domingo - 07/07/2024 - 12:42h

A barca e a balança

Por Bruno Ernesto

Barca funerária egípcia no Museu do Vaticano (Foto: Bruno Ernesto)

Barca funerária egípcia no Museu do Vaticano (Foto: Bruno Ernesto)

Uma das coisas mais relaxantes para mim é assistir a documentários, especialmente sobre história e artes.

O interesse temático para mim aparece em ciclos: tem tempo para Segunda Grande Guerra, outro para história do Brasil, cangaço, processos de fabricação, aviação, exploração espacial, grandes pintores e as grandes civilizações, especialmente a do Antigo Egito.

Há tantos documentários sobre o Antigo Egito, com tantos assuntos e abordagens interessantes que, quanto mais se assiste, mais desperta o desejo e o interesse em se aprofundar sobre cada um deles.

Evidentemente que um dos temas mais destacados é a estreita relação daquela civilização com a morte e o morrer, especialmente seus mitos e deuses.

Dentre os mitos relacionados à tal temática, o mais interessante era o ritual da pesagem da alma do morto na balança de Maat, a deusa da verdade, justiça e da retidão.

Em tal ritual, Osíris era o responsável pela pesagem da alma do falecido, consistindo o mesmo na pesagem do coração do morto em relação a uma pluma de avestruz: se o morto tivesse o coração mais leve que a pluma, tinha direito ao paraíso.

Fazendo um paralelo, seria o mesmo que São Pedro faz com todo aquele que chega às portas do paraíso: se o morto foi uma boa pessoa no mundo terreno, a alma seguirá para o céu.

Outro mito egípcio bastante interessante era o dos barcos solares, que também consistia num ritual que o morto precisava se submeter para, tal qual o da balança de Maat, alcançar a imortalidade.

Nele, os egípcios acreditavam que, todas as noites, quando o sol se punha, o deus Rá, que era o deus Sol, travava uma luta por doze horas, passando por doze estações simbólicas de lutas com os deuses para, ao amanhecer, alcançar a vida eterna.

A verdade é que toda essa simbologia egípcia, que conta mais de quatro mil anos de história, retrata a luta diária de todos nós, na medida em que, ao fim ao cabo, conduzimos nossas atitudes pensando desfrutar a paz e descanso justos.

Pelo menos, a maioria de nós assim espera e a minoria assim faz por onde.

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 07/07/2024 - 11:32h

O gosto

Por Marcelo Alves

Museu dos Esgotos de Paris (Foto: Advisor Travel)

Museu dos Esgotos de Paris (Foto: Advisor Travel)

O “gosto” é algo complicado. “Tem gosto pra tudo”, afirma o ditado popular; “(…), cada um tem o seu”, encerra um dito ainda mais enfático e escrachado. Essa sabença geral é confirmada pelos especialistas em estética. Virgil C. Aldrich, no seu “Filosofia da arte” (Zahar Editores, 1976), lembra que, “ao falar sobre obras de arte [e, aqui, eu incluo realizações da literatura, da música, das artes plásticas, da arquitetura e por aí vai], as pessoas frequentemente dizem que gostam mais de uma do que de outra ou, então, que simplesmente não podem suportá-las”.

E Jean Lacoste chega mesmo a ter, como um dos tópicos do seu livro “A filosofia da arte” (Jorge Zahar Editor, 1986), “o gosto como problema”. Acho que é por aí mesmo – e quem sou eu para contestar o povo e os doutos?

De toda sorte, sempre me pareceu que podemos enxergar certos consensos sobre algumas coisas. O convencionalismo é uma grande arma para enfrentarmos a inconsistência do gosto e apontarmos o que é “belo”. Um desses consensos é a cidade de Paris, no caso sua arquitetura/ambiência, de modo geral glamorosa. Eu acho Paris bela. Você provavelmente também acha. E algo entre meio mundo e mundo e meio concorda conosco.

Paris, ouso dizer, é belíssima. A Torre Eiffel, o Arco do Triunfo, a Avenida dos Campos Elísios, a Ópera, os Inválidos, o Museu do Louvre, o rio Sena, a Catedral de Notre Dame, o Jardim de Luxemburgo, os grandes bulevares, as ruelas do Marais, de Saint-Germain-des-Près e do Quartier Latin, a boemia de Montmartre e a Sacré-Cœur, os muitíssimos cafés da cidade… etc. etc. etc.

Até a cor de Paris encanta: de dia, nos seus prédios, um tom bege que a tudo predomina; à noite, uma Cidade Luz, iluminada e iluminista. Paris é excitante como sentenciou Hemingway: “Se, na juventude, você teve a sorte de viver na cidade de Paris, ela o acompanhará sempre até ao fim da sua vida, vá você para onde for, porque Paris é uma festa móvel”. E Paris é, e talvez sobretudo, romântica.

Foi por causa da reconhecida beleza romântica de Paris que ficamos preocupados com o causo de um primo muitíssimo querido. Há alguns anos ele foi para Paris em lua de mel. Viagem dos sonhos de qualquer casal. Passear de mãos dadas à beira do Sena, tomar um vinho nacional, namorar à luz de velas e de Paris, isso é muitíssimo mais do que muito para qualquer par de amantes. Imaginem para os recém-casados.

Mas a mulher do meu primo não gostou de Paris, “definitivamente”, nos disse. Detestou talvez seja um qualificativo forte. Mas foi algo próximo daí. Separaram-se pouco tempo depois. Ficamos sem entender. E aqui me refiro ao “desgosto” de Paris.

Entretanto, outro dia, para além das complexas lições dadas pela filosofia sobre o problema do “gosto”, encontrei uma explicação até plausível – assim pelo menos eu quero crer – para os padecimentos parisienses do meu querido primo.

Há algumas semanas, quando voltamos da França em viagem familiar, meu pai perguntou ao nosso pequeno João o que ele tinha mais gostado de Paris. Eu estava na hora e esperava que João dissesse a Torre Eiffel (vi a empolgação dele embaixo daquele colosso de ferro onde estivemos duas vezes) ou a Euro Disney (por motivos óbvios). Mas ele disse os “esgotos”. Isso mesmo: os esgotos de Paris, embora aqui devamos ler o “Museu dos Esgotos de Paris” (Musée des Égouts de Paris), que visitamos, por promessa minha e exigência dele, numa malcheirosa, mas divertidíssima, tarde ao derredor do Sena.

É isso. Eles – o outrora casal de primos – apenas não foram na Paris certa. Pelo menos é isso que eu agora gosto de crer. E gosto… Bom, cada um tem o seu.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República, doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

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Categoria(s): Crônica
  • Repet
domingo - 07/07/2024 - 10:40h

O sonho acabou

Por Jânio Vidal

Foto do autor da crônica

Foto do autor da crônica

A turma do chapéu acabou, respondi pra Valéria, parodiando John Lennon , que declarou “o sonho acabou”, encerrando qualquer possibilidade da banda The Beatles voltar a gravar com os ´fab four´juntos. Foi ela quem batizou o grupo, quando meia dúzia de três ou quatro amigos nos reuníamos aos sábados – eu, Alex Medeiros e Ricardo Rosado mais frequentes – no restaurante Cuxá.

Usávamos chapéu com regularidade, e eu dizia pra ela que sob o chapéu celebrávamos a amizade, assim como é, ou deveria ser, a formalidade que diz que sob a capa preta do magistrado, a cegueira da justiça; sob as fardas militares, o respeito à constituição;  e, sob a batina dos padres, apenas a fé.

Passamos a ir para outros restaurantes e a última cena que lembro, quando o grupo deixou de ser pequeno, foi numa tarde de sábado, no Between, Largo do Atheneu, quando o amigo Ximbica trouxe de Miami, onde morava, 12 legítimos Panamás. Entre taças de vinho e copos de cerveja fez a distribuição dos chapéus aos presentes, antigos e novos, juntos e misturados até à próxima discussão.

Se antes os garçons faziam reverência à turma do chapéu, às vezes ficando em pé ao lado para ouvir a conversa, passaram a ficar escabreados quando tinham que juntar duas ou três mesas e as conversas descambavam para discussões, aqui acolá aos gritos. Assim não tem dono de bar que aguente, disse um deles certa vez.

A turma do chapéu deixou de se reunir a partir da pandemia do coronavírus, mas desde a pré, durante e pós eleições de 2018, a conversinha não era mais a mesma, com novas pautas e narrativas em conflito: gênero, ideologia, cotas, raças, religião, política e… sim, isso mesmo que vocês estão imaginando. Nunca agimos como mosqueteiros, mas a antítese seria devastadora.

Na pandemia ainda fizemos alguns encontros virtuais, usando aplicativos que na telinha faziam a aproximação de lugares distintos e distantes como Natal, Miami, Europa, França e Bahia. Todos de chapéu.

Não foram apenas três meses de epidemia, como pensávamos no início. Os meses passaram, um ano, dois anos, mais de 700 mil brasileiros mortos pela Covid 19 e sequelas que atingem milhões. Não poderia ser diferente com a turma do chapéu.

Nesses tempos estranhos de um pós que está apenas começando, não somos mais os mesmos. Até a Kombi mudou e a IA é muito diferente do que foram os nossos pais.

Nos últimos dias vimos ser interrompida a carreira de um candidato ao generalato, com provas de que participou da tentativa de um golpe, e que ficou em silêncio numa CPI vestindo farda completa, com todos os galões, broches, pins e alfinetes que pode ostentar. Vimos também um ministro da Suprema Corte fazer inflamado discurso eleitoral e ideológico num encontro de estudantes. No congresso também existem formalidades, mas eles estão vestindo de tudo, há muito tempo. Ah, a batina dos padres. Estão querendo casar.

Jânio Vidal é professor e jornalista

*Texto e foto originalmente publicados pelo autor no dia 14 de julho de 2023, em seu endereço no Instagram.

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Categoria(s): Crônica
domingo - 07/07/2024 - 06:34h

Coisa de cinema

Por Marcos Ferreira

Arte ilustrativa

Arte ilustrativa

Mossoró é o meu universo Marvel, a minha Macondo assolada (há exceções!) por políticos parasitas. É, mal comparando, a minha Hollywood cabocla. Nosso bangue-bangue, a propósito, é o mais duro e sangrento do velho oeste potiguar. Além disso, fato notório, a terra de Santa Luzia é a mais violenta do Brasil e figura no ranking das mais violentas do planeta na décima primeira colocação. Não é, de maneira alguma, um lugar para amadores. Aqui o ramo de casas funerárias e centros de velório, como eu já disse várias vezes, segue esbanjando saúde financeira.

Temos bandidos para todos os gostos, encapuzados quanto engravatados. Se me faço entender, os piores e mais astutos estão amoitados na Prefeitura e na Câmara; vivem cheios de mordomias, ocupam gabinetes refrigerados. Os mocinhos cuidaram de fugir. Sabem que os marginais eleitos pelo povo não perdoam.

Cidade valente é esta. De povo heroico, como se apregoa. Tal lenda teve origem no distante 13 de junho de 1927, quando arrepiaram carreira daqui o temido Virgulino Ferreira (o Lampião) e a sua corja de facínoras. Segundo historiadores, capturaram o cangaceiro Jararaca, que sofrera um balaço. Também disseram que Jararaca, inerme e às vascas da morte, foi agredido na cadeia e enterrado vivo no Cemitério São Sebastião. Anos depois, ironicamente, ele se tornou santo milagreiro.

Daí para cá nunca mais se falou nem se escreveu outra coisa nesta prosaica terra libertária. A fatuidade da resistência e a apoteose lampiônica, sob as quais ainda vivemos, e cujos holofotes pairam menos sobre os defensores que sobre os invasores, abafou, desprezou várias expressões de arte. Tornaram-se invisíveis aos olhos dos nossos governantes, salvo exceções, coisas como literatura, música, artesanato, pintura. Exceto se tais manifestações artísticas requentam o tema cangaço. Como ocorre, sem demérito algum, com o espetáculo “Chuva de Bala no País de Mossoró”.

Com pouco mais de duzentas e sessenta mil almas (possuía cerca de vinte mil quando do ataque do perigoso Lampião), tenho com este meu berço esplêndido um vínculo de amor e desgosto. Isso, no entanto, não me diminui nem me empobrece. Acho até que me fortaleço com as experiências por que passei, desagradáveis quanto boas. Aqui nasceu e frutificou o meu sacerdócio com a literatura.

Devo a esta capital do oeste potiguar toda a minha produção, seja no verso, seja na prosa. Devo-lhe os poucos livros publicados, os que tenho na gaveta e outros que ainda hei de produzir, caso sobreviva a uma bala “perdida’. Devo-lhe as personagens e enredos, as ambições, as inspirações e as pequenas glórias.

É prudente, enfim, que se escreva sobre aquilo que se conhece. Exceto no caso de vasta pesquisa. Enquanto ficcionista, o que me julgo ser, não posso produzir apenas fantasias, textos puramente imaginários. Triste do ficcionista que só consegue escrever ficção, capacidade esta que me parece cada vez menos acreditável. O talento imaginoso não pode prescindir da sua cota de veracidade.

Temos que ser vistos além da pirotecnia, dos foguetórios, da pantomima. Mossoró é coisa de cinema! Ficará muito bem na fita ao ser retratada pela sétima arte. O que não falta neste cafundó do judas é diversidade humana, tipos singulares e profusão de causos. O mundo precisa conhecer este município.

Aqui, além do que acho apropriado chamar de novo cangaço, da violência que assalta à mão armada e não raro descamba para um latrocínio, existem (volto a dizer) os bandidos engravatados. Contra esses pouco ou quase nada se pode fazer. Pois a blindagem, os compadrios e os conchavos vão livrando a cara dos excrementíssimos, como naquela expressão do influenciador digital Felipe Neto contra o senhor Arthur Lira (PP-AL), atual presidente da Câmara dos Deputados.

É isso. A história pretérita e contemporânea deste meu querido fim de mundo merece ser retratada pela sétima arte. Lugar de muita gente boa e de outras figuras dignas de destaque. Afinal de contas Mossoró é um país.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
  • Art&C - PMM - Sal & Luz - Julho de 2025
domingo - 30/06/2024 - 10:26h

Aquela senhora

Por Bruno Ernesto

Foto do autor da crônica

Foto do autor da crônica

Recentemente voltei à ilha da Sardenha, na Itália, para rever meu amigo Armando Paolo e matar um pouco a saudade daquela ilha paradisíaca localizada no mar Mediterrâneo e ao Sul da Córsega, com uma história de mais de cento e cinquenta mil anos de atividade humana, sendo a ilha toda um um sítio arqueológico a céu aberto.

Lá podemos ver estradas e construções romanas, torres mouras e o mais interessante, os gigantescos nuraghes, que são torres circulares de pedras sobrepostas, erguidas há mais de cinco mil anos.

Essas construções são muito parecidas com uma gigantesca chaminé, algumas chegando a ter trinta metros de altura e com muitas derivações com torres menores, como se fossem uma pequena cidade medieval ou uma pequena vila fortificada, e que vistas de cima, parecem uma grande colmeia. São imensas, e até hoje são um verdadeiro mistério como foram construídas, pois para quem põe os olhos nelas e pode explorá-las, numa caminhada um tanto difícil, facilmente constata que seria muito complicado de erguê-las com a tecnologia que apenas hoje dispomos, imagine há cinco mil anos.

É tão impressionante e misterioso, que até o famoso escritor e teórico de civilizações antigas, o suíço Erich von Däniken, registrou no seu célebre livro, “Eram os Deuses Astronautas?”, o grande mistério da civilização nurágica o que, de fato, é muito intrigante, pois quando tive a primeira oportunidade de entrar num desses nuraghes, simplesmente não acreditei que pudesse ter sido erguido por mãos humanas há mais de cinco mil anos. E toda vez que vejo um deles fico impressionado.

Dessa vez fomos ao Su Nuraxi, que é um sítio arqueológico nurágico localizado em Barumini, e que foi descoberto pelo arqueólogo Giovanni Lilliu na década de 1950, e que foi eleito patrimônio mundial da UNESCO no ano1997.

Realmente, de todos nuraghes que vi e entrei, esse era, de longe, o mais impressionante e bem preservado. Simplesmente gigantesco.

Por ser um sítio arqueológico muito conhecido, a prefeitura local criou um centro turístico muito bem organizado, contando, inclusive, com guias profissionais que percorrem todo o sítio arqueológico com os visitantes, explicando detalhadamente todos os locais que acessamos, inclusive a gigantesca torre principal, cujo acesso é uma verdadeira aventura, e quem tem medo de altura ou claustrofobia, certamente terá dificuldade.

Uma coisa que me chamou bastante atenção quando nos dirigíamos para o portão de acesso ao sítio arqueológico, foi que no nosso grupo de visitantes formado naquele horário, havia uma família de pessoas de meia idade que pareciam há muito tempo não se verem e estavam ali a passeio; talvez visitando parentes na cidade ou região.

Dentre eles, uma senhora muito bem agasalha – fazia uns oito graus -, com uma roupa de lã preta, usando uma bengala e que andava com uma certa dificuldade, e a considerar que na ilha da Sardenha há a característica de grande longevidade dos moradores, inclusive com um grande número de pessoas centenárias, aquela senhora aparentava noventa anos de idade, ou mais.

Quando a guia convidou a todos para seguí-la, o grupo, formado por umas dez ou doze pessoas, iniciou a caminhada em direção ao sítio arqueológico que ficava à uns duzentos, metros do portão de entrada, momento em que percebi que duas das mulheres que acompanhavam aquela senhora conversavam um tanto apreensivas com ela, dizendo que era perigoso para ela e que ela não conseguiria entrar no nuraghe, pois precisava subir uma grande e estreita escada para acessar o interior da torre e do complexo de câmeras principal.

Ao tempo que passava por elas, pude ver que aquela senhora tentava convencê-las de que tinha plena capacidade física para acompanhá-las, e vez ou outra apontava para o gigantesco nuraghe e mostrava a sua bengala para as mulheres, que calmamente diziam que era melhor ela aguardar sentada num banquinho que fica à beira da estrada de acesso ao complexo arqueológico, em baixo de uma oliveira que balançava com aquelas rajadas de vento congelante.

Quando vi que ela não tinha mais argumentos, calou-se e, pude perceber, nitidamente, sua impotência e resignação, e com um semblante de tristeza, umas daquelas mulheres que a acompanhava a levou gentilmente para o banco, onde sentou com uma certa dificuldade e ficou nos olhando impotente.

De fato, não havia a mínima possibilidade daquela senhora nos acompanhar. A verdade é que até eu tive uma certa dificuldade para subir as escadas e andar por entre as câmaras do complexo das torres principais.

Antes de subirmos a torre principal, a guia nos levou para uma caminhada por entre o complexo, que consistia em pequenas ruínas das torres menores, e após uns trinta ou quarenta minutos de explicações e caminhadas, nos dirigimos à torre principal, que devia ter quase trinta metros de altura, e lá de cima, ao longe, pude ver aquela senhora sentada sozinha no banco, olhando para nós.

Achei tão triste aquela cena, que a filmei. E durante todo o restante do passeio fiquei imaginando o que se passou na vida daquela senhora. Há quanto tempo aquelas mulheres que a acompanhavam não a viam. Será que eram as suas filhas? Talvez sobrinhas? Netas?

Após o passeio no interior da torre principal, rumamos para a saída do complexo e novamente fiquei fitando aquela senhora que continuava ali sentada e só se levantou quando aquelas mulheres se aproximaram novamente dela.

Como estavam a uma certa distância de onde estava parado vendo aquela cena, apenas pude ver que conversaram efusivamente, erguendo os braços e gesticulando, enquanto apontam para o nuraghe sorrindo. Não pudemos escutar o diálogo delas.

Após alguns instantes, deixamos o local e, desde então, a imagem daquela senhora sentada sozinha naquele banco ficou na minha mente, e fiquei a me perguntar: quem seria aquela senhora?

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 23/06/2024 - 16:12h

Os livros franceses

Alliance Française em Paris (Foto: reprodução)

Alliance Française em Paris (Foto: reprodução)

Por Marcelo Alves

Todo livro tem uma história por detrás da sua concepção e parto. Acredito que as histórias de “Essais français: droit et philosophie en édition bilingue français/portugais” (“Ensaios franceses: direito e filosofia em edição bilíngue francês/português”) e “Littératures françaises: récits sur les livres et les écrivains en édition bilingue français/portugais” (“Literaturas francesas: crônicas sobre livros e escritores em edição bilíngue francês/português”), livros siameses, que agora jubilosamente entrego aos leitores, merecem ser contadas.

Alguns acontecimentos foram decisivos para as suas existências.

Espiritualmente, “Essais français” e “Littératures françaises” são o fruto tardio da minha estada, em 2006, na capital da França. Então, com “Paris é uma festa” na cabeça, eu para lá parti. No Brasil, havia deixado coisas inacabadas, que perturbavam a minha paz. A ideia era passar alguns meses longe delas. Tomei quarto num pequeno hotel na Rue Madame, em Saint-Germain-des-Prés. E matriculei-me na Alliance Française de Paris, nas abas do bairro de Montparnasse, pertinho de onde eu estava morando. Foi uma das mais acertadas decisões que já tomei.

A Aliança de Paris, mais do que uma escola, é um espaço cultural fantástico. Aqueles meses sabáticos e alegres foram uma catarse. Se aprendesse uma palavra, estava ótimo. Escrevi quase nada, é vero. Mas bebi muito. Café, vinho e outras coisas mais, embora não quisesse fazer parte de geração perdida alguma. Coisas inusitadas aconteceram. E há uma frase mais que famosa de Hemingway: “Se, na juventude, você teve a sorte de viver na cidade de Paris, ela o acompanhará sempre até ao fim da sua vida, vá você para onde for, porque Paris é uma festa móvel”.

Essais français” e “Littératures françaises” são ainda efeitos colaterais – positivos, bien sûr – da pandemia do Covid-19. Uma limonada que busquei fazer de um trágico limão. Naqueles meses de isolamento, estive refazendo o curso da Aliança Francesa, vinculado à sua sede de Natal/RN (cujo presidente do conselho de administração, Eduardo Gurgel Cunha, assina o prefácio de “Essais français”).

Comecei a escrever em francês para a Aliança, como era demandado no final do curso, e em português, sobre a mesma temática, para as minhas colaborações na Tribuna do Norte e no Diário de Pernambuco (vocês identificarão algumas nos livros). Constatando a existência de um bom material bilíngue, decidi traduzir todas as minhas crônicas, sobre as “coisas” da França, do português para o francês. Deu uma trabalheira dos diabos. Mas, aparentemente, deu certo. Assim me disseram. Eu acreditei. E decidi fazer a coisa avançar e crescer em forma de livros.

É por esse momento que surge o meu contato com a Aliança Francesa do Recife, por intermédio de amigos Procuradores da República, também amantes da língua de Molière, com quem trabalho na capital de Pernambuco. Fui muitíssimo bem atendido, tanto por Maria de Lourdes de Azevedo Barbosa (presidente do conselho de administração e autora do prefácio de “Littératures françaises) e Stéphane Garin (diretor executivo). Associei-me à Aliança do Recife. Eles me colocaram em contato com Heloísa Arcoverde de Morais, que “assina” a revisão da tradução. Com esse apoio, o material estava, digamos, quase “pronto”.

Os conteúdos de “Essais français” e “Littératures françaises” representam minha curiosidade transdisciplinar sobre o direito, a política, a filosofia, a arte e a literatura da França e da francofonia. Coisa de francófilo atrevido. E as traduções? Maior atrevimento ainda.

Mas sobre o conteúdo e, especialmente, sobre a forma/tradução dos livros, eu tratarei na semana que vem.

Deixem-me agora convidar todos vocês para os lançamentos: em Natal/RN, no dia 24 de junho de 2024, às 18 horas, na Aliança Francesa, sita na Rua Potengi, nº 459, bairro de Petrópolis; em Recife, no dia 25 de julho de 2024, às 19 horas, na respectiva Aliança Francesa, sita na Rua Amaro Bezerra, nº 466, bairro do Derby.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República, doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 23/06/2024 - 07:22h

Animal exótico

Por Marcos Ferreira

O autor em fotografia de José Arimatéia

O autor em fotografia de José Arimatéia

Seria bom que eu estivesse de barba feita e usando uma loção mais forte ou marcante. Contudo a foto saiu desse jeito. Foi, digamos, um raro ensejo de bem-estar em meio aos ruídos e vaivém de tanta gente desconhecida.

Aqui estou inserido na “vida em rebanho”, como diria meu amigo multifacetado (pensador, filósofo contemporâneo) Antonio Alvino da Silva Filho. A foto foi batida por outro amigo, o designer e artista gráfico José Arimatéia. Pois bem. Eis a fuça deste escriba num momento de relax com seus “semelhantes”. Essa sem-cerimônia ocorreu na área externa do Partage Shopping, onde nossa marca Verboletras expõe uma variedade dos seus produtos por ocasião do evento denominado Feira Bangalô, que acontece às segundas e terças e só dura até o próximo dia 25 de junho.

Talvez alguém diga que tal assunto é irrelevante para este espaço dominical, passarela onde desfilam cronistas e articulistas do melhor naipe. Julgarão ainda menos apropriada a imagem que escolhi para ilustrar meu texto. Ou seja, uma espécie de autopromoção; de exibicionismo, dirá um leitor mais duro.

Bom, meus caríssimos, a propaganda está feita. Tanto dos produtos Verboletras quanto do autor destas linhas. Todavia a questão não é bem essa. O que me impele a assim proceder é o estado de espírito em que me encontro ao longo desses dias. Acho isso digno de nota. Ou melhor, de uma crônica. Porque não é do meu feitio e pendor expor-me de tal modo, sair da toca, permitir-me uma interação com caracteres sociais que nunca vi mais gordos. Sim, este animal exótico mostrou a cara.

Conselhos não me faltaram. De outra feita Elias Epaminondas, por exemplo, andou por aqui, tomamos um cafezinho e ele tocou nesse ponto durante o bate-papo. Referiu-se à importância de (vez por outra) eu buscar justamente conhecer alguns lugares de Mossoró. Citou, a propósito, as cafeterias da urbe.

“Há pelo menos umas duas ou três de que você vai gostar”, afiançou Epaminondas. É isso aí. Elias considera salutar que eu lute contra a minha natureza arredia, algo que de tempos em tempos adquire maior intensidade. Meu psiquiatra e amigo Dr. Dirceu Lopes joga no time de Elias. Dr. Dirceu não se ancora apenas nos psicofármacos. Recomenda-me, entre outras coisas, que eu ingresse em uma academia de musculação. Considero esse ponto uma prova de fogo. Pois sei que sofreria horrores com as doses cavalares de dejetos sonoros que rolam nesses lugares.

A verdade é que se trata de algo que venho empurrando com a barriga. Mas estou inclinado a enfrentar o desafio. Protetores auriculares ou fones de ouvido (com músicas do meu agrado) podem mitigar o desconforto.

Portanto, com o estímulo de amigos e tornando minhas fraquezas em forças, este animal exótico tem figurado como um tipo caricato de mascote da Verboletras na Feira Bangalô, no Partage Shopping, neste mês de junho. Então, como não bastasse, ainda se deixou fotografar pelo amigo José Arimatéia. Além disso, quiçá para o desagrado de alguns leitores, transferi esta fotografia para cá.

Perdoai-me quem me perdoar possa.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 16/06/2024 - 12:04h

Louco e pecador

Por Marcos Araújo

Ilustração da Web

Ilustração da Web

Semana que passou, Paulo Doido (veja AQUI) se foi para a eternidade. Fazia parte de um tipo social em extinção: o “doido” de rua; aquele que passa o dia em movimento, interagindo com os transeuntes. Sempre tive pendor especial em gostar desses tipos. Na minha infância, tinha “Ciço Doido”, vítima de perturbação dos moleques, objeto perene de minha defesa quando estava por perto. Mossoró, no passado, teve Zé Alinhado, que de tão célebre virou nome de rua…

Por assimilação com as esquisitices para um comportamento social padrão, assim como Ariano Suassuna, sempre gostei dos doidos. Meus amigos de infância, adolescência e idade adulta não passariam, decerto, por uma avaliação diagnóstica negativa de um psiquiatra residente. Nem eu, muito menos…

Na Antiguidade grega, a loucura tinha um caráter mitológico que se misturava à normalidade. O louco era uma espécie de ponte com o oculto. Para Platão, a loucura tinha como causa o desequilíbrio entre as três mentes (a racional, a emotiva e a instintiva). Na Idade Média, a partir da visão dos textos de grandes pensadores religiosos como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, o comportamento anormal era tido como um pecado.

Para eles, o que separava o homem do animal era o dom da razão. Se o homem a perdesse, logo se reduzia a um animal. Graças ao médico francês Philippe Pinel, desde 1783 a loucura deixou de ser uma questão social para ser uma questão médica.

Sempre vi muita graça nos personagens loucos e/ou nos autores literários desequilibrados. Não são simples frases pronunciadas, são imorredouros epitáfios filosóficos. Quem já não replicou “ser ou não ser, eis a questão” (Hamlet, o personagem louco de Shakespeare)?

Lembrando o ingenioso hidalgo Don Quijote de La Mancha, a “loucura é ter muita razão e pouca verdade”. Vivo em busca dos sonhos, longe, muito longe da sabedoria atual e do realismo mágico e do sucesso pregado pelos autores neurolinguistas (uma “praga” literária que se conta aos milhares no mundo todo!). Auguro valores e sentimentos que me afastam do bem-sucedimento capitalista de quem quer acumular.

Paulo era um tipo popular muito querido em Mossoró (Foto: Reprodução)

Paulo era um tipo popular muito querido em Mossoró (Foto: Reprodução)

Sou estroina e pródigo por excelência. Invoco em minha defesa Machado de Assis, e o personagem Dr. Simão Bacamarte de “O Alienista”: “Em si mesma, a loucura é já uma rebelião. O juízo é a ordem, é a constituição, a justiça e as leis.”

Michel de Foucault, na História da Loucura, diz que a sociedade possui “instituições de controle” (família, igreja, justiça etc.), que impõe a todos como agir, falar, vestir, enfim, como ser “normal”. Estar ajustado a esse padrão é ser normal, ajuizado, fora dele, é loucura. Fujo desta normose social. Sou confessadamente um ser fora do contexto social do equilíbrio, uma paráfrase viva do verso de Ferreira Gullar: “Uma parte de mim pesa e pondera. Outra delira.”

Em “Crime e Castigo”, Dostoievsky coloca na autoexaminação da consciência a detecção de sua própria valia: “A consciência é uma voz interior que nos adverte que alguém pode estar olhando.” Sinceramente, o que o pensar social não me importa muito. Sylvia Plath, autora inglesa depressiva e louca para os padrões comportamentais britânicos, em sua autobiografia “A Redoma de Vidro”, proclama: “Eu sou eu e a minha circunstância, e se não a salvo, não a salvo a ninguém.”

Não ligo muito para as considerações alheias sobre mim. Eu sei quem eu sou. Carlos Drummond de Andrade sustentava que as nossas alucinações são alegorias de nossa realidade. A loucura é diagnosticada pelos sãos, que não se submetem a diagnóstico. Somos lúcidos na medida em que perdemos a riqueza da imaginação. Por isso, quero ser um sonhador eterno.

Voltemos a Santo Agostinho. A coisa com ele só piora. Para ele, a loucura é uma forma de pecado. Na obra A Cidade de Deus, Santo Agostinho diz que o pecado é uma forma de loucura espiritual que afasta o ser humano de Deus: “Pois que é a culpa, senão loucura? Ora, todo pecado é uma loucura: ou porque, cometido, se não teme o castigo, ou porque, temendo-o, não se resiste a cometer.” (Livro XIV, Capítulo 13).

Ora, se ser um “louco” já é um epíteto difícil, que dirá se reconhecer louco e pecador. Ninguém em sã consciência assim se diz. Shakespeare, numa fala de Hamlet, retrata bem a nossa covardia na autoexaminação: “a consciência faz covardes de todos nós.” O escritor irlandês Oscar Wilde, em “O Retrato de Dorian Gray”, confessa: “Há pecados de que se pode falar. Mas há outros, tão vergonhosos, que a boca os repele, os olhos os recusam a ver e o ventre, até os nega, afirmando que não são.”

Pois bem. Numa constatação consciente, descumpro todas as convenções sociais, fujo do estereótipo do controle da “máquina” realista, e dentro da minha liberdade de alma, proclamo com sinceridade a minha loucura e o meu pecado. Tomando de empréstimo novamente Dostoevsky, em “Crime e Castigo”: “Todas as pessoas são pecadoras e eu, mais do que ninguém.”  

Lima Barreto, um dos mais geniais escritores brasileiros, perseguido e ignorado por ser negro e louco, no autobiográfico “O Cemitério dos Vivos” (1881-1922) escreveu que: “Perto do louco, quem os observa bem, cuidadosamente, e une cada observação a outra, as associa num quadro geral.”

Alguém lendo este texto poderia pensar como a personagem Alice, do livro de Lewis Carrol (na verdade, o autor é Charles Lutwidge Dodgson, que em 1865, sob o pseudônimo de Lewis Carroll, publica a obra mais célebre do gênero literário nonsense, “Alice no País das Maravilhas”), que seria melhor não ter nenhum contato comigo. Relembrando o diálogo de Alice com o gato:

– “Mas eu não quero me encontrar com gente louca”, observou Alice.

–  “Você não pode evitar isso”, replicou o gato.

– “Todos nós aqui somos loucos. Eu sou louco, você é louca”.

– “Como você sabe que eu sou louca?” indagou Alice.

– “Deve ser”, disse o gato, “Ou não estaria aqui”.

Viver neste mundo atual não comporta sanidade.

Simão Bacamarte tem razão: temos todos um pouco de loucura! Feliz é quem, em sã consciência, se assume…

Marcos Araújo é advogado e professor da Uern

Leia tambémLinhas póstumas – por Marcos Ferreira

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domingo - 16/06/2024 - 11:22h

Quindão

Por Bruno Ernesto

Foto do autor da crônica

Foto do autor da crônica

Nunca fui um apreciador de doces e bolos, sendo minha lista de preferência bem restrita.

Para quem me conhece, sabe que prefiro comida salgada e, graças à genética, por não ter tendência à hipertensão, posso manter o paladar satisfeito, apesar dos carões e protestos de quem me vê. Para amenizar as críticas, tenho adotado flor de sal.

Quando eu era criança, minha mãe fazia um bolo de cenoura com cobertura de chocolate que era uma iguaria sem precedentes, e que, apesar de ser um bolo simples e muito conhecido, nunca comi um melhor do que o dela.

Por sinal, faz um bom tempo que não vejo um exemplar dele lá na casa dela, além do que, talvez ela fique até surpresa com o valor que cobram por uma fatia de um bolo de cenoura.

Dia desses, parei para tomar um café e avistei um exemplar de um bolo de cenoura na vitrine ao preço de R$14,00, a fatia.

A plaquinha do preço sequer indicava se a cenoura era orgânica, se a manteiga era da Normandia, de qual região da França era a farinha, se o leite era de uma vaca holandesa premiada, se o açúcar era demerara de um lote exclusivíssimo da extinta Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, ou mesmo se a não generosa cobertura de chocolate era da famosa marca suíça Lindt. Quanto aos ovos, imagino que seja da fábula de Esopo.

Comi uma fatia, mas não chegou nem aos pés do bolo de cenoura que minha mãe faz com ingredientes locais.

Já provei inúmeros doces e bolos mundo afora, mas os que mais gosto são as receitas simples, sem muita firula.

Claro. Evidente. Concordo. As novas receitas e sabores são mais que bem-vindos.

Desde que se possa comer sem culpa, nem se precise utilizar a célebre frase de Tim Maia, que ao ser indagado acerca da sua dieta, soltou a pérola, de que em duas semanas de dieta, tinha perdido 14 dias.

E torno a registrar: não quero morrer sadio.

Se serve de alento –  para mim – tive uma grata surpresa ao retornar a uma padaria próximo à minha casa em Natal e ver que a tradicional padaria inovou o tradicional doce português, já naturalizado brasileiro, quindim.

Quando fui pegar uma baguete na prateleira, de relance, e de soslaio, vi aquele amarelão reluzente, do tamanho de um prato, com uma plaquinha dizendo: açúcar refinado, gema, leite integral, côco ralado e manteiga. Quindão.

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

 

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domingo - 16/06/2024 - 10:38h

A pós-leitura

Por Marcelo Alves

Georges Simenon (Foto: reprodução da Crime Reads)

Georges Simenon (Foto: reprodução da Crime Reads)

É costume meu, antes de viajar para o exterior, ler um livro cuja história/estória esteja ambientada na cidade/país para onde eu vou. E, em casos mais extremos, os próprios livros foram os móveis que me levaram a viajar ou mesmo passar uma temporada no ambiente lido. “Amor a Roma” (1982), do nosso Afonso Arinos de Melo Franco (1905-1990), foi um deles; “Paris é uma festa” (“A Moveable Feast”, 1964), de Ernest Hemingway (1899-1961), outro.

Os respectivos títulos já informam sobre quais urbes estamos tratando. É delicioso, asseguro.

Em caso de estadas mais longas, a exemplo de quando fiz meu doutorado em Londres, os livros, seus autores e suas personagens foram os meus companheiros. Já recordei, em outras ocasiões, a epifania que tive nos jardins de Russell Square, onde fica a Biblioteca do Instituto de Estudos Jurídicos Avançados da Universidade de Londres, numa tarde de verão: a cena do livro que lia, da minha amiga Agatha Christie (1890-1976), se passava ali, onde eu estava. E, daí em diante, eu passei a misturar tudo: Londres, literatura e direito.

Sempre que podia, ia ler a Rainha do Crime ou as aventuras do detetive Sherlock Holmes nos locais onde as cenas se passavam. Recordo-me de haver lido “Testemunha de Acusação”, a peça de Christie, nos dias em que visitamos, como programação da minha universidade, a Old Bailey, sede das cortes criminais de Londres, onde a trama se passa. Foi tudo de bom. E quando esse tipo de leitura “presencial” era impossível, como em “Morte na Mesopotâmia” ou “Morte no Nilo”, eu me enfurnava no Museu Britânico, para ler os livros ali, junto aos despojos daquelas civilizações. Divertidíssimo. Sempre digo que, à época, a literatura me salvou. Tornou a vida menos difícil, certamente.

Mas, desta feita, na última Páscoa, quando estivemos em Londres e Paris, não houve tempo para essas “leituras”. Nem antes e muito menos, com o pequeno João demandando nossa atenção, nos dias corridos por lá. Turista besta sofre…

Decidi, então, inverter a ordem dos fatores e fazer uma “pós-leitura”. Isto é: ler, já de volta ao querido Brasil, um romance ambientado nas metrópoles onde estivemos. E a minha primeira escolha, começando por Paris, foi um Maigret, do meu amigo Georges Simenon (1903-1989), especificamente “Maigret e o homem do banco”, numa edição da Nova Fronteira/L&PM de 2004.

GOSTOSAMENTE, descobri que vários sítios onde havíamos estado ou passado eram referidos no livro como parte do seu “cenário” parisiense. Começando, claro, pelo complexo do Palais de Justice, notadamente o número 36 do Quai des Orfèvres, onde está o quartel-general da Polícia Judiciária do inspetor Maigret, “la mansion”, como chama a personagem-título. No miolo de Paris, na Île de la Cité, sempre que posso passo pelo Palais de Justice para sacar umas fotos “legais”. Boa parte da trama do livro se dá na zona dos grandes bulevares na Rive Droite. O crime acontece em um beco do Boulevard Saint-Martin. O morto frequentava um cinema no Boulevard de Bonne-Nouvelle.

Personagens almoçam em um restaurante do Boulevard de Sébastopol. Coincidentemente, nesta viagem, perambulei bastante pelo burburinho dos grandes bulevares, sobretudo pelos Boulevards Haussmann e Montmartre, quando a mãe de João decidia dar suas xeretadas nos grands magasins do pedaço – leia-se Printemps e Galeries Lafayette –, me deixando tomando conta do pequeno. Não tenho do que reclamar. No mais, já para as bandas da Rive Gauche, uma das personagens trabalha “numa grande livraria do Boulevard Saint-Michel”. Será que era numa das livrarias que ainda “sobrevivem” por lá? Será que é a mesma onde tinha eu acabado de comprar, de vera, uma penca de livres d’occasion? E fui lendo o romance sonhando acordado…

Gostei tanto da minha experiência de pós-leitura que já passei para um segundo Simenon: “Maigret e o negociante de vinhos”, numa publicação L&PM de 2009. Aqui se investiga o assassinato de “uma figura importante, um atacadista de vinhos”, quando ele saía de sua visita à amante em uma luxuosa casa de recursos nas imediações do Parc Monceau, área aristocrática de Paris. O rico homem dos vinhos morava em plena Place des Voges. Oficialmente, tinha uma belíssima e misteriosa esposa. Tudo très chic, bien sûr.

Bom, eu já tomei muito vinho na vida, sobretudo quando jovem. Mas eles eram de qualidade mediana ou mesmo duvidosa. Quanto aos ambientes que já frequentei, melhor não entrar em detalhes. Certamente não frequento, nem nunca frequentei, com ou sem taças na mão, as altas rodas de Paris. Mas não custa nada sonhar acordado. Mesmo que em literatura.

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República, doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

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domingo - 16/06/2024 - 07:44h

Linhas póstumas

Por Marcos Ferreira

Paulino Duarte Morais, o "Paulo Doido", faleceu no último dia 22 (Foto: redes sociais)

Paulino Duarte Morais, o “Paulo Doido”, faleceu no último dia 08 (Foto: redes sociais)

Tenho para mim que o nosso poeta Aluísio Barros já disse tudo de prosaico e honroso. Refiro-me a uma merecida e bonita homenagem ao senhor Paulino Duarte Morais, que Mossoró conhecia (continuará a conhecer) pela notória alcunha de Paulo Doido. É isso mesmo. Acredito que Aluísio escreveu uma bela página em memória de Paulo. O texto foi publicado, se não me engano, no Facebook.

Paulo, cuja natureza de loucura sempre me pareceu um misto de urbanidade, inocência e pacatez, deixa um vazio irremediável. Pois, em relação a um louco deveras autêntico e benquisto, estamos gravemente desfalcados.

Duvido que exista ou tenha existido outro como ele. Claro que não conheço a história de Mossoró como, por exemplo, Marcos Pinto, Rocha Neto, Bruno Ernesto ou Odemirton Filho. No meu ponto de vista, portanto, nunca tivemos um doido oficial do calibre e estima do já saudoso Paulino Duarte Morais.

Ao contrário de mim, ressalto, Paulo era um doido legítimo. De tão liberto, de tão expansivo em suas doidices inofensivas, nem sei dizer se tomava remédios, se frequentava algum alienista deste mundo louco em que vivemos. Talvez o Dr. Roncalli Guimaraes, profissional do ramo, saiba alguma coisa a esse respeito. Mas acho que não. Paulo não tinha jeito de quem fazia uso de psicotrópicos.

Era livre, estável e feliz com sua loucura andarilha. O Centro de Mossoró, sobretudo, apesar dos esforços do prefeito Alysson Bezerra, que tem caprichado na ornamentação junina, agora está um negócio meio morto.

Por acaso, mexendo ontem em textos mais antigos, descobri que em 2021, precisamente no dia 4 de julho, foi publicada aqui no Blog Carlos Santos uma crônica minha intitulada “O portão”. Nesse ensejo, de relance, faço uma breve referência a Paulo Doido. Foi a primeira e única vez, salvo engano, que escrevi algo sobre o personagem em destaque. Agora, com atraso, vêm estas linhas póstumas.

E agora? O que será de Mossoró e de sua fria sanidade sem a loucura mansa e risonha de Paulo Doido? Não quero nem imaginar.

Marcos Ferreira é escritor

Leia também: Após vários dias intubado “Paulo Doido” morre no Tarcísio Maia.

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domingo - 16/06/2024 - 05:20h

No tempo de Deus

Por Odemirton Filhocorreria, trânsito, pessoas, faixa de pedestre,

“Para tudo há uma ocasião certa; há um tempo certo para cada propósito debaixo do céu: tempo de nascer e tempo de morrer, tempo de plantar e tempo de colher o que se plantou”. (Eclesiastes 3:1-8).

Assim é a vida. Tenho esse versículo bíblico como um dos meus princípios. No tempo certo tudo ocorrerá. Ou não. Para quem espera no Senhor, no tempo de Deus, o que tiver de ser, será. A vida açodada na qual vivemos nos leva para o imediatismo. Queremos para ontem aquilo que somente virá amanhã.

No mundo no qual estamos inseridos, a correria é uma constante. São múltiplas as obrigações para dar conta; o trabalho, o estudo, a família, “o social”, levam-nos a uma vida agitada, repleta de compromissos. Queremos atender a tudo e a todos.

Quando chegarmos ao entardecer da vida as consequências virão. Tomaremos remédios para recuperar uma saúde debilitada pelo estresse e pela correria do dia a dia. Vale a pena? Faça o leitor a sua reflexão.

É claro que devemos lutar pelos nossos objetivos, pela concretização dos nossos sonhos, não devemos ficar acomodados, “com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar”, porquanto a vida exige atitudes e batalhas diárias.

Aliás, há uma história interessante, escrita por Liev Tolstói, que passo a narrar para o leitor:  Havia um homem que, no desejo de amealhar uma grande quantidade de terras, caminhou por um longo período, sem parar, pois, a terra que ele percorresse antes do pôr do sol, seria de sua propriedade.

“Ele corria, a camisa e a calça ensopadas de suor grudavam em sua pele, a boca estava seca. Os músculos trabalhavam como o fole de um ferreiro, o coração martelava dentro do peito, e as pernas pareciam se mover como se não lhe pertencessem. O homem foi dominado pelo terror de morrer de tanta tensão”.

O homem, sentindo que não chegaria antes do sol chegar na borda do horizonte, gritou: “há muita terra, mas Deus permitirá que eu viva nela? Eu perdi minha vida, perdi minha vida!  Nunca chegarei…”

E morreu.

Algumas pessoas que ali estavam, pegaram uma pá e cavaram uma sepultura de tamanho suficiente para que o homem coubesse deitado lá dentro, e o enterraram. Um metro e oitenta, da cabeça aos pés, era o que bastava.

Pois é, não adianta correr. Tudo acontecerá no tempo de Deus.

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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domingo - 09/06/2024 - 11:08h

Liberté

Por Bruno Ernesto

“A Liberdade guiando o povo”, de Eugène Delacroix, no Museu do Louvre

“A Liberdade guiando o povo”, de Eugène Delacroix, no Museu do Louvre

Tal qual Ariano Suassuna, não gosto de estrangeirismos. Entretanto, utilizar o lema da revolução francesa convém neste texto, especialmente pelo fato de que ela é um marco para a liberdade individual que, até hoje, podemos desfrutar; embora, claro, a deusa da liberdade não esteja tão cintilante como na famosa tela pintada por Eugène Delacroix, que a retratou em comemoração à Revolução de Julho de 1830, após ser testemunha ocular da revolução que culminou com a queda de Carlos X.

Consta na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, resultado da Revolução Francesa, que a liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique outrem.

De forma simples, direta, e em vernáculo claro: a sua liberdade acaba quando encontra o direito do outro.

Entretanto, caro leitor, há outra forma de liberdade que muitas vezes é relevada e, por vezes, terrivelmente combatida por cidadãos de bem, na esperança de que o caminho da paz e da concórdia depende da compreensão ao próximo e do respeito à lei.

Em outras oportunidades, registrei que uma das coisas que mais admiro são o sarcasmo e a ironia. Especialmente em forma de charge e tirinhas, pois nos permite ter um grau de liberdade para fustigar o debate, ou mesmo a reflexão, sobre qualquer tema, sem que desperte ódio visceral em quem não esteja disposto a enfrenta-lo de uma forma tão direta; e se o tem, o autor tem a liberdade de propor a forma inicial de como será debatido ou refletido.

Lembre-se, contudo, que as revoluções, seja ela qual for, historicamente, não podem contar com a compreensão do próximo, e que foi na praça da Concórdia, em Paris, durante a revolução francesa, que foi instalada a guilhotina.

Quem não conhece o adágio popular de que a educação de casa vai à praça? Pois bem. O próximo, a que me refiro, é o opositor; pois até mesmo a contracultura é revolucionária por essência, se não por atos, mas por outras formas.

Aqui no Brasil, temos o famoso lema da Inconfidência Mineira, “Libertas quae sera tamen”, que embora seja erroneamente traduzido como “Liberta que será também” significa em verdade, “Liberdade, ainda que tardia”, e que também traduz o sentimento de que é melhor ter um instante, ainda que final, de liberdade, que morrer sem tê-la.

Ora, no mundo em que vivemos, podemos ver uma série de situações nas quais alguém diz que fulano é sem paciência, pavio curto, incompreensível e agoniado.

De modo contrário, há quem diga que beltrano é calmo demais; passivo demais; nunca foi visto perdendo a paciência.

Quando escuto alguém falando essas coisas, pondero ambas as situações.

Quem nunca perdeu a paciência uma vez na vida não é normal. Ninguém é pacífico e passivo ao extremo, de forma a jamais ter saído da linha, perdido a compostura, ter rodado a baiana, ou blasfemado.

Desculpe-me, não acredito nisso. E nem precisa se dar ao trabalho de me convencer, pois todo mundo tem uma vida pública, particular e uma secreta.

O que pode ocorrer, acredito, é que se dê apenas numa frequência menor que o habitual das pessoas tidas como pavio curto.

Entre uma xícara e outra de café, num descontraído bate-papo, ainda há quem se espante quando digo odeio positividade tóxica, e que vez ou outra é bom viver o caos.

Se numa roda de conversa alguém se lamenta a dizer que não quer dar trabalho para morrer e que morte é um problema para os familiares providenciar o enterro, eu digo que quero morrer no dia mais inconveniente possível, de preferência numa véspera de feriado e na boca da noite.

Aos que se espantam e não compreendem, em arremate, digo mais: não há nada mais libertador de que mandar uma pessoa ir para aquele canto. Nem que seja de maneira elegante e com urbanidade. Se é que pode ser feito de tal forma; embora a vontade seja utilizar linguagem coloquial, para não se dizer outra. Há quem mereça, pode acreditar.

Assim, embora a minha liberdade termine onde o direito do outro começa, como não gosto de estrangeirismos, prefiro o lema de nossa Inconfidência Mineira.

Liberdade, ainda que tardia. Experimente.

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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domingo - 09/06/2024 - 10:54h

Guia turístico

Por Marcos Ferreira

Praça Vigário Antônio Joaquim no Centro de Mossoró (Foto: Marcos Elias de Oliveira Júnior)

Praça Vigário Antônio Joaquim no Centro de Mossoró (Foto: Marcos Elias de Oliveira Júnior)

Seja bem-vindo. Esta é Mossoró, minha cidade. O ‘minha’, claro, é mera força de expressão; mais pertenço que possuo. Bom, eis a remota Mossoró, terra da liberdade, conforme apregoam há quase um século. Município este que, segundo a lenda, expulsou o destemido Lampião e justiçou o também cangaceiro Jararaca quando os fora da lei invadiram esta província lá pelos idos de 1927.

Particularmente, embora os doutores do cangaço torçam o nariz, não me orgulho nem um pingo dessa história de brabeza de Mossoró. No fim das contas, depois de tanta chuva de bala, os bandoleiros dominaram esta comuna na trincheira da cultura. Sim. Hoje ninguém mais fala nos resistentes, mas tão só no bando de salteadores. Olhe ali, por exemplo, o espaço denominado Arte da Terra: dois bonecos gigantes de Lampião e Maria Bonita bem na frente, dando boas-vindas.

Isto sem falarmos num Memorial da Resistência que não resistiu à tentação de oferecer mais destaque aos invasores do que aos defensores. Hoje em dia, sendo otimista, talvez apenas uma dúzia de nomes que defenderam este fim de mundo à época do ataque ainda seja lembrada pelos mossoroenses de um modo geral, como o então prefeito Rodolfo Fernandes. Pudera, trata-se do prefeito.

Outra coisa. Jararaca, ferido com um balaço e enterrado ainda vivo no São Sebastião, de acordo com alguns historiadores, foi alçado à condição de santo milagreiro pelo povo desta cidade e adjacências. É o que estou dizendo. O sujeito passou de facínora a santo da noite para o dia. A sua cova no São Sebastião é simplesmente a mais visitada no Dia de Finados. Já o túmulo do herói Rodolfo Fernandes, sepultado no mesmo cemitério, salvo exceções, ninguém sabe onde fica.

Aquele prédio imponente ali era o glorioso Cine Pax, ora transformado em loja de roupas. Foi inaugurado em janeiro de 1943 e funcionou por mais de seis décadas. Fechou de vez as portas no ano de 2008, se não me engano. Assisti a ótimos filmes nesse importante símbolo da vida cultural mossoroense. O ponto alto do fim de semana das pessoas do meu tempo era ver um filme no Pax.

Cuidado com a moto! Melhor subirmos na calçada. Nosso trânsito é um bicho traiçoeiro. Aqui não se pratica direção defensiva, mas predatória. Alguns donos desses carrões, sobretudo, só faltam passar por cima da gente. Parece até que eles têm aversão a pedestres, a ciclistas e motociclistas. Tipos arrogantes, tanto os condutores dos carrões quanto os motoqueiros. A maioria vira para um lado e para o outro sem ligar a seta. Em especial os referidos donos dos carros luxuosos.

Está quente, não? Pois bem, meu amigo. Mossoró, entre outras denominações, é a terra do calor, do siroco em tardes mormacentas como esta e de eventuais madrugadas com uma cruviana gostosa. Durante o inverno, quando há, é uma maravilha, apesar do Centro alagar com facilidade. As noites costumam ser bem aprazíveis, e os bairros periféricos ficam cheios de cadeiras nas calçadas.

Esta é a Praça Vigário Antônio Joaquim. Mas o busto do vigário se encontra escondido naquela pracinha ao lado da Catedral de Santa Luzia. Por incrível que pareça, a enorme estátua que você está vendo no centro da Praça do Vigário não é do vigário. Esse é um monumento em homenagem ao ex-prefeito desta urbe e ex-governador do estado Jerônimo Dix-sept Rosado Maia, que morreu no auge da sua promissora carreira política em um acidente aviatório no ano de 1951.

Como eu disse, ali é a Catedral de Santa Luzia, onde os fiéis curvam os joelhos com peditórios ao Todo-Poderoso. Em geral, apesar da nossa estatística de homicídios ser uma das maiores do planeta, o mossoroense é um povo religioso, com supremacia católica. Aqui predomina a política do olho por olho, dente por dente, contudo as pessoas morrem de medo de ir parar no Inferno. Então, como se buscassem uma espécie de habeas corpus celeste, correm para os pés de Jesus.

Vamos para o outro lado. Que calor, hein?! Mossoró não é para amadores, nem para turistas desavisados. Beba sua aguinha gelada, se ainda estiver gelada. Ali é o Mercado Central, primeiro shopping de Mossoró. Eu e meus irmãos ficávamos animadíssimos quando chegava o domingo e meu pai nos trazia, antes do sol raiar, para fazermos algumas compras no Mercado. Era uma festa!

Tempos idos e vividos. Tenho saudades de muita coisa daquela época, embora o pão fosse tão caro e a liberdade pequena, como no poema do Ferreira Gullar. Hoje, entretanto, o pão voltou a custar muito caro, e a liberdade vive sob constante ameaça, se me faço entender. Mas voltemos ao pujante Mercado de outrora. Fico com a boca cheia d’água só de me lembrar do pastel quentinho, feito naquela horinha, que a gente devorava com um copázio de vitamina de abacate.

Quando não era uma abacatada com pastel, traçávamos uma panelada com molho de pimenta-malagueta. O bucho ficava em tempo de espocar, e o suor porejava na testa. “Caiu na fraqueza”, dizia meu pai caçoando de mim e dos meus irmãos. De outra feita, menino já taludo, trabalhei algumas vezes no entorno do Mercado, pastorando as bicicletas da clientela para descolar uns tostões.

Agora quero lhe mostrar o Teatro Municipal Dix-huit Rosado, suntuosa construção que homenageia outro político da tradicional família Rosado e também ex-prefeito desta província, morto no ano de 1996. Jerônimo Dix-huit Rosado Maia (isso é algo fácil deduzir) é irmão do ex-governador Dix-sept Rosado, cuja impressionante estátua, como o senhor constatou, se encontra no meio da Praça do Vigário. Aí está, portanto, o Teatro Municipal, palco da cultura mossoroense.

Veja aquela casa de drinques do outro lado da rua, na Avenida Rio Branco. Ali, durante uns bons anos, funcionou a Livraria Café & Cultura. Lugar excelente, ponto de encontro da intelectualidade local. Escritores, jornalistas, poetas, historiadores, médicos, advogados, professores, juízes, arquitetos, artistas, enfim, toda uma constelação pensante ocupava as cadeiras e mesas da Café & Cultura.

Era uma livraria como hoje não mais existe neste município, administrada e mantida pela senhora Ticiana Rosado. Nesse endereço, permita-me a autopropaganda, fiz o lançamento da primeira edição do meu livro de poemas A Hora Azul do Silêncio, que contou com público expressivo. Foi no ano de 2006. Atualmente, ouso dizer, no tocante a uma livraria de verdade, com amplo acervo de autores e obras, disponibilizando um bom café para a clientela, estamos órfãos.

Bem, acredito que o senhor está cheio desse papo de letras. Vamos agora a um reduto não menos cultural e emblemático desta aldeia: o Alto do Louvor. Já ouviu falar no Alto do Louvor? Não?! Então, meu caro, apresentá-lo-ei, como diria, cheio de mesóclises, o missivista federal Michel Temer. Trata-se do berço recreativo e sifilítico deste fim de mundo. Mal comparando, vir até aqui e não conhecer o Alto do Louvor é mais ou menos como você ir a Roma e não ver o Papa.

Alto do Louvor é a nossa extinta zona de meretrício. Muitos dos nossos ilustres e respeitáveis homens (não foi o meu caso!) foram iniciados sexualmente nesse antro do amor remunerado. O antes glamouroso Alto do Louvor fechou as portas há muito, porém a lenda das suas casas de tolerância e mulheres de vida nada fácil sobrevive até hoje no imaginário popular como uma ferida benigna.

Beba mais água. O senhor está ofegante.

Marcos Ferreira é escritor

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domingo - 09/06/2024 - 10:20h

Entre o som e o silêncio

Por Odemirton Filho

Ilustração Web

Ilustração Web

Há dias eu pensava em escrever uma crônica sobre o silêncio. Faltava-me, porém, inspiração ou talento para tal mister. Entretanto, após ler um artigo sobre o maestro João Carlos Martins, o caminho desanuviou. O artigo em tela falava sobre resiliência, de como o maestro conseguiu superar os limites impostos por uma doença e, com uma mão biônica, continuou a tocar piano. “Entre o som e o silêncio o necessário é a coragem”, disse.

A história do pianista me lembrou, ainda, de um livro que estou lendo, do escritor Rafael Gallo. O livro trata de um pianista virtuoso, o qual sofre um acidente quando estava na iminência de ser reconhecido como um dos maiores intérpretes do compositor húngaro Franz Liszt.

Pois bem. A palavra é prata e o silêncio é ouro, não é isso, meu caro editor? É no silêncio que encontramos o caminho a ser trilhado. Depois de estarmos em íntima reflexão com o nosso eu, talvez encontremos as respostas. Muitos falam demais, e escutam de menos, perdendo-se no vazio de suas palavras. Falar menos, escutar mais, é princípio de sabedoria.

“Existe no silêncio uma tão profunda sabedoria que às vezes ele se transforma na mais perfeita resposta”, disse o poeta Fernando Pessoa. Em certos momentos, ensarilhar armas, não é ato de covardia, ao contrário, é preparar-se para enfrentar batalhas que realmente valem a pena; observem como nas redes sociais existem discussões e comentários agressivos e desnecessários.

No decorrer da vida, o som dos nossos problemas nos impede de seguir adiante. Caímos aqui; tropeçamos acolá. O barulho do mundo nos afasta dos nossos propósitos, e deixamos de compor a letra da música da nossa vida. Nessas horas de balbúrdia, precisamos ficar em silêncio e ouvir a sinfonia da alma, sentindo o coração bater num lento compasso, à espera de respostas.

Não por acaso, diz a sabedoria popular: “a melhor resposta é o silêncio”. Discussões acaloradas nos levam a agir de forma impensada sem o necessário discernimento. Conduzir-se com prudência, medindo palavras e atitudes, sempre é de bom tom, apesar de nem sempre conseguirmos, pois, felizmente, ainda somos humanos. Todavia, é na toada do silêncio que temos as respostas aos nossos questionamentos e, sobretudo, paz de espírito, algo imensurável.

Lembrem-se das Sagradas Escrituras: “Até o insensato passará por sábio se ficar quieto e, se contiver a língua, parecerá que tem discernimento”. (Provérbios 17:28).

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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domingo - 02/06/2024 - 09:52h

Rincão, 59.646-585

Por Bruno ErnestoCEP-59646-585-RINCAO

No último dia 26 de maio, após quase cinco anos da última vez que pude segurar a mão do meu pai, passei em frente à Capela de Santa Teresinha no intuito de organizar o aniversário do meu filho Pedro.

Estava fechada, mas, por um instante, parei ao pé da porta central da capela e lembrei daquele dia, o mais triste da minha vida, e, embora já tenha passado de carro inúmeras vezes em ali em frente, desde aquele dia não tinha posto os pés naquela calçada.

Apesar da saudade, a vida segue e ficaram as boas lembranças dele.

Há alguns meses compartilhei o registro da rua a qual foi denominada Rua Professor Francisco Ernesto Sobrinho, em homenagem ao meu pai, cujo registro junto aos Correios havia sido concluído com a designação do CEP.

Foi uma proposição do confrade da Academia de Ciência Jurídicas e Sociais de Mossoró (ACJUS), e vereador do município de Mossoró/RN, Professor Francisco Carlos, a quem, novamente e de público, agradeço em nome da minha família pela homenagem.

Após localizar a rua, constatei um fato curioso.

Quem conheceu meu pai, sabia de sua paixão pela Esam/Ufersa.

Lá graduou-se em Engenharia Agronômica no ano de 1972, sendo concluinte da segunda turma da recém-criada ESAM no ano de 1967.

Quando veio estudar em Mossoró/RN, morou num pequeno apartamento improvisado embaixo da caixa d’água que fica na entrada do campus Oeste da Ufersa, lá morando de 1967 a 1972.

Foi professor da Esam/Ufersa de agosto/1976 a janeiro/1996, quando, a contragosto, teve que requerer sua aposentadoria. Ele e muitos professores na época, pois as mudanças econômicas e administrativas pelas quais o país passava naquela acabou por antecipar a carreira de muitos servidores no país.

Não se fez de rogado e, no dia seguinte ao pedido de aposentadoria, foi para Esam como se nada tivesse acontecido.

Minha mãe estranhou, mas, sábia como é, sabia que ele só deixaria de ir à Esam/Ufersa em duas situações: se não tivesse condições físicas de ir (Leia-se, se o trancassem em casa), ou se já não estivesse nesse plano terrestre.

De fato, só deixou de frequentar a Esam/Ufersa em novembro de 2019, um mês e meio antes de falecer, em 13/12/2019.

Por obra do acaso – talvez não – a rua que leva seu nome está localizada no bairro Rincão, que, registre-se, fica ao lado da Esam/Ufersa, de modo que até o significado do nome rincão não foi suficiente para afastá-lo de lá.

Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor

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domingo - 02/06/2024 - 08:18h

A conta está chegando

Por Marcos Ferreira

Foto extraída da Web

Foto extraída da Web

Talvez o colapso absoluto, o apocalipse total, ainda demore um século. Ou, quem sabe, bem menos do que isso. Não sei. O que sei é que a conta está chegando. Os cientistas estão carecas de nos alertar sobre essa questão.

Uma espécie de Zaqueu, antigo cobrador de impostos em Jericó, baterá à nossa porta. E, ao que parece, ele vem a galope. Trata-se de uma dívida que geramos e que não pode ser paga com nenhum cartão de crédito. Quando o sapato realmente apertar, quando chegar a hora da onça beber água, não mais será possível pendurar a despesa num prego, parcelar em prestações a perder de vista.

Este globo azul, nosso lindo planeta Terra, mostra-se de saco cheio, zangado. Já não tolera como antes tantas agressões e desumanidades da destrutiva raça humana. O Homem é essencialmente mau, pernicioso, um corpo estranho, um tumor que a Natureza decerto vai expelir.

Sim, há muita gente boa por aí, pessoas que agem de modo admirável, que respeitam e tentam fazer do nosso habitat um lugar melhor. Esses, infelizmente, são um tiquinho, uma gota de sensatez no oceano das maldades do bicho-homem. Chuvas diluvianas, furacões, fortes ondas de calor, terremotos e temperaturas glaciais surgem mundo afora. É isso. A conta está chegando com juros altíssimos e não temos como pagá-la. Gastamos até o último níquel de paciência da Natureza. Ninguém se engane, não suponham que este planeta será destruído. Não como se imagina.

O que está em avançado processo de extinção é a nossa permanência sobre a face da Terra. O planeta vai cobrar o que devemos, vai se livrar dos tumores que somos nós: a nociva humanidade. O desrespeito à fauna e à flora e a cobiça que nos leva a incontáveis e irreparáveis agressões ao meio ambiente não ficarão impunes. Não. Nada disso receberá indulto. O débito é astronômico e inegociável.

Não sou cientista nem religioso. Todavia tenho olhos com que ver e ouvidos com que ouvir. Os sinais estão às escâncaras. O derretimento dessa “geleira do juízo final”, por exemplo, é uma reação da Natureza entre o sem-número de consequências pelas quais teremos que responder. Aquelas suaves e inócuas palavras do sumo pontífice pedindo um cessar-fogo são um risco n’água. Ninguém (entenda-se Rússia e Israel) dá a mínima. Com as exceções já referidas, o Homem é o pior inquilino que habita a Terra. Sim. O ser humano é uma besta-fera falsamente civilizada. Sob as barbas e olhos das grandes e pequenas nações, o tirano da Rússia prossegue massacrando a Ucrânia. Idosos, mulheres e crianças somam a maior quantidade de mortos.

Em Gaza é ainda pior. Com sangue nos olhos e nas mãos, Benjamin Netanyahu, primeiro-demônio de Israel, também comanda uma guerra covarde contra a Palestina, genocídio que já resultou em milhares de mortos, civis inocentes, sobretudo (repito) mulheres, crianças e idosos. Enquanto isso os terroristas do Hamas, verdadeiros alvos do exército israelense, continuam vivinhos da silva.

O jumento é bom. O Homem é mau. É mais ou menos assim que dizia Luiz Gonzaga em uma de suas músicas de maior sucesso.

A Terra, como sempre, vai renascer do cataclismo. O mesmo não se pode dizer da espécie humana. É possível que não reste ninguém para repovoar este planeta. Nem mesmo os imortais das academias de letras, supostamente imorredouros. A hecatombe aqui abordada não representa uma simples crônica distópica. Não é mera distopia! E não acho que Deus ou Jesus Cristo moverá uma palha sequer para salvar a nossa pele.

O Criador também está de saco cheio. Tal coisa não é de hoje. Segundo as Escrituras, o Todo-Poderoso ficou transtornado e lavou as mãos desde aquele terrível dia em que crucificaram o Nazareno, o filho unigênito do Altíssimo.

As tragédias são brutais. As guerras e a fúria da Natureza têm se revelado piores do que em todas as etapas da era medieval. As superpotências bélicas e econômicas cairão de joelhos, as mãos erguidas para o Céu, pedindo clemência. Mas aí será tarde demais. Como diz o conto bíblico, haverá choro e ranger de dentes. Acho muito improvável que dessa vez surja um Noé com uma arca salvadora.

Se tal arca por acaso aparecer, creio que será (merecidamente) para resgatar um bocado de bichos ditos irracionais. Esses não têm culpa alguma no cartório planetário. E eu, que nem sei rezar, apenas aguardo nosso fim.

Marcos Ferreira é escritor

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domingo - 02/06/2024 - 07:24h

Sempre é tempo

Por Odemirton FilhoDois caminhos, já teve, passado e presente, escolha, passado e presente, terra arrasada

Li um texto que dizia assim: “é na velhice que os fantasmas do arrependimento e da culpa costumam aparecer com mais frequência. Quando se chega a um tempo no qual o que ainda falta viver é muito menos do que o que já se viveu, o passado, as memórias e as escolhas que não foram feitas invadem o presente e exigem uma injusta prestação de contas para a qual dificilmente nos preparamos”.

Realmente, o passar do tempo nos faz refletir sobre o que vivemos. E fizemos. Não, não se trata de remoer o passado, pois este deve ficar devidamente guardado lá atras; é preciso virar a página do livro da vida, como se diz. No entanto, tenho certeza que a maioria de nós faz essa reflexão. Às vezes, nos perguntamos: e se tivesse enveredado por outros caminhos, a vida teria sido diferente? Fiz a escolha certa naquela ocasião? Enfim, são inúmeros os questionamentos, poucas as respostas.

Decerto, muitos devem carregar no peito uma ou outra culpa pelo que fez. Por vezes, uma atitude irrefletida nos leva para o abismo do arrependimento. Fazemos mea-culpa. Se dá para remendar o malfeito, ótimo, senão, resta-nos carregar pelo resto da vida o peso da culpabilidade. Para o Direito Penal, a culpabilidade é o juízo que se faz sobre a reprovabilidade da conduta do agente. Somos ao mesmo tempo, no tribunal de nossa consciência, o juiz, o promotor, o advogado e o réu.

Entretanto, não podemos conduzir a nossa vida carregando o peso de arrependimentos. A vida impõe escolhas, temos que decidir. Talvez, acertemos, talvez, erremos. Não importa. Faz parte da jornada. Porém, não dá para conviver com essa angústia. É preciso viver, pois o passado está morto, e o futuro é incerto. O que temos é o presente, porquanto a vida é um instante, dizem por aí.

Muitos acreditam na “lei do retorno”, uma vez que pagaremos os erros cometidos por aqui, não na outra vida, para quem acredita, claro. Colhemos hoje o que plantamos ontem. Semeamos amor ou ódio? Fomos bons filhos? Fomos bons pais? Cultivamos amizades? Fizemos o bem?

Quem sabe, não devemos esperar chegar ao crepúsculo de nossa existência para fazermos uma reflexão sobre o que estamos a fazer, mesmo porque não sabemos quando será o ocaso da vida. Creio que sempre é tempo para revermos valores, principalmente, atitudes.

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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domingo - 26/05/2024 - 20:30h

Hercílio Pinheiro, o gênio esquecido

Por Honório de Medeiros

Hercílio: pura arte

“Um dom dado por Deus”. Assim Seu Chico Honório começou a me falar de sua amizade com o grande cantador de viola e repentista Hercílio Pinheiro, de quem foi amigo pessoal, nascido em Luis Gomes, Rio Grande do Norte, no Sítio Arapuá, no dia 13 de novembro de 1918, e morto tão prematuramente em 9 de abril de 1958, aos quarenta anos de idade.

Hercílio, desde pequenino, versejava batendo em uma lata “desafiando” sua irmã. Cedo aprendeu as técnicas de sua arte através de Inocêncio Gato, com quem fez sua primeira cantoria. E cedo, também, veio morar em Mossoró, onde exerceu a atividade de locutor da Rádio Tapuyo até se entregar totalmente à viola.

Seu Chico recorda suas primeiras cantorias – com Antônio de Lelé, na casa de Zé Honório, em São João do Sabugi; com Justo Amorim, na casa de Cabo Palmeira, patrocinada por Zuza Patrício; com Chico Monteiro na fazenda de Sinhozinho Crisóstomo, a cinco léguas de Alexandria, todas tiradas a cavalo, no novenário de Santo Izidro.

Eu o deixo divagar mergulhado nas lembranças de quase setenta anos atrás. Ele, entretanto, não demorada a repetir: “Hercílio foi um dom de Deus.”

“Hospedei Hercílio e Dimas Batista em Mossoró. Hercílio era um homem correto, digno, honesto. Transpirava honestidade. Morreu dezessete dias antes de você nascer. Foi o melhor cantador de viola do Brasil em sua época. Respeitava todos seus companheiros, mas, os superava em muito.”

“A grande teima, naqueles anos, era qual dos dois cantadores era o melhor: Hercílio ou Dimas.”

“Houve um desafio célebre, na década de cinqüenta, entre os dois, um desafio real, não esses de hoje, onde tudo é combinado, que começou de tarde, varou a noite e ganhou a madrugada e somente parou por que o juiz da cidade – Taboleiro do Norte, Ceará – deu por encerrada a peleja, dando-a como empatada.”

“Hercílio era irmão de João Pinheiro e seu sócio no bar “Irmãos Pinheiro” aqui em Mossoró. Esse bar é tradicional ponto de encontro de comerciantes, políticos, advogados, ainda hoje, mas a maioria de seus familiares mora em Taboleiro do Norte, no Ceará. Hercílio tinha entre um metro e setenta e um a um metro e setenta e seis. Era muito magro. Branco, calvo, cabelos finos, usava óculos com grau muito forte porque era quase cego em conseqüência de uma miopia. Fumava cigarro de palha ou de fumo cortado.”

“Eu o conheci quando era chefe de trem na linha Mossoró-Sousa. Como era seu admirador, terminei fazendo amizade com ele por conta das viagens que ele fazia para ir cantar. Na verdade devo a Hercílio minha vinda para a Igreja Católica. Um dia, quando já estávamos perto de Mossoró, ele me perguntou: Chico, você já fez sua Páscoa? Respondi-lhe que nunca tinha me crismado nem feito Páscoa”.

“Ele me ofereceu os livros que eu tinha que estudar e me disse que ia me levar a Frei Luis. Esse Frei Luis era um terror. No dia seguinte fui me confessar com Frei Luis, a mando de Hercílio, e lhe disse que nunca tinha me confessado. Levei um grande carão e ganhei uma penitência de sete padres-nossos de joelho. Até que não foi muito pesada. A segunda confissão foi com Frei Damião. Hercílio foi quem encaminhou. Novo carão e novas penitências.”

“Quando Hercílio vinha a Mossoró eu já sabia: de manhã, lá pelas dez horas, nós nos encontrávamos e a outros amigos na Praça do Pax, para conversar sobre cantoria, repente, cantadores, viola.”

“Hercílio era muito admirado, entre outras qualidades, por ter o que os entendidos chamam de “pulmão limpo”, ou seja, sem pigarro, um canto claro e bonito.”

“Uma vez, não me contive: Hercílio, quem é o cantador que você teme em uma disputa? Não temo ninguém, respondeu. Aliás, continuou, não disputo com ninguém, só comigo mesmo. Mas eu sempre me fiz respeitado na minha profissão. Agora respeito e sou respeitado por Dimas Batista.”

“Assim é o gênio”, conclui Seu Chico. “Estudou à luz de lamparina, mas seu dom, esse não tem como aprender. Hercílio nasceu com ele.”

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

*Texto originalmente publicado nesta página no dia 29 de julho de 2012, há quase 12 anos.

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domingo - 26/05/2024 - 09:44h

A passagem secreta

Por Marcelo Alves

Daunt Books em Londres (Foto: Secret London)

Daunt Books em Londres (Foto: Secret London)

A Daunt Books, na região londrina de Marylebone, é uma belíssima livraria. Como comércio de livros, em princípio especializado em literatura de viagem, foi fundada em 1990, por James Daunt, um banqueiro também craque no ramo livresco, que depois foi trabalhar para as gigantes redes Waterstones (do Reino Unido) e Barnes & Noble (dos EUA). A Daunt Books virou uma pequena rede de livrarias, menos de dez no total, das quais eu estou lembrado de conhecer apenas a matriz em Marylebone, por sinal um bairro chique e muito aprazível da capital do Reino Unido. Acho que tenho uma das belas sacolas da rede – chamadas de tote bags –, das quais eles são, justificadamente, muito orgulhosos.

De toda sorte, fui poucas vezes à Daunt Books quando do meu período de estudos em Londres. Não era tão perto dos locais onde morei e, quase sempre, nas minhas vizinhanças, havia opções, digamos, mais convenientes. Mas, desta feita, hospedado por cinco noites no The Cumberland Hotel, nas abas de Marylebone, decidi alegremente me aventurar por esse comércio de livros. A mãe de João tinha ido fazer as compras de estilo na Oxford Street.

Eu fiquei com o nosso pequeno. Então, passearia com ele na Marylebone High Street, rua agradabilíssima por sinal, cheia de lojas, restaurantes e gente, levaria ele na livraria e, quem sabe, dando tempo, ainda chegaríamos à estação de trens de Paddington, para ver o famoso urso – sua estátua, na verdade – chamado… Paddington.

O passeio pela Marylebone High Street foi divertidíssimo. Era uma manhã de sol – o que é sempre algo a se comemorar no abril londrino. Ia empurrando o carrinho de João. Ele com suas perguntas, que eu tentava – e ainda tento – responder da melhor forma possível. Olhamos muitas vitrines. Entramos em um par de lojas. Tomei um café. Dei o lanche de João. E chegamos à livraria.

A Daunt Books de Marylebone, que ocupa o prédio de uma antiga livraria da era eduardiana, é mesmo muito bonita. Embora mais simples, o seu interior lembra a famosa Livraria Lello do Porto. O trabalho em madeira escura nas estantes, nas balaustradas do andar superior, nos corrimãos e na escada que dá para o subsolo é realmente digno de nota. Belíssimo. A enorme janela/vitral no fundo da loja é encantadora. O teto envidraçado ilumina a nossa estada.

Outrora especializada em livros de viagem, é hoje uma livraria bastante generalista. Seu acervo é bom. Muito melhor do que o da Lello, por sinal. E bem sistematizado. A livraria parece viver cheia. Tinha bastante gente no dia em que estivemos lá. Mas não eram “turistas”, tirando fotos para todos os lados, como no caso do comércio do Porto. Pareciam “locais” e realmente amantes de livros.

Pelo que me recordo, nada comprei. Mas algo deveras inusitado aconteceu. Uma lição, posso dizer. João insistiu em descer a bela escada de madeira, que dava para o andar mais baixo da livraria, onde ele afirmava haver uma passagem secreta. Tirei João do carrinho, que deixei atrapalhando o trânsito no andar térreo, e, carregando o requerente nos braços, nos aventuramos pelo subsolo, onde havia muitos livros, entre eles os de criança. Subimos depois de um tempo.

Cheguei a colocar João de volta no carrinho. Mas ele pediu de novo para descer as escadas, com o mesmo argumento de que havia a tal passagem secreta. Desci já com um misto de cansado e encafifado. Demoramos mais um tempo e, para desgosto de João, subimos. Esse desce e sobe se repetiu mais uma vez. Foi aí que eu percebi haver deixado o carrinho de João verdadeiramente impedindo o trânsito dos leitores.

Em especial, pedi desculpas a uma mulher que, curvada sobre o carrinho, tentava consultar a prateleira dos livros de filosofia. Envergonhado, colocando a responsabilidade no pequeno, disse: “É a imaginação dele. Insiste que descendo as escadas tem uma passagem secreta”. Ao que ela respondeu: “Mas tem ele razão. Lá está cheio de livros”.

Ainda hoje me pergunto o que João encontrou na sua passagem secreta…

Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República, doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras – ANRL

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domingo - 26/05/2024 - 08:25h

O resplendor

Por Bruno Ernesto

Santa Rita de Cássia em Nova Cruz-RN (Foto: Canindé Soares)

Santa Rita de Cássia em Nova Cruz-RN (Foto: Canindé Soares)

Maior que a fé, só o desejo do título de maior estátua de santa católica do mundo, que foi alimentado em Santa Cruz do Inharé durante os anos de construção da estátua de Santa Rita de Cássia.

Nesse período, precisei me deslocar de Natal para as cidades de Currais Novos e Caicó muitas vezes, em razão de compromissos profissionais, o que me permitiu observar a sua construção desde o início.

Da BR-226, a cada passagem por Santa Cruz, olhava para o Monte Carmelo, e pude observar a evolução da obra, que na maioria do tempo estava envolta por andaimes, permitindo observar apenas sua silhueta enquanto ganhava os céus pelas mãos de Alexandre Azedo, que é filho do escultor que ergueu a famosa imagem de Padre Cícero, no Juazeiro do Norte/CE, juntamente com sua habilidosa equipe.

Na região não se falava de outra coisa a não ser do orgulho e empenho do prefeito da cidade, que ia muito além da fé naquele monumento, uma santa que teria quarenta e dois metros de altura e estaria postada sobre um pedestal de seis metros de altura, o que lhe garantiria uma altura total de quarenta e oito metros e o título de maior estátua de um santo católico do mundo.

Ano após ano, a construção avançava sob a expectativa de que logo seria laureada com o glorioso título, sempre, porém, com a possibilidade de perdê-lo antes da conclusão ou, quem sabe, pouco tempo após, o que seria terrível e feriria de morte o orgulho dos fiéis e das autoridades locais envolvidas no projeto. Afinal, há gente de fé católica no mundo inteiro disposta a arrebatar tal título e, nem sempre, a fé é o mais importante nessas situações. Dizem.

Isso, segundo contam, era um pesadelo para todos da cidade e, decerto, muito mais para o prefeito, pois aquela obra seria um marco histórico para a cidade e seu nome certamente seria eternizado nos anais da cidade, talvez, digno de registro pelo Sumo Pontífice em plena Praça São Pedro, no Vaticano, na audiência semanal que ocorre toda quarta-feira, ou registrado por ele, tal qual os registros existentes nos monumentos históricos de Roma, desde a colina do Vaticano, até o Foro Romano, onde podemos ver inúmeras placas esculpidas no famoso mármore de Carrara, alusivas àqueles monumentos, como a que está no Anfiteatro Flávio, o famoso Coliseu, com os seguintes dizeres: “Amphitheatrum Flavium, triumphis spectaculisq insigne diis gentium ímpio cultu dicatum martyrum criuore ab impura superstitione expiatum ne fortitudinis eorum excideret memoria monumentum a Clemente X P M an jub MDCLXXV, parietinis dealbatis depictum, temporum injuria deletum. Benedictus XIV Pont M. Marmoreum reddi curavit, na jub MDCCL, Pont M.”

Essa expectativa acompanhou a todos durante toda a construção, até que, já bem próximo de finalizar a obra e, enfim, ser inaugurada, chegou a notícia mais temida por todos: em Aparecida/SP, seria erguida uma estátua colossal de Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil, e que teria 50 metros de altura, o que retiraria o tão sonhado título de maior estátua de santo católico do mundo da cidade de Santa Cruz, pois, mesmo o Monte Carmelo tendo trezentos metros de altura, os quarenta e oito metros de Santa Rita de Cássia seriam superados em dois metros.

Dois metros separariam a glória do ocaso e não haveria comemoração como as do Arco de Constantino, em Roma.

O sonho de tantos anos parecia se esvair por entre os dedos de todos.

Foi um balde de agua fria nos sonhos dos fiéis e a comoção foi generalizada, imperando na cidade o clima de tragédia.

Alguém, num típico arroubo do fervor cristão, quase que de antigamente, bradou que a velha lenda do inharé havia despertado, para a desgraça de todos.

A respeito dessa lenda, consta nos registros históricos da cidade de Santa Cruz que onde hoje é a cidade, havia abundância de inharé, uma árvore que, mesmo tida como sagrada, também poderia ocasionar malefícios, como secas, epidemias e toda sorte de mazela, toda vez que alguém lhe quebrasse um de seus galhos.

Diz-se que um missionário católico, ao saber de tal fato, dirigiu-se ao local e, em desafio, cortou alguns galhos de um inharé e com eles ergueu uma cruz na localidade e, como um milagre, pôs fim aos malefícios no povoado. Daí o nome Santa Cruz do Inharé.

Não tardou para que a notícia da construção de Nossa Senhora Parecida chegasse aos ouvidos do prefeito, que era muito querido na cidade e muito prático nas resoluções dos problemas que lhe eram apresentados.

Dizem que ele perguntou qual a era a diferença de altura entre as duas estátuas.

Alguém sussurrou, decerto com receio da reação do prefeito: dois metros!

Ao ouvir, o prefeito se espraiou na cadeira do seu gabinete e, em profundo silêncio, permaneceu imóvel e com olhar distante por alguns minutos.

O silêncio era ensurdecedor dentro do gabinete. Todos os presentes se entreolhavam num desespero crescente.

Dizem que após uns minutos, o prefeito se levantou da cadeira e foi em direção da janela do seu gabinete, de onde tinha uma visão privilegiada da estátua de Santa Rita de Cássia que estava erguida lá no Monte Carmelo, lá permaneceu outro tanto de tempo em silêncio, estático; apenas fitando Santa Rita de Cássia.

De repente, voltou-se para os presentes em seu gabinete e disse: – A data da inauguração está mantida.

Todos saíram sem entender muito, e os preparativos para a inauguração continuaram normalmente até a inauguração da estátua de Santa Rita de Cássia, no dia 26 de junho de 2010.

Para a surpresa de todos, um resplendor medindo oito metros de altura foi fixado na cabeça da estátua, como uma espécie de coroa, que, ao final, fez com que a altura dela passasse de quarenta e oito para cinquenta e seis metros, superando em seis metros a altura da estátua de Nossa Senhora Aparecida, e que só foi inaugurada em outubro de 2023, garantindo o título de maior estátua de santo católica do mundo até a presente data para Santa Rida de Cássia, ao que se tem notícia.

Ao que parece, o prefeito teve a solução mais prática possível para garantir o título, e ainda garantiu uma maior santidade e divindade à estátua de Santa Rita de Cássia com a instalação do resplendor, que abençoa a cidade de Santa Cruz lá do Monte Carmelo, e enche de orgulho os fiéis, de modo que, de fato, nada mais justo que se esculpa em mármore de Carrara tal façanha, pois solucionou um gigantesco quiproquó. Literalmente.

Ora, pelo visto, os papados dos Papas Bento, por obra do acaso, trouxeram sorte para a estátua, pois a maioria das placas que estão afixadas nos monumentos históricos de Roma, a Cidade Eterna, foram colocadas por ordem do Sumo Pontífice reinante da época, que era Bento XIV (1740-1758); sendo que, ao tempo da inauguração da estátua de Santa Rita de Cássia, no ano de 2010, estávamos sob o Papado de Bento XVI (2005-2013).

Talvez, a lenda do inharé tenha se repetido, merecendo uma placa, quem sabe, esculpida em latim, tal qual as de Roma.

Bruno Ernesto é professor, advogado e escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 26/05/2024 - 03:42h

Meu velhobook

Por Marcos Ferreira

Foto ilustrativa da Web

Foto ilustrativa da Web

Hoje, usando apenas o dedo indicador da mão direita, posto que não tenho a destreza que tantos apresentam no tocante a mensagens por escrito neste aplicativo, resolvi escrever esta crônica no WhatsApp. Adianto, porém, que é um atrevimento que não pretendo repetir. Meus óculos já não contribuem para esse tipo de ousadia.

A deficiência ocular é para perto quanto para longe. Esta, então, é a primeira e última vez, embora eu deva admitir que estou até desasnando, como se diz.

O motivo disso é que meu velhobook está passando uns dias na casa de recuperação Tec-Micro, situada na Avenida Alberto Maranhão, 2377. Precisa de um urgente e delicado reparo. Embora com uma aparência um tanto jovial, ele entrou na terceira idade. Tem muitos anos de serviços prestados, de entrosamento com este escriba. Parceria que, até o momento, rendeu-me três romances, um livro de contos (afora alguns esparsos) e três reuniões de poemas.

Dois dos romances, a exemplo dos contos e poemas (cujos títulos convém não divulgar agora), são inéditos. Há também uma porção de crônicas e o premiado e republicado A Hora Azul do Silêncio, vencedor dos “Prêmios Literários Cidade de Manaus” na categoria melhor livro de poesia.

A ideia de trocar meu aparelho por outro novinho, mais avançado, desagrada-me. Pois nosso vínculo vai além da tecnologia. Bem parecido com o sentimento que alguns autores tiveram quando da mudança das velhas máquinas de datilografar para produzir seus escritos num computador. Isso se deu, por exemplo, com o recém-falecido José Nicodemos (veja AQUI), verdadeiro estilista da língua portuguesa, sobretudo da crônica.

Nicodemos nos deixou no dia 18 de maio. Ele tinha oitenta e seis anos e, a exemplo de Dorian Jorge Freire, um dos melhores textos do nosso país.

Pensei num mundéu de coisas para escrever, entretanto preciso me contentar com o que foi dito. Aliás, escrito. Cogitei dedicar uma página inteira a essa tragédia brutal que assola o Rio Grande do Sul, mas sem esquecer dos incontáveis desabrigados e desvalidos desta Mossoró (salvo exceções!) desalmada.

Essa utilíssima ferramenta chamada WhatsApp, no ritmo que estamos, vai quebrar o meu galho, me salvar da lacuna durante a ausência do meu velhobook. A repetição do carinhoso neologismo velhobook, que pode representar uma típica redundância, é um tratamento de mero afeto. Percebo, com a minha cabeça ora cheia de metalinguagem, que até esses equipamentos têm seu lado estimável. É mais ou menos o que existe entre mim e minha máquina de escrever, de contar histórias.

Bom. Acho que devo parar por aqui. Puxar mais conversa, engordar esta prosa do velhobook escrevendo neste aplicativo me parece um risco. De repente, não mais do que de repente, como no verso do poeta Vinicius de Moraes, pode acontecer uma trapalhada da minha parte e tudo isso se perder. Torço que o meu Editor consiga pinçar esta crônica digressiva, copiá-la do WhatsApp de algum jeito.

Depois, quando o velhobook retornar dos seus dias de conserto, trocaremos umas ideias e aí talvez eu traga à tona uma crônica mais robusta, que lhes ofereça um volume maior de texto. Todavia isso é por demais relativo; algo discutível. Um grande número de páginas ou livros bastante volumosos não significam sucesso literário. Se fosse assim todo dicionarista ganharia um Nobel de Literatura.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
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