domingo - 29/05/2016 - 09:04h

Uma obra essencial acerca da elite política

Por Honório de Medeiros

Tempos atrás recebi, pelo correio, comprado através da “Estante Virtual” (www.estantevirtual.com.br) – esse desaguadouro para o qual todos os bibliômanos brasileiros convergem, a obra “La Clase Política”, de Gaetano Mosca, com seleção e introdução de Norberto Bobbio, edição popular (livro de bolso, trocando em miúdos) do “Fondo de Cultura Económica” de 1984, México, após procura na qual se alternavam períodos de calmaria e outros de busca frenética.

Desconfio, claro, muito embora sejam reais as dificuldades de encontrar esse texto – tomo como prova o fato de somente agora conseguir encontrá-la nesse imenso sebo virtual mencionado acima, ao qual recorri em muitas oportunidades – que era para ser assim mesmo, ou seja, não me seria fácil adquirir, manusear, analisar e criticar metodicamente, em seus detalhes, a obra que Gaetano Mosca, já octogenário, classificava como “seu trabalho maior”, “seu testamento científico”, e à qual dedicara suas melhores energias durante quarenta anos, como nos lembra Norberto Bobbio em sua introdução.

Isso por que dou como certo que os livros têm vida, e muito mais que adquiri-los, somos, por eles, adquiridos, tal como nos leva a crer Carlos Ruiz Zafón em seu “A Sombra do Vento”, quando nos apresenta ao “Cemitério dos Livros Esquecidos”, localizado em misterioso lugar do centro histórico de Barcelona, fantasia, bem o creio, nascida de suas leituras do imenso Jorge Luis Borges e de seu maravilhoso conto “A Biblioteca de Babel”, em “Ficções”.

E, em tendo vida, e vontade própria, houve por bem “A Classe Política” brincar comigo de gato e rato, sem dúvida por considerar que meus arroubos juvenis criticando Marx, nos corredores da Faculdade de Direito, firmado em leituras ainda pouco digeridas, de Popper e Aron, não mereciam o suporte final de uma metódica construção teórica da qual resultava a hipótese – que assombrava meus pensamentos em seus contornos imprecisos – de que há uma elite dominante presente em todas as sociedades, sejam quais sejam elas, seja qual seja a época.

É como nos diz a apresentação do livro, em sua contracapa: “Mosca considera que hay uma clase política presente em todas las sociedades. Gobiernos que parecen de mayoría están integrados por minorias militares, sacerdotales, oligarquias hereditárias y la aristocracia de la riqueza o la inteligencia”.

Percebo, portanto, que “A Classe Política” aguardou o momento certo: quando fosse possível, na medida de meus esforços, compreender que há uma relação entre sua idéia central, a Teoria da Evolução de Darwin – naquela vertente anatematizada da Sociobiologia – e a Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen, que me permitisse não somente iniciar, para mim mesmo, a descrição do fenômeno jurídico em sua totalidade, seja como conjunto de normas jurídicas, seja como fato social, ela se tornaria, então, disponível.

Assim, resta ler, ler de novo, e reler o que escreveu, acerca da “elite política” esse italiano nascido em Palermo, em 1º de abril de 1858, falecido em Roma em 8 de novembro de 1941, aos oitenta e três anos. Foi professor de “História das Doutrinas Políticas” na Universidade de Roma e Docente Livre em Direito Constitucional na Universidade de Palermo.

Ensinou, também, na Universidade de Turim, Deputado, Senador do Reino, Subsecretário das Colônias, e colaborador do Corriere della Sera e La Tribuna. Em 19 de dezembro de 1923 se retirou da vida política ativa e se dedicou exclusivamente a seus estudos, em particular no campo da história das doutrinas políticas.

Ler, com especial atenção, um capítulo denominado “Origens da doutrina da classe política e causas que obstaculizaram sua difusão”, no qual Mosca credita o pouco conhecimento da “teoria da elite política” à hegemonia do pensamento de Montesquieu e Rousseau.

Hegemonia essa, ouso dizer, que serve como uma luva feita à mão na estratégia adaptativa de aquisição e manutenção do poder empreendida pelas elites dirigentes após a Revolução Francesa de 1789. E que culminou, no campo do Direito, na inserção, em Constituições Federais, de princípios jurídicos difusos que se prestam a serem interpretados de acordo com as conveniências de quem os interpreta.

Curioso é que muito embora eu, finalmente, tenha conseguido pôr minhas mãos nessa obra, ela ainda não me veio por inteiro. Trata-se, no caso, de uma seleção de textos feita por Bobbio. Tanto que, no final, há um capítulo no qual se apresenta o resumo dos capítulos omitidos.

Nestes, há uma refutação das doutrinas do materialismo histórico e da concepção segundo a qual deveriam chegar ao governo os melhores, tema retomado por Karl Popper em “A Sociedade Aberta e Seus Inimigos”, onde critica Karl Marx e Platão.

Ou seja, a busca continua.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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quinta-feira - 19/05/2016 - 20:34h
Nós, nós!!!

Adivinhem quem vai pagar rombo de mais de 200 bilhões

Por Honório de Medeiros

O rombo nas contas públicas já está em mais de 200 bilhões.

Um absurdo sem igual.

Gastaram muito mais que o cheque especial.

Para resolver isso há três caminhos: aumenta-se a produção, corta-se despesas, ou aumenta-se impostos.

Não tem como aumentar, de imediato, a produção.

Sobrou o corte e os tributos.

Adivinhem quem vai pagar a conta!

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domingo - 03/04/2016 - 02:40h

De um encontro casual e um evento comum

Por Honório de Medeiros

“Um radialista”. Assim, secamente, Antônio Gomes me identificou o morto cujo enterro passava pela esquina onde estávamos postados em Cajazeiras, Paraíba. Até que o enterro passasse por mim não lhe dera atenção. Observava, fascinado, aquela fila coleante a se arrastar molemente, ocupando todos os espaços da rua.

Era sempre assim, pensava eu, fosse enterro, manifestação, passeata política, desfile: um fluxo constituído por pessoas diferentes, mas iguais quando em grupo. O ser humano. Esse compósito de vilania e santidade se arrastando em grupo, ou a sós, do nada para o nada. “De longe, todo mundo é normal”: terá sido Wilde, quem o disse? Não, foi Caetano.

Antônio Gomes, como eu, estava de braços cruzados olhando o enterro, mas seu olhar era sardônico. Um olhar que combinava bem com o rosto magro, de feições indefinidas, comuns. Deveria ter sessenta e poucos anos. Cabelos grisalhos, abundantes, cortados curtos, displicentemente penteados para trás.

Ao observá-lo tive a sensação de que ele parecia um elemento estranho à paisagem. Não combinava com Cajazeiras, uma cidade que, como muitas outras, sendo grande para os padrões do Sertão, disso nada extrai de bom, assim como não guardou o que de bom havia de quando era pequena. Era como uma questão de foco.

Ele parecia deslocado não porque estivesse no centro da cidade, e não acompanhasse o enterro, mas, sim, porque estava ali como se fosse um estrangeiro em pleno Sertão, muito embora sua roupa, dele não dissesse nada, nem os sapatos, nem qualquer adereço, até por que não os havia, excetuando um relógio que também era muito discreto.

“O senhor não é daqui.”

“Sou e não sou. Nasci aqui há uns sessenta anos atrás, e voltei há uns poucos dias para vender uma terra que me coube por herança.”

E me perguntou o que eu fazia em Cajazeiras. Falei-lhe de minha pesquisa acerca de Massilon, o cangaceiro, e que acabara de voltar de Missão Velha, no Ceará, terra onde o Cel. Isaias Arruda “reinara” na década de 20 e da qual, com seu apoio logístico, Lampião partira para invadir Mossoró.

Agora já estávamos sentados numa lanchonete que colocara na calçada aquelas mesas e cadeiras de metal com imensas logomarcas de cerveja na calçada. Mesas e cadeiras sujas. Como não era possível tomar um café respeitável, pedíramos água mineral.

“Ah, o cangaço”, disse, e perguntou: “descobriu algo em Missão Velha?”.

Sim, eu havia descoberto, mas não queria falar acerca de cangaço. Queria falar da viagem em si mesma. Será que eu conseguiria transmitir oralmente, para aquele estranho, um homem educado, percebia-se facilmente isso, minhas impressões de viagem? Será que eu conseguiria prender sua atenção durante um tempo suficiente para lhe dizer uma crônica elaborada com fragmentos de imagens e palavras?

O que significaria tudo isso quando cada um fosse para seu lado e um tempo razoável tivesse passado desde então?

“O cariri é verde, muito verde para ser Sertão”, comecei.

“E Missão Velha parece uma cidadezinha perdida no tempo, uma Macondo. Lá, quando chegamos, fomos direto para o coração da cidade. Estacionamos. Seria dia de feira? Não, é que o pagamento da “esmola oficial do governo federal” era naquele momento.”

As feiras, como eram antigamente, não existem mais. Não há mais cantadores de viola, coquistas, literatura de cordel, contadores de “causos”, vendedores de drogas milagrosas, rezadeiras, adivinhos, mágicos, circos mambembes… Há tipos estranhos, é impossível não haver: uma mulher de mais de sessenta anos, horrorosamente maquiada, vestida como uma adolescente, a carne sobrando por sobre a barra da minissaia curtíssima, a abraçar freneticamente uma comadre a quem aparentemente não via desde há muito tempo, e lhe responder em cima da bucha quando ela dissera “criatura, você já está com muitos janeiros, né?”:

“Estou, mas você não fica atrás não, olhe as pelancas, não é, mulher?” E depois dessa resposta, se virou para o lado e tangeu o marido que empurrava um carrinho de sorvete caseiro, enquanto olhava aquele encontro bizarro: “vai, vai, que aqui é conversa de comadres”.

O sorveteiro obedeceu, mas como vingança, ao passar por mim que observava deliciado a cena, levou a mão ao lado da cabeça, e fez, com o indicador apontado para si e desenhando um círculo, o comentário final: “é tudo doida”.

Mestre Antônio riu do episódio das mulheres e depois comentou que, às vezes, dizia a seus amigos do Sul, quando se demorava a voltar, que ali, no Sertão, para quem soubesse ver, ouvir, e extrair as conclusões possíveis, não havia escola nem teatro iguais, e, finalizando, aludiu a um personagem de Agatha Christie, Miss Marple, insulada em uma pequena cidade inglesa, a resolver crimes Inglaterra afora a partir de sua peculiar psicologia aldeã, e à frase de Tolstoi “ninguém se torna universal sem escrever acerca de sua aldeia”, para encerrar nossa rápida e estranha conversa que lhe dava razão na justa medida em que, no coração de Cajazeiras, o teatro da vida nos permitira divagar, filosoficamente, acerca da condição humana, sem que fosse necessário nada mais além de um final-de-tarde, um encontro casual, e um evento comum.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 27/12/2015 - 19:35h

A Constituição não é o que a sociedade quer; é o que o Supremo Tribunal Federal (STF) diz que a sociedade deve querer

Por Honório de Medeiros

Uma das lições a ser extraída do julgamento do Mensalão diz respeito ao Direito, mais especificamente ao Ordenamento Jurídico brasileiro e à forma de interpretar as normas que o constituem.

A lição é simples: a interpretação de uma norma jurídica, ou de um conjunto de normas jurídicas, poderá ter qualquer feitio, seja qual seja ele. Em linguagem coloquial: uma norma jurídica está para uma nota musical assim como um conjunto de normas jurídicas está para uma partitura.

Imaginemos, então, uma mesma composição musical sendo interpretada de infinitas formas por infinitos músicos. É assim que funciona.

Isso lembra, por exemplo, um show antológico de Sivuca, interpretando o frevo “Vassourinhas”, a música “oficial” do carnaval pernambucano, de acordo com o “padrão” musical japonês, chinês, russo, francês, sueco.

Ou o carro que vende bujões de gás alertando a vizinhança com acordes da Quinta Sinfonia em ritmo de forró. Ou seja, a interpretação da Constituição Federal Brasileira, por exemplo, vai depender, sempre, da correlação de forças entre os ministro do STF, e dos interesses que os manietam.

Nada impede que com as próximas escolhas de Ministros a serem feitas pelo Executivo, assuntos até então considerados “pacificados” tenham o entendimento da Corte radicalmente modificado. Como aconteceu logo depois da entrada em vigor da Constituição com o conceito de “direito adquirido”, violentado, apesar de “cláusula pétrea”, para permitir a cobrança de contribuição previdenciária aos aposentados.

Outra lição a ser extraída diz respeito à conduta dos Ministros e é, praticamente, um corolário da anterior. A lição é a seguinte: é impossível discernir, FORMALMENTE, se e quando fatores extrajurídicos preponderam na interpretação a ser realizada. Trocando em miúdos: o intérprete escolhe o resultado que almeja e usa a interpretação, dando-lhe a roupagem técnica adequada ao caso, para alcançá-lo.

Como quando queremos tocar a mesma Quinta Sinfonia de Beethoven em ritmo de rock, e não de forró, e fazemos a adaptação.

Essa lição também deixa, por sua vez, uma consequência: fica claro que a suposta cientificidade do Direito é um discurso ideológico; e fica claro que a interpretação da norma jurídica é sempre conjuntural.Nada que Pierre Bourdieu não tenha dito, em seu “O Poder Simbólico”.

Como superar esses obstáculos em termos de democratização do processo? Mobilizando a Sociedade contra o Estado. Atualmente o Estado subjuga a Sociedade.

É preciso que a Sociedade se imponha ao Estado. E denunciando a suposta supremacia técnica dos intérpretes pagos pelo Estado.

Em uma Sociedade organizada, os intérpretes das normas jurídicas não serão mais supostos detentores de pseudo-verdades que eles criam e nos apresentam como sendo apreendidas a partir de essências inatingíveis pelos mortais comuns, tais quais o “Justo”, o “Certo”, o “Bom”.

Como a realidade é cambiante, evanescente, principalmente e mais que nunca hoje em dia, qualquer veleidade quanto a uma interpretação “correta” que fira os interesses da Sociedade deve ser vigorosamente rejeitada.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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quinta-feira - 10/12/2015 - 13:07h
Cangaceiros e Coronéis

Honório de Medeiros lança seu novo livro hoje em Natal

É hoje às 18h no Clube dos Radioamadores em Natal, à Rua Rodrigues Alves, 1004, em Tirol, o lançamento do livro “Histórias de Cangaceiros e Coronéis”.

O autor, professor e escritor Honório de Medeiros, já o apresentou na Feira do Livro de Mossoró no mês passado.

Agora é o público natalense que conhecerá seu novo trabalho literário.

Grande sertão

Ele mergulha na caatinga e na casa grande do sertão da primeira metade do século passado, para dissecar essa relação muito próxima entre o banditismo representado pelo cangaço e os donos do poder.

Puxa seu foco para o que precisamos conhecer melhor: a política.

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domingo - 29/11/2015 - 20:20h

Cangaço – forma transfigurada de fazer pollítica

Por Gilson Ricardo de Medeiros Pereira

É possível dizer algo novo sobre o Cangaço e sobre o Coronelismo, tão exaustivamente estudados? O que justifica debruçar-se sobre um assunto aparentemente tão esgotado? É possível acrescentar uma informação crucial, uma perspectiva diferente, fazer algum avanço nas análises até aqui feitas?

Parece que, pelo menos em relação ao material empírico, não se pode esperar muita coisa, visto que, exceto por um ou outro documento, uma foto, uma carta, que ainda eventualmente possa aparecer, tudo já foi muito esmiuçado. Se isso estiver correto, então não é no âmbito do protocolo que se pode ampliar o que se conhece sobre cangaceiros e coronéis, porém nos métodos e nas análises do material disponível e esta é a contribuição de Histórias de Cangaceiros e Coronéis, Editora Sebo Vermelho, de autoria de Honório de Medeiros, recentemente lançado.

O que faz de Histórias de Cangaceiros e Coronéis um marco, um determinante simultaneamente teórico e prático nos estudos sobre o coronelismo e o cangaço, é a mobilização, em objetos precisos, do modo de análise estrutural. Sintetizando, e sem antecipar o conteúdo do livro, o autor, de forma novidadeira, submete o cangaço e o coronelismo a um método de análise que privilegia as relações entre os agentes e as instituições como princípio de conhecimento do real, quer dizer, como princípio de inteligibilidade da particularidade de um mundo social situado e datado.

Para isto, Honório se apropria do conceito de “campo social”, formulado pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu, e o aciona a fim compreender e dar a compreender a teia de relações que faz de cangaceiros e coronéis opostos e complementares no proto-campo político do Nordeste brasileiro no período do final do Segundo Império à década de 1930. Digo proto-campo político, pois neste período o campo político ainda não havia se autonomizado e estava imerso numa totalidade social, difusa e parcialmente diferenciada, que anexava a política à economia, à tradição e à religião.

O credo metodológico de Histórias de Cangaceiros e Coronéis não é formalizado no livro, e nem seria preciso, mas é esboçado às páginas 225-226. Assim, o vetor epistemológico adotado é claro: vai do racional ao real, de acordo com a máxima sociológica segundo a qual é o mundo social – cientificamente construído – que explica os indivíduos e não o contrário.

E para lançar luz nas práticas e representações de cangaceiros e coronéis, Honório recorre não a um vago “contexto social”, nem aos imprecisos “determinantes em última instância da economia”, mas ao campo, ainda não inteiramente estruturado, é bem verdade, no qual se disputavam os móveis e interesses políticos da época.

Assim sendo, esse poderoso recurso analítico permite a Honório de Medeiros ver mais longe e dizer coisas não sabidas sobre fatos já conhecidos. As práticas de cangaceiros e coronéis, desse modo, saem do arbitrário, do acaso, do irracional e se encaixam, ainda que na forma de conjecturas, como reconhece o autor, num cenário interpretativo que tem a força da razoabilidade.

Na construção deste cenário explicativo, é particularmente interessante o uso das genealogias, recurso fartamente utilizado pelo autor. A garimpagem das relações familiares, dos compadrios e das linhagens não é no texto um mero exercício de erudição e virtuose investigativa, mas um modo de reconstruir a trama das interdependências capazes de conferir sentido aos atos aparentemente mais díspares.

Embora pareça extenuante ao leitor desatento, as genealogias auxiliam na construção da economia das trocas materiais e simbólicas entre as famílias, os clãs, os grupos e as facções em disputa pelo poder, em luta pela honra e pela posse de recursos escassos. Assim, é lícito afirmar que em Histórias de Cangaceiros e Coronéis o autor não é tão somente um genealogista inspirado, mas um topógrafo empenhado em descrever a topologia do já mencionado proto-campo político.

Cangaceiro Massilon: (Foto: reprodução)

Ao fazê-lo, ao minuciar a teia de relações familiares, de compadrio e de amizade (e de inimizade), o autor repõe ao mesmo tempo as posições relativas ocupadas pelos diversos agentes no estado do proto-campo político à época. Neste caso, o desafio enfrentado pelo autor foi o de mostrar o funcionamento da lógica prática – esta lógica sem lógicos – capaz de fazer compreender o que os agentes fazem e como e porque o fazem.

Em Histórias de Cangaceiros e Coronéis, coronéis e cangaceiros partilham do mesmo ethos e do mesmo pathos, pois possuem os mesmos esquemas de pensamento e ação. Isso não significa juntá-los indistintamente num único cesto informe: a análise estrutural separa o que o vulgo junta e junta o que o vulgo separa. O que Honório junta (e o vulgo separa): cangaceiros e coronéis na mesma trama do poder; o que Honório separa (e o vulgo junta): os cangaceiros dos marginais de feira (vide as referências quer à situação econômica de relativa folga das famílias de alguns cangaceiros ou mesmo à estirpe nobre de outros).

Mas unir coronéis a cangaceiros não seria muito expressivo do ponto de vista analítico, pois ainda seria preciso identificar as distinções nas semelhanças. E, mais uma vez de forma adequada, Honório procura o princípio explicativo das distinções na hierarquia do proto-campo político de então, ou seja, na legitimidade que coronéis possuíam e cangaceiros, não. As alianças conjunturais – de interesses, de ódios, de intrigas, inimizades e amizades – unem o cangaço a frações do coronelismo, mas a legitimidade deste último o demarca do primeiro. É bom lembrar que os cangaceiros não foram indiferentes à legitimidade, a exemplo da “patente” de capitão de Virgulino Ferreira, sempre anunciada com orgulho.

O capital de legitimidade dos coronéis e o déficit de legitimidade dos cangaceiros pesarão na reprodução posterior dessas duas experiências políticas típicas do Nordeste brasileiro no já mencionado período do final do Segundo Império à década de 1930. O coronelismo, em razão dos trunfos materiais e simbólicos que dispunha e da legitimidade amparada nos poderes do Estado, encontrará, como o autor menciona, formas de sobrevivência, ou seja, de reprodução ampliada quando da modernização do País. As modernas oligarquias e as linhagens familiares que, atualmente, dominam a política no Nordeste descendem do coronelismo.

Os cangaceiros, por sua vez, justamente em razão da posição subalterna que ocupavam no proto-campo político durante o mesmo período e da ausência de legitimidade, sucumbiram e foram extintos. Assim, é apenas por um abuso terminológico que hoje se fala em “novo cangaço” ao mencionar os bandos de facínoras que roubam bancos e aterrorizam as pequenas cidades do interior. Não há nenhuma semelhança tanto na forma como no conteúdo.

Cangaceiros e coronéis não emergem das 285 páginas de Histórias de Cangaceiros e Coronéis inteiriços como se saídos dos mitos e dos contos de fadas, porém contraditórios, dilacerados, ora heroicos, ora pusilânimes, quase sempre horríveis e sombrios.

São os vitoriosos e os vencidos de um mundo caracterizado, para usar a expressão de Johan Huizinga a propósito do declínio da idade média, pelo “teor violento da vida”. Afinal, Histórias de Cangaceiros e Coronéis é um livro cheio de atrocidades (“matou, emboscou, decapitou, deflorou, ultrajou, espancou cruelmente” são palavras amiúde encontradas).

Contudo, restituí-los – os ofendidos e os ofensores – em sua humanidade, sem preconceitos, eis um inegável mérito da análise estrutural empreendia por Honório de Medeiros. Em razão do alcance analítico dos resultados e do manejo modelar do método, penso que, doravante, qualquer ensaio que pretenda fazer avançar o conhecimento sobre o coronelismo e o cangaço deverá, necessariamente, interpelar Histórias de Cangaceiros e Coronéis.

Gilson Ricardo de Medeiros Pereira é professor-doutor dos quadros da Universidade do Estado do RN (UERN)

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sexta-feira - 06/11/2015 - 07:10h
Cultura

Noite de lançamentos na XI Feira do Livro de Mossoró

David: décimo livro (Foto: cedida)

O professor e escritor David de Medeiros Leite lançará seu décimo livro hoje à noite na XI Feira do Livro de Mossoró. O evento acontece desde a última quarta-feira (4) no Expocenter.

“Ruminar” será às 19h, no estande da Editora Sarau das Letras, da qual ele é um dos editores.

O lançamento em Natal será no dia 25 de novembro, na Livraria Saraiva, do Shopping Midway Mall.

No livro, David volta a passear pela poesia. O título (em português e espanhol) já foi lançado em Salamanca na Espanha, onde ele faz Pós-Doutorado em Direito.

Honório de Medeiros

Hoje também teremos às 20h, uma mesa-redonda com os escritores Honório de Medeiros e Geraldo Maia, coordenada pelo também escritor Kydelmir Dantas.

Eles vão falar sobre “As histórias do cangaço que ainda não foram contadas”.

Após a mesa-redonda, Honório lançará seu livro “Histórias de cangaceiros e coronéis” no mesmo local.

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domingo - 01/11/2015 - 07:40h
Dia 6 de Novembro

Histórias do cangaço na XI Feira do Livro de Mossoró

Honório: novo livro (Foto: reprodução)

No dia 6 de novembro (sexta-feira), no Expocenter, dentro da XI Feira do Livro de Mossoró, às 20h, teremos mesa-redonda com os escritores Honório de Medeiros e Geraldo Maia, coordenada pelo também escritor Kydelmir Dantas.

O bate-papo entre os escritores será no palco denominado de “Estação das Letras.

Eles vão discutir “As histórias do cangaço que ainda não foram contadas”.

Em seguida, Honório lançará seu livro “Histórias de cangaceiros e coronéis” no mesmo local.

A Feira do Livro de Mossoró vai ter início ainda no dia 4, quarta-feira.

Nota do Blog – Imperdível, caríssimos!

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domingo - 25/10/2015 - 08:26h

Do permanente no impermanente

Por Honório de Medeiros

No monumental “Musashi”, de Eijy Yoshikawa, o “santo da espada” diz:

“Ao mesmo tempo, um jovem tem o péssimo hábito de achar que não pode realizar seus sonhos no lugar onde está, e de sempre buscá-los por caminhos distantes. Grande parte dos preciosos dias da juventude se perde nessa insatisfação.”

Lembrei-me, então, de um trecho há muito tempo lido em Sêneca. Está no “Da Tranquilidade da Alma”:

“Uma coisa sucede a outra, e os espetáculos se transformam em outros espetáculos, Como disse Lucrécio: ‘Desse modo, cada um foge de si mesmo’. Mas em que isso é proveitoso, se, de fato, não se foge? Seguimos a nós mesmos e não conseguimos jamais nos desembaraçar de nossa própria companhia.

Ou seja, busquemos o permanente no impermanente.

“Em tempos de “vida líquida”, como a denomina Bauman, no qual o evanescente é a essência das coisas, buscar o permanente no impermanente pode parecer uma quimera arcaica.

Entretanto se não nos dedicamos a tal por intermédio do submergir em si mesmo, outra coisa não fazemos quando investimos no conhecimento que nos possa trazer o Grande Colisor de Hádrons (conheça AQUI).

Lá os cientistas buscam exatamente essa quimera arcaica ao fragmentar a tessitura da realidade. O que acontecerá quando tudo for compreendido?

Honório de Medeiros é escritor, professor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 11/10/2015 - 06:44h

A sombra de Jararaca

Por que Jararaca pediu, na tarde que antecedeu à sua morte, para falar com Rodolpho Fernandes?

Por Honório de Medeiros

O quê Jararaca queria conversar em particular com o Coronel? Por que ele foi assassinado na noite seguinte ao pedido? Há alguma relação entre um fato e outro?

Façamos um intervalo e nos dediquemos a analisar o episódio da morte de Jararaca, que é bastante revelador. Sérgio Dantas nos conta, acerca do episódio, o seguinte:

(…) “no mesmo dia em que fora preso, Jararaca concedera bombástica entrevista ao jornalista Lauro da Escóssia, do noticiário “O Mossoroense”. Não mediu palavras.”

Mais a frente, continua o historiador:

“Jararaca pisou em terreno minado. Logo percebeu que tornara pública parte de uma teia intocável. Suas incisivas declarações puseram em dúvida a probidade moral de destacados chefes políticos de estados vizinhos. A repercussão das declarações, claro, fora inevitável. Decerto, o bandido temeu pela própria vida. Pressentira algum perigo. Chamou um militar, ainda cedo da tarde. Expressou-lhe o desejo de falar em particular com o Intendente Rodolpho Fernandes. O pedido, no entanto, lhe foi negado sem maiores explicações. A caserna tinha outros planos para o cangaceiro. À surdina, ensaiou conspiração. Tramaram abjeto extermínio e apostaram no sigilo. Sem mais demora executou-se o plano.”

Em tudo e por tudo está certo Sérgio Dantas.

Somente errou ao afirmar que as declarações de Jararaca puseram em dúvida apenas a probidade moral de chefes políticos de estados vizinhos e por essa razão temeu pela própria vida.

Não colocou Jararaca em dúvida somente a probidade moral de alguém fora dos limites de Mossoró ou circunvizinhança. Por certo sabia que esses chefes políticos tinham amigos poderosos em Mossoró e vizinhança. Colocou sim, provavelmente, em dúvida, a probidade moral de alguns próceres que estavam próximos, bem próximos ao Coronel Rodolpho Fernandes e aos fatos.

Jararaca teve "pena de morte" decretada e terminou sendo executado (Foto: reprodução)

Como seria possível as declarações de Jararaca chegarem ao Ceará, se a alusão for ao Coronel Izaías Arruda, com a rapidez necessária para que ele, ao perceber que falara demais, ficasse com medo de morrer? Naquele tempo não havia telefone. Havia telégrafo, que não estava funcionando no sentido do Sertão, danificado pelo bando de Lampião.

Quem, no entanto, enviaria informações comprometedoras pelo telégrafo e, através dele, discutiria um plano para a eliminação do cangaceiro que envolvesse a Polícia, comandada pelo Tenente Laurentino de Morais e o Governo do Estado do Rio Grande do Norte? Não parece óbvio que se houve o plano, necessariamente também houve a participação de quem pudesse mobilizar, no Rio Grande do Norte, em Mossoró, essas instituições?

Também não seria possível enviar, a cavalo ou de automóvel, notícias alusivas à entrevista de Jararaca para os estados vizinhos, em tempo suficiente – cinco dias – para que houvesse uma decisão acerca de sua eliminação pela Polícia do Rio Grande do Norte.

Não.

O que Jararaca disse e o que queria dizer ainda mais ao Coronel Rodolpho Fernandes provavelmente incomodou alguém ou alguns que estavam por perto, perto o suficiente para querer, planejar, decidir, e mandar mata-lo.

Atribuir tudo isso ao Coronel Izaías Arruda é dar a ele um interesse e poderes que vão além do razoável.

Finaliza o pesquisador Sérgio Dantas:

“Jararaca sucumbira. Morreu porque sabia demasiado.”

A seguir:

“Findou o terrível salteador nas primeiras horas da manhã. Sua morte, entretanto, já havia sido decretada há dias. O laudo do exame cadavérico, por exemplo, fora assinado ainda na tarde do dia dezoito. E assim foi. Horas antes da execução e sob escuso pretexto de rotina, examinavam-se ferimentos de um corpo, sofridos durante uma batalha. Logo depois se chancelava, com base em conclusões médico-legais, documento de óbito de homem ainda vivo.”

FONTES: “LAMPIÃO E O RIO GRANDE DO NORTE”; DANTAS, Sérgio Augusto de Souza; Cartgraf – Gráfica Editora; 2005; 1ª edição; Natal; RN.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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quinta-feira - 10/09/2015 - 18:22h
Cultura

Instituto Histórico empossará novos associados

O Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN) realizará solenidade de posse dos seus novos associados. Será nessa sexta-feira (11), às 19h.

Honório fará discurso (Foto: Web)

O escritor Honório de Medeiros, um dos empossados, discursará em nome dos empossados, no evento marcado para a sede do instituto, na Rua da Conceição, 622, Cidade Alta, Natal.

O IHGRGN foi fundado em 29 de março de 1902 e seu acervo é sumamente valioso, fonte de pesquisa para estudiosos de todo o País.

Grandes nomes

Tem várias bibliotecas, dentre elas uma somente dedicada à Coleção Mossoroense. Destaca-se também por várias publicações via seu selo “Coleção Cultura”.

Grandes nomes das letras potiguares foram seus filiados. Citemos Cascudo, Nilo Pereira, Carlos Borges, Raimundo Nonato, Alberto Maranhão, Itamar de Souza, Aldo Fernandes, e por aí vai.

É presidido por Valério Mesquita, que desenvolve um excelente trabalho de recuperação de todo o patrimônio do Instituto.

Novos sócios

1) Adauto José de Carvalho Filho (efetivo);
2) Everaldo Lopes Cardoso (efetivo);
3) Fernando José de Rezende Nesi (efetivo);
4) Francisco Honório de Medeiros Filho (efetivo);
5) Francisco Martins Alves Neto (efetivo);
6) Franklin Capistrano (efetivo);
7) Haroldo Pinheiro Borges (efetivo);
8) José Augusto de Freitas Sobrinho (correspondente);
9) Lenilson Antunes de Lima (efetivo);
10) Limério Moreira da Rocha (correspondente);
11) Marciano Batista de Medeiros (efetivo);
12) Pedro Guilherme Barbalho Cavalcanti (efetivo);
13) Rinaldo Claudino de Barros (efetivo);
14) Rubens Lemos Filho (efetivo);
15) Safira Bezerra Ammann (efetiva);
16) Wellington Souza de Medeiros (efetivo);
17) Paulo Pereira dos Santos (honorário);
18) Inácio Magalhães de Sena (honorário);
19) Lúcia Helena Pereira (honorário.
Estes aprovados na sessão do dia 30/7/2015.
20) João Batista Xavier de Sousa (efetivo – sessão de 24/8/2015).

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domingo - 30/08/2015 - 07:34h

Um livro puxou a manga de minha camisa

Por Honório de Medeiros

Em algum lugar defendi a hipótese seguinte: os livros nos procuram; engana-se quem supõe que nós os escolhemos.

Assim foi na noite em que o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, o IHGRN, promoveu sua Terceira Noite do Livro, sob a liderança do seu Presidente Valério Mesquita, contando com o apoio de nomes consagrados das letras potiguares, tais como o Professor e ex-Presidente da Ordem dos Advogados do Rio Grande do Norte (OAB) Carlos de Miranda Gomes, o memorialista e escritor Ormuz Barbalho Simonetti, o ex-Presidente da Academia de Letras Jurídicas do Rio Grande do Norte Odúlio Botelho, a Presidente da Academia Cearamirinense de Letras – Joventina Simões, dentre outros.

Nas mãos eu conduzia o “História e Acervo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte”, obra especial de Maria Arisnete Câmara de Morais e Caio Flávio Fernandes de Oliveira, e “Audiência de um Tempo Vivido”, o primeiro volume das memórias do meu querido Professor Eider Furtado, leitura que recomendo a todos, em direção ao caixa, quando fui puxado pela manga da camisa.

A responsável pela organização do evento me perguntou: “conhece este?” Era o “Patriarcas e Carreiros”, de Manoel Rodrigues de Melo. Eu o conhecia, mas não tinha lido, nem o possuía. Resolvi levá-lo, em respeito à hipótese exposta acima.

Afinal ele, o livro, me procurara.

Faço, aqui, um interlúdio, para registrar minha alegria em reencontrar o Professor Eider Furtado na sua habitual elegância, acuidade mental e auto-ironia sutil, marca característica sua, carregando como poucos a experiência dos seus noventa e poucos anos. Quando fiz o gesto de lhe entregar seu livro para obter o autógrafo ele me olhou e disse “veio devolver?”

Ri e comentei o quanto suas aulas, na minha época de aluno, eram esperadas pela qualidade do conteúdo e de sua verve.

Pois bem, não resisti e folheei “Patriarcas e Carreiros” tão logo cheguei em casa, altas horas. Que “patriarcas” seriam esses, dos quais se ocupou Manoel Rodrigues de Melo? Ele mesmo o diz, incidentalmente, no início da obra: o “(…) patriarca sertanejo (…) varador de sertões, fundador de currais onde mais tarde se levantariam quase todas as cidades nordestinas”. Aí está.

Ele, Manoel Rodrigues de Melo, pelo que eu pude perceber ao folhear seu livro, traça perfis, levanta histórias, apresenta fatos, descreve hábitos e costumes dos séculos XVIII e XIX e começo do século XX. E, em o fazendo, coloca à disposição dos estudiosos uma fonte de primeira grandeza para o estudo desse personagem fundamental no entendimento do nosso processo civilizatório nordestino.

A segunda parte do “Patriarca e Carreiros” é dedicada ao estudo do carro-de-boi. Pelo que eu pude entender, escrita em anos anteriores à metade do século XX, o texto é aberto da seguinte forma, dando ideia imediata da importância do estudo do seu objeto:

“Nenhuma cidade, vila, povoação, fazenda, sítio, margem ou leito de rio, litoral ou sertão, tabuleiro, caatinga, arisco, subida, descida ou chão-de-serra, várzea ou vale, canavial ou simples roçado de algodão, baixa de arroz, de capim ou de melão, vazante, cercado, qualquer que seja o seu nome, poderá dizer que ignora a existência do carro de boi.”

Um clássico, sem dúvida, que me puno por não ter lido antes, mas ao qual sou grato por ter me puxado pela manga da camisa a tempo de corrigir essa desdita.

Assim, aos poucos, o Instituto volta a cumprir seu mister após anos de obscuridade, seja enquanto fruto da obstinação dos seus dirigentes, seja pela imanência que seu passado evoca quando se põe enquanto permanente intermediária entre livros e leitores, idéias e estudiosos, história e pesquisadores.

Longa vida ao IHGRN!

Destino que se revela, também, no gesto da sua funcionária ao me alertar, no momento em que me despedia desapercebido, da Terceira Noite do Livro, para o chamado mudo que me fazia “Patriarcas e Carreiros”.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Estado do RN

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domingo - 09/08/2015 - 12:13h

O homem é muitos, mesmo sendo nenhum

Por Honório de Medeiros

“Iluminar a realidade”, disse-me o poeta/filósofo. Ou seria filósofo/poeta? Não importa. Ele é sobrevivente de outras eras. Um humanista.

Diz-me, hoje, com os olhos voltados para ontem: “a filosofia não mais se expõe poeticamente. Traja outras vestes, sem elegância.” Dou-lhe razão.

Foi-se o tempo de Heráclito de Éfeso: “não se pode entrar duas vezes no mesmo rio”, célebre fragmento que tanto impressionou Wittgenstein. “Tudo flui”…

Quão bela é a filosofia dos gregos arcaicos…

Quem terá sido o último dos filósofos/poetas? Talvez Gaston Bachelard: “o Conhecimento é sempre a reforma de uma ilusão”. Ou mesmo: ” O pensamento puro deve começar por uma recusa da vida. O primeiro pensamento claro é o pensamento do nada.” Suprema gnosiologia…

Certa vez, quando exposto um senão, o horizonte foi apontado, naquela linha onde se fundem mar e céu, e a resposta enunciada pelo poeta/filósofo: “procure iluminar a realidade”; “somente então podemos enxergar.” Simples assim. A poesia – ela transfigura e sintetiza o comum, o banal, o trivial.

Muitas palavras lavradas na árida linguagem técnica diriam o mesmo, até de forma mais precisa, reconheçamos.

Entretanto essa frase descerrou véus e foi possível enxergar claramente, pois há sempre uma nesga, um fragmento de realidade a ser iluminada, revelada, exposta, onde antes nada havia além de escuridão e ignorância.

O Homem é muitos, mesmo sendo nenhum.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Governo do RN

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domingo - 02/08/2015 - 06:10h

Não lhes pergunto acerca da melancolia

Por Honório de Medeiros

Há músicos em todos os lugares pelos quais passam muitas pessoas, em Barcelona. Músicos, cantores, instrumentistas, crooners…

Estão ali, sempre, nas Ramblas, nos metrôs, nos Carré, nos pátios das igrejas, cantando e tocando instrumentos, desde “hits”, até suítes sofisticadas de Vivaldi, em número muito maior que em Paris ou Lisboa.

Estaria eu fantasiando? Até pensei que sim, refém de tanta literatura estranha, desde Hawthorne até Baudelaire.

Entretanto minha filha me fez cair na real, como se diz hoje.

Ao passarmos por um virtuose do violino que interpretava “Traumerei”, de Schumann, ela observou: “papai, por que ele não sorri com os aplausos?”

Imediatamente olhei para os olhos do músico. De fato.

Pois os olhos de quem canta ou toca, na noite, por lá, são melancólicos, penso eu.

Não tristes, mas melancólicos, mesmo quando sorriem. Há uma grande diferença entre um e outro. Tristes são aqueles mergulhados no presente.

Melancólicos aqueles que mergulham no passado. Como o filho de um amigo meu quando pega seu violino, se afasta, e inicia um diálogo com o instrumento ao qual não temos acesso, de olhos fechados e abertos ao mesmo tempo, insondáveis.

Para mim, todos eles estão mergulhados no passado, reféns de um futuro que não se realizou ou de uma ilusão que reluta em se tornar realidade.

São inteligentes, percebem a realidade das coisas com muita rapidez. Se, por um espasmo da sorte, chegam lá, não se adaptam, viveram demais, e o olhar, cansado, de quem tudo conhece, reflete isso.

Cato sempre minhas moedas e lhes pago o tributo do voo da minha imaginação ou da verdade dos fatos. Peço-lhes intimamente desculpa, se erro na minha avaliação.

Não lhes pergunto acerca dessa melancolia enquanto resultado do cinza do dia-a-dia. Temo a falência da fantasia. Sigam, digo para mim mesmo. A intimidade geraria o desprezo.

Bom, é outro mundo. Nem mesmo noto, entre os de seu próprio povo, essa constatação. Passam todos eles, jogam moedas, como se cumprissem um ritual, mas nenhum olha os olhos de cada músico, mesmo quando resolvem parar e ouvi-los.

E aqui estou eu, me importando, devaneando, e eu sou a melancolia, somos um nicho no tempo, apenas uma ilusão, nada mais, senão palavras ao vento…

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 10/05/2015 - 09:30h

Zé Dirceu

Por Honório de Medeiros

Volto sempre a Dumas. E quando a ele volto, busco mais do mesmo: releio, embevecido, a saga dos três mosqueteiros ou a estória da Dama de Monsoreau.

A saga, como sabemos, é composta por Os Três Mosqueteiros, Vinte Anos Depois, e o Visconde de Bragelonne; a estória por A Rainha Margot, A Dama de Monsoreau e Os Quarenta e Cinco. Alguns trechos creio saber de cor mas não os recito, a não ser para mim mesmo, enquanto minha imaginação constrói, arduamente, o cenário medieval pelo qual perambulam o sombrio Conde de Rochefort ou o Bobo e arguto Conselheiro de Henrique III, Chicot, primeiro e único.

Quando isso ocorre, há sempre um vinho honesto em minha taça, algum prato sendo preparado de acordo com “Ma Cuisine Médiévale”, de Mincka, e o mesmo cd, “Promenade Baroque à Vaux Le Vicomte”, toca no meu pequeno sistema de som.

Vaux Le Vicomte é o Castelo em estilo barroco que pertenceu a Nicola Fouquet, Marques de Belle-Île, Superintendente de Finanças de Luis XIV e que lá mesmo foi detido pelo verdadeiro D’Artagnan, Capitão dos Mosqueteiros do Rei, por ordem real. Mas essa história vai além.

Leio, quando encontro, tudo quanto posso acerca especificamente desses romances. Há muito escritos acerca desses romances. Alguns, inclusive, densos ensaios, como o “Histoire de Chicot, Bouffon de Henri III”, de J. Mathorez, 1914, que eu sonho ler, um dia, após traduzi-lo como quem extrai leite de pedras.

Pois bem, recentemente reli, de Arthuro Pérez-Reverte, “O Clube Dumas”, um romance voltado, subliminarmente, para os amantes dos folhetins e, mais especialmente, para os apaixonados por Alexandre Dumas.

Pérez-Reverte é um grande escritor, um dos melhores da literatura recente em terras de Espanha. E a tradução dessa minha edição, comprada em sebo, vez que a outra, anterior, alguém levou de minhas estantes e esqueceu de devolver, é muito bem traduzida por Eduardo Brandão, dono de texto refinado.

Lá para as tantas, durante a leitura, encontrei um parágrafo que me fez parar a leitura. Eu encontrara algo muito interessante. É logo no começo.

Conversam os dois personagens mais importantes do romance. Um deles questiona o personagem principal, lhe perguntando se ele tem amigos. Corso, esse personagem principal, responde com uma imprecação. Varo Borja, que o interrogara, absorve o repto e responde:

“Tem razão. Sua amizade não me interessa nem um pouco, pois compro de você lealdade mercenária, sólida e duradoura.. Não é verdade?… O zelo profissional de quem cumpre seu contrato, ainda que o rei que o empregou tenha fugido, ainda que a batalha esteja perdida e ainda que não haja salvação possível…”

“(…) ainda que o rei que o empregou tenha fugido, ainda que a batalha esteja perdida e ainda que não haja salvação possível…”

Isso me lembrou alguém. Quem? Parei a leitura. Cascavilhei a memória. Não demorou muito e encontrei a resposta.

Zé Dirceu.

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domingo - 03/05/2015 - 07:08h

O processo civilizatório

Por Honório de Medeiros

Talvez seja falsa a noção de que é possível, coletivamente, e conscientemente, construirmos valores que norteiem um processo civilizatório semelhante àquele que sempre evocamos quando voltamos nossos olhos para a história em busca de entendimento e orientação, qual seja a civilização grega, o senso de “Arete” que perpassa a vida do cidadão ateniense, sua “Paideia”, como magnificamente nos mostra Péricles, em sua “Oração aos Mortos na Batalha de Maratona”, preservada por Tucídedes.

O olhar crítico acerca desse preâmbulo há de apontar, de início, duas falhas: a fragilidade da mundivisão ateniense que não resistiu aos próprios conflitos internos e a Alexandre, o Grande; e a impossibilidade daquela experiência sublime ter sido resultado de qualquer planejamento, mas, sim, de fatores tão circunstanciais quanto, por exemplo, para o surgimento da filosofia, a especial qualidade e característica da língua grega.

A tais críticas é possível responder dizendo que não se trata de repetir, por igual, tamanho feito. Isso seria impossível.

Trata-se, no entanto, de fazer sobressair o aparato tecnológico construído pelo homem ao longo dos séculos colocando-o à disposição de uma política da Sociedade – nunca de Governo – que deliberadamente, envolvendo todos, construa, firmemente, esses pilares onde se fulcra uma civilização pela qual tenhamos orgulho e respeito. Caso contrário, as piores previsões possíveis de serem construídas a partir das teorias que sobreviveram à passagem do século XX para o XXI irão se concretizar.

E, nós, ao contrário do que pensava Karl Popper ao combater tenazmente a ideia de determinismo histórico ao qual estaríamos subjugados mesmo que com certa liberdade limitada, estaríamos marchando a passo batido para o caos – esse limite último da entropia – ou para o resultado possível da seleção natural, que como sabemos não tem finalidade moral em seu percurso a ser encontrado em um planeta Terra esgotado pelo que dela se tirou sem qualquer cuidado: o fim da espécie humana.

Catastrófico? Talvez. Possível? Com certeza.

Coincidentemente o mundo volta seus olhos, apavorado, para a Terra e os transtornos climáticos e catástrofes naturais que estão acontecendo cada vez mais freqüentemente. Já há trabalhos científicos demonstrando ser insuportável continuar extraindo, do nosso planeta, e da forma como é feita, sua riqueza natural.

Desmatamentos, degelos, extinção de espécies, extração de riquezas do subsolo, dizimação de florestas, aquecimento global – parece não haver fim para tudo quanto o homem possa fazer nessa empreitada de autodestruição.

Se não abrirmos os olhos, não construirmos um novo pacto civilizatório que deixe para trás o modelo ao qual temos nos aferrado ao longo de nossa existência, não haverá por que não dar razão aos Cátaros, aqueles hereges dizimados pela Igreja Católica medieval, que diziam ser o mundo da matéria uma criação do mal.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Governo do RN

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domingo - 26/04/2015 - 11:14h

Como encontrar o trabalho de sua vida

Por Honório de Medeiros

Ao longo de minha vida enquanto professor encontrei muitos casos de alunos que claramente não queriam se bacharelar em Direito. Estavam ali, no curso, cumprindo uma trajetória que não era de seu agrado.

Prefeririam se dedicar à música, à história, a escrever, à arquitetura, jornalismo… Quando eu percebia procurava conversar.

Às vezes, em alguns casos, sequer o aluno tinha percebido que sua praia não era aquela. Seduzido por ideais que lhe eram impostos pela sociedade, como status e dinheiro, ou, pior, por ideais que seus pais cultivavam, ali ficava ele, nas salas de aula, a passar horas e horas tomando contato direto com uma realidade, no seu caso, no mínimo entediante.

Mesmo aqueles que sabiam exatamente o que queriam como fazer um concurso, se tranquilizar quanto ao futuro, e, então, se dedicar a alguma atividade que lhe desse prazer, como literatura, era fácil perceber uma dúvida latente e perturbadora a pairar sobre nossos diálogos enquanto conversávamos: “será que vale a pena todo esse tempo perdido? A vida é tão curta…”

Pois bem, se é assim, ou mesmo que seja apenas para lhe assegurar a certeza de sua escolha, na medida em que isso é possível, ou por pura curiosidade, vale a pena ler esse livro que eu vou lhes indicar. Trata-se de “Como encontra o trabalho de sua vida”, de Roman Krznaric, editora Objetiva.

Desde já advirto: não se trata propriamente de livro de autoajuda. O livro é sério, bem escrito, bem fundamentado, e faz parte de uma coleção “tocada” pelo filósofo Alain de Botton, autor de “Religião para Ateus” e “Como Proust pode Mudar sua Vida”.

Eu mesmo somente me interessei quando li uma citação de Richard Sennet, pensador de meu agrado, no livro.

Quanto a Roman, é membro fundador da The School of Life, e foi nomeado pelo jornal Observer um dos mais importantes pensadores sobre estilo de vida do Reino Unido, além de ser conselheiro de organizações tais quais a Oxfam e Nações Unidas. Então, se for o caso, mãos à obra.

Ah! Última observação: não estou ganhando dinheiro com essa indicação! Mas estou ganhando capital simbólico…

Honório de Medeiros é escritor, professor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Estado do RN

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domingo - 29/03/2015 - 04:14h

O homem lobo do homem

Por Honório de Medeiros

Os ingênuos creem que um iluminado possa assumir qualquer Governo e os conduzir ao melhor dos destinos possíveis. É mais ou menos como crer que Emerson Fittipaldi pudesse ser campeão do mundo de Fórmula 1 dirigindo um fusca. Ou que um time de várzea, com Pelé nele jogando, pudesse vencer a Seleção Brasileira.

Mas o mundo é assim mesmo, que seria dos espertalhões se não existissem os ingênuos?

E a única arma possível contra a exploração do homem pelo homem, qual seja o pensamento crítico, que a maioria dos acadêmicos confunde com crítica ao pensamento por não saberem a diferença entre conhecer e se instrui, até onde se sabe, desde Sócrates, passando por Jesus Cristo, não faz qualquer sucesso junto aos espertalhões, tampouco entre os ingênuos.

Ai dos ingênuos! Pois é, pensamento crítico não é o mesmo que crítica ao pensamento, muito embora não se possa fazer este último sem aquele primeiro.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Estado do RN

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domingo - 08/03/2015 - 09:44h

Para que servem as palavras

Por Honório de Medeiros

As palavras valem também para isso, dar alguma existência aos nossos delírios.” (Raduam Nassar, em  “Cantigas d’amigos”, Cadernos de Literatura Brasileira, Ariano Suassuna)

Ariano, entrevistado pelo Cadernos de Literatura Brasileira diz, em certo momento: “não sou um escritor de muitos leitores; costumo dizer que sou um autor de poucos livros e poucos leitores -, (…) Mesmo que eu não publique, tem um círculo de leitores que sempre lê o que escrevo.”

Retruca o Cadernos: “Este é um circuito antimoderno, o circuito da comunidade interessada.”

Assim é, assim será, dado o caráter dos tempos atuais, no qual a imagem evanescente e superficial é tudo e as palavras, quando delírios, manjar para poucos. Aqui a palavra é arte.

Relendo “O Crime do Padre Amaro” do imenso Eça, lá encontro essa idéia pela voz do seco Padre Notário:

– Escutem, criaturas de Deus! Eu não quero dizer que a confissão seja uma brincadeira! Irra! Eu não sou um pedreiro-livre! O que eu quero dizer é que é um meio de persuasão, de saber o que será passa, de dirigir o rebanho para aqui ou para ali… E quando é para o serviço de Deus, é uma arma. Aí está o que é – a absolvição é uma arma.

Recordo que dizia para meus alunos de Filosofia do Direito ser a confissão um inteligente serviço secreto, a serviço da aristocracia, para a manutenção dos interesses de classe.

A palavra: arte ou instrumento. Às vezes tudo isso ao mesmo tempo. Não somente a palavra escrita, mas também a falada, dá existência aos nossos delírios.

Natal, em 7 de março de 2015.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 15/02/2015 - 07:22h

Agora vou tomar meu rumo…

Por Honório de Medeiros

Estamos de partida. Na bagagem, alguns livros e duas garrafas de Serra Limpa.

Essas duas danadas vão para combinar com os finais-de-tarde lá nas terras de Gil, Annica, Gabriel e Ana Maria, a Fulô da Pedra, quando estivermos escutando o canto dos passarinhos, a toada do vento, o farfalhar das folhas nas árvores e o barulho dos grilos enquanto a noite chega.

Vez por outra o relinchar dos cavalos e o mugido de um ou outro boi. E vendo as luzes das estrelas se acendendo no céu e sentindo o cheiro de mato invadir o alpendre da Casa-Grande.

Nada de celular, televisão, computador, ar condicionado, paredão de som ou som-ambiente. Nada.

Vez por outra um pouco de silêncio logo interrompido pelas risadas ocasionado por algum dito gaiato ou o converseiro de todos irmanados pelos antigos laços de fraternidade que somente a mãe-terra proporciona de mão-beijada a quem lhe ama.

Mais tarde, depois da refeição simples, mas substancial, uma fogueira para chamar estórias de trancoso e estreitar cumplicidades de almas enquanto o sono não vem.

Quando vier, virá acalentado pelo ruído do vento nas frestas das telhas e se haverá de dormir o sono dos inocentes até o chamado do galo, na hora do sol nascer.

Até mais ver…

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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  • San Valle Rodape GIF
domingo - 25/01/2015 - 15:18h

O curandeiro virou “coaching”

Por Honório de Medeiros

Abro a rede social e sou inundado por uma maré de anúncios de “coaching”. E de comentários de “Coachs” e “Coachees”, ou seja, os treinadores e os treinandos. Fico perplexo com o que leio.

A propaganda do treinamento é sumamente pretensiosa; o preço, salgadíssimo, e o resultado, bom o resultado é fabuloso para quem ganha dinheiro com isso.

Diz lá a propaganda que o “Coaching” é um“processo que utiliza técnicas, ferramentas e recursos de diversas ciências. Algumas pessoas dizem que Coaching é ciência, mas na realidade é um cocktail, um mix de recursos e técnicas que funcionam em ciências do comportamento (psicologia, sociologia, neurociências) e de ferramentas da administração de empresas, esportes, gestão de recursos humanos, planejamento estratégico e outros.”

Não pude deixar de me divertir com a pretensão desse pastiche de auto-ajuda típico da virada do século. Quer dizer que o treinador entende de psicologia, sociologia, neurociência e administração? É um portento, a criatura.

Quer dizer que o “coaching” se não for ciência, é um mix de recursos e técnicas que funcionam em várias áreas do conhecimento.

Ah, meu Deus… Diverti-me ainda mais quando li a propaganda de um dos cursos afirmando que todo homem poderia encontrar, em si, o macho-alfa que ele é. Bastaria querer e fazer aquele “coaching”. Outro pretendia apresentar o treinando a sua verdadeira essência. Verdadeira essência.

O que danado é verdadeira essência? Tem essência que não seja verdadeira?

A capacidade de ser iludido é infinita, no ser humano. E o dom de iludir, também, é o que parece. Penso que é inerente à espécie. Só pode ser.

Vai ano, vem ano e tudo se repete como farsa. Muda a roupa, mas o corpo é o mesmo.

Na literatura – entendida esta em seu sentido mais lato – o registro da atividade dos “coachs” é muito antigo: tanto aqueles de antigamente quanto os de hoje trabalham a partir de um insumo básico: aparentam saber em profundidade algo que não sabem, e mistificam astuciosamente alguns “standards” do senso comum, tal qual faziam e fazem cartomantes, numerólogos, terapeutas holísticos, pregadores, magos da “auto-ajuda”, mentalistas, em proveito próprio.

Os “coachs” exalam auto-confiança. Andam sempre muito bem “empacotados”, lustrosos, sorriso fácil, simpatia à flor da pele.

Querem passar a imagem de vencedores a todo custo. Dominam alguns truques óbvios do mentalismo de salão, tais quais técnicas de memorização, para pegar os incautos.

São versados na arte de dizer o óbvio de forma sofisticada. Falam em “atitude quântica”, “mentalidade holística”, “seleção do mais apto”. Ou seja: aparentam saber, para saber aparentar.

Não por acaso os melhores, dentre eles, são verdadeiros artistas da mistificação. Alguns até mesmo fundam seitas… E então, das pessoas que lhes impressionaram, caro leitor, durante os anos de sua vida, seja em que área seja, qual delas mesmo fez o curso de “coaching”?

João Paulo II, talvez? Barak Obama? Stephen Hawking? Pelé? Henry Ford?

O último prêmio nobel de literatura? Lula?

Acho que Lula fez!

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 18/01/2015 - 09:32h

Da tragicomédia humana

Por Honório de Medeiros

O Poder Político enquanto fenômeno é o parâmetro fundamental para o estudo da tragicomédia sócio-humana. Poder Político: capacidade de impor pela força, em última instância, uma vontade.

Ele está por trás de tudo, na vida social: engendra as soluções para transpor os obstáculos que lhe possam surgir; constrói estratégias adaptativas.

Não há vazio no espaço social, em termos de Poder Político, porque o Poder Político está sempre presente. É onipresente.

Mudam seus titulares por razões múltiplas, circunstanciais, mas o Poder Político não desaparece.

Tudo é prolongamento ou instrumento desse fenômeno.

O que há para além dele? Melhor: o quê o instaura, faz surgi-lo?

Ernst Becker diria: o medo da morte.

Darwin diria: a necessidade de sobreviver.

Marx diria: a luta de classes.

E quanto a Freud? A nostalgia da autoridade paterna.

Isto é, queremos o Poder Político por querermos deixar nossa marca na história; ou queremos o Poder Político para assegurarmos a sobrevivência dos nossos gens; ou o queremos para nos apropriarmos do excedente produzido pelos explorados, qual seja, o lucro; ou o queremos para restaurarmos a autoridade paterna.

Que importa?

Sejamos positivistas: não há Sociedade sem Poder Político. Por isso o anarquismo é uma utopia, um delírio.

Eis o ponto de partida.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Estado do RN

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