Dessa maneira, gostem ou não, foi como o Criador nos fez. Eu, por exemplo, já varri diversas áreas, continentes, remotas regiões deste fabuloso planeta Terra, estive em quase todas as vastidões e recantos do globo, enveredei pela garganta dos maiores e piores vulcões em atividade e percorri desde o polo ártico ao polo antártico. Atualmente, depois de centenas de milênios de serviços prestados, tendo presenciado o surgimento do Homem e seu processo de autodestruição, que segue em ritmo avançado, limitei-me aos domínios desta cidadezinha para descansar um pouco e observar os seus mortais com maior atenção. Por que exatamente não sei lhes dizer.

Pretendo ficar por aqui como regente ventígeno destas cercanias até que o Todo-poderoso resolva me designar para outro cafundório. Esta província, pelo que noto, pode ser do meu agrado. Se algo me enfurecer, entretanto, posso me transformar num furacão de elevada magnitude e devastar esta vila e esses matutos metidos a cosmopolitas. Isto, na verdade, é bem pouco provável. Muitíssimo improvável, aliás. Porque essa gente é tão previsível e entediante que chega a me dar sono.

Então, diferentemente de outras épocas e de como atuei noutros pontos, aqui circulo apenas como uma tépida e ordeira brisa na maior parte do tempo. Durante as madrugadas, segundo os referidos matutos, eu sou o que eles chamam poeticamente de cruviana, um ventinho frio e bem-vindo que embala o sono dos munícipes. Esta, todavia, é a minha forma agradável, boazinha. O que eles não sabem, nem vocês conhecem, é a minha real natureza — o fogo. Sim. Se não sabiam, que fiquem logo sabendo. O fogo só existe a partir de mim, do oxigênio e da combustão de materiais inflamáveis, isto que é propagado e pode ser resumido tão só como o ar em movimento.

Trocando em miúdos, se ainda não me fiz entender, sou o vento. Enquanto fogo, convertido em chamas, fui devastador, implacável na maioria das ocasiões em que avancei — desde os tempos imemoriais — sobre cidadelas, pequenos e grandes lares, imponentes edifícios e palácios suntuosos, templos, florestas, vilarejos e plataformas de petróleo, ceifando vidas humanas, de animais e vegetais.

Há poucos meses, investido do fogo, como eu disse, castiguei duramente a Amazônia brasileira. Pois, graças à negligência de um presidente da República insensível, e de um ministro do meio ambiente visto como notório traficante de madeira, encontrei as condições ideais para promover a morte e destruição de importante parcela da fauna e da flora. Agora me estabeleci aqui. Outro do meu tipo e equivalência assumiu a tarefa de multiplicar os vários focos de incêndio na floresta.

Por dever do ofício, digo sem orgulho algum que fui coadjuvante daquela desgraça toda, pois o Homem, este sim, é sempre o protagonista. Então, para ser franco, estou cansado desta vida trágica, fatídica, violenta. Já solicitei e aguardo uma audiência com o Criador para dar entrada na minha aposentadoria.

Acho que escolherei passar o restante da minha eternidade nesta insólita Mossoró, terrinha calorenta, de pessoas boas e também de um monte de sem-vergonhas, como ocorre em toda parte.

Pretendo trilhar estas ruas, becos e avenidas informalmente, aqui e ali jogando uma poeirinha do solo árido sobre todo mundo. Mas nada pessoal, claro. Hoje, portanto, a minha ambição é esta: pendurar as chuteiras e ser, durante a madrugada, não mais do que uma simples cruviana. Se Deus quiser.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
segunda-feira - 08/08/2022 - 16:48h
Cultura

Editora da Ufersa segue com inscrições para o seu I Concurso Literário

Concurso Literário da Ufersa - LogoEscritores do Rio Grande do Norte podem participar do I Concurso Literário da Edufersa, Editora da Universidade Federal Rural do Semi-árido (UFERSA). O concurso vai contemplar as categorias conto, poema e crônica.

É exigido texto inédito, escrito em língua portuguesa e em formato pdf.

As inscrições começaram ainda dia 12 de julho e vão até o dia 12 de setembro. Cada participante poderá concorrer em apenas uma categoria.

Serão selecionadas os 5 melhores contos; as 10 melhores crônicas e, os 20 melhores poemas.

As inscrições são gratuitas e devem ser realizadas no site da Revista Informação em Cultura (RIC), após o cadastro no sistema.

Acesse o edital 

Como critério de avaliação serão considerados a originalidade e a relevância do texto; a qualidade estética e literária; a qualidade de escrita e a qualidade dos aspectos formais do texto. O resultado será divulgado no dia 18 de novembro de 2022 em evento a ser promovido pela Edufersa.

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Categoria(s): Cultura
  • Repet
domingo - 07/08/2022 - 12:48h

Menina de trança

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Ilustração da Web

Por Inácio Augusto de Almeida

Quando eu morrer

Verás nos meus olhos

A tua imagem

II

Nada a temer

Ninguém leva da vida

O que leva a vida da gente

III

A tua imagem é que irá

Molhada pelas lágrimas

Nunca vistas nas minhas faces

IV

Lágrimas que rolaram dentro do meu coração

Sufocando o grito do amor não vivido.

Inácio Augusto de Almeida – Boêmio/Sonhador

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Categoria(s): Poesia
domingo - 07/08/2022 - 09:46h

O velho pescador

Foto ilustrativa extraída da Web

Foto ilustrativa extraída da Web (Depositphotos/arquivo)

Por Odemirton Filho 

“Agora não há tempo para pensar o que você não tem. Pense no que pode fazer com o que tem”. (O Velho e o Mar, de Ernest Hemingway).

Na beira do mar o velho pescador costurava a sua velha rede de pesca pra passar o tempo. Já não tinha a força da juventude, pois carregava mais de oitenta anos na cacunda. A sua jangada não mais rasgava as águas salgadas; os seus filhos e netos não continuaram no ofício.

Estava sozinho com os seus pensamentos. E não eram poucos. A solidão, dizem, nunca está só, sempre vem acompanhada de muitas lembranças; algumas saudades.

Lembrava das suas aventuras no mar. A água banhando a jangada, o frio da madrugada, a escuridão medonha da noite. Ele e um amigo de profissão precisavam tomar uns goles de cachaça para enfrentar a lida.

Teve medo de tubarões; viu algumas baleias. Aqui ou acolá, ficava vários dias em alto-mar, pescando na embarcação de um conhecido pra melhorar o ganho.

Criou os filhos com o suor do seu trabalho. A comida da casa de taipa era simples. Pela manhã, bebericavam café “preto”, no qual molhavam o pão dormido. Almoçavam, quase sempre, peixe com farinha. À noite, tomavam um caldo ralo.

O lazer era escutar um rádio de pilhas ao lado de sua mulher, ouvindo um programa que tocava músicas que embalavam o tempo de namoro.

Tinham quatro filhos. Um dos filhos é funcionário da prefeitura; o outro vive bebendo pela praia, mas não faz mal a ninguém. O filho mais velho mora longe, raramente vem visitar os pais. A filha embuchou ainda adolescente, tem uma ruma de meninos.

O velho pescador continuou a costurar sua rede de pesca e a prosear:

– O aposento, meu filho, mal dá pra comer. Neste ano de eleição, alguns candidatos vão passar lá por casa, prometendo mundos e fundos, dando tapinha nas minhas costas, pedindo um gole de café, mas já estou passado na casca do alho, não caio mais na conversa desses políticos.

Enfim, vida que segue, apesar dos pesares.  A nossa fé deve ser maior do que os nossos medos. Ouvi essa história numa das belas praias de Areia Branca, nas minhas andanças. E são muitas.

“Agora, cabe ao humilde pescador ficar quieto em sua praia olhando o seu mar, de preferência pela madrugada, sentindo seu mar, pensando seu mar”, diria Rubem Braga.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Crônica
  • Art&C - PMM - Abril de 2025 - 04-05-2025
domingo - 07/08/2022 - 08:46h

A causa do crime

Por Marcelo Alves

Georges Simenon (1903-1989), o escritor belga nascido em Liège (portanto criado e formado em língua francesa) nos deu um dos mais famosos detetives que a ficção policial já produziu: o Comissário Jules Maigret. Um detetive bem peculiar: “um homem grande, que come e bebe muito”, como muitos de nós; mas, sobretudo, um herói definitivamente humano, que busca entender a psicologia dos suspeitos e criminosos; e, para quem, muitas vezes, não há culpados nem inocentes, apenas culpas a serem expiadas.

Foto ilustrativa (Foto: Ney Douglas)

Foto ilustrativa (Foto: Ney Douglas)

Li, já não me lembro onde, que André Gide (1869-1951) considerava Simenon um dos maiores escritores do século XX. Embora muitas vezes discorde das preferências do autor de “Os subterrâneos do Vaticano”, nesse ponto, dou a mão à palmatória: a dupla Simenon/Maigret é fantástica.

E é a partir da leitura de um dos muitos romances de Simenon/Maigret – no caso, “Maigret no tribunal” (de 1960, mas em edição de 2013 da L&PM) – que vou jogar aqui a seguinte indagação sociológica e jurídica: por que as pessoas cometem aquilo que chamamos, nós e sobretudo a legislação penal de cada país, de crime?

Bom, existem estatísticas sobre crianças e jovens carentes, mal encaminhados na vida, que mais tarde se tornam criminosos. Eles odeiam a sociedade e a culpam por tudo de mal nas suas vidas. Foi mais ou menos isso que li em “Maigret no tribunal”.

De fato, embora não seja de fácil quantificação, é importante entender como os fatores culturais e sociais levam as pessoas à criminalidade (na verdade, de modo mais amplo, a qualquer tipo de pensar e agir).

Grandes sociólogos, como o “pai” da sociologia Émile Durkheim (1858-1917) e, mais recentemente, o americano Robert Merton (1910-2003), labutaram nesse sentido. A sutil “teoria da anomia” é uma tentativa nesse sentido. Basicamente, nas sociedades ocidentais, o sucesso financeiro é um objetivo a ser alcançado. Aliás, é quase sempre estimulado. E, em regra, dadas as devidas oportunidades (educação, emprego etc.), agimos em “conformidade” com os padrões legalmente aceitáveis em busca dessa segurança ou mesmo abundância financeira.

Entretanto, algumas pessoas, na ausência dessas oportunidades, “inovam”, nas palavras do citado sociólogo americano. Como resumem Chris Yuill e Christopher Thorpe em “Se liga na sociologia” (Globo Livros, 2019), “segundo Merton, se os indivíduos desfavorecidos e marginalizados não têm chance de realizar esses ideais, há mais probabilidade de crime.

QUALQUER UM QUE VIVE NUMA ÁREA COM ALTO ÍNDICE DE DESEMPREGO, onde o acesso à educação é limitado ou a discriminação étnica e religiosa é uma realidade, pode ter dificuldade de fazer parte da sociedade. Quando isso acontece, afirma Merton, as pessoas se deparam com uma escolha: aceitar a vida à margem ou fazer o que ele chama de ‘inovar’, isto é, usar meios ilegais para fins legais”.

Penso que a tese defendida por Merton é em boa parte acertada. Explica uma das principais causas da criminalidade. Mas não nos dá todas as respostas. Mais uma vez, socorro-me de Simenon/Maigret na sua análise sociológica, literariamente lúdica, quanto ao encaminhamento das pessoas desfavorecidas à criminalidade. Registra a dupla autor/personagem serem os que assim agem (criminosamente) uma minoria. A maioria – numa proporção muito maior – daqueles que sofreram privações, embora marcados na vida, reage de forma completamente diversa.

Buscam e conseguem provar que valem tanto quanto qualquer de nós. Aprendem um ofício, estudam, se esforçam para ganhar a vida honestamente. Formam uma família e vão à desforra, indo aos domingos, com a companheira e os filhos, à missa ou jogo do seu time de coração.

E mais: temos aqueles que cometem crimes não motivados pelas condições sociais. Já vivem em segurança ou com um estilo de vida até afluente. Em lazer e consumo ostensivos, ou conspícuos, para usar da expressão de Thorstein Veblen (1857-1929), outro grande economista e sociólogo americano. Fazem disso – da criminalidade – uma profissão. Nos altos escalões do tráfico de drogas ou na criminalidade do colarinho branco, por exemplo. Em forma de grande empresa ou comércio. Eles também são uma minoria, é verdade. Mas sem relevante expiação.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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Categoria(s): Crônica
domingo - 07/08/2022 - 05:44h

Quando fui ao programa de Jô Soares

Por Ney Lopes

Foto: reprodução da Web

Foto: reprodução da Web

Morreu na madrugada sexta-feira, 5, aos 84 anos, o escritor e humorista Jô Soares.

O Brasil perde um artista único, talentoso e culto.

Antes de ingressar na carreira artística, ele chegou a pensar em ser diplomata.

 Por isso, falava cinco idiomas com fluência, além do português: inglês, francês, italiano, espanhol e alemão.

O que se observa na política brasileira atual, de parte a parte, lembra aquele personagem de Jô Soares, que voltava à consciência, após anos em coma e ouvia as notícias contadas pelas pessoas.

Atônito, ele não acreditava no que ouvia e optava para continuar inconsciente, exclamando “tira o tubo”, como forma de fugir da realidade

Recordo que, após ser incluído numa lista da revista VEJA entre os oito parlamentares considerados eficientes no Congresso, recebi convite para participar do seu programa, juntamente com o então deputado José Genoíno.

Abordando temas políticos polêmicos, Jô confrontou os dois parlamentares, à época pertencentes ao PFL e ao PT.

Para mim foi uma honra, pelo alcance nacional do programa do Jô, que era pessoalmente um “gentleman.

Na sua carreira de comunicador e intelectual ele se revelou um grande frasista, transmitindo em seus conceitos profundo sentimento humanista.

Eis algumas frases dele:

Eu sofri a dor que é o pesadelo de todo pai, a inversão da ordem natural das coisas: perda de um filho.

Após o falecimento do filho Rafinha, Jô disse ao voltar a TV:

“Eu queria contar uma história, de uma das coisas que aprendi com o Rafinha.

Uma vez, em uma livraria, ele chegou junto ao caixa carregando uma dúzia de livros.

Eu estranhei, falei: ‘Espere aí, isso é muito. 12, não. Escolha seis”.

Ele disse: ‘Então, não quero nenhum’.

Pensei que era malcriação: ‘Como assim, não quer nenhum?’.

‘Eu prefiro não escolher. Porque escolher é perder sempre’, ele respondeu.

Claro, você escolhe um e o que você não escolheu… hoje, eu também não preciso escolher.

Como ele nunca faltou ao seu trabalho, também não posso faltar ao meu.

Um beijo do gordo e a vida continua.

“A vida é o que a gente veio fazer aqui”, disse Jô, com a voz embargada pela emoção.

Seguem-se outras frases:

“É bem melhor pensar sem falar do que falar sem pensar”;

“A comissão faz o ladrão”;

“No Brasil, quando o feriado é religioso, até ateu comemora”;

 “O maior erro dos ‘espertos’ é achar que podem fazer todos de otários”;

“Não é necessário mostrar beleza aos cegos, nem dizer verdade aos surdos. Mas não minta para quem te escuta e nem decepcione os olhos de quem te admira”;

“Eu torço pela felicidade dos outros. Gente feliz não enche o saco”.

O Brasil perdeu não apenas um artista, escritor e dramaturgo.

Mas um personagem que vida preservou valores e sentimentos humanos.

Ney Lopes é jornalista, advogado e ex-deputado federal

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sexta-feira - 05/08/2022 - 19:00h
Memória

Bye, Bô Francineide

Sou do tempo da sexy Bô Francineide, coisa aí de mais de 40 anos, tá? 

Era o Jô.

Depois veio Jô do talk show.

Muitos não a viram nem sabem que existiu. Eu vi.

Com a grande (pequena no físico) Henriqueta Brieba, me levava ao êxtase – rindo.

Bye, Bô, digo, Jô!

Leia também: Humorista Jô Soares morre em São Paulo aos 84 anos.

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domingo - 31/07/2022 - 12:02h

Descoberta tardia, absorção acelerada

Por Marcelo Alves

Mais uma vez, volto a tratar da tradição jurídica anglo-americana – o dito common law –, agora para registrar a nossa descoberta tardia da filosofia do direito produzida pela imaginação dos grandes juristas estadunidenses.

De fato, paralelamente à formação do nosso arcabouço jurídico/legal, o desenvolver da nossa filosofia do direito baseou-se em ideias originadas em países da Europa Continental. Grosso modo, duas concepções filosóficas dominaram a filosofia do direito brasileira durante os séculos XIX e XX: as concepções naturalista e positivista do direito.common law - 2

Na primeira, reconhece-se um direito que se baseia na razão, na qualidade do ser humano individual ou coletivo, ou mesmo na relação entre os seres humanos e Deus, que preexiste ao direito positivo, este feito pelos homens ou pelo Estado. Na segunda, que se opõe à ideia de um direito natural, o direito é apenas positivo, no sentido de que é feito pelo homem/Estado, sendo a função do operador do direito, sobretudo, manter a integridade lógica do ordenamento jurídico assim criado.

Todavia, recentemente (nos últimos 30 anos, é certo), os juristas brasileiros têm conhecido e dado vazão, mesmo que inconscientemente, a ideias de escolas tipicamente estadunidenses, como a American Sociological School of Jurisprudence e o American Legal Realism.

A visão de que o direito é, ou deve ser, a maximização das necessidades sociais e a minimização de suas tensões e custos, tal como afirmada pela escola sociológica americana, por exemplo, vem sendo cada vez mais aplicada na justiça criminal brasileira. E mesmo antes de haver um respaldo legal para tanto. Engajados nesse equilíbrio de interesses – e negando a visão tradicional de mera declaração de uma lei penal fixa – muitos promotores e juízes já vinham ponderando em suas manifestações sobre os prós e contras de um longo processo penal. E, ao considerar a pouca relevância do crime cometido, não denunciavam ou absolviam o réu do processo.

Em vários tons, esse tipo de concepção foi sendo absorvida pela lei brasileira, como, por exemplo, no Acordo de Não Persecução Penal – ANPP.

Nos últimos anos, a comunidade jurídica brasileira também tem se debruçado sobre as ideias do realismo jurídico americano, que consiste, em linhas gerais, na adoção de um método empírico de investigação científica em que (i) se destaca a realidade concreta e subjetiva de cada caso, (ii) se reconhece a possibilidade de criação do direito por decisões judiciais, (iii) e mesmo se atribui um papel não decisivo à lei em sentido estrito. E isso vem abalando a doutrina segundo a qual os juízes devem apenas aplicar regras pré-existentes. Argumentam os “realistas brasileiros” que isso sempre foi uma “ilusão”, porque os juízes tomam suas decisões de acordo com suas próprias preferências políticas ou morais e escolhem uma norma adequada como racionalização. Esses realistas exigem, assim, uma abordagem científica que se concentre tanto no que os juízes dizem como no que eles fazem, e no real impacto que suas decisões têm nas mais amplas camadas da sociedade brasileira. É fundamental entender isso para que o direito possa ser aprimorado.

Bom, mas será que a adoção dessas ideias estadunidenses é uma boa para o Brasil?

Não enxergo diferença ontológica entre o direito brasileiro e o dos países da tradição do common law. Em ambos os casos, o direito sofreu forte influência da moral cristã. As doutrinas filosóficas em voga puseram em primeiro plano o individualismo, o liberalismo e a noção de direitos subjetivos. A própria substância do direito – a concepção de justiça que, em ambos os casos, é a mesma – impõe semelhantes soluções para as questões jurídicas em ambos os casos.common law

Ademais, do ponto de vista do pós-positivismo no Brasil (ou de um neoconstitucionalismo) – que traz para o direito questões que se situavam fora das fronteiras do discurso jurídico: política, direitos sociais fundamentais e, sobretudo, uma potencial transformação da sociedade pelo direito –, a fusão do direito brasileiro em uma perspectiva de direito global é ainda mais necessária.

O ordenamento jurídico brasileiro deve dar efetividade às normas constitucionais substantivas, que, por sua vez, protegem valores como igualdade, segurança e celeridade nas decisões judiciais. Diante dessa necessidade, o Estado brasileiro é sempre obrigado a levar em consideração ideias ou mecanismos que melhorem a prestação jurisdicional como um todo.

Mas será que essa absorção, embora tardia, não está por demais acelerada? E, sobretudo, será que esse “transplante” não está carecendo de adaptações a esse organismo vivo que é o Brasil?

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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domingo - 17/07/2022 - 09:42h

O realista escandinavo

Por Marcelo Alves

Em regra, relacionamos a expressão “realismo jurídico” a uma escola desenvolvida nos EUA na virada do século XIX para o XX e, até mais interessantemente, durante os anos 1930. Mas a história do direito registra um segundo realismo, o escandinavo, que teve como expoentes Axel Hägerström (1868-1939), Vilhelm Lundstedt (1882-1955), Karl Olivecrona (1897-1980) e, mais badaladamente, Alf Ross (1899-1979). E é sobre este último pensador que conversaremos hoje.Alf Ross

Alf Niels Christian Ross nasceu em Copenhague, na Dinamarca, em uma família de classe média. Formou-se em direito, na universidade da sua terra, em 1923. Correu pela Europa, especialmente pela Inglaterra, França e Áustria (onde conheceu Hans Kelsen), durante mais de dois anos. Tentou sem sucesso um doutorado na Universidade de Copenhague. Foi trabalhar com o já citado Axel Hägerström na Universidade de Uppsala, na Suécia.

Ali obteve o seu primeiro doutorado em 1929, título que viria também a obter, finalmente, na Universidade de Copenhagen, em 1935. Em Copenhagen, foi professor de direito constitucional e de direito internacional. Além de jusfilósofo e grande nome do realismo jurídico, Ross foi um prático do direito, como consultor a serviço do seu país e juiz da Corte Europeia de Direitos Humanos, em Estrasburgo, na França.

A obra de Ross é vasta e, para além da filosofia jurídica, mergulha nos ramos do direito versados pelo autor. Como não sei dinamarquês, vou citar alguns títulos em inglês: “Towards a Realistic Jurisprudence: A Criticism of the Dualism in Law” (1946), “A Textbook in International Law” (1947), “Constitution of the United Nations” (1951), “Why Democracy?” (1952), “On Law and Justice” (1959), “Directives and Norms” (1968) e por aí vai. Destes, destaco o badalado “On Law and Justice”, que possuo em português, numa edição da Edipro, de 2000, com o título “Direito e Justiça”. Citarei o dito cujo aqui.

Antes de mais nada, é preciso destacar a oposição de Ross – e, de resto, dos demais realistas escandinavos – a uma “metafisica” do direito, no sentido de supervalorização de verdades a priori, sejam elas verdades jusnaturalistas ou positivistas. E a caracterização do fenômeno jurídico com fundamento no que é realmente decidido pelos operadores do direito, inclusive influenciados por fatores psicológicos que todos nós carregamos (e, aqui, enxerga-se uma grande aproximação com realistas americanos da segunda fase).

RETIRO DE “DIREITO E JUSTIÇA” algumas sacadas de Ross. Quanto ao jusnaturalismo, ele chega a tê-lo com uma “prostituta”, que está à disposição de qualquer um. Afinal, para ele, não existe ideologia “que não possa ser defendida por um apelo à lei da natureza”. Quanto ao positivismo, ele desdenha da crença de um infalível “poder do legislador para reformar a comunidade e o direito de acordo com a razão”. Para ele, “a regra jurídica não é verdadeira nem falsa; é uma diretriz”.

E diz: “associativamente às grandes codificações, o legislador, na vã esperança de preservar sua obra, tem proibido, amiúde, a interpretação das normas e que a prática dos tribunais se desenvolva como fonte do direito. (…). Na Dinamarca, depois da aprovação do Código Dinamarquês, em 1683, proibiu-se que os advogados citassem precedentes perante a Corte Suprema. A medida foi rescindida em 1771. Essas proibições drásticas se provaram ineficazes (…)”. Para ele, atribuir valor sagrado à lei (e mesmo a um precedente vinculante), em condições sociais mutantes, seria grave formalismo e uma ofensa ao que se costumou chamar de “equidade material”.

Ross não é nenhum radical, que fique claro. Na verdade, é muito interessante – e salutar – a sua noção de direito e de justiça. Ele reconhece a necessidade de um ordenamento jurídico positivado, com racionalidade e objetividade, que, sem dúvida, dará estabilidade, previsibilidade e igualdade ao direito de determinado país. E afirma que a norma positivada deve ser o fundamento inicial da decisão judicial (até para termos alguma proteção contra as subjetividades do juiz do caso). Mas a norma positivada deve ser aplicada por uma subjetividade/juiz, sejamos “realistas”. E aí que está: como fazer isso corretamente, com equidade? Numa ciência jurídica em que muitos querem se ver livres das “amarras” da lei, Ross prega uma realista objetividade na sua aplicação: deve-se trabalhar com o típico, o normal, na aplicação diária da lei. Sem invencionices que levem a desvios de padrão.

Há normas que apresentam ambiguidades de significado e alcance, permitindo/exigindo do juiz uma maior elasticidade de interpretação. Mas, mesmo nesses casos, o juiz deve prezar pela razoabilidade e experiência dos seus pares. A sua decisão será objetivamente justa quando estiver dentro do típico normal; do contrário, será perniciosamente injusta.

Gosto desse norte realista do direito e da justiça de Ross. Parece-me objetivo e operante.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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domingo - 17/07/2022 - 08:20h

Eu sou, porque nós somos…

Por Marcos Araújo

Apesar do atual uso (e abuso!) de palavras como resiliência, sororidade, solidariedade, tolerância, diversidade, e, por razões de saúde pública, distanciamento e isolamento social, opostos que significam – e ressignificam – o comportamento humano, vale a pena trazer à reflexão a reestruturação social que estamos vivenciando no final deste primeiro quartel do século XXI.

Crianças Xhosa mostram o que é ubuntu - eu sou porque nós somos (Reprodução)

Crianças africanas mostram o que é ubuntu – “eu sou, porque nós somos” (Reprodução)

Tudo que é sólido desmancha no ar, escreveu o filósofo  estadunidense Marshall Berman para criticar a modernidade, e ele tem absoluta razão. Nas últimas décadas, só se falou em energia limpa (solar, eólica e hidráulica), e agora, com a guerra da Rússia x Ucrânia, percebemos que a energia “suja” (carvão mineral e vegetal, energia nuclear, petróleo e gás natural) é quem predomina no mundo.

O risco de desabastecimento de combustíveis fósseis obrigou recentemente Joe Biden a se ajoelhar diante do Conselho de Cooperação do Golfo (a união de seis estados do Golfo Pérsico: Omã, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Qatar, Bahrein e Kuwait).

Também em razão da guerra, as nações estão refluindo suas exportações de alimentos e outros bens de primeira necessidade, buscando a autossuficiência. O mundo em breve deixará de ser a “aldeia global”, na expressão do filósofo canadense Marshall McLuhan, pois barreiras nacionalistas estão sendo erguidas rapidamente. Contam-se já aos milhões os refugiados e apátridas…

O pessimismo, a descrença, a depressão e outras patologias psíquicas avassalam a humanidade. Tem muita gente se armando e outro tanto se matando, sem causa aparente. A prática de doomscrolling (o termo se refere à tendência de navegar na internet e redes sociais em busca de más notícias) está disseminada. Um vazio existencial coletivo tomou de “assalto” a alegria e a vida de nossas cidades. Até Paris (e seus bistrôs), que no dizer de Ernest Heminguay era uma festa, ficou sem graça. O Rio deixou de ser lindo, e Roma não pode mais ser chamada “a cidade eterna”.

A regra agora é a desconfiança, prevalecendo a máxima de Paul Léautaud de que “ser inteligente é ser desconfiado, mesmo em relação a si próprio”.  Nem no médico,  que em tempos de outrora segurava sua mão no momento da cirurgia, nem mesmo no Padre, que amparava suas angústias e guardava suas confissões…

Existirá ainda alguma esperança neste mundo cáustico e caótico?  Claro que sim! A experiencia humana ao longo da história tem demonstrado que a sobrevivência da espécie depende da fórmula racional musicada por Tom Jobim na sua canção “wave”: “fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho”. Somos todos interdependentes. Ninguém é capaz de viver sozinho, ainda que se noticie uma proposta idiota de um hotel para mínimos em órbita espacial.

É PRECISO revitalizar o sentido etimológico da palavra “Sociedade”, que em termos mais precisos significaria “sócio na metade”. Somos todos “sócios” uns dos outros. Como afirma Durkheim, a sociedade não deve ser um amontoado de indivíduos, mas um sistema organizado deles, numa unidade cultural, solidária, econômica, política e plural.

O sociólogo francês Edgar Morin insistia que “não só os indivíduos estão na sociedade, mas a sociedade também está nos indivíduos”.  O sentimento de pertença a uma comunidade deve ser o instinto de sobrevivência prevalente. Se eu sou “sócio” na “metade” do outro, essa outra metade pode estar passando fome, desempregada, sem escola, sem perspectiva, doente, sofrendo preconceito…

As pessoas devem saber que o mundo não é uma ilha. Eu sou humano, e a natureza humana implica compaixão, partilha, respeito, empatia. Uma sociedade sustentada pelos pilares do respeito e da solidariedade faz parte da essência de Ubuntu, filosofia africana que trata da importância das alianças e do relacionamento das pessoas, umas com as outras.

Na língua Zulu, Ubuntu significa “Eu sou, porque nós somos”. Aos que se dizem cristãos a filosofia do Ubuntu deve ser um frontispício mental, posto que, como enfatizado pelo Papa Francisco, “No diálogo com Deus não há espaço para o individualismo”.

Marcos Araújo é advogado e professor da Uern

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domingo - 10/07/2022 - 09:30h

Diferenças no common law

Por Marcelo Alves

A pedido de amigos, vou voltar a uma temática tratada dia desses, o common law, a conhecida tradição jurídica anglo-americana, desta feita para abordar algumas diferenças entre os direitos dos dois principais países a ela filiados, o Reino Unido e os Estados Unidos da América.

Sede da Suprema Corte dos Estados Unidos (Foto: Web)

Sede da Suprema Corte dos Estados Unidos (Foto: Web)

Como sabemos, a formação dos EUA remonta à fundação, pelos ingleses, nos albores do século XVII, de colônias independentes no chamado novo mundo (a primeira, em 1607, foi a Virginia). E, hoje, com a exceção do estado da Luisiana, o direito dos EUA está identificado com os princípios do common law inglês: conceitos semelhantes do direito e de suas funções, divisões similares quanto aos seus ramos, desenvolvimento de institutos jurídicos idênticos (torts, trust etc.) e um papel fundamental para o precedente judicial, entre outros.

Entretanto, no decorrer da história, o direito americano adquiriu características que o fazem diferir do direito inglês. A existência de uma Constituição escrita e rígida, o princípio da supremacia da constituição, o fato de ser uma federação, a descentralização do Poder Judiciário, a existência de alguns códigos, para citar as mais importantes, são singularidades que de fato fazem o direito americano algo diferente do seu modelo inspirador.

COMPREENDE-SE ISSO BEM quando se faz uma comparação direta entre alguns aspectos dos dois sistemas jurídicos. Victoria Sesma, com o seu “El precedente en el common law” (Civitas, 1995), nos poupa parte desse trabalho: “Em primeiro lugar, a fundamentação do direito do common law (isto é, que o direito está baseado na autoridade não escrita do costume) é rejeitada nos EUA, onde está claro que a Constituição é a fonte fundamental e superior do sistema jurídico dos EUA. (…). Além disso, a Constituição americana prevalece sobre qualquer lei, enquanto que na Inglaterra o poder do Parlamento é ilimitado. Isto tem levado a que (devido à frequente necessidade de interpretação de preceitos constitucionais) os juízes dos EUA tenham enfrentado muito mais que os ingleses problemas de política pública (public policy), em particular no conflito entre direitos inalienáveis (vested rights) e política do estado social (social state policy). (…). Em segundo lugar, os EUA (diferentemente da Inglaterra) têm uma estrutura federal em que há dois sistemas de tribunais: estaduais e federais. Aqui não somente existem jurisdições próprias em cada estado, como também há uma multiplicidade de jurisdições federais ao longo de todo o território dos EUA e não somente na capital federal. A dispersão da organização judicial nos EUA acarreta problemas que não se apresentam na Inglaterra, e se tende a adotar atitudes mais flexíveis a respeito da autoridade das decisões judiciais. Em terceiro lugar, a necessidade de uma sistematização do direito se sentiu antes e mais urgente nos EUA que na Inglaterra, devido à quantidade de material jurídico, que é tanta, que se tornou praticamente inviável administrá-lo”.

Por fim, no que tange aos precedentes judiciais, área de minha expertise, o direito americano possui uma visão bem peculiar. Se bem que a função do precedente seja basicamente a mesma, os conceitos dos institutos sejam os mesmos, ele é mais flexível, mais pragmático e menos conservador que o direito inglês. Como regra, os precedentes devem ser seguidos porque, no interesse da sociedade, o direito deve ser estável e uniforme.

Mas, como consta da decisão da Supreme Court em Hertz v. Woodman 218 US 205 [1910], a regra do stare decisis não é inflexível. Mesmo em se tratando de um precedente a priori obrigatório, os tribunais americanos não se consideram obrigados a segui-lo se ele não prima pela correção e razoabilidade; ademais, a validade de um precedente está condicionada à situação política, econômica e social presente.

As diferenças são justificáveis. Primeiramente, o número de precedentes nos EUA é colossal. Um sistema de Justiça Federal, ao lado de dezenas de sistemas estaduais, faz com que se tenham comumente precedentes contraditórios. E isso dá aos juízes a possibilidade de escolha do precedente mais adequado. Em segundo lugar, a rápida expansão americana implica mudanças políticas e sociais e isso sugere, comparando-se com a conservadora Inglaterra, que a estrita adoção da doutrina do stare decisis seja mais problemática.

Por derradeiro, as questões constitucionais têm um papel crucial nos EUA. A interpretação do direito constitucional – eminentemente político – é caracterizada pela flexibilidade. E essa flexibilidade, na aplicação dos precedentes judiciais constitucionais, contamina, em maior ou menor grau, as outras áreas do direito. Fato!

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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domingo - 10/07/2022 - 08:26h

Momento difícil – perdi o filho e a mãe

Por Ney Lopes

Faleceu na última segunda, 4, a minha mãe Neuza Lopes de Souza, 99.

A causa mortis Covid 19, enfarto agudo do miocárdio, pneumonia e lesão renal aguda.

Enfrento mais um grande choque emocional, após a morte de Ney Junior, em novembro passado.

Dores profundas atingem toda família.depressão, tristeza, solidão, perdas, fim, melancolia

Em época de volta à política, como pré-candidato ao senado, perdi a força e o estímulo de um filho, que era vocacionado e preparado para a vida pública.

Não tenho mais a sua presença, nem as suas palavras de solidariedade, um sentimento que a cada dia parece desaparecer.

Como se não bastasse, falta-me agora também a convivência física da minha mãe, que partiu e se encontrou com Ney Jr.

O funeral dela foi no Cemitério do Alecrim, em Natal sepultada no túmulo onde estão o meu Pai Josias de Oliveira Souza, o irmão Gileno Lopes de Souza e a minha avó, Mafalda de Araújo Souza da Fonseca.

O Alecrim traz recordações, por ser o símbolo da nossa vida familiar.

Lembra fatos vividos há anos, ao lado dela, de papai e irmãos.

Naqueles tempos, muitos sonhos vicejavam na minha mente cheia de fé e confiança em um futuro, que parecia custar a chegar.

O meu pai, Josias, veio do Açu e instalou a alfaiataria Globo, na avenida um.

Morávamos na rua Presidente Quaresma, onde residiam as famílias de Sinval Poti, Dr. Vicente Dutra, Dr. Hildebrando Matoso, Paulo Bulhões, Coronel Jovino Lopes, capitão Gurgel, José Fernandes, o casal Wellington e Etelvina, Marcilio e irmãos, Bráulio da movelaria (pai do escritor e jornalista Alex Nascimento), Miguel do Armazém Estrela, Esaú Vilela, Pedro Costa e outros.

Aos sábados ia na companhia dos meus pais à feira do Alecrim.

Teve razão o cordelista Elinaldo Medeiros, quando recitou à época: “Amigo vou lhe dizer, ouvinte vou te contar. Se arrume, pois, sábado vamos juntos passear, e na feira do Alecrim maravilhas vou te mostrar”.

Aos domingos despertava às quatro da manhã e com a família, assistia à missa na Igreja de São Pedro.

Lá estava aquilo que o notável cronista Sanderson Negreiros chamou de “multidão de personagens”, a maioria composta de congregados marianos, filhos de Maria, fiéis.

No altar, a figura do padre Martinho, falando com sotaque polaco, gestos largos e voz aguda.

Ele chegava à Igreja antes do início da missa e sempre estava na porta, cumprimentando a todos.

Após a missa, convidava alguns fiéis para o café da manhã na casa paroquial, ao lado.

Frustrava-me nunca ser convidado.

O Cemitério do Alecrim me traz outras recordações.

Em 1959, perdi o primeiro familiar próximo.

Lá deixei a minha avó materna Idalina, suave, santa, abnegada.

Depois, o meu avô materno Manoel Lopes da Silva Neto.

Em 1980, a figura humana e humilde do meu pai, Josias. 

Sanderson definiu bem o Cemitério do Alecrim, como um lugar onde “os epitáfios esplendem ao sol de verões penitentes e invernos dourados pela lembrança”.

Trago comigo a imagem da avenida um onde morei anos e seus personagens.

O posto do SAPS, situado no centro do bairro, era o Serviço de Alimentação da Previdência Social, criado por Getúlio Vargas para vender alimentos baratos à população.

Diariamente, recebia o encargo de mamãe para entrar em filas intermináveis e comprar o pão.

Na memória, figuras respeitadas como “seu” Álvaro Navarro, Celso Dutra e Wober Pinheiro, donos de farmácia, que amenizavam a dor dos seus clientes, com receitas prontas e eficazes; do “seu” Chiquinho, “seu” Artur e “seu” Juvenal Faria, todos fazendo as vezes dos supermercados de hoje, com varejo e atacado “sortidos”; dos cinemas São Luiz e São Pedro semeando a fantasia fugaz de romances (Casa Blanca; E o Vento Levou), duelos (seriados de caubóis: Rod Cameron e outros) e épicos inesquecíveis (Quo Vadis).

Amanhã, 11, será a missa de sétimo dia.

Um dia de intensa saudade de um passado já tão distante, que continua vivo no coração.

Momentos emocionalmente difíceis estou vivendo.

Somente a crença no reencontro conforta-nos, além da resignação cristã pela manifestação da vontade de Deus.

Ney Lopes é jornalista, advogado e ex-deputado federal

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domingo - 03/07/2022 - 13:44h

Lembranças

Por Inácio Augusto de Almeida

O time tricampeão do Flamengo era Garcia, Tomires e Pavão. Jadir, Dequinha e Jordan. Joel, Rubens, Índio, Benitez e Esquerdinha. Por que decorei o nome de todos os jogadores? Porque Dequinha era mossoroense. E isto fazia com que o menino sonhador que eu era se imaginasse parte daquele grupo.olhos negros, mulher, olhos

Da menina que na janela ficava todas as tardes me lembro muito bem. Lembro até que nunca ouvi uma só palavra pronunciada por aquele anjinho de olhinhos e cabelos negros.

Montava bem a cavalo, com ou sem sela e me imaginava um cowboy mais destemido do que Roy Rogers. Das revistas em quadrinhos gostava de todas e viajava junto com o Zorro e o Tonto.

Colocava talo de jaca com alpiste para pegar passarinho, que logo em seguida soltava por perceber o sofrimento nos olhos do galo de campina ou do canário. Tinha uma baladeira, mas só atirava pedra nas mangas e cajus.

O tempo passa rápido…

Aos poucos fui fazendo amizades no colégio. Wanderley, Lobato, Antônio. Wanderley virou bancário e Lobato dono de farmácia. Do Antônio nunca mais tive notícia.

Iolanda foi a namoradinha do primeiro beijo. Mocinha de saia azul e blusa branca como normalista que era.

Aí chega a verdade da vida e tenho que trabalhar de dia e estudar de noite.

Vejo a Iolanda casando. Passei a namorar Georgeteh. Naquela idade o coração suporta bem as dores de amor. Casei, tive filhos que cresceram e seguiram seus caminhos. Hoje restam lembranças, doces e amargas.

Saudade tenho do tempo de lateral esquerdo do Graça Aranha de São Luís do Maranhão. Eu me julgava um Nilton Santos. Daquela época, lembro bem de num programa de calouros, as rádios tinham programas de auditório, ter cantado ALGUÉM ME DISSE, anasalando a voz para parecer Anísio Silva, o cantor sucesso da época.

Que ninguém diga que eu não tentei.

Nesta tarde ameaçando chuva, flashs de momentos divertidos. Mas não esqueço dos momentos duros, difíceis. Imagino se me fosse permitido voltar para tudo viver novamente.

Eu aceitaria ou recusaria? Não sei.

Não sei porque acredito que vivemos para seguir em frente na escala evolucional e o passado pertence ao passado. Até seria bom reviver momentos significativos do meu passado. Momentos que enchem meu coração de saudade.

Lembro que assim aconteceu com meus pais e fico a pensar ser a vida uma reprise com variações mínimas, quase imperceptíveis. Basta ver que vivemos mais para os filhos do que para nós mesmos.

Melhor não aceitar recomeçar e entender que o maior encanto da vida é caminhar.

Hoje preso numa cama, vítima de uma maldita ou bendita artrose, certeza tenho de que a morte não me assusta. Estas malditas dores e mais acreditar que a morte não é o fim, afastaram de mim todo o medo da passagem que em breve acontecerá.

Mas, se eu estiver enganado e a morte for o fim? Se apenas escuridão existir? O que farei?

Um eterno ronco será a minha resposta a esta brincadeira sem graça do Criador.

Bendita artrose que me permite voltar ao passado e fazer estas reflexões. Maldita artrose que tanta dor me causa.

E assim constato que a vida é céu e inferno a um só tempo.

Fecho os olhos e em vão procuro a estrela em que a menina de olhinhos negros se escondeu.

Inácio Augusto de Almeida é escritor e Jornalista

Crônica dedicada ao professor Odemirton Filho

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domingo - 26/06/2022 - 12:40h

Bendita compreensão

Por Inácio Augusto de Almeida 

Tem dia que não bate uma saudade. Nem forte nem fraca. Simplesmente não bate saudade alguma. No peito, aquela agulhada no coração, provocada por lembranças que teimam em se fazer presentes. Lembrança, fotografia, fotógrafo, lambe-lambe

Sabe que não é saudade o que lhe incomoda, pois entende ser saudade a lembrança de momentos bons, alegres e com os quais todos sonham, numa hipotética volta ao passado.

Novamente viver? Sabe ser impossível. A vida não é uma fita de vídeo.

O que mexe com ele são as lembranças que não ficaram como saudades.

Lembranças que, às vezes, comportam-se como um duro promotor, de dedo apontado para seu peito, gritando erros cometidos há anos. Erros não esquecidos, e que teimam em atormentá-lo com cobranças cabíveis por conta de loucuras cometidas e que, quando repassadas, vê, com total clareza, o quanto foi insensato, procedendo de maneira tão condenável aos olhos de agora.

Num instinto de defesa, grita que jamais procedeu de forma intencional quando agia daquela maneira, agora entendida como tresloucada.

Lembra de tanta coisa. E de tantas coisas ri, enquanto o promotor, com olhos esbugalhados e com uma baba escorrendo pelo canto da boca, teima em aparecer com cobranças já prescritas.

O tempo tudo cura. Cura quando lhe mostra o quanto mudou daqueles dias para cá. E dia a dia, através do processo natural de amadurecimento, passou a entender que o ele de hoje é outro totalmente diferente.

Foram mudanças lentas, progressivas, imperceptíveis, mas tão profundas que às vezes não se reconhece de imediato e pensa até mesmo ser uma outra pessoa.

E assusta-se ao tentar imaginar como será o amanhã. Chega até mesmo a sentir medo do novo eu, que fatalmente surgirá.

Tem agora consciência de não ser possível mudar o que está em constante mutação…

Aprendeu, pelo sofrimento, que sabedoria sem humildade é como piscina sem água. E, principalmente, que não se adquire sabedoria através da cultura, mas do dia a dia. Lembra-se de Patativa do Assaré e de Cora Coralina a produzirem cultura fazendo uso de um palavreado simples, bem diferente da linguagem rebuscada, utilizada por intelectualóides que mascaram o vazio do amontoado de palavras, escrevendo de uma maneira que obrigaria até Champollion ao uso de dicionário.

Fazem isto para parecer coisa de algum valor as baboseiras que escrevem. Acha tudo isto um sarro. Ou é um medíocre a buscar um academicismo do qual está distante anos luz?

Hoje, prefere repartir o pouco conhecimento com todos a se isolar para posar de intelectual.  Faz, assim, a opção pela generosidade mental.

Aprendeu que a vida é compartilhar. O resto é frescura de egoístas de corruptelas, condenados ao esquecimento.

As lembranças amargas já não lhe provocam tantas dores. Entende perfeitamente que a maneira equivocada como procedeu foi determinada por conhecimentos limitados. O meio lhe encheu de falsos valores. E o maior deles foi achar que felicidade era TER.

TER e ostentar, achava ser o suficiente para mostrar-se um vencedor.

Hoje, vê corruptos agindo desta maneira, e ri. Ri ao constatar que quanto mais pobre o meio social de origem, maior a necessidade de ostentação…

O tempo é capaz de transformar egoístas em generosos. Mas isto só acontece com os que não ficam estáticos e compartilham conhecimento, num alegre jogo de dar e receber, só possível aos de espírito generoso.

Tudo isto avalia, e se convence de que os erros cometidos resultaram da imaturidade de um tempo que foi vivido de forma compatível ao ser que ele era naquela época. E que não podia ser diferente do que foi.

Será que daqui a alguns anos este mesmo sentimento de culpa não irá surgir e um outro promotor vai aparecer no seu imaginário para lhe acusar dos atos praticados hoje?

Será que este incansável acusador se fará presente até o último dia de sua vida?

Vida que nada mais é do que mudanças constantes.

Melhor deixar estes questionamentos de lado, procurar esquecer as lembranças e se refugiar nas saudades.

As saudades são sempre doces …

Inácio Augusto de Almeida é escritor e jornalista

Crônica dedicada ao Pe. Sátiro.

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domingo - 19/06/2022 - 11:36h

Do que você deve desconfiar quanto ao Direito

Por Honório de Medeiros

1) O Direito não é uma ciência.

Somente crê que o Direito é uma ciência quem não conhece filosofia da ciência ou defende sua cientificidade com propósitos indignos.Gato preto de olhos azuis

O corolário desse postulado é que cai por terra, assim, o uso do “argumento da autoridade” na defesa de interpretações cabotinas.

2) O Direito não tem qualquer relação com o Justo.

Como não se sabe o que é o Justo, ou a Justiça, não se pode afirmar, em qualquer circunstância, que o ordenamento jurídico seja um instrumento para a obtenção da justiça.

3) O ordenamento jurídico é um instrumento do Estado, não da Sociedade.

Tanto o é que pode se voltar contra a Sociedade. Quando a Sociedade dobra o Estado, como nas revoluções, cai o ordenamento jurídico.

4) O ordenamento jurídico é um instrumento de opressão.

Em todos os tempos e lugares o ordenamento jurídico é um instrumento de opressão do Estado sobre a Sociedade, entretanto vale o dito: ruim com ele, pior sem ele, havendo democracia.

5) O ordenamento jurídico reflete a estrutura de poder das elites dominantes, a correlação de forças políticas existentes em um determinado momento histórico.

Muito embora decisões esporádicas que contrariem o sistema político dominante possam surgir, elas dizem respeito a espasmos isolados que não comprometem sua lógica interna e externa de manifestação dos interesses das elites políticas dominantes.

6) A norma jurídica constitucional, ou os princípios constitucionais, por ser abstrata e difusa, quando da sua interpretação, refletirá ainda mais claramente a correlação de forças políticas existente em sua circunstância específica.

7) Não há qualquer parâmetro científico que possa nortear uma interpretação de normas ou princípios jurídicos. Os parâmetros existentes são puramente retóricos.

8) Os juízes, promotores, advogados, policias, enfim, os serventuários da Justiça são servidores do Estado, não da Sociedade e consolidam, ao agirem, enquanto correia de transmissão, sistemicamente, a repressão estatal.

9) Muito embora o Estado emerja da Sociedade, pode se voltar contra o ambiente social – e o faz – no qual foi concebido.

10) O ensino do direito positivo, com raras e honrosas exceções, ensina o manejo da norma jurídica, sem permitir o desenvolvimento das condições críticas necessárias para domina-lo, quanto aos seus fundamentos e finalidades, assegurando assim, a manutenção e reprodução do status quo.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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domingo - 19/06/2022 - 09:02h

A formação no foro

Por Marcelo Alves

Common law (a tradição anglo-americana) e civil law (a tradição romano-germânica ou continental) são as duas grandes famílias jurídicas do Ocidente, cada qual com origem e desenvolvimento próprios. Apesar da progressiva interação entre elas, não se pode ainda negar a realidade de tal dicotomia.pilares-del-tribunal-supremo-de-estados-unidos-18072771

Isso implica um modo diferente de enxergar o direito pelos juristas – e, sobretudo, pelos seus “operadores” – de uma e outra família. Como diz José Luis Vasquez Sotelo (em “A jurisprudência vinculante na common law e na civil law”, que consta do livro “Temas atuais de direito processual ibero-americano”, Forense, 1998), “o direito do common law tem tido sempre para os juristas do continente europeu um aspecto misterioso, por sua falta de Códigos e de grandes leis e por estar baseado na experiência”.

Por sua vez, “é conhecida a expressão que alude a que, se um jurista inglês se aventurasse na região da filosofia jurídica do Continente, se acharia como um estrangeiro em um país estranho, com homens que lhe falam um idioma desconhecido (…)”. Há um certo exagero aí, reconheçamos, sobretudo nos dias de hoje, com a globalização e interação digital que vivemos. Mas algumas diferenças eram e ainda o são, em boa medida, curiosas.

Darei dois exemplos quanto ao modo de pensar e à formação dos juristas do common law.

Quanto ao modo de pensar, sobretudo no passado, era bem nítida a distinção entre o operador do direito do common law e o do civil law. Naquele, os operadores do direito (juízes, advogados etc.) consultavam quase que exclusivamente os precedentes judiciais; neste, a legislação. E não há dúvida de que, ainda hoje, o modo de pensar do juiz do common law é diferente do modo de pensar do juiz do civil law. A Inglaterra continua sendo o principal exemplo disso, como expõe Sotelo:

– “Quando um jurista inglês estuda a solução aplicável consultando metódica e conscientemente as coleções de precedentes, após encontrar a solução, ele se pergunta se aquele ponto de vista terá sido modificado por alguma lei, consultando para isto o conjunto da Legislação. Um jurista de civil law busca, no Código ou na lei, a solução para o caso em questão. Um jurista do common law somente vê, na lei, as possíveis exceções à solução dada pelos precedentes vinculativos. Disso, ademais, resulta uma consequência importante: os statutes ou leis em sentido estrito, já que são regulamentações de exceção, devem ser interpretadas restritivamente”.

E quanto aos EUA, registra Eduard D. Re (em “Stare Decisis”, artigo publicado na Revista Jurídica, n. 198, abr. 1994) que Benjamin N. Cardozo (1870-1938), célebre Justice da Suprema Corte, disse: “a verdade é que muitos de nós, criados nas tradições do common law, encaramos a legislação com uma desconfiança que podemos deplorar, mas não negar”. E que Harlan F. Stone (1872-1946), outrora Chief Justice (Presidente) afirmou, sobre essa desconfiança, que “os tribunais do common law têm dado relativamente pouco reconhecimento à legislação, enquanto ponto de partida para formação de suas decisões, se a compararmos à força que emprestam aos precedentes”.

Outrossim, e até mais curiosamente, os grandes juristas do common law, em regra, tiveram sua formação no foro e não nas universidades. A maior prova disso é que, dentre os “antigos”, os maiores tratadistas do direito inglês foram exatamente os grandes juízes. Basta lembrar Bracton (1210-1268), Edward Coke (1552-1634) e William Blackstone (1723-1780), este sempre reverenciado, quando se fala do common law, por sua obra “Commentaries on the law of England” (1765-1770). Quanto ao direito americano é impossível falar dele sem mencionar juízes como John Marshall (1755-1835), Oliver Wendell Holmes Jr. (1841-1935) e Benjamin Cardozo, entre outros.

Aliás, lembra Sotelo que Roscoe Pound (1870-1965) quis expressar “a contraposição entre os dois sistemas afirmando que, enquanto o Direito anglo-americano é um Direito dos Tribunais, cujos oráculos são os Juízes, o do Continente é um Direito de Universidades, cujos oráculos são os Professores. A diferença metodológica pode ser representada claramente contrapondo-se um ‘Direito de Juízes’ a um ‘Direito de Catedráticos’”.

Bom, vocês poderiam me contrapor citando o próprio Roscoe Pound, que foi um professor. E um gigante. Ou mesmo Lon Fuller (1902-1978), Herbert Hart (1907-1992), Jonh Ralws (1921-2002) ou Ronald Dworkin (1931-2013). Mas esses últimos foram sobretudo filósofos e não “operadores” do direito. E são mais modernos. Quase de hoje. E as coisas mudam, sabiam?

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

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domingo - 19/06/2022 - 06:28h

“Os donos das calçadas”

Por Marcos Araújo

Início da década de 70, no século passado, Guilherme de Brito e Nelson Cavaquinho compuseram a música “o dono das calçadas”. A letra, segundo os autores, destinava-se a emoldurar a vida de Nelson Gonçalves, à época o mais célebre intérprete da boemia. O desejo dos autores era retratar a ocupação e a reinação dos boêmios nas calçadas dos bares, um espaço singular dos botequins cariocas.calçada, sombra

Fora da simbologia poética, para que servem as nossas calçadas? No plano urbanístico, qual utilização tem sido dada a este importante espaço em nossas cidades? Qualquer ser vivo responderia de pronto: servem para abrigo de lanchonetes improvisadas, quiosques fixos para venda de materiais importados e falsificações chinesas, lixões de entulhos, estacionamentos privados para automóveis, pontos de camelô, trailer com ótica ambulante, e até oficinas de carros. Em diversos setores da nossa cidade, as calçadas funcionam para tudo, menos para a mobilidade dos pedestres.

A precariedade da infraestrutura urbana conta com a adversidade da apropriação ilegal do espaço público, tomada por esses clandestinos “donos das calçadas”. Sem boemia. Acho extremamente grave a omissão dos gestores públicos com a privatização dos passeios públicos (as calçadas). Em Mossoró, suprimiram do pedestre o direito de andar nas ruas do centro. Mesmo em avenidas mais amplas, como a Rio Branco e João da Escóssia, placas de “estacionamento privativo” são apostas nas vias públicas. E ainda com a ameaça do veículo ser “guinchado”, caso seja estacionado em frente a uma dessas lojas. O uso é “exclusivo para clientes em compra”.

Isto me faz lembrar um episódio pessoal com um juiz do trabalho já falecido, conhecido pela sua intolerância e grosseria. A Justiça do Trabalho em Natal funcionava na Av. Hermes da Fonseca. Em plena via pública, havia uma pintura no asfalto com a inscrição “estacionamento privativo para os Juízes”. Eu, um jovem advogado à procura de confusão, estacionei no local. Fui advertido por um dos servidores para que retirasse o veículo, senão seria rebocado.

Achei um desaforo e estabeleci uma longa discussão, com o servidor e depois com o magistrado, sobre a indevida apropriação do espaço público. Adverti-os de uma possível prática de improbidade, de uma representação ao Ministério Público e da convocação da imprensa, apenas para ser deixado em paz. Meu carro ficou por lá, sob impropérios e protestos da autoridade questionada.

Por aqui e alhures, os pedestres são os maiores excluídos da mobilidade urbana. Imaginem a dificuldade dos cadeirantes e das pessoas com reduzida capacidade de locomoção. O mau estado de preservação das calçadas e obstáculos que impedem o trânsito livre e seguro dos pedestres é considerado crime. O Código de Obras do Município de Mossoró, no art. 131 diz que “Os passeios públicos (calçadas) são bens públicos de uso comum do povo, de acesso livre, não podendo ser impedidos do trânsito de pedestres.”

O artigo 68 do Código Nacional de Trânsito proíbe qualquer utilização de calçada que impeça o trânsito livre dos pedestres. Também é frisado que os equipamentos urbanos nas calçadas não podem bloquear, obstruir ou dificultar a caminhada dos pedestres. Tudo em vão! Letra morta da lei.

O problema é de “ECF”, uma sigla para resumir a falta de Educação, Conscientização e Fiscalização. Este último seria o principal mecanismo modificador da realidade das calçadas de Mossoró. Que a Prefeitura faça o seu trabalho, já que a nossa educação e a nossa consciência assim não permitem. Fiscalizar também é educar.

Enquanto as providencias não são tomadas (sem muitas esperanças!), melhor voltar a Nelson Cavaquinho, o menestrel da Mangueira. Nelson era um ser desprendido das coisas e dos anseios materiais, vivendo de forma simples e intensa. Dentre as suas mais belas composições, elejo “A flor e o espinho”, em parceria com Guilherme de Brito e Alcides Caminha.

Para o poeta Manoel Bandeira essa música tem a frase mais bonita da música popular brasileira: “tire o seu sorriso do caminho, que eu quero passar com a minha dor”.

Para sobreviver, Nelson compunha e depois vendia a letra da música para jovens cantores, uma prática comum nas primeiras décadas do século passado. Um dia, Cartola, seu parceiro em uma canção, estava em um bar escutando um samba de um novo compositor, quando reconheceu aquela música, e disse:

– “Ô meu amigo, esse samba é meu! Eu fiz esse samba com o Nelson”.

O sambista assustado, respondeu:

– “Eu comprei esse samba dele”.

Dias depois, ao encontrar Nelson em Mangueira, Cartola o interpelou:

– “Nunca mais serei seu parceiro, pois nós fazemos um samba juntos e você vende para os outros”.

Muito calmo e solicito, com aquela voz rouca que lhe era peculiar, Nelson respondeu:

– “Cartola, eu só vendi a minha parte da música. A outra parte é sua.”

Com base nesta historinha, aproveito para perguntar aos ocupantes das calçadas: se as calçadas são “patrimônio” dos pedestres, quem lhes vendeu a parte que me cabia?

Marcos Araújo é professor e advogado

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domingo - 12/06/2022 - 13:48h

O reflexo de Deus

Por Inácio Augusto de Almeida 

No quintal, olhando os primeiros frutos ainda não maduros da mangueira plantada quando cheguei, anos atrás, para morar nesta casa de quintal grande, neste bairro afastado, vi o que Deus faz e dificilmente notamos.frutos de mangueira, manga

Um simples caroço de manga transformado numa frondosa árvore com centenas de frutos a mostrar o milagre da multiplicação.

Olhando os frutos vi a grandeza maior e compreendi o quanto havia de beleza nas coisas que nos passam despercebidas.

Meu espírito viajou e sentiu-se na presença do Criador.

E me perguntei se um simples caroço de manga se transforma numa enorme mangueira, se qualquer semente, mesmo sem exigir cuidados, brota, cresce e mostra que a vida continua florescendo em toda a sua plenitude, por que então duvidar que o filho amado do Pai não consiga rebentar em nova vida e crescer, agigantar-se no renascer?

Os sinais de que continuaremos a jornada evolutiva estão em todos os lugares. Basta olhar com o coração.

Infelizmente não observamos com maior cuidado as estações do ano. Mas, mesmo com toda nossa desatenção, conseguimos ver que as folhas caem no verão e a vida se faz presente na primavera.

Isto apesar dos nossos olhos estarem sempre focados em futilidades. É a viseira do pragmatismo a nos deixar cegos para as coisas grandes e verdadeiramente importantes.

Tudo é belo, lindo, maravilhoso. A única coisa feia é o nosso olhar quando o afastamos do coração.

Veja um rio apenas com os olhos e certamente verás somente sujeira. Olhe este mesmo rio com o coração e ouvirás o zoar das cachoeiras, a beleza das corredeiras e a tranquilidade das calmarias. E mesmo o rio estando sofrendo a falta de amor do homem pela natureza, quando olhamos com o coração a poluição passará despercebida.

Um dia, quando eu não sei, nos convenceremos de que nossas angústias e medos são originados pelo desejo de sempre TER e SER cada vez mais e mais. Não colocamos limites para nossas ambições.

Ainda não nos convencemos que a felicidade está no FAZER. É o fazer o bem que nos permite crescer e nos coloca mais perto de Deus.

Já sabemos que nenhum bem faz mais bem ao coração do que o bem do amor. Então, vamos fazer o bem com amor e deitar por terra todas as dúvidas que nos assaltam quando da caminhada que empreendemos em busca da perfeição.

Perfeição que nos aproxima mais e mais de Deus.

Somos viajantes e nosso destino é o encontro maior.

O encontro com nosso Pai.

Volto a olhar as lindas mangas balançando por força da brisa vespertina deste dia tão lindo de céu azul anil e nuvens branquinhas como flocos de algodão que acabaram de brotar.

Como ter medo do renascer?

Inácio Augusto de Almeida é escritor e Jornalista

*Crônica dedicada à Sra. Sandra Rosado.

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