terça-feira - 24/12/2013 - 09:13h
Crônica

Acreditar em Papai Noel

Por Lya Luft

Acreditei em Papai Noel por muitos anos. Menina do interior com a fantasia sempre a mil, ele fazia parte das minhas histórias encantadas. Até uns 7 anos de idade, eu também acreditava na cegonha e no coelho da Páscoa. Quando o pôr-do-sol tingia o céu, diziam-me que os anjinhos começavam a assar aqueles biscoitos de Natal que se faziam em todas as casas da pequena cidade. Trovoadas de começo de verão eram São Pedro arrastando os móveis para a fábrica de brinquedos ter mais espaço.

Na antevéspera de Natal, um recanto da sala era ocultado por lençóis estendidos, e ali atrás ocorria o milagre: na noite de 24, com o coração saltando de ansiedade, a gente escutava sininhos como que de prata: era hora. Levada pela mão da mãe ou do pai, eu entrava na sala, de onde os lençóis tinham sido removidos, e lá estava ela: a árvore de Natal, toda luz de velas, toda cor de esferas, e embaixo os presentes. Muitíssimo menos dos que se dão hoje às crianças, mas havia presentes.

Cantávamos canções natalinas, todo mundo se abraçava, depois abríamos os pacotes e comíamos a ceia. No dia seguinte, chegavam tios, primos, alguns amigos. Era só isso, sem alarde, mas com emoção. Guardei a sensação de que Natal é fraternidade, é reconciliação, é alegria de estar junto, é a chegada de pessoas queridas, é o tempo da família. Para quem não a tem, é o tempo dos amores especiais.

Não éramos particularmente religiosos, mas uma de minhas avós, luterana convicta, na manhã seguinte me levava à igrejinha, onde eu gostava de cantar. Algo de muito bom se comemorava nesse tempo, o nascimento de Cristo e a esperança dos povos. Nem tudo seria guerra e perseguição, pobreza, crueldade, injustiça.

As pessoas se queixam muito de que o Natal hoje é só comércio. Depende de quem o comemora. Se me endivido por todo o próximo ano comprando presentes além de minhas possibilidades, pois no fundo acho que assim compro amor, estou transformando o meu Natal num comércio, e dos ruins.

Se entro nesses dias frustrado porque não pude comprar (ou trocar) carro, televisão, geladeira, estou fazendo um péssimo negócio para minha alma. E, se não consigo nem pensar em receber aquela sogra sempre crítica, aquele cunhado cínico, aquele sobrinho malcriado, abraçar o detestado chefe ou sorrir para o colega que invejo, estou transformando meu Natal num momento amargo. Então, depende de nós.

Claro que há as tragédias, as fatalidades, doença, morte, desemprego, alguma maldade – essas não faltam por aí. Um avô meu morreu de doença muito dolorosa, na véspera de Natal. Foi a primeira vez que vi um adulto, minha avó, chorando. Há poucos anos, minha mãe morreu na antevéspera de Natal, depois de longuíssimo tempo de uma enfermidade maldita. Mas foram também ocasiões de conforto e consolo, abraço, amor e entendimento.

Na medida em que não se podem dar muitos e caríssimos presentes, talvez até se apreciem mais coisas delicadas como a ceia, o brinde, o carinho, os votos, a reunião da família, o contato emotivo com os amigos, mensagens pelo correio ou e-mail, música menos barulhenta e aroma de velas acesas. Mais que tudo isso, o perfume de uma esperança ainda que realista. A crise nas finanças pode incrementar a valorização dos afetos.

Se não pudermos viajar, curtiremos mais nossa casa. Se não há como trocar velhos objetos, vamos cuidar mais dos que temos. Se não podemos comprar o primeiro carro, vamos olhar melhor nossos companheiros no metrô. Vamos curtir mais nossos ganhos em afeto.

Não é preciso ser original para escrever sobre o Natal. A gente só quer que ele seja tranqüilo e gostoso, e que nos faça acreditar: em Papai Noel, em anjos, em famílias amorosas ou amigos fiéis, em governantes mais justos e líderes mais capazes, em um povo mais respeitado – em alguma coisa a gente acaba sempre acreditando. Porque, afinal de contas, é a ocasião de ser menos amargo, menos crítico, menos lamurioso e mais aberto ao sinal deste momento singular, que tanto falta no mundo: a possível alegria, e o necessário amor.

Lya Luft é escritora e tradutora

 

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sábado - 30/11/2013 - 09:38h
História real

As cabeças trocadas e a fuga do Direito no TRE-RN

Como não poderia deixar de ser, os rodeios, labirintos, escapismos, contorcionismos e malabarismos que campeiam no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) vão se transformar em denúncia. O caso deverá ser formalizado à Corregedoria do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Ouvimos essa informação de uma fonte credenciada e influente, com livre trânsito nos corredores do mundo forense potiguar.

O julgamento que nunca chega ao fim na corte eleitoral, de variados recursos, deixou de ser simples emperramento processual (ou esperteza de hábeis processualistas), para se transformar em aberração jurídica e desdém à própria sociedade.

O ridículo com pompa é, assim mesmo, ridículo.

Até para um leigo, fica fácil perceber que estamos diante de uma chicana (abuso de recursos, sutilezas e formalidades na Justiça com finalidade de adiar decisão).

Em benefício de quem? Por quê?

Um estudante de Direito que acompanhou as mais recentes sessões dessa corte deve se sentir deslocado. Perceberá a nítida distância entre o que é ensinado na academia e o que existe na prática.

No TRE temos de tudo, menos o direito – deve imaginar o outrora utópico acadêmico.

O tal “direito” saiu há tempos pela porta dos fundos, como um anjo torto ou quasímodo moral, se esgueirando por corredores, salas e escadarias até alcançar a rua. Por vergonha, medo ou sabe-se lá por qual razão… sumiu.

Deve estar nas mãos de algum julgador que em vez de julgar, se transformou em estafeta, espécie de ASG (Auxiliar de Serviços Gerais) em tráfego de papeis de grandes causas.

A vida de milhares de cidadãos e instituições públicas, em alguns municípios, ficam à mercê da boa vontade de umas poucas pessoas engravatadas.

Só para lembrar: todos, sem exceção, são servidores públicos; muito bem pagos, que se diga.

Em seu Olimpo, não são deuses ou demiurgos. São mortais que não têm o direito de fazer, do Direito, um direito próprio, particular, a seu tempo e hora ou sem hora para acabar.

Não defendemos a condenação de A ou B. Cobramos, como cidadãos, o julgamento célere, límpido e translúcido, sem macaquices e firulas ou mesmo sob amparo de desculpas esfarrapadas.

Culpado, condene-se. Em contrário, absolva-se.

A justiça que tarda, que se arrasta, por si só já é injustiça.

No TRE do RN, ela fez morada, como aquela coruja de olhos arregalados que dá um giro de 360 graus no próprio pescoço, mas nada vê à luz do dia.

Sem pressa, mantém seus hábitos crepusculares e noturnos, quando aí enxerga tudo que lhe interessa.

A corte eleitoral faz-nos desembarcar no romance “As cabeças trocadas” de Thomas Mann. “Sita”, protagonista, mergulha em dúvidas quanto à predileção mais sensata à sua vida. Fica entre duas preferências em questionamentos atrozes.

O final é trágico e didático. Preferimos não contar aqui. Leia.

Que o TRE bote a sua cabeça no lugar e faça a mais sensata das escolhas: a devoção ao direito.

Só isso.

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domingo - 13/10/2013 - 10:05h

Homens que se aproveitam

Por Martha Medeiros

Entra geração, sai geração e os pais seguem dando os mesmos conselhos.

Mamãe para sua menina: “Filhinha, dê-se o valor. Não saia com qualquer um, esses garotos só querem se aproveitar de você”.

Papai para seu menino: “Filho, não se amarre tão cedo. Faça muita festa, namore todas, aproveite a vida”.

Moral da história: toda menina é carniça, todo homem é urubu.

Não olhe agora mas teias de aranha estão formando-se no teto. Estou pra ver papo mais obsoleto.

Mesmo que as mães estejam hoje menos caretas e já não destilem tanto preconceito, ainda assim paira no ar a idéia de que, quando um homem e uma mulher vão para os finalmentes sem haver um compromisso formal, ele está tirando uma lasquinha da pobre infeliz, que está ali sendo iludida, usada, consumida.

Tirem as crianças da sala!

O que ninguém contou para o urubu é que a carniça não está morta: ela também tem fome e sacia-se plenamente com essa refeição.

Pelo amor de Deus, as mulheres aproveitam também!

A diferença é que a gente não sai com um cara só para ter assunto com as amigas no dia seguinte: as mulheres é que são as verdadeiras comem-quietas.

Não acredito quando ouço uma garota dizer que fulano se aproveitou dela. Como assim, ela estava desmaiada?

Algumas mulheres ainda têm esse vício de achar que uma relação sexual que não evoluiu para o namoro sério ou para o casamento é uma espécie de estelionato: o cara furtou sua ilusão de amor.

Essa garota até pode ter caído numa cantada mal-intencionada, mas ainda assim, durante o bem-bom, ela não estava fazendo nenhum sacrifício: trocou carinho, sentiu prazer, ficou satisfeita.

Por que só o homem se aproveita? Aliás, por que esse “se” pejorativo, como se o ato sexual fosse praticado por um só?

Homens e mulheres apenas “se” aproveitam quando “se” masturbam, amando-se a si próprios. O resto é em proveito dos dois.

Ninguém deve se entregar para uma pessoa em troca de garantias. Uma relação sexual não é um passaporte para o altar, é apenas uma transa, que pode virar duas, três, trezentas, ou pode permanecer filha única.

Nenhuma mulher pode dizer que alguém se aproveitou da sua ingenuidade depois de ela ter consentido tirar a roupa. Se tirou, que aproveite também.

Quem acha que o prazer é um direito apenas dos homens precisa voltar para os anos 70 e recuperar as aulas perdidas.

Martha Medeiros é cronista, jornalista e escritora

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domingo - 06/10/2013 - 07:19h

Notícias… notícias… notícias

Por Inácio Augusto de Almeida

Ouço no rádio que o banco estatal vai financiar a construção de mais uma fábrica de cachaça. Gera emprego, diz o locutor.

Em seguida, ouço o resultado do jogo do bicho. Gera emprego, diz o locutor.

E logo depois, o mesmo locutor informa que Fernando Gabeira, aquele que participou do seqüestro do embaixador americano, defende o turismo sexual. Fernando Gabeira fundou o partido verde mas dele já se afastou. Não sei por qual partido anda no momento.

Diz o deputado Gabeira que o turismo sexual atrai turista. Pelo menos foi assim que o locutor terminou o noticiário.

Não, não havia nenhum tom de censura na voz do locutor.

Estas notícias foram lidas com toda naturalidade, como se ele estivesse a noticiar a construção de mais uma escola, uma estrada ou um hospital.

De tanto convivermos com o absurdo, já não nos chocamos com nada.

Estamos anestesiados e passamos a aceitar tudo como normal.

Parece que somente os que questionam são os desviados.

E assim vamos caminhando.

Agora o locutor fala de um condômino que  levou um gato para o apartamento, causando revolta em todos os outros moradores do prédio.

Na sua voz há indignação.

Eu? Rio…

Que mais posso fazer?

E você ?…

Inácio Augusto de Almeida é jornalista

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Categoria(s): Crônica
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sábado - 05/10/2013 - 08:51h
Eike Batista

Êxito pelo avesso expõe mais um falso mito

Eike Batista virou piada mundial e “case” de insucesso. Fortuna de 34 bilhões de US$ sumiu. Hoje, dizem, estaria devedor.

Deixou de ser bom exemplo. Virou um caso típico de êxito pelo avesso: “como não fazer”.

Eike: êxito ao contrário

Esse é mais um alerta para todos nós.

É um típico mito com pés de gelatina, incensado como gênio, que começou riqueza com informação privilegiada no Governo Federal.

Eike caiu, o Império Romano desabou, imagine nós, pobres mortais.

Sigo eu, como “liso estável”, “escritor mundialmente desconhecido” e repórter provinciano, nesta página. Bastam-me.

Não tenho empréstimo consignado, cartão de crédito, carnê da Casas Bahia ou compra parcelada da Riachuelo.

Nenhum agiota bate à minha porta (só oficiais de Justiça, vez por outra).

Meu Camaro Amarelo, que me deixa doce, não é financiado. Está pago.

Nem penso em adquirir muquiço do “Minha casa, minha vida”.

Nunca acreditei em facilidades como “Telexfree” e outras pirâmides que prometem riqueza rápida e sem atropelos. Boto fé nas que estão no Egito, América Central e Peru. Elas são reais há milênios.

Trabalho, muito trabalho, é o caminho para fortuna, que não é objetivo basilar meu.

Toda escalada exige esforço sobre-humano e resignação para grandes perdas.

Tudo tem seu preço. Se podes pagar, pague.

Enfim, sobra-me aquela “paz de criança dormindo”, descrita por Dolores Duran.

Hora de sair por aí com meu físico de canário-belga e canelas de talo de coentro.

Tenho um monte de coisa para não fazer e, vez por outra, ainda arranjar um tempo para me divertir com minha profissão, nesta página.

Inté mais!

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domingo - 08/09/2013 - 03:46h

Fanatismo – a manifestação de força dos fracos

Por Carlos Santos

O fanatismo é a única forma de força de vontade acessível aos fracos“.

(Friedrich Nietzche)

O fanatismo – principalmente religioso e político – só levou a humanidade ao atraso, ao obscurantismo, à segregação e a estupidezes. Fanatismo é uma fortaleza perene no Rio Grande do Norte e demais recantos desse vasto mundo terreno e da alma humana.

Num passeio pela história do homem até nosso tempo, é fácil identificar como o fanatismo freia a evolução da espécie: da ciência à organização social. 

O fanático é um autista. Para ele, há um mundo próprio, com valores ortodoxos.

Seus dogmas, lógico, estão certos e são indiscutíveis. Sempre.

Nessa cegueira, o fanático estabelece o maniqueísmo como bússola, julgando tudo e a todos sob a bifurcação do bem e do mal. O bem, o seu lado. É o que ele defende, muitas vezes sem saber exatamente o que advoga como verdade.

O que seria de nós sem o Iluminismo, a democracia e o ponto de interrogação, em contraponto às trevas, o cesarismo e às maria-vai-com-as-outras?

Reflitamos quanto ao que nos aprisiona.

Na cela insalubre do fanatismo, ninguém pode se sentir ou se imaginar livre. É súdito da limitação.

Vejo duas modalidades de fanáticos: o que se tornou besta-fera por restrição cognitiva e o outro, que age assim para tirar proveito próprio, como um “fanático esclarecido”.

Nos dois casos, uma só vítima: o homem.

De ambos, a mesma conduta deletéria: um, tangido pela ignorância primária; outro, pela esperteza torpe.

Não… não insista. Não adianta discutir com ele.

O fanático é antes de tudo um idiota, o senhor da razão – pensa.

Mantenha-o ocupado; seja indiferente…

Intolerante, o fanático não debate, agride.

O fanático não conversa, ruge.

O fanático não se contrapõe a argumentos, ataca o argumentador.

Quem é o fanático?

É aquele indivíduo que ironizou Cristo na cruz, o SS nazista que cumpriu ordens do III Reich para queimar judeus ou aquele borra-botas que só vê virtudes em seu líder político.

Todos, cada um em seu contexto histórico e circunstância, age como fanático, incapaz de se portar com prudência e racionalidade.

Somos as suas vítimas até hoje.

Esse homem-bomba, como todo homem-bomba, é o primeiro a morrer em seus delírios.

Deixe-o ir só às profundezas de sua pobreza e insanidade.

Sejamos indiferentes…

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domingo - 01/09/2013 - 09:06h

O médico à procura do ser humano

Por Rubem Alves

Antigamente a simples presença do médico irradiava vida. Antigamente os médicos eram também feiticeiros. “Mestre, diga uma única palavra, e minha filha será curada…”. A vida circulava nas relações de afeto que ligavam o médico àqueles que o cercavam.

Naquele tempo os médicos sabiam dessas coisas. Hoje não sabem mais.

Aquele médico ao lado da menina: não se parece ele com um cavaleiro solitário que vai sozinho lutar contra a morte? Naquele tempo os médicos sabiam qual era seu destino. Havia muito sofrimento, sim.

Havia muito medo, sim. Medo e sofrimento são parte da substância da vida. Mas nunca soube de um médico que ficasse estressado. Não são as batalhas que produzem o estresse. As batalhas, ao contrário, dão coesão, pureza, integração ao corpo e à alma.

O cavaleiro solitário é um herói com o corpo coberto de cicatrizes mas de alma inteira. Os estressados são aqueles que, sem ter uma batalha a travar, são puxados em todas as direções por uma legião de demônios.

A imagem do cavaleiro solitário que luta contra a morte é uma imagem romântica. Bela. Comovente. Quem não desejaria ser um? Criticam o romantismo. Fernando Pessoa comenta: mas não é verdade que a alma é incuravelmente romântica?

O médico de antigamente era um herói romântico, vestido de branco. As jovens donzelas e as mulheres casadas suspiravam ao vê-lo passar. Ainda bem que a consulta permitia o gozo puro do toque da sua mão…

O cavaleiro solitário que luta contra a morte é um santo. Quem, jamais, ousaria pensar qualquer coisa de mau contra o médico? Hoje são comuns os processos contra os médicos por imperícia.

Ser médico transformou-se num risco. Porque ninguém mais acredita na sua santidade. Talvez porque eles tenham deixado mesmo de ser santos… Mas, naquele tempo, as pessoas julgavam que o médico era um santo, e porque as pessoas pensavam assim, eles eram santos.

Eu me apaixonei pela imagem. Queria ser feiticeiro. Queria ser o cavaleiro solitário que luta contra a morte. Queria ser o santo. E esse ideal, para mim, não era uma abstração. Ele tinha um nome: Albert Schweitzer – um dos homens mais geniais do século XX.

Organista, escritor, teólogo, fez um trato com Deus: até os 30 anos, faria essas coisas que lhe davam prazer cultural. Depois, iria se dedicar inteiramente aos sofredores. Entrou para a escola de medicina aos 30 e, depois de médico, passou o resto da vida num lugar perdido das selvas africanas, construiu um hospital de madeira e sapé onde distribuía alívio da dor.

Claro, nunca ficou rico. Nem teve estresse. Sua bela imagem o fazia feliz. Ganhou o prêmio Nobel da Paz.

Não fui médico. Mas segui pela vida encantado por aquele quadro. O encanto foi quebrado quando fui fazer meu doutoramento nos Estados Unidos.

Um dia fui ouvir uma palestra do diretor do hospital da cidade de Princeton, NJ, onde eu estudava. Ele começou sua preleção com esta afirmação que estilhaçou o quadro: “O hospital de Princeton é uma empresa que vende serviços”. “Meu Deus”, eu pensei. “Aquele médico não existe mais”.

E percebi que, agora, os médicos se encontram lado a lado com os prestadores de serviço, os encanadores, os eletricistas, os vendedores de seguro, os agentes funerários, os motoristas de táxi. É só procurar na lista de classificados. A presença mágica já não existe.

O médico é um profissional como os outros. Perdeu sua aura sagrada. E me veio, então, uma definição do médico compatível com a definição que o diretor dera para o hospital de Princeton: “um médico é uma unidade biopsicológica móvel, portadora de conhecimentos especializados, e que vende serviços”.

Essa imagem, em absoluta conformidade com as condições sociais e econômicas do mundo moderno, não fez nada comigo. Não me comoveu. Não desejei ser igual.

O mito de Narciso, eu acho, é o mito mais profundo. Todos nós, como Narciso, estamos em busca da nossa bela imagem. Mas para ver a nossa bela imagem temos necessidade de espelhos. Espelhos são os outros.

É no rosto dos outros que vemos a nossa própria imagem refletida.

Nos tempos antigos todas as pessoas eram espelhos para o médico. Todos o conheciam. Todos olhavam para ele com admiração. Hoje, morto o médico do quadro, o médico é agora procurado não por ser amado e conhecido, mas por constar no catálogo do convênio.

Seus espelhos não são mais os clientes, parentes, todo mundo. São os seus pares: colegas de empresa, sócios de consultório, congressos. Perigosas, essas relações entre pares. O primeiro assassinato registrado foi de um irmão que matou o irmão.

A relação do médico antigo com seus espelhos era uma relação de gratidão e admiração. A relação do médico de hoje com seus espelhos é uma relação de inveja e competição.

Acho que os médicos, hoje, são infelizes por causa disto: eles resolveram ser médicos por desejar ser belos como o cavaleiro solitário, puros como o santo, e admirados como o feiticeiro. Era isso que estava dentro deles, ao tomarem a decisão de estudar medicina. E é isso que continua a viver na sua alma, como saudade…

É. A vida lhes pregou uma peça. E hoje a imagem que eles vêem, refletida no espelho, é a de uma unidade biopsicológica móvel, portadora de conhecimentos especializados, e que vende serviços…

Os médicos sofrem por saudade de uma imagem que não existe mais.

Rubem Alves é psicanalista e escritor, autor de várias obras publicadas pela Editora Papirus. Esta crônica faz parte do livro “O médico”, 2002.

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domingo - 04/08/2013 - 08:51h

A emoção, dividida, com Dominguinhos

Por Carlos Santos

Zapeando canais na TV, ontem, deparei-me com um documentário sobre Dominguinhos, apresentado pela TV Cultura. Era uma reapresentação.

Infelizmente, já o alcancei em trechos finais. Mas nem por isso, sem deixar de me marcar profundamente.

Ao volante de um carro que ele mesmo dirigia (tinha pavor de avião), o artista recém-falecido narrava sua vida, contava seus causos… se emocionava. Emocionou-me.

O que mais mexeu comigo: um amigo, produtor musical, relatou a gravação de “A triste partida” num estúdio em Rio ou São Paulo, não lembro.

Em determinado momento da gravação, houve o que parecia ser uma pane nos equipamentos. Na mesa de som, o operador mexia, outras pessoas presentes ao estúdios se entreolhavam e davam como certa a existência de um problema técnico.

Dominguinhos, que cantava “A triste partida”, com cabeça baixa, testa debruçada sobre seu instrumento, chorava copiosamente. Não conseguia dar sequência à gravação.

Aí, quando todos descobriram o porquê da “falha”, mantiveram o respeito à sua dor de ex-retirante. Firmaram um acordo tácito-emocional, presos ao silêncio.

Aguardaram-no enxugar as lágrimas, se refazer, para só quase dez minutos depois se pronunciar novamente, pronto para seguir em frente.

Estava pronto para completar “A triste partida”. A triste partida de Dominguinhos.

Como não chorar também, heim?

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domingo - 21/07/2013 - 14:02h

Quase pronto para não fazer nada

Por Carlos Santos

Copio o que é comum à cultura italiana, de zelo ao tempo destinado a não fazer nada. Estou agilizando providências para não fazer nada neste domingo de sol tímido e omisso.

O “Dolce far niente” [doçura de não fazer nada] é mal-interpretado por muita gente.

O “Shabath”, para os judeus, é dia sagrado de descanso. Significa “cessar o trabalho”.

Sagrado, veja bem.

Na Bíblia, em Gênesis, está escrito que Deus descansou ao sétimo dia, após a obra da criação. Tornou-o santificado.

Portanto, tenho que me apressar. Tenho um monte de coisa para não fazer ainda hoje.

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terça-feira - 09/07/2013 - 08:05h
Crônica

A ponte

Daqui a poucas horas, um de meus filhos – Carlos Júnior – levanta voo.

Inquieto, tem o ímpeto dos jovens conquistadores. Melhor: sabe exatamente o que quer; traça o próprio destino.

Vai pro Velho Mundo.

Não lhes digo que meu coração apenas pulsa. É diferente. Há aquele aperto, uma contração que parece me fazer sumir um pouco.

Adianto-lhes, entretanto: não tenho medo. Sou todo sentimento. Sinto-me leve, paradoxalmente.

A existência humana é feita de ciclos.

Estamos, eu e ele, vivendo o “ritual da provação”, em que a distância em vez de vácuo – definitivamente será nossa “ponte”. Caminhamos de mãos dadas sobre ela.

Ver a cria partir e, desgarrar-se, é testemunhar que a missão paternal venceu todas as dificuldades e medos.

Agora é com você, meu filho.

Qualquer coisa estou aqui, ao seu lado, na “ponte”.

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sábado - 22/06/2013 - 20:56h
Chegaaaaa!!

Misturados, mesclados, irmanados, juntos na mesma causa

Por Carlos Santos

Gostei de ver crianças, adultos, idosos; polícia e cidadão juntos, misturados, mesclados….

Gente simples, classe média; empresários e empregados no mesmo chão, na mesma praça; sobramos como povo/gente no leito da rua, irmanados na avenida e na praça.

Todos em paz: Chegaaaa!

O “Movimento Chegaaaaa!!!” foi sucesso em sua natureza de protesto pacifista, um fracasso em número – hoje (sábado, 22) – em Mossoró.

Por quê?

Porque a maioria de nós quer tudo de graça. Sem luta.

Mossoroense – com exceções – adora transferir responsabilidades; poucos topam a boa luta e a defesa de propósitos coletivos.

Pessoas pequenas adoram arranjar desculpas menores para grandes causas. Anote, por favor.

Os que se atrevem a transgredir costumam pagar caro pela ousadia.

Mas lhe digo: vale a pena desafiar o imobilismo e defender causas que acreditamos.

Depois, até quem cruzou os braços, calou-se, poderá usufruir dos resultados.

Talvez eu seja um sonhador. Ótimo.

Não me imagino indiferente, omisso e sem fé.

Bom demais poder olhar para trás e exclamar: “dei o meu melhor”.

Claro que não é o suficiente, mas é uma parte maior do que a ofertada pela maioria.

Aí, lá adiante, talvez faça alguma diferença para todos nós.

Chegaaaaa!!!

* Foto de Ebelardo Freitas

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domingo - 02/06/2013 - 09:20h

Felicidade pega

Por Danuza Leão

Fácil não é, mas existem maneiras de procurar a felicidade. A primeira coisa – e a mais importante – é tentar só ter como amigos gente com a vocação da felicidade. É claro que às vezes eles passam por problemas, e devemos ser solidários nesses momentos.

Mas existem pessoas que nascem de baixo-astral, sempre se queixando de tudo, só falando de problemas e tristezas. Se você conviver muito com pessoas assim, pode saber que vai ficar mal.

Aliás, gente assim só gosta de se dar com pessoas como elas; quem, nascido com o DNA lá em baixo, vai suportar ser amiga de quem é feliz, otimista, que vive rindo e achando a vida boa? E não falo só de amigos: se o seu tintureiro se queixa o tempo todo da vida, o professor de ginástica só conta desgraças, a faxineira, as doenças dela e da família inteira, troque, mesmo com dó e piedade.

Você tem que se defender, e uma das maneiras é se afastar, fugir, não chegar nem perto.

Eu tive uma empregada que era excelente, e apesar de só se queixar e me contar histórias trágicas (e antigas) -como morreu a avó há 50 anos, a sobrinha que tinha um filho que estava preso, a irmã que pesava 110 quilos e era diabética (tudo com riqueza de detalhes)-, fiquei com ela durante anos, já que era uma ótima profissional.

Mas um dia não deu mais. Fiz das tripas coração e a demiti, com todas as vantagens da lei e muitas outras, para me livrar da culpa. Mas fiquei pensando: será que ela vai encontrar outro emprego? E se não encontrasse, a culpa seria toda minha, que deveria ter sido mais paciente e tolerante, sabendo que a vida dela não era fácil etc. etc.

Mas sabe aquele dia em que não dá mais? Pois não deu; assumir minha culpa não foi fácil, mas o que era para ser feito foi feito.

Aí veio uma outra, que não deu muito pé, e antes que laços de amizade se fizessem, dispensei. E aí veio a terceira, e minha vida mudou.

Em primeiro lugar, ela é uma pessoa de altíssimo astral. Bem casada, feliz com o marido, e com um sorriso -quando não uma gargalhada- o tempo todo. Quando ela veio pela primeira vez conversar comigo, me chamou logo de Danuza, não de dona Danuza.

Como desde que me entendo por gente as empregadas chamam as patroas de dona, achei um pouco estranho, mas não tive nenhuma condição de pedir que ela me chamasse de dona. Afinal, isso não tem nada a ver comigo. E assim fomos indo: Danuza pra cá, Vanúzia (é o nome dela) pra lá, e a vida correndo não só bem, como cada vez melhor.

Ela me elogia, diz que o cabelo novo ficou ótimo, e me confessou que adora Clodovil, Agnaldo Timóteo e não perde um show de Fagner, sua grande paixão. Tudo isso me faz rir, e de repente percebi que estava rindo o dia inteiro. Ontem ela estava na área passando roupa, e de repente ouvi um som estranho.

Fui ver e era ela, com o ferro na mão, cantando; cantando alto uma música que nunca ouvi, provavelmente do repertório de Alcione, e quando cheguei à área ela me abriu um grande sorriso e perguntou “quer um chazinho gelado? Você quase não toma água, e água faz bem, vou pegar um copinho para você”.

Largou o ferro e me trouxe um chá bem gelado, e eu vi o quanto eu era feliz de ter uma pessoa assim perto de mim. Uma empregada que canta e que na hora de ir embora me manda um beijo; tem coisa melhor?

Vanúzia vai levar um susto quando ler esta coluna; é capaz até de mandar emoldurar, mas ela merece, pela felicidade que me dá. E descobri que felicidade e tristeza são tão contagiantes quanto o sarampo.

Danuza Leão é escritora e cronista

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domingo - 12/05/2013 - 01:06h
Neste dia

A maior parte que fica conosco

Já lhe confessei aversão ao formalismo de datas. Em relação ao Dia das Mães, também.

Continuo com a visão de que a gente não deve ter data predeterminada para declarar sentimentos. Aprendi com minha santa mãezinha.

Ela detestava essa “burocracia” alimentada pelo capitalismo.

Aproveite todos os dias para dizer que amas, manifeste a qualquer momento sua afeição, deixe seu bem-querer transbordar como uma cachoeira incessante. Não perca tempo, não poupe abraços, beijos e zelo.

Aí valerá a pena todos os dias.

Mesmo quando ela se for, sempre ficará a maior parte conosco: o sentimento.

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domingo - 21/04/2013 - 07:58h
Mãe d´água

Natureza que se renova fazendo o sertão virar mar

O sertanejo sabe o valor dessa imagem. A natureza renova-se. O sertão vira mar.

Açude Recreio em Campo Grande 20-04-13: água redentora, fertilizando a terra seca

Sai a lágrima cândida e refém da dor, do homem do campo, para transbordar a água redentora.

A imagem é do Açude Recreio em Campo Grande. Ele esborrou dia passado, após uma “tromba d´água”.

Vem, vem fertilizar nosso chão; semeia nosso pão.

Vem fazer ziguezague na terra seca que esperava seu beijo… sua unção.

Vem, mãe d´água.

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domingo - 31/03/2013 - 09:56h

Viva Portugal!!

Por Honório de Medeiros

Já estive em Portugal, antes, por pouco tempo. Desta vez, entretanto, a demora está sendo longa. E aprofundada, horizontalmente, pois estou flanando também no seu interior, e verticalmente, pois puxo conversa onde chego, desde o taxista ao garçom, passando por balconistas de lojas, vendedores de jornais e revistas, e quem danado, segundo meus padrões, represente o povão.

A conclusão é simples, mas dolorosa, porque resulta, sempre, de uma comparação com o Brasil.

Para começo de assunto Portugal é lindo, sua história é muito interessante, e, ao contrário do que se supõe, o povo é educado e a nova geração muito bonita e bem cuidada. E alegre, nada melancólica.

E tudo funciona, aqui, bem, muito bem, se comparado com o Brasil: educação, saúde, segurança e infra-estrutura.

As cidades são limpas, sem mendigos, pastoradores de carro ou lavadores de parabrisas; o asfalto das ruas e das estradas é de primeira qualidade; os ônibus são novos e disciplinados; o trânsito flui normalmente e sem estresse.

Como viajamos de carro pelo interior, pude perceber a limpeza das laterais das estradas, das cidades e dos lugares onde se para para uma visita ao tualete. A sinalização é perfeita.

Quanto à segurança, o contraste também salta aos olhos: as pessoas andam pelas ruas, à noite, despreocupadas.

Esqueci de falar do metrô: em termos de limpeza e regularidade, supera em muito o de Paris.

Há senões? Claro que há!

Como ainda volto, e por um período maior, a Portugal, escreverei algo acerca disso um pouco mais adiante.

Enquanto não, quero confessar: ando muito surpreendido, e agradavelmente, com as terras lusitanas…

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Estado do RN

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domingo - 24/02/2013 - 10:30h

Sentir-se amado

Por Martha Medeiros

O cara diz que te ama, então tá. Ele te ama.

Sua mulher diz que te ama, então assunto encerrado.

Você sabe que é amado porque lhe disseram isso, as três palavrinhas mágicas. Mas saber-se amado é uma coisa, sentir-se amado é outra, uma diferença de milhas, um espaço enorme para a angústia instalar-se.

A demonstração de amor requer mais do que beijos, sexo e verbalização, apesar de não sonharmos com outra coisa: se o cara beija, transa e diz que me ama, tenha a santa paciência, vou querer que ele faça pacto de sangue também?

Pactos. Acho que é isso. Não de sangue nem de nada que se possa ver e tocar. É um pacto silencioso que tem a força de manter as coisas enraizadas, um pacto de eternidade, mesmo que o destino um dia venha a dividir o caminho dos dois.

Sentir-se amado é sentir que a pessoa tem interesse real na sua vida, que zela pela sua felicidade, que se preocupa quando as coisas não estão dando certo, que sugere caminhos para melhorar, que coloca-se a postos para ouvir suas dúvidas e que dá uma sacudida em você, caso você esteja delirando. “Não seja tão severa consigo mesma, relaxe um pouco. Vou te trazer um cálice de vinho”.

Sentir-se amado é ver que ela lembra de coisas que você contou dois anos atrás, é vê-la tentar reconciliar você com seu pai, é ver como ela fica triste quando você está triste e como sorri com delicadeza quando diz que você está fazendo uma tempestade em copo d´água. “Lembra que quando eu passei por isso você disse que eu estava dramatizando? Então, chegou sua vez de simplificar as coisas. Vem aqui, tira este sapato.”

Sentem-se amados aqueles que perdoam um ao outro e que não transformam a mágoa em munição na hora da discussão. Sente-se amado aquele que se sente aceito, que se sente bem-vindo, que se sente inteiro. Sente-se amado aquele que tem sua solidão respeitada, aquele que sabe que não existe assunto proibido, que tudo pode ser dito e compreendido.

Sente-se amado quem se sente seguro para ser exatamente como é, sem inventar um personagem para a relação, pois personagem nenhum se sustenta muito tempo. Sente-se amado quem não ofega, mas suspira; quem não levanta a voz, mas fala; quem não concorda, mas escuta.

Agora sente-se e escute: eu te amo não diz tudo.

Martha Medeiros é escritora, jornalista, poetisa e cronista gaúcha

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terça-feira - 19/02/2013 - 08:21h
Crônica

Meu papel de gente no mundo

Já ouvi de algumas pessoas próximas, uma censura em tom de zelo:

– Você se cobra muito!

Talvez.

Mas costumo retrucar, com o cuidado de usar a voz baixa, para não parecer ingrato:

– Já imaginou se em vez de me cobrar, ser tão exigente comigo, eu lhe impusesse essa pressão?

Aprendi nessa longa estrada da vida, que tenho de fazer minha parte. Não posso pedir, se não me faço melhor.

Se quero mudar algo, transformar meu mundo, começo por mim. Quem achar que estou certo e mereço a companhia, acompanhe-me.

É opressivo cobrar e impor aspirações e nossos valores a outrem indivíduo, por mais que gostemos dele.

Exigir que um filho torça por meu time de futebol e ainda por cima me ame…? Por que eu teria esses direitos?

Quem gosta, zela; se domina, o faz pela força da atitude, não por “atitudes de força”.

Claro que posso estar errado. Se estiver, tentarei mudar. Não sou um ser estático e acabado.

Ainda estou me fazendo ser, contra as forças que nos asfixiam cotidianamente. É uma luta incessante contra o não-ser.

Só muito depois da longínqua infância compreendo o alarido de minha mãe, para me por nos “eixos”, com olhar que me fuzilava no paredão:

– Você tome jeito de gente!!!

Tenho tentado, tenho tentado, lhe garanto.

Quem tem de melhorar sou eu. É parte de minha contribuição para esse mundo.

Cobro de quem pode fazer algo, sem impor nada a ninguém. Cobro de mim. Acho que suporto essa pressão.

Assim espero.

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segunda-feira - 18/02/2013 - 13:31h
Uma partida de futebol

De volta pra galera

Fazia um tempão que eu não ia pra galera. Tempão que não pegava estrada para ver futebol; torcer e se angustiar.

Vibrar e resmungar numa partida de futebol ao vivo têm outra magia.

Gostei da experiência. É renovadora. Devolveu-me a um tempo de compromissos menores, de alegrias fugazes e em que o lúdico era a essência.

Potiguar 1 x 0 Assu, ontem (domingo, 17) no Edgarzão, em Assu, também foi oportunidade para reencontrar amigos, comer pipoca e sentir falta do cachorro-quente do Nogueirão.

La dolce vita em vermelho e branco, mas acima de tudo leve, sem pressa nenhuma para voltar à realidade das obrigações e demandas diárias.

Ah, eu volto!

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domingo - 17/02/2013 - 09:44h

Resposta a um “Funcionário”

Por Carlos Santos

“Servir só para si é não servir para nada.” (Voltaire)

Meu querido “funcionário” Francisco Edilson Leite Pinto Júnior:

Recebi e publiquei mais abaixo – sua extremada missiva, em que trata de seu vínculo laboral com este Blog, página há muito adotada por centenas e milhares de pessoas sob compromisso diário de leitura. Outras tantas, de forma mais visível, como comentaristas e articulistas. Esse último caso o seu, atesto.

Sua tarefa, bom que fique consignado, tem sido contribuir à formação de uma bolha crítica e quebra do oligopólio da opinião, na chamada “imprensa convencional” – via este Blog. Seu trabalho merece remuneração diferenciada e regular, sempre ensejando cevados reajustes.

O trabalho dignifica o homem – alardeou o filósofo Hesíodo e eu poderia me valer desse aforismo para – quem sabe – aplacar sua suposta indolência. Não o farei.

Reconheço. Nem tergiverso quanto ao que lhe é meritório.

É um “soldo” que o Blog admite dificuldades em saldar, mas nem assim se sente inibido em cobrar sua maior contribuição a missões tão significativas à nossa civilização.

Claro, muitos podem afirmar que tudo não passa de esforço inglório – seu, meu, nosso. Seria apenas uma gota no oceano de lágrimas de um planeta selvagem e predatório.

Contudo recorro à Madre Teresa de Calcutá para incensá-lo e a outros tantos que pensam da mesma forma:

Por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota de água no mar. Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota.

Compreendo o sobrepeso de seus outros afazeres como professor, escritor e médico, uma tríade nobre e que certamente lhe dará o reino dos céus. Para muitos, talvez seja mais uma condenação terrena do que benção celestial.

Tenho ouvido seus murmúrios, testemunho seu alarido, identifico seus desapontamentos e reconheço seu esforço para ser pelo menos razoável nas tarefas principais que adotou, além de ser – também ouço – um esposo nota 10 e um pai zeloso e extremado.

Pensar é cansativo. Muitos se especializam em tudo, como um Conselheiro Acácio do grande Eça de Queiroz. Em síntese: não se aprofundam em nada. É um fardo conflitar com o status quo, o pensamento dominante e as atitudes tacanhas de uma maioria incapaz de refletir sob a ótica do bem comum. É remar contra a maré.

– Pensar é o trabalho mais difícil que existe. Talvez por isso tão poucos se dediquem a ele – diria Henry Ford.

Seu exercício laboral em nossa “organização” é imprescindível. Cobro-lhe em particular e de público, para dar eco ao que ouço no cotidiano neste mundo virtual e real. Suas  palavras, mesmo que muitas vezes pareçam o apocalipse narrado por Jim Morrison (The Doors) em “The End”, emergem como uma luz.

Se nos faltar energia, talvez sobre sua centelha para nos estimular à incessante luta. Desistir, jamais!

Por favor, não me interprete como um patrão rançoso e afeito ao contorcionismo das palavras, para seduzir seus operários ao trabalho escravo, com a vã promessa de melhorias a posteriori. Sou sincero, tão somente. Falo do fundo d´alma.

Não temas. Não utilizarei de artifícios lúdicos para atrai-lo à labuta e passar ao mundo a imagem de que lhe oferto um ofício sem maiores dificuldades. A máscara nazifascista não me cabe.

No frontispício de Auschwitz I, os judeus que chegavam a esse campo de concentração liam o que parecia uma esperança: “Arbeit macht frei” (“O trabalho liberta“). Era a senha para maus-tratos e morte bárbara.

Nesta página, morrer é não exercitar a palavra, suprimir ideias e tolher o pensamento conflitante. A gente não é obrigado a concordar um com o outro, mas aprendemos desde cedo a respeitar o livre arbítrio e o direito de qualquer um discordar de nós.

Isso é dialética. Sem ela, ainda estaríamos amontoados em cavernas, matando bichos com pedra e paus; apenas subsistindo.

Sem a presunção de Michelangelo diante de seu Moisés, eu pondero que não pares.

É-me significativo lhe adiantar, que não lhe dou ordens. Delego-lhe uma missão. Reproduzo a vontade de milhares de webleitores: “Parla! Parla! Parla!

Se “no princípio era o verbo“, como descreveu o evangelista João, como posso suprimir a criação, a reinvenção e a clarividência do seu pensamento?

Tens direito ao “ócio criativo” orquestrado por Domenico Di Masi, movido apenas pelo diletantismo, cultura e sua inteligência privilegiada. O básico bastaria à sua felicidade, sei.

Contudo, assinalo, nós queremos mais de ti – exemplo de funcionário diferenciado e imprescindível em qualquer corporação.

Recorro a um de nossos ídolos comuns para atestar o reconhecimento de seu esforço e a constatação de suas fragilidades. Posso dimensionar o que é a exaustão, a quase desistência: “Não sois máquinas; homens é que sois!” (Charles Chaplin).

Também já quis parar, caro funcionário. A tentação da desistência é recorrente, como uma mazela recidiva. Se tem cura, não sei. Trato de conviver com ela; domá-la pela paixão.

Escolhe um trabalho de que gostes, e não terás que trabalhar nem um dia na tua vida – proclamou o mestre Confúcio há milhares de anos. Fiz minha escolha. Por isso trabalho tão pouco.

Quase me convenceram a deixar tudo para trás e me ocupar em tarefas menos insalubres, mais rentáveis e que me distanciassem dessa luz, ou daquela centelha que vejo em ti.

Há um brilho incomum em seus textos – por mais amargos que às vezes se revelem. É o brilho dos loucos, de um “maluco beleza” como Raul. Dos que sonham acordados e partilham a utopia de voar, muito superior ao delírio de Ìcaro em seu voo solo fracassado.

Se desabarmos, desabaremos juntos. Por quê?

Porque voamos sincronizados, acreditando que talvez consigamos mais aliados nesse trajeto migratório que pode nos levar da ignorância à sapiência redentora.

Você não está só!

Seu emprego está mantido, caro funcionário. Deixe de moganga; pode voltar ao trabalho.

Carlos Santos – Editor do Blog Carlos Santos

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domingo - 10/02/2013 - 13:28h

Outra carta da Dorinha

Por Luís Fernando Veríssimo

Recebo outra carta da ravissante Dora Avante.

Dorinha, como se recorda, acidentou-se no último carnaval, quando desfilou na Sapucaí como madrinha da bateria de uma escola. Ela não conseguiu acompanhar o ritmo da escola e foi atropelada pela bateria.

Além dos arranhões e da perda de miçangas sofreu o que ela chama de “escoriações morais”, pois foi bem na frente do camarote da Brahma.

Este ano Dorinha desfilará outra vez como madrinha da bateria, mas de patinete. Como todos os anos, ela preparou-se para o carnaval internando-se no Pitanguy durante quatro meses, só saindo de lá com a garantia de que nada que foi esticado se soltaria na avenida, por mais que ela rebolasse.

Dorinha também diz que… Mas deixemos que ela mesmo nos conte. Sua carta veio em papel roxo, escrita com tinta carmim e cheirando a Mange Moi, o perfume que tira o sono Papa.

“Caríssimo! Beijíssimos!

Sim, estarei na avenida de novo, recordando meus velhos triunfos.

Você se lembra da vez em que desfilei completamente nua com apenas um retratinho do Fernando Henrique como tapa-sexo, para protestar contra a política econômica do seu governo? Como eu ia saber que a política econômica do Lula seria igual à do Fernando Henrique, só que de barba? Pensei em repetir a fantasia trocando o retratinho mas um tapa-sexo barbudo poderia ser mal interpretado.

Minhas manifestações políticas não foram em vão, no entanto. Até hoje tenho certeza que aquela minha alegoria sobre a necessidade de renovação na política, usando a renovação dos meus seios como exemplo, foi responsável pelo afastamento do cenário nacional de figuras como José Sarney, Renan Calheiros e Jader Barbalho, de quem nunca mais se ouviu falar, se é que não estou mal informada.

Minhas companheiras do grupo de pressão Socialaites Socialistas, que luta pela instalação no Brasil do socialismo no seu estágio mais avançado, que é o fim — Tatiana (“Tati”) Bitati, Betania (“Be”) Steira, Cristina (“Kika”) Tástrofe e as outras — formarão uma ala toda de tailleur e carregando motosserras, simbolizando a Dilma e os cortes no Orçamento.

Não pretendo ser abalroada de novo pela bateria, mas se acontecer já combinei com o Gustavão, que toca surdo de repique, para me salvar. Estou chegando naquela idade em que o repique começa a ser um conceito interessante. Ainda se diz ziriguidum?

Beijão da tua Dorinha.”

Luís Fernando Veríssimo é escritor e cronista

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domingo - 10/02/2013 - 10:35h

Minha palavra, minhas letras

Por Carlos Santos

Minha caligrafia é na verdade um hieróglifo. De nada adiantou a preocupação em melhorá-la, com uso de técnicas artesanais, ainda à infância. Tinha que passar horas “cobrindo” letras sobre papel transparente para ganhar forma.

Tempo perdido.

Os muxicões e batidos ao ouvido para torná-la compreeensível, inteligível, foram em vão. Sobrou esforço de minha santa mãezinha, que tinha arte à ponta do lápis e caneta, mas não a transferiu para mim. Sua caligrafia era técnica de ourives.

Pecado meu. Desinteresse meu. Poderia ser menos ruim.

Escrever virou necessidade, ganha-pão, uma razão de viver ao longo de décadas. Fui-me descobrindo. Na escola, não. Era apenas um aluno mediano, com espasmos de interesse pela leitura, história (em que colecionei 10), além de um olhar nas meninas do lado, apesar da timidez catatônica.

Pânico? De matemática. A tabuada até hoje é uma “Pedra de Roseta”. Números, fórmulas… argh! fora!

A desavença com o português é antiga. Perdura até hoje. Mais do que conhecimento técnico, a ponto de dissecar as frases como se fora um legista do verbo, escrevo por intuição. Tenho pressentimento do deslize, mesmo que não saiba o porquê.

Apontar um advérbio, identificar substantivo acolá ou adjunto não sei das quantas ali… não conte comigo.

Sou um “semianalfa”.

É provável que minha dedicação e perfeccionismo tenham me poupado de estar entre os medíocres. Nem assim, estou livre do mico, da saia-justa, do erro crasso. O ridículo faz parte de minha trajetória. Muita coisa imperdoável a alguém que parece dominar o vernáculo.

Acho que disfarço bem.

Quem sabe muito é o professor e cronista “José Nicodemos” de Areia Branca. Ele é uma de minhas referências para melhorar a redação, tornar mais leve a escrita e fugir do gongorismo. Sou seu discípulo desde que nos conhecemos há mais de 23 anos na redação da Rádio Difusora de Mossoró.

Ficava arrasado com suas correções e reprimendas. Laudas inteiras picotadas por seus riscos e complementos. Com o tempo fui melhorando ou ele relaxando no rigor. Perdi o medo de perguntar, de admitir que não sei.

Abrir um dicionário é ritual comum, não um sacrifício ou decisão feito às escondidas.

Ler, ler muito. Escrever, escrever muito. Ler de tudo um pouco, questionar tudo; rabiscar e sublinhar livros, revistas, jornais etc. Até hoje é assim.

Nenhuma leitura é por acaso. Sempre tem meu olhar de aprovação ou discordância, exclamações nas bordas: “Gostei!” “Não concordo!” A simples leitura por lazer vira coisa séria.

Tornar tudo inacabado, revisar, revisar novamente. Continuar insatisfeito, questionar sempre, procurar fazer o melhor. É assim o  hábito – paixão – de escrever e ler.

Nesse universo, a admiração por autores nativos como Dorian Jorge Freire e Jaime Hipólito. Não esquecer Vicente Serejo, o cronista diário, desde o Diário de Natal.

O encantamento com Guimarães Rosa, Machado de Assis, mas principalmente a frase telegráfica e cortante de Graciliano Ramos.

Stanislaw Ponte Preta, Antônio Maria, Rubem Braga, Vivaldo Coaracy, Truman Capote, Camus, Carlos Lacerda, Paulo Mendes Campos, Gibran, Hermann Hesse e tantos outros autores foram se enfileirando.

Bem antes deles, centenas de revistas em quadrinhos eram empilhadas e colecionadas em casa. Parte, camuflada em guarda-roupa, debaixo da cama e outros compartimentos secretos.

Para muitos pedagogos e mães, os “gibis” eram um atraso e tiravam nosso foco do conhecimento didático na escola. Meia-verdade.

Valeu ler a Tesouros da Juventude (Alexandre Dumas, Júlio Verne etc.), folhear a Enciclopédia Britânica e revistas como o Cruzeiro e Seleções. A fascinaçção pelo futebol com a Placar. A volúpia  pela informação com o Almanaque Abril e os jornais que apareciam em casa em meio aos mantimentos do dia, num balde de alumínio trazido do Mercado Central ao lado de verduras, cereais, frutas.

Bote uma Playboy aí no “cardápio”. Sempre gostei das entrevistas dessa publicação mensal. Ninguém é de ferro.

Sem que eu percebesse estava “me formando”. Tornava-me lentamente um apaixonado pela escrita, mesmo que ainda sob desavença com a língua-pátria. A propósito, esse nosso litígio é incessante e sem armistício, que se diga.

Puxado pelo jornalismo, virei repórter político. Com a tarefa segmentada, a rápida constatação: não poderia me prender tão somente ao ramerrame de declarações óbvias, entrevistas enfadonhas e o factual de releases.

Ficou claro para mim que teria que conhecer a essência da política, ir à sua raiz e encontrar respostas para uma série de interrogações. Do contrário, eu me transformaria numa espécie de escrivão, apenas reproduzindo clichês: “Fulano disse, sicrano afirmou, beltrano declarou…”

Nasceu na necessidade a paixão pela ciência política, antropologia, sociologia e outros ramos do conhecimento. Dei-me conta da existência e o porquê de mergulhar na descoberta de Schopenhauer, Kant, Aristóteles, Platão, Raymundo Faoro, Oliveira Vianna, Gramsci, Darcy Ribeiro, Quentin Skinner, Hannah Arendt (minha devoção), Popper, Montesquieu, Roberto Campos, Baltasar Gracián, Maquiavel, Sun Tzu, Roberto da Matta, Rousseau, Victor Nunes Leal, Foucault, Jules Mazarin, Russell…

Tanto tempo depois, ainda tenho espírito da descoberta. Ainda me espanto com a própria ignorância e continuo acreditando que posso melhorar minha caligrafia, conhecimento e texto.

Antes, tudo era feito em papel almaço, com lápis em ponta grafite que geravam garranchos toscos. Depois veio a máquina datilográfica com suas teclas e a digitação em computador.

Hoje, passeio meus dedos longilíneos em telas multicoloridas que abrem e fecham janelas virtuais num smartphone e tablete. Nem de longe formo aqueles hieróglifos que eram o terror das professoras no caderno ou no quadro negro.

Nem assim me aproximo da perfeição ou algo razoável, tamanho o que exijo de mim.

Saí das cavernas. Mas sinto que ainda tenho que voltar a ela vez por outra, como um arqueologista. Há sempre alguma coisa a ser revirada, rebuscada e reestudada.

Nessa memória mais distante ainda estão meus principais utensílios de sobrevivência – mesmo que novas ferramentas e plataformas de informação me dêem a graça de ser universal e moderno. Daí continua saindo a base de minha palavra e letras.

Sei, que pouco sei. Se fosse um Sócrates, nada saberia.

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domingo - 27/01/2013 - 11:55h

É, amadureci…

Percebo que cresci. Flagrei-me dando boas gargalhadas de micos e idiotias próprios.

Histórias recentes, que se diga.

São reveladoras.

Do nada, o riso frouxo e desbragado. Parece sem fim.

É um filme sendo rodado de trás para frente. Se fosse com outrem, seria engraçado e pareceria escárnio.

Acho que seria imperdoável.

Comigo, não. Tenho bons e bons motivos para rir de meus deslizes, bobagens, fragilidades.

É, amadureci…

Que bom!

Como diz filosoficamente meu querido amigo Diassis Linhares (radialista mossoroense), “umas pessoas amadurecem, outras apodrecem.”

Experiência é tempo vivido. Maturidade é o que a gente fez desse tempo vivido, convertendo-o em bom senso. Sapiência.

Não se levar muito a sério e tolerância cabem e são fundamentais a esse coquetel. Quão difícil é alcançá-los.

Apelidos, troça com o próprio físico, lero-lero com a idade que passou do Cabo da Boa Esperança, tropeços amorosos, rasteira de ‘amigos’, fracassos profissionais ou a simples topada à porta de casa são motivos pra gargalhada solitária.

Um palavrão escapa. E daí? Sou humano, mesmo que logo me venha a reprimenda inoculada ainda na infância. O subconsciente fala mais forte: “Feche essa boca podre!”

Kkkk!! Fecho, sim.

O dinheiro é ralo? Sem problema.

Sou mesmo um “liso estável” há décadas, o que me garante uma estabilidade muito superior à maioria dos mortais do pindorama brasileiro. Não devo à Riachuelo, não tenho carnê da Casas Bahia, nenhum carro financiado ou empréstimo consignado.

Portanto, “um bom partido”, mesmo assim um Rapaz Velho Encruado, modelo standard.

Previno-o: por favor, não me julgue um insensível e gélido como um psicopata siberiano. Nem superior, inatingível e acabado. Estou sendo feito e moldado ainda.

Se der tempo, me completo. Se tiver a benção, serei acrescido. Se não houver jeito, fico com o débito. Aceite-me assim.

Parei há muito tempo de me estressar com coisas pequenas, de superdimensionar bobagens e entrar em erupção por não cumprir certas convenções sociais. “Epitáfio”, da banda Titãs, é inspiradora:

(…) Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr
Devia ter me importado menos
Com problemas pequenos
Ter morrido de amor…

O complexo de transferência de culpa, sempre atribuindo a outrem ou ao acaso, a responsabilidade por meus desapontamentos, não é minha regra. É a forma mais popular de se livrar dos próprios erros, que a humanidade utiliza há milhares de anos. Eu, não.

Carrego meus próprios fardos e às vezes até alguns alheios, que não me caberiam. Porém me pergunto, se a vida seria mais leve, se eu não os tivesse. Creio que não.

Sei de mim.

Falta agradecer mais. Pedir, quase nada. Não muito.

Detenho mais do que o planejado e bem além do que talvez mereça. Parte, por méritos, acredito. Outra porção, por aquela sorte de ter encontrado com as pessoas certas em horas que eram turvas.

Seria o fim sem elas. Com elas, garanto sempre o recomeço amparado.

Falo o que penso, gosto de graça e trato com indiferença meus verdugos a ponto de não lhes dedicar um único segundo díário de minha vida. Nem seus nomes pronuncio. Não é representação, mas desimportância.

Caso típico de adoção do “princípio da insignificância”.

Ser pai, amar meu trabalho e gostar dos meus amigos me dão um oxigênio novo a cada dia.

Conheço o amor e o desamor. O primeiro, alimenta; o outro, ensina. Ambos me humanizam.

Brindo com uma taça de vinho, tomo a água que mata minha sede; cada coisa a seu tempo e hora.

A vida é para rir ou chorar?

Para ser vivida.

A gente continua jogando aquelas pedrinhas no lago. Formamos seguidos círculos concêntricos, até atingirmos suavemente suas margens – como o beijo cálido da mãe fervorosa no rosto do filho amado e, ainda, imberbe.

“A gente rir, a gente chora…” (‘Chorando e cantando’, Geraldo Azevedo).

É, amadureci…

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