domingo - 25/10/2015 - 08:26h

Do permanente no impermanente

Por Honório de Medeiros

No monumental “Musashi”, de Eijy Yoshikawa, o “santo da espada” diz:

“Ao mesmo tempo, um jovem tem o péssimo hábito de achar que não pode realizar seus sonhos no lugar onde está, e de sempre buscá-los por caminhos distantes. Grande parte dos preciosos dias da juventude se perde nessa insatisfação.”

Lembrei-me, então, de um trecho há muito tempo lido em Sêneca. Está no “Da Tranquilidade da Alma”:

“Uma coisa sucede a outra, e os espetáculos se transformam em outros espetáculos, Como disse Lucrécio: ‘Desse modo, cada um foge de si mesmo’. Mas em que isso é proveitoso, se, de fato, não se foge? Seguimos a nós mesmos e não conseguimos jamais nos desembaraçar de nossa própria companhia.

Ou seja, busquemos o permanente no impermanente.

“Em tempos de “vida líquida”, como a denomina Bauman, no qual o evanescente é a essência das coisas, buscar o permanente no impermanente pode parecer uma quimera arcaica.

Entretanto se não nos dedicamos a tal por intermédio do submergir em si mesmo, outra coisa não fazemos quando investimos no conhecimento que nos possa trazer o Grande Colisor de Hádrons (conheça AQUI).

Lá os cientistas buscam exatamente essa quimera arcaica ao fragmentar a tessitura da realidade. O que acontecerá quando tudo for compreendido?

Honório de Medeiros é escritor, professor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 11/10/2015 - 06:44h

A sombra de Jararaca

Por que Jararaca pediu, na tarde que antecedeu à sua morte, para falar com Rodolpho Fernandes?

Por Honório de Medeiros

O quê Jararaca queria conversar em particular com o Coronel? Por que ele foi assassinado na noite seguinte ao pedido? Há alguma relação entre um fato e outro?

Façamos um intervalo e nos dediquemos a analisar o episódio da morte de Jararaca, que é bastante revelador. Sérgio Dantas nos conta, acerca do episódio, o seguinte:

(…) “no mesmo dia em que fora preso, Jararaca concedera bombástica entrevista ao jornalista Lauro da Escóssia, do noticiário “O Mossoroense”. Não mediu palavras.”

Mais a frente, continua o historiador:

“Jararaca pisou em terreno minado. Logo percebeu que tornara pública parte de uma teia intocável. Suas incisivas declarações puseram em dúvida a probidade moral de destacados chefes políticos de estados vizinhos. A repercussão das declarações, claro, fora inevitável. Decerto, o bandido temeu pela própria vida. Pressentira algum perigo. Chamou um militar, ainda cedo da tarde. Expressou-lhe o desejo de falar em particular com o Intendente Rodolpho Fernandes. O pedido, no entanto, lhe foi negado sem maiores explicações. A caserna tinha outros planos para o cangaceiro. À surdina, ensaiou conspiração. Tramaram abjeto extermínio e apostaram no sigilo. Sem mais demora executou-se o plano.”

Em tudo e por tudo está certo Sérgio Dantas.

Somente errou ao afirmar que as declarações de Jararaca puseram em dúvida apenas a probidade moral de chefes políticos de estados vizinhos e por essa razão temeu pela própria vida.

Não colocou Jararaca em dúvida somente a probidade moral de alguém fora dos limites de Mossoró ou circunvizinhança. Por certo sabia que esses chefes políticos tinham amigos poderosos em Mossoró e vizinhança. Colocou sim, provavelmente, em dúvida, a probidade moral de alguns próceres que estavam próximos, bem próximos ao Coronel Rodolpho Fernandes e aos fatos.

Jararaca teve "pena de morte" decretada e terminou sendo executado (Foto: reprodução)

Como seria possível as declarações de Jararaca chegarem ao Ceará, se a alusão for ao Coronel Izaías Arruda, com a rapidez necessária para que ele, ao perceber que falara demais, ficasse com medo de morrer? Naquele tempo não havia telefone. Havia telégrafo, que não estava funcionando no sentido do Sertão, danificado pelo bando de Lampião.

Quem, no entanto, enviaria informações comprometedoras pelo telégrafo e, através dele, discutiria um plano para a eliminação do cangaceiro que envolvesse a Polícia, comandada pelo Tenente Laurentino de Morais e o Governo do Estado do Rio Grande do Norte? Não parece óbvio que se houve o plano, necessariamente também houve a participação de quem pudesse mobilizar, no Rio Grande do Norte, em Mossoró, essas instituições?

Também não seria possível enviar, a cavalo ou de automóvel, notícias alusivas à entrevista de Jararaca para os estados vizinhos, em tempo suficiente – cinco dias – para que houvesse uma decisão acerca de sua eliminação pela Polícia do Rio Grande do Norte.

Não.

O que Jararaca disse e o que queria dizer ainda mais ao Coronel Rodolpho Fernandes provavelmente incomodou alguém ou alguns que estavam por perto, perto o suficiente para querer, planejar, decidir, e mandar mata-lo.

Atribuir tudo isso ao Coronel Izaías Arruda é dar a ele um interesse e poderes que vão além do razoável.

Finaliza o pesquisador Sérgio Dantas:

“Jararaca sucumbira. Morreu porque sabia demasiado.”

A seguir:

“Findou o terrível salteador nas primeiras horas da manhã. Sua morte, entretanto, já havia sido decretada há dias. O laudo do exame cadavérico, por exemplo, fora assinado ainda na tarde do dia dezoito. E assim foi. Horas antes da execução e sob escuso pretexto de rotina, examinavam-se ferimentos de um corpo, sofridos durante uma batalha. Logo depois se chancelava, com base em conclusões médico-legais, documento de óbito de homem ainda vivo.”

FONTES: “LAMPIÃO E O RIO GRANDE DO NORTE”; DANTAS, Sérgio Augusto de Souza; Cartgraf – Gráfica Editora; 2005; 1ª edição; Natal; RN.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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quinta-feira - 10/09/2015 - 18:22h
Cultura

Instituto Histórico empossará novos associados

O Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN) realizará solenidade de posse dos seus novos associados. Será nessa sexta-feira (11), às 19h.

Honório fará discurso (Foto: Web)

O escritor Honório de Medeiros, um dos empossados, discursará em nome dos empossados, no evento marcado para a sede do instituto, na Rua da Conceição, 622, Cidade Alta, Natal.

O IHGRGN foi fundado em 29 de março de 1902 e seu acervo é sumamente valioso, fonte de pesquisa para estudiosos de todo o País.

Grandes nomes

Tem várias bibliotecas, dentre elas uma somente dedicada à Coleção Mossoroense. Destaca-se também por várias publicações via seu selo “Coleção Cultura”.

Grandes nomes das letras potiguares foram seus filiados. Citemos Cascudo, Nilo Pereira, Carlos Borges, Raimundo Nonato, Alberto Maranhão, Itamar de Souza, Aldo Fernandes, e por aí vai.

É presidido por Valério Mesquita, que desenvolve um excelente trabalho de recuperação de todo o patrimônio do Instituto.

Novos sócios

1) Adauto José de Carvalho Filho (efetivo);
2) Everaldo Lopes Cardoso (efetivo);
3) Fernando José de Rezende Nesi (efetivo);
4) Francisco Honório de Medeiros Filho (efetivo);
5) Francisco Martins Alves Neto (efetivo);
6) Franklin Capistrano (efetivo);
7) Haroldo Pinheiro Borges (efetivo);
8) José Augusto de Freitas Sobrinho (correspondente);
9) Lenilson Antunes de Lima (efetivo);
10) Limério Moreira da Rocha (correspondente);
11) Marciano Batista de Medeiros (efetivo);
12) Pedro Guilherme Barbalho Cavalcanti (efetivo);
13) Rinaldo Claudino de Barros (efetivo);
14) Rubens Lemos Filho (efetivo);
15) Safira Bezerra Ammann (efetiva);
16) Wellington Souza de Medeiros (efetivo);
17) Paulo Pereira dos Santos (honorário);
18) Inácio Magalhães de Sena (honorário);
19) Lúcia Helena Pereira (honorário.
Estes aprovados na sessão do dia 30/7/2015.
20) João Batista Xavier de Sousa (efetivo – sessão de 24/8/2015).

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domingo - 30/08/2015 - 07:34h

Um livro puxou a manga de minha camisa

Por Honório de Medeiros

Em algum lugar defendi a hipótese seguinte: os livros nos procuram; engana-se quem supõe que nós os escolhemos.

Assim foi na noite em que o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, o IHGRN, promoveu sua Terceira Noite do Livro, sob a liderança do seu Presidente Valério Mesquita, contando com o apoio de nomes consagrados das letras potiguares, tais como o Professor e ex-Presidente da Ordem dos Advogados do Rio Grande do Norte (OAB) Carlos de Miranda Gomes, o memorialista e escritor Ormuz Barbalho Simonetti, o ex-Presidente da Academia de Letras Jurídicas do Rio Grande do Norte Odúlio Botelho, a Presidente da Academia Cearamirinense de Letras – Joventina Simões, dentre outros.

Nas mãos eu conduzia o “História e Acervo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte”, obra especial de Maria Arisnete Câmara de Morais e Caio Flávio Fernandes de Oliveira, e “Audiência de um Tempo Vivido”, o primeiro volume das memórias do meu querido Professor Eider Furtado, leitura que recomendo a todos, em direção ao caixa, quando fui puxado pela manga da camisa.

A responsável pela organização do evento me perguntou: “conhece este?” Era o “Patriarcas e Carreiros”, de Manoel Rodrigues de Melo. Eu o conhecia, mas não tinha lido, nem o possuía. Resolvi levá-lo, em respeito à hipótese exposta acima.

Afinal ele, o livro, me procurara.

Faço, aqui, um interlúdio, para registrar minha alegria em reencontrar o Professor Eider Furtado na sua habitual elegância, acuidade mental e auto-ironia sutil, marca característica sua, carregando como poucos a experiência dos seus noventa e poucos anos. Quando fiz o gesto de lhe entregar seu livro para obter o autógrafo ele me olhou e disse “veio devolver?”

Ri e comentei o quanto suas aulas, na minha época de aluno, eram esperadas pela qualidade do conteúdo e de sua verve.

Pois bem, não resisti e folheei “Patriarcas e Carreiros” tão logo cheguei em casa, altas horas. Que “patriarcas” seriam esses, dos quais se ocupou Manoel Rodrigues de Melo? Ele mesmo o diz, incidentalmente, no início da obra: o “(…) patriarca sertanejo (…) varador de sertões, fundador de currais onde mais tarde se levantariam quase todas as cidades nordestinas”. Aí está.

Ele, Manoel Rodrigues de Melo, pelo que eu pude perceber ao folhear seu livro, traça perfis, levanta histórias, apresenta fatos, descreve hábitos e costumes dos séculos XVIII e XIX e começo do século XX. E, em o fazendo, coloca à disposição dos estudiosos uma fonte de primeira grandeza para o estudo desse personagem fundamental no entendimento do nosso processo civilizatório nordestino.

A segunda parte do “Patriarca e Carreiros” é dedicada ao estudo do carro-de-boi. Pelo que eu pude entender, escrita em anos anteriores à metade do século XX, o texto é aberto da seguinte forma, dando ideia imediata da importância do estudo do seu objeto:

“Nenhuma cidade, vila, povoação, fazenda, sítio, margem ou leito de rio, litoral ou sertão, tabuleiro, caatinga, arisco, subida, descida ou chão-de-serra, várzea ou vale, canavial ou simples roçado de algodão, baixa de arroz, de capim ou de melão, vazante, cercado, qualquer que seja o seu nome, poderá dizer que ignora a existência do carro de boi.”

Um clássico, sem dúvida, que me puno por não ter lido antes, mas ao qual sou grato por ter me puxado pela manga da camisa a tempo de corrigir essa desdita.

Assim, aos poucos, o Instituto volta a cumprir seu mister após anos de obscuridade, seja enquanto fruto da obstinação dos seus dirigentes, seja pela imanência que seu passado evoca quando se põe enquanto permanente intermediária entre livros e leitores, idéias e estudiosos, história e pesquisadores.

Longa vida ao IHGRN!

Destino que se revela, também, no gesto da sua funcionária ao me alertar, no momento em que me despedia desapercebido, da Terceira Noite do Livro, para o chamado mudo que me fazia “Patriarcas e Carreiros”.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Estado do RN

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domingo - 09/08/2015 - 12:13h

O homem é muitos, mesmo sendo nenhum

Por Honório de Medeiros

“Iluminar a realidade”, disse-me o poeta/filósofo. Ou seria filósofo/poeta? Não importa. Ele é sobrevivente de outras eras. Um humanista.

Diz-me, hoje, com os olhos voltados para ontem: “a filosofia não mais se expõe poeticamente. Traja outras vestes, sem elegância.” Dou-lhe razão.

Foi-se o tempo de Heráclito de Éfeso: “não se pode entrar duas vezes no mesmo rio”, célebre fragmento que tanto impressionou Wittgenstein. “Tudo flui”…

Quão bela é a filosofia dos gregos arcaicos…

Quem terá sido o último dos filósofos/poetas? Talvez Gaston Bachelard: “o Conhecimento é sempre a reforma de uma ilusão”. Ou mesmo: ” O pensamento puro deve começar por uma recusa da vida. O primeiro pensamento claro é o pensamento do nada.” Suprema gnosiologia…

Certa vez, quando exposto um senão, o horizonte foi apontado, naquela linha onde se fundem mar e céu, e a resposta enunciada pelo poeta/filósofo: “procure iluminar a realidade”; “somente então podemos enxergar.” Simples assim. A poesia – ela transfigura e sintetiza o comum, o banal, o trivial.

Muitas palavras lavradas na árida linguagem técnica diriam o mesmo, até de forma mais precisa, reconheçamos.

Entretanto essa frase descerrou véus e foi possível enxergar claramente, pois há sempre uma nesga, um fragmento de realidade a ser iluminada, revelada, exposta, onde antes nada havia além de escuridão e ignorância.

O Homem é muitos, mesmo sendo nenhum.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Governo do RN

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domingo - 02/08/2015 - 06:10h

Não lhes pergunto acerca da melancolia

Por Honório de Medeiros

Há músicos em todos os lugares pelos quais passam muitas pessoas, em Barcelona. Músicos, cantores, instrumentistas, crooners…

Estão ali, sempre, nas Ramblas, nos metrôs, nos Carré, nos pátios das igrejas, cantando e tocando instrumentos, desde “hits”, até suítes sofisticadas de Vivaldi, em número muito maior que em Paris ou Lisboa.

Estaria eu fantasiando? Até pensei que sim, refém de tanta literatura estranha, desde Hawthorne até Baudelaire.

Entretanto minha filha me fez cair na real, como se diz hoje.

Ao passarmos por um virtuose do violino que interpretava “Traumerei”, de Schumann, ela observou: “papai, por que ele não sorri com os aplausos?”

Imediatamente olhei para os olhos do músico. De fato.

Pois os olhos de quem canta ou toca, na noite, por lá, são melancólicos, penso eu.

Não tristes, mas melancólicos, mesmo quando sorriem. Há uma grande diferença entre um e outro. Tristes são aqueles mergulhados no presente.

Melancólicos aqueles que mergulham no passado. Como o filho de um amigo meu quando pega seu violino, se afasta, e inicia um diálogo com o instrumento ao qual não temos acesso, de olhos fechados e abertos ao mesmo tempo, insondáveis.

Para mim, todos eles estão mergulhados no passado, reféns de um futuro que não se realizou ou de uma ilusão que reluta em se tornar realidade.

São inteligentes, percebem a realidade das coisas com muita rapidez. Se, por um espasmo da sorte, chegam lá, não se adaptam, viveram demais, e o olhar, cansado, de quem tudo conhece, reflete isso.

Cato sempre minhas moedas e lhes pago o tributo do voo da minha imaginação ou da verdade dos fatos. Peço-lhes intimamente desculpa, se erro na minha avaliação.

Não lhes pergunto acerca dessa melancolia enquanto resultado do cinza do dia-a-dia. Temo a falência da fantasia. Sigam, digo para mim mesmo. A intimidade geraria o desprezo.

Bom, é outro mundo. Nem mesmo noto, entre os de seu próprio povo, essa constatação. Passam todos eles, jogam moedas, como se cumprissem um ritual, mas nenhum olha os olhos de cada músico, mesmo quando resolvem parar e ouvi-los.

E aqui estou eu, me importando, devaneando, e eu sou a melancolia, somos um nicho no tempo, apenas uma ilusão, nada mais, senão palavras ao vento…

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 10/05/2015 - 09:30h

Zé Dirceu

Por Honório de Medeiros

Volto sempre a Dumas. E quando a ele volto, busco mais do mesmo: releio, embevecido, a saga dos três mosqueteiros ou a estória da Dama de Monsoreau.

A saga, como sabemos, é composta por Os Três Mosqueteiros, Vinte Anos Depois, e o Visconde de Bragelonne; a estória por A Rainha Margot, A Dama de Monsoreau e Os Quarenta e Cinco. Alguns trechos creio saber de cor mas não os recito, a não ser para mim mesmo, enquanto minha imaginação constrói, arduamente, o cenário medieval pelo qual perambulam o sombrio Conde de Rochefort ou o Bobo e arguto Conselheiro de Henrique III, Chicot, primeiro e único.

Quando isso ocorre, há sempre um vinho honesto em minha taça, algum prato sendo preparado de acordo com “Ma Cuisine Médiévale”, de Mincka, e o mesmo cd, “Promenade Baroque à Vaux Le Vicomte”, toca no meu pequeno sistema de som.

Vaux Le Vicomte é o Castelo em estilo barroco que pertenceu a Nicola Fouquet, Marques de Belle-Île, Superintendente de Finanças de Luis XIV e que lá mesmo foi detido pelo verdadeiro D’Artagnan, Capitão dos Mosqueteiros do Rei, por ordem real. Mas essa história vai além.

Leio, quando encontro, tudo quanto posso acerca especificamente desses romances. Há muito escritos acerca desses romances. Alguns, inclusive, densos ensaios, como o “Histoire de Chicot, Bouffon de Henri III”, de J. Mathorez, 1914, que eu sonho ler, um dia, após traduzi-lo como quem extrai leite de pedras.

Pois bem, recentemente reli, de Arthuro Pérez-Reverte, “O Clube Dumas”, um romance voltado, subliminarmente, para os amantes dos folhetins e, mais especialmente, para os apaixonados por Alexandre Dumas.

Pérez-Reverte é um grande escritor, um dos melhores da literatura recente em terras de Espanha. E a tradução dessa minha edição, comprada em sebo, vez que a outra, anterior, alguém levou de minhas estantes e esqueceu de devolver, é muito bem traduzida por Eduardo Brandão, dono de texto refinado.

Lá para as tantas, durante a leitura, encontrei um parágrafo que me fez parar a leitura. Eu encontrara algo muito interessante. É logo no começo.

Conversam os dois personagens mais importantes do romance. Um deles questiona o personagem principal, lhe perguntando se ele tem amigos. Corso, esse personagem principal, responde com uma imprecação. Varo Borja, que o interrogara, absorve o repto e responde:

“Tem razão. Sua amizade não me interessa nem um pouco, pois compro de você lealdade mercenária, sólida e duradoura.. Não é verdade?… O zelo profissional de quem cumpre seu contrato, ainda que o rei que o empregou tenha fugido, ainda que a batalha esteja perdida e ainda que não haja salvação possível…”

“(…) ainda que o rei que o empregou tenha fugido, ainda que a batalha esteja perdida e ainda que não haja salvação possível…”

Isso me lembrou alguém. Quem? Parei a leitura. Cascavilhei a memória. Não demorou muito e encontrei a resposta.

Zé Dirceu.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Estado do RN

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domingo - 03/05/2015 - 07:08h

O processo civilizatório

Por Honório de Medeiros

Talvez seja falsa a noção de que é possível, coletivamente, e conscientemente, construirmos valores que norteiem um processo civilizatório semelhante àquele que sempre evocamos quando voltamos nossos olhos para a história em busca de entendimento e orientação, qual seja a civilização grega, o senso de “Arete” que perpassa a vida do cidadão ateniense, sua “Paideia”, como magnificamente nos mostra Péricles, em sua “Oração aos Mortos na Batalha de Maratona”, preservada por Tucídedes.

O olhar crítico acerca desse preâmbulo há de apontar, de início, duas falhas: a fragilidade da mundivisão ateniense que não resistiu aos próprios conflitos internos e a Alexandre, o Grande; e a impossibilidade daquela experiência sublime ter sido resultado de qualquer planejamento, mas, sim, de fatores tão circunstanciais quanto, por exemplo, para o surgimento da filosofia, a especial qualidade e característica da língua grega.

A tais críticas é possível responder dizendo que não se trata de repetir, por igual, tamanho feito. Isso seria impossível.

Trata-se, no entanto, de fazer sobressair o aparato tecnológico construído pelo homem ao longo dos séculos colocando-o à disposição de uma política da Sociedade – nunca de Governo – que deliberadamente, envolvendo todos, construa, firmemente, esses pilares onde se fulcra uma civilização pela qual tenhamos orgulho e respeito. Caso contrário, as piores previsões possíveis de serem construídas a partir das teorias que sobreviveram à passagem do século XX para o XXI irão se concretizar.

E, nós, ao contrário do que pensava Karl Popper ao combater tenazmente a ideia de determinismo histórico ao qual estaríamos subjugados mesmo que com certa liberdade limitada, estaríamos marchando a passo batido para o caos – esse limite último da entropia – ou para o resultado possível da seleção natural, que como sabemos não tem finalidade moral em seu percurso a ser encontrado em um planeta Terra esgotado pelo que dela se tirou sem qualquer cuidado: o fim da espécie humana.

Catastrófico? Talvez. Possível? Com certeza.

Coincidentemente o mundo volta seus olhos, apavorado, para a Terra e os transtornos climáticos e catástrofes naturais que estão acontecendo cada vez mais freqüentemente. Já há trabalhos científicos demonstrando ser insuportável continuar extraindo, do nosso planeta, e da forma como é feita, sua riqueza natural.

Desmatamentos, degelos, extinção de espécies, extração de riquezas do subsolo, dizimação de florestas, aquecimento global – parece não haver fim para tudo quanto o homem possa fazer nessa empreitada de autodestruição.

Se não abrirmos os olhos, não construirmos um novo pacto civilizatório que deixe para trás o modelo ao qual temos nos aferrado ao longo de nossa existência, não haverá por que não dar razão aos Cátaros, aqueles hereges dizimados pela Igreja Católica medieval, que diziam ser o mundo da matéria uma criação do mal.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Governo do RN

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  • Art&C - PMM - PAE - Outubro de 2025
domingo - 26/04/2015 - 11:14h

Como encontrar o trabalho de sua vida

Por Honório de Medeiros

Ao longo de minha vida enquanto professor encontrei muitos casos de alunos que claramente não queriam se bacharelar em Direito. Estavam ali, no curso, cumprindo uma trajetória que não era de seu agrado.

Prefeririam se dedicar à música, à história, a escrever, à arquitetura, jornalismo… Quando eu percebia procurava conversar.

Às vezes, em alguns casos, sequer o aluno tinha percebido que sua praia não era aquela. Seduzido por ideais que lhe eram impostos pela sociedade, como status e dinheiro, ou, pior, por ideais que seus pais cultivavam, ali ficava ele, nas salas de aula, a passar horas e horas tomando contato direto com uma realidade, no seu caso, no mínimo entediante.

Mesmo aqueles que sabiam exatamente o que queriam como fazer um concurso, se tranquilizar quanto ao futuro, e, então, se dedicar a alguma atividade que lhe desse prazer, como literatura, era fácil perceber uma dúvida latente e perturbadora a pairar sobre nossos diálogos enquanto conversávamos: “será que vale a pena todo esse tempo perdido? A vida é tão curta…”

Pois bem, se é assim, ou mesmo que seja apenas para lhe assegurar a certeza de sua escolha, na medida em que isso é possível, ou por pura curiosidade, vale a pena ler esse livro que eu vou lhes indicar. Trata-se de “Como encontra o trabalho de sua vida”, de Roman Krznaric, editora Objetiva.

Desde já advirto: não se trata propriamente de livro de autoajuda. O livro é sério, bem escrito, bem fundamentado, e faz parte de uma coleção “tocada” pelo filósofo Alain de Botton, autor de “Religião para Ateus” e “Como Proust pode Mudar sua Vida”.

Eu mesmo somente me interessei quando li uma citação de Richard Sennet, pensador de meu agrado, no livro.

Quanto a Roman, é membro fundador da The School of Life, e foi nomeado pelo jornal Observer um dos mais importantes pensadores sobre estilo de vida do Reino Unido, além de ser conselheiro de organizações tais quais a Oxfam e Nações Unidas. Então, se for o caso, mãos à obra.

Ah! Última observação: não estou ganhando dinheiro com essa indicação! Mas estou ganhando capital simbólico…

Honório de Medeiros é escritor, professor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Estado do RN

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domingo - 29/03/2015 - 04:14h

O homem lobo do homem

Por Honório de Medeiros

Os ingênuos creem que um iluminado possa assumir qualquer Governo e os conduzir ao melhor dos destinos possíveis. É mais ou menos como crer que Emerson Fittipaldi pudesse ser campeão do mundo de Fórmula 1 dirigindo um fusca. Ou que um time de várzea, com Pelé nele jogando, pudesse vencer a Seleção Brasileira.

Mas o mundo é assim mesmo, que seria dos espertalhões se não existissem os ingênuos?

E a única arma possível contra a exploração do homem pelo homem, qual seja o pensamento crítico, que a maioria dos acadêmicos confunde com crítica ao pensamento por não saberem a diferença entre conhecer e se instrui, até onde se sabe, desde Sócrates, passando por Jesus Cristo, não faz qualquer sucesso junto aos espertalhões, tampouco entre os ingênuos.

Ai dos ingênuos! Pois é, pensamento crítico não é o mesmo que crítica ao pensamento, muito embora não se possa fazer este último sem aquele primeiro.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Estado do RN

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domingo - 08/03/2015 - 09:44h

Para que servem as palavras

Por Honório de Medeiros

As palavras valem também para isso, dar alguma existência aos nossos delírios.” (Raduam Nassar, em  “Cantigas d’amigos”, Cadernos de Literatura Brasileira, Ariano Suassuna)

Ariano, entrevistado pelo Cadernos de Literatura Brasileira diz, em certo momento: “não sou um escritor de muitos leitores; costumo dizer que sou um autor de poucos livros e poucos leitores -, (…) Mesmo que eu não publique, tem um círculo de leitores que sempre lê o que escrevo.”

Retruca o Cadernos: “Este é um circuito antimoderno, o circuito da comunidade interessada.”

Assim é, assim será, dado o caráter dos tempos atuais, no qual a imagem evanescente e superficial é tudo e as palavras, quando delírios, manjar para poucos. Aqui a palavra é arte.

Relendo “O Crime do Padre Amaro” do imenso Eça, lá encontro essa idéia pela voz do seco Padre Notário:

– Escutem, criaturas de Deus! Eu não quero dizer que a confissão seja uma brincadeira! Irra! Eu não sou um pedreiro-livre! O que eu quero dizer é que é um meio de persuasão, de saber o que será passa, de dirigir o rebanho para aqui ou para ali… E quando é para o serviço de Deus, é uma arma. Aí está o que é – a absolvição é uma arma.

Recordo que dizia para meus alunos de Filosofia do Direito ser a confissão um inteligente serviço secreto, a serviço da aristocracia, para a manutenção dos interesses de classe.

A palavra: arte ou instrumento. Às vezes tudo isso ao mesmo tempo. Não somente a palavra escrita, mas também a falada, dá existência aos nossos delírios.

Natal, em 7 de março de 2015.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 15/02/2015 - 07:22h

Agora vou tomar meu rumo…

Por Honório de Medeiros

Estamos de partida. Na bagagem, alguns livros e duas garrafas de Serra Limpa.

Essas duas danadas vão para combinar com os finais-de-tarde lá nas terras de Gil, Annica, Gabriel e Ana Maria, a Fulô da Pedra, quando estivermos escutando o canto dos passarinhos, a toada do vento, o farfalhar das folhas nas árvores e o barulho dos grilos enquanto a noite chega.

Vez por outra o relinchar dos cavalos e o mugido de um ou outro boi. E vendo as luzes das estrelas se acendendo no céu e sentindo o cheiro de mato invadir o alpendre da Casa-Grande.

Nada de celular, televisão, computador, ar condicionado, paredão de som ou som-ambiente. Nada.

Vez por outra um pouco de silêncio logo interrompido pelas risadas ocasionado por algum dito gaiato ou o converseiro de todos irmanados pelos antigos laços de fraternidade que somente a mãe-terra proporciona de mão-beijada a quem lhe ama.

Mais tarde, depois da refeição simples, mas substancial, uma fogueira para chamar estórias de trancoso e estreitar cumplicidades de almas enquanto o sono não vem.

Quando vier, virá acalentado pelo ruído do vento nas frestas das telhas e se haverá de dormir o sono dos inocentes até o chamado do galo, na hora do sol nascer.

Até mais ver…

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domingo - 25/01/2015 - 15:18h

O curandeiro virou “coaching”

Por Honório de Medeiros

Abro a rede social e sou inundado por uma maré de anúncios de “coaching”. E de comentários de “Coachs” e “Coachees”, ou seja, os treinadores e os treinandos. Fico perplexo com o que leio.

A propaganda do treinamento é sumamente pretensiosa; o preço, salgadíssimo, e o resultado, bom o resultado é fabuloso para quem ganha dinheiro com isso.

Diz lá a propaganda que o “Coaching” é um“processo que utiliza técnicas, ferramentas e recursos de diversas ciências. Algumas pessoas dizem que Coaching é ciência, mas na realidade é um cocktail, um mix de recursos e técnicas que funcionam em ciências do comportamento (psicologia, sociologia, neurociências) e de ferramentas da administração de empresas, esportes, gestão de recursos humanos, planejamento estratégico e outros.”

Não pude deixar de me divertir com a pretensão desse pastiche de auto-ajuda típico da virada do século. Quer dizer que o treinador entende de psicologia, sociologia, neurociência e administração? É um portento, a criatura.

Quer dizer que o “coaching” se não for ciência, é um mix de recursos e técnicas que funcionam em várias áreas do conhecimento.

Ah, meu Deus… Diverti-me ainda mais quando li a propaganda de um dos cursos afirmando que todo homem poderia encontrar, em si, o macho-alfa que ele é. Bastaria querer e fazer aquele “coaching”. Outro pretendia apresentar o treinando a sua verdadeira essência. Verdadeira essência.

O que danado é verdadeira essência? Tem essência que não seja verdadeira?

A capacidade de ser iludido é infinita, no ser humano. E o dom de iludir, também, é o que parece. Penso que é inerente à espécie. Só pode ser.

Vai ano, vem ano e tudo se repete como farsa. Muda a roupa, mas o corpo é o mesmo.

Na literatura – entendida esta em seu sentido mais lato – o registro da atividade dos “coachs” é muito antigo: tanto aqueles de antigamente quanto os de hoje trabalham a partir de um insumo básico: aparentam saber em profundidade algo que não sabem, e mistificam astuciosamente alguns “standards” do senso comum, tal qual faziam e fazem cartomantes, numerólogos, terapeutas holísticos, pregadores, magos da “auto-ajuda”, mentalistas, em proveito próprio.

Os “coachs” exalam auto-confiança. Andam sempre muito bem “empacotados”, lustrosos, sorriso fácil, simpatia à flor da pele.

Querem passar a imagem de vencedores a todo custo. Dominam alguns truques óbvios do mentalismo de salão, tais quais técnicas de memorização, para pegar os incautos.

São versados na arte de dizer o óbvio de forma sofisticada. Falam em “atitude quântica”, “mentalidade holística”, “seleção do mais apto”. Ou seja: aparentam saber, para saber aparentar.

Não por acaso os melhores, dentre eles, são verdadeiros artistas da mistificação. Alguns até mesmo fundam seitas… E então, das pessoas que lhes impressionaram, caro leitor, durante os anos de sua vida, seja em que área seja, qual delas mesmo fez o curso de “coaching”?

João Paulo II, talvez? Barak Obama? Stephen Hawking? Pelé? Henry Ford?

O último prêmio nobel de literatura? Lula?

Acho que Lula fez!

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 18/01/2015 - 09:32h

Da tragicomédia humana

Por Honório de Medeiros

O Poder Político enquanto fenômeno é o parâmetro fundamental para o estudo da tragicomédia sócio-humana. Poder Político: capacidade de impor pela força, em última instância, uma vontade.

Ele está por trás de tudo, na vida social: engendra as soluções para transpor os obstáculos que lhe possam surgir; constrói estratégias adaptativas.

Não há vazio no espaço social, em termos de Poder Político, porque o Poder Político está sempre presente. É onipresente.

Mudam seus titulares por razões múltiplas, circunstanciais, mas o Poder Político não desaparece.

Tudo é prolongamento ou instrumento desse fenômeno.

O que há para além dele? Melhor: o quê o instaura, faz surgi-lo?

Ernst Becker diria: o medo da morte.

Darwin diria: a necessidade de sobreviver.

Marx diria: a luta de classes.

E quanto a Freud? A nostalgia da autoridade paterna.

Isto é, queremos o Poder Político por querermos deixar nossa marca na história; ou queremos o Poder Político para assegurarmos a sobrevivência dos nossos gens; ou o queremos para nos apropriarmos do excedente produzido pelos explorados, qual seja, o lucro; ou o queremos para restaurarmos a autoridade paterna.

Que importa?

Sejamos positivistas: não há Sociedade sem Poder Político. Por isso o anarquismo é uma utopia, um delírio.

Eis o ponto de partida.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Estado do RN

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quarta-feira - 07/01/2015 - 09:31h
Homenagem

Adeus, Júnior Barreto

Por Honório de Medeiros (Blog Honório de Medeiros)

Quantos já foram, Jânio Rêgo? Você sabe dizer, Carlos Santos? Não sei se vocês sabem, mas não suporto mais a hora do crepúsculo na calçada de minha casa em Mossoró.

O sol se punha, vocês se lembram, e nós pegávamos a bola e corríamos para o meio-da-rua enquanto nossos pais colocavam as cadeiras nas calçadas e ficavam tomando o fresco, como se dizia antigamente, ou seja, pegando o vento Nordeste que espantava o calor e as muriçocas, e apartando as brigas que surgiam, inevitáveis.

Depois o tempo nos levou cada um para seu destino, mas ser amigo de infância significa não haver qualquer cerimônia quando dos reencontros. Estamos sempre à vontade entre nós.

E a conversa surge e segue fácil, adoçada pelas lembranças comuns. Assim foi quando eu encontrei Júnior pela última vez, na caminhada noturna da Alexandrino de Alencar, em Natal, onde tantos mossoroenses dão as caras, de quando em vez.

Conversamos um bom pedaço.

Ele não sabia que eu sabia de sua doença. Eu não podia, portanto, dizer a ele o quanto desejava que ele se curasse, o quanto lhe tinha afeto.

Quando acontece algo assim, se estou em Mossoró, olho para a frente da casa dos meus pais e não suporto a saudade da infância; olho para os lados e não suporto as ausências. Foram-se muitos da nossa República Independente da São Vicente; foram-se meus pais, os seus pais, Jânio, os seus pais, Carlos Santos, os pais de Roberto Fausto, os de Valério, os de Júnior Barreto…

E agora se vai Júnior Barreto, uma flor de pessoa, cordial, gentil, educado, um cidadão irreprochável, uma unanimidade, como bem definiu Delevam. Um de nós, da nossa República amada, da turma do patamar da Igreja de São Vicente. Não era para ir. De forma alguma era para ir.

Júnior era uma criança, tinha muito ainda para viver. Mas foi.

Dê lembranças aos nossos velhos, amigo. Beije todos eles.

E abrace e beije cada um dos nossos amigos que lhe antecederam: Cipriano, Pérsio, Marcos, Luis Artur, Toninho…

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domingo - 04/01/2015 - 10:05h

Há buracos de balas em Barcelona

Por Honório de Medeiros

Nas madrugadas de Barcelona as largas calçadas acomodavam, em dezembro, o frio, os jovens cheios de vinho que passavam cantando, bicicletas, scooters e motos em lugares apropriados, que não impediam a passagem dos pedestres. Conto para Carlos Santos das calçadas tomadas por esses meios de transporte mal chega a noite.

Ele ri e me fala de uma cadeira em ruínas acorrentada em plena Praça do Codó, condenada à prisão para não ser furtada tão logo o dono lhe dê as costas.

Cadê a polícia, pergunto ao Georgiano taxista, setentão, que me conduz. Ele responde que não precisa, basta chamar, e todo mundo chama se alguma coisa está errada, e a polícia chega imediatamente, e, de fato, mal vi a polícia em Barcelona.

O Georgiano me pergunta de onde sou. Eu lhe digo que sou brasileiro, e ele sorri, e me fala em Pelé e Garrincha. Garrincha?, pergunto, sim, Garrincha, Garrincha, diz ele, o grande Garrincha, hoje a sua seleção, me desculpe, eu não assisto.

E o senhor largou a Geórgia por quê? Putin me diz ele, um homem muito mal, como Stálin, que era da Geórgia, mas nunca fez nada por ela.

Muito mal, repete, very bad, very very bad, um homem sem pai, sem mãe, criado em orfanato, depois foi para a polícia, cruel, e meus pais perderam tudo e vieram embora, e eu vim também, mas a casa de meus pais ainda existe lá, fechada, na bela Geórgia, e eu vou lá, e tomo vinho, a Geórgia tem um vinho muito bom, e a casa fica fechada, mas quando eu vou, abro a casa e tomo muito vinho, falo muito minha língua, e durmo.

Continuamos seguindo e eu vou vejo as bandeiras catalãs postadas nas janelas dos apartamentos, e me lembro do livreiro que tem um sebo em frente ao Palau de la Musica Catalana onde tantos famosos se apresentaram, e de seu olhar ressabiado quando lhe pedi um livro com a história da Catalunha em espanhol, e ele me respondeu, ríspido, em espanhol: “Eu não tenho, tenho em Catalão”.

E como eu lhe disse que infelizmente não lia Catalão, mas acidentalmente tinha aberto o casaco no qual estava escrito “The Catalan Way of Life”, ele lamentou não ter esse livro de história da Catalunha escrito em espanhol e acrescentou mordaz, que não sabia se havia algum que não fosse ruim.

É, Barcelona é algo muito especial, muito especial mesmo. Fico pensando enquanto caminhava, dias antes, no rumo da cidade gótica, pela qual me apaixonei sem resistência, querendo parar em cada obra de arte encontrada por seus caminhos tortuosos, escuros e estreitos, em cada igreja gótica, ouvir os músicos que tocavam em todos os lugares. Tal qual aquele que executara uma suíte arcaica em violino e parecia ausente de todos que o escutavam e depositavam moedas em seu chapéu, pois tocava de olhos fechados, como se estivesse ausente daquela realidade barulhenta, multicolorida e de muitos idiomas que lhe cercava, até chegar à minha pracinha predileta, tão pequena, tão impossível de descrever, em cujas madrugadas eram executados os republicanos, contra as paredes do colégio e igreja que lhe estabelecem os limites, nos anos terríveis da guerra civil.

Que diria François se estivesse ali?

Olhe aqui, me disse a mineira, está vendo as marcas das balas nas paredes, claro, digo eu, pois perceba, alguns buracos são muito altos, não atingiriam ninguém, sabe por quê?, claro que não, é porque, continua ela, naquele tempo, todo mundo se conhecia em Barcelona, e alguns dos carrascos eram amigos das vítimas. Meu Deus penso eu…

Ah, Barcelona… A gaúcha que nos acompanhou à Montserrat pareceu interessada quando lhe contei acerca da cruzada que a igreja empreendeu contra os cátaros no século XIII. São Luiz, pergunta, sim, São Luiz, tudo era uma questão de poder e terras disputada entre os nobres do norte, liderados por ele, contra os do sul, liderados pelo poderoso conde de Toulouse, fomentada pela igreja que temia o surgimento de uma nova religião a partir daquela doutrina perigosíssima, eu lhe disse, e, veja, continuo, o Santo Graal está aqui, em Montserrat, é, eu sei, diz ela, Hitler mandou seus soldados liderados por Himmler, mas eles não encontraram nada.

Sei onde está, sabe?, pergunta ela, claro, respondo, olhe aquelas rochas, você vê um perfil?, sim, eu vejo, então, continuo, o nariz aponta para uma fissura na rocha, é lá, ela olha e depois olha para mim e fica sem saber se eu brinco ou sou louco, e muda de assunto: você não fala em Gaudí quando fala em Barcelona.

Ah, Gaudí, eu digo, o delírio de Gaudí, como posso gostar de Gaudí, tão distante do homem comum, não bebia, não fumava, não jogava, não dançava, não tinha mulher, era carola, morava nas obras da Igreja da Sagrada Família, é tudo muito bonito, mas irreal, eu gosto de Gaudí, mas ele era pouco humano e somente o humano me interessa, e viva Terêncio, que disse isso muito tempo atrás.

Do que você gostou, ela me pergunta, com aquele sotaque do interior do Rio Grande do Sul, das obras de arte escondidas em cada recanto. Digo eu, dos músicos de rua, da fé que os Catalães têm na Catalunha, de tantos imigrantes, tal qual o coreano que trabalha dezoito horas por dia no seu mercadinho próximo do apartamento no qual eu estava; do cuidado com os idosos, pois as ruas são pensadas a partir deles e para eles; das espanholas tão sensíveis a elogios à sua beleza, desde que feitos como se fosse uma rendição, nunca uma tentativa de conquista, da simpatia dos catalães para com os brasileiros; do bairro gótico, da elegância dos caminhantes. Das crianças que brincam felizes e despreocupadas em todos os cantos da cidade; da ausência da polícia e do respeito à lei, da história da nação catalã, da relação da Catalunha com a Provença francesa…

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 21/12/2014 - 05:26h

De usinas do mal e Lampedusa

Por Honório de Medeiros

O ministro Barroso, do STF, deu uma entrevista na qual afirmou que “o sistema político brasileiro é uma usina do mal”. O ministro parece não saber o que é “sistema”, tampouco “política”.

Ou está fazendo jogo-de-cena.

Ministro, um sistema político está para o Poder assim como a espuma está para as ondas do mar. Simples assim.

Tal é o animismo moderno, que evoluiu da concepção de que as coisas têm vida, para a concepção de que as abstrações têm vida. Algo muito primitivo, sem dúvida, mas que presta um enorme serviço a quem detém o Poder.

Sua expressão máxima é o funcionalismo americano. É algo mais ou menos como imaginar que a culpa dos pneus estarem descalibrados é inerente a eles mesmos, e, não, às estradas ruins.

Troca-se o pneu e está tudo bem.

Dessa visão do mundo nasce a nossa medicina, na qual os seres humanos precisam apenas melhorar as peças de reposição, que tudo fica otimizado.

Uma variante humorística – e crítica – de uma percepção funcionalista da realidade está na estória do homem que flagra a esposa em adultério. Revoltado, desfaz-se da cama onde ocorreu a traição.

Assim está fazendo o ministro: não podendo se desfazer dos corruptos, quer modificar o sistema político.

Como se em cada sistema político não existissem corruptos. L

eia Lampedusa, ministro, leia Giuseppe Tomasi di Lampedusa.

É dele, em “Il Gattopardo“, essa frase célebre:

– Tudo deve mudar para que tudo fique como está…

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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quarta-feira - 17/12/2014 - 09:33h
Fatos e Gente

Gerais… Gerais… Gerais… Gerais

O Sindicato do Comércio Varejista de Mossoró (SINDIVAREJO) fará confraternização na próxima quinta-feira (18), às 20h, no Restaurante Cândidu´s. O tesoureiro Tarcilinho Vidal reforça convite à boa confraria. Ô luta medonha!

Dia de parabenizar Inês Clemente por mais um ano de vida. Saúde e paz, querida. Deus ilumine-a sempre. Amém!!

O Tenda Music Club (Mossoró) prepara festa para o dia 24 de dezembro, véspera de feriado natalino. Terá como atração o cantor André Luví com as músicas tops que marcaram o ano de 2014 e fizeram história. Quem também sobe ao palco com um repertório que não sai da cabeça dos mossoroenses, é Gianinni Alencar. Uma balada que tem início às 23h com Dj Juninho e não tem hora para acabar. Senhas antecipadas no Restaurante Tenda.​

Convidado para integrar a equipe da próxima presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT/RN, Joseane Dantas, como Diretor-Geral, o ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN Honório de Medeiros viu-se impossibilitado de aceitar o convite. Sua esposa é servidora comissionada do TRT/RN. Isso caracterizaria nepotismo. Nota do Blog – Doutora, que perda! Um abraço mesmo assim. Depois vamos botar a prosa em dia com o vetusto – mas competente – amigo comum à mesa. Sucesso.

Honório: convite para o TRT/RN

SAÚDE, SAÚDE – Salve, salve Tácio Garcia, da Gondim & Garcia. Hoje ele aporta em Fortaleza-CE, para se submeter à nova bateria de exames. O ano de 2014 tem sido de muitas situações delicadas à sua saúde, mas haverá superação. Temos fé, “Negróide!”

Apesar do atraso, nossos parabéns para os cantores Dayvid Almeida e Aline, pelo nascimento de Iara. Bençãos para a família que cresce e canta feliz.

O Oba Restaurante “se vira nos 30” para acomodar a crescente procura do seu espaço privilegiado, em Mossoró, para confraternizações de final de ano. Contatos podem ser feitos por este número: (84) 8800-1111. É só falar com o Ribamar Freitas.

Rafael Negreiros, o “Rafaelzinho da Agrotec“, entregou a Medalha Mérito Comercial Gabriel Negreiros (seu pai) em evento domingo, no Teatro Municipal Dix-huit Rosado, ao agraciado com a honraria pela Associação Comercial e Industrial de Mossoró (ACIM), empresária de moda Lucineide Dias.

Fernando Virgílio, dirigente estadual do Senac, esteve em Mossoró no último domingo (14). Participou de solenidade no Teatro Municipal Dix-huit Rosado,  promovida pelo Sistema Fecomércio.

Com ornamentação que nos remete à imagem de uma tapera nordestina, o restaurante Fogo e Brasa, na principal avenida do Abolição IV em Mossoró, é um endereço que aposta na culinária do sertão para atrair bom público. Merece ser visitado.

Obrigado a leitura deste Blog a Rita Farias (Natal), jornalista Oliveira Wanderley (Natal) e jornalista Mário Ilo (Tibau).

O professor, médico oncologista e escritor Francisco Edison Leite Pinto Júnior prepara mais um livro. Vem aí “Sísifo apaixonado”. Este “patrão” aceita e promete atender o convite do autor para rabiscar o prefácio da publicação. Paciência. Farei.

réveillon do Hotel Thermas vem aí. Sua assessoria informa que haverá uma decoração especial com predomínio da cor branca e será animado por três atrações que vão embalar os convidados, o cantor André Luvi, banda Samvibe eDJ segundo farão o show da virada. Outro ponto alto da festa é a gastronomia, o Restaurante Pinga Fogo será responsável pela elaboração de todo o cardápio do réveillon. Também está incluído no pacote o serviço de open bar com bebidas nacionais e importadas, berçário e kids club além de  um grande show pirotécnico.

A banda Aviões é atração confirmada para o Carnaval de Tibau, a ser promovido pela iniciativa privada, com apoio da municipalidade. O anúncio foi feito pelo cantor Xandy, em apresentação no último dia 12 em Mossoró.

Foi levado a sepultamento na manhã de ontem o corpo do médico João Carrilho de Oliveira. Ele havia falecido no dia passado. João Carrilho era de uma geração dos médicos de antigamente em Mossoró se ombreando com Leodécio Néo, Rosado Cantídio, César Alencar, Maltez Fernandes e tantos e tantos outros. Nossa solidariedade aos seus familiares. (Emery Costa, O Mossoroense).

A Prefeitura de Areia Branca, com apoio de empresas locais, vai instalar Internet com Wi-Fi aberto (grátis) na Praça da Conceição, centro da cidade. Serão 10 megas para os usuários utilizarem. Ótima iniciativa-piloto.

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domingo - 14/12/2014 - 08:41h

Nunca fale com estranhos

Por Honório de Medeiros

Ela falou: “minha mãe me disse que eu nunca falasse com estranhos”.

Ele riu. Não se desculpou. Não podia deixar de rir.

Não falar com estranhos, ou desconhecidos?

Podia ser um desconhecido estranho, mas também podia ser um conhecido estranho. Não importava.

“É verdade que você não me conhece, mas não sou estranho a você. Somos, ambos, seres humanos, vivemos no mesmo País, temos amigos em comum, partilhamos alguns interesses que nem vale a pena elencar, de tão óbvios. Temos afinidades idênticas, inclusive: desejar o melhor para a humanidade que integramos, o fim das guerras, da fome, das doenças, nutrir esperanças em relação ao futuro…”

Em mim pulsa a mesma centelha de vida que pulsa em você. Temos tristezas, alegrias, decepções, como qualquer um…

Como posso lhe ser estranho? Desconhecido, talvez. Pois bem, é acerca disso que quero lhe falar.

Diga a sua mãe que não é possível não falar com desconhecidos. Antes que você conheça alguém, esse alguém lhe é desconhecido. Se você não fala com desconhecidos, como não há de ser uma ilha?

Sua maior amiga, por exemplo: era uma desconhecida até que você rompesse a recomendação de sua mãe e, em rompendo, começasse a construir esse vínculo afetivo que lhe é, hoje, tão caro.

Imagine, por instantes, você vivendo em um mundo em que não lhe fosse permitido falar com desconhecidos.

Como seria isso?

Como seria em supermercados, restaurantes, cinemas, shoppings…

Falemos, então, um com o outro, mesmo que seja para você me dizer que não gosta de mim.

Isso eu posso entender. E perdoar.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 07/12/2014 - 09:26h

Mundo pequeno, pequeno mundo…

Por Honório de Medeiros

No cruzamento da Avenida Afrânio de Melo Franco com a Avenida General San Martín, pleno Leblon, eu tinha deixado as duas Bárbaras e Joseane na beira-mar para irem ver o pôr do sol no Arpoador, eis que escuto alguém me chamando.

Surpreso me deparo com Carlos Eduardo Gomes, gentil companheiro de jornadas do Cariri Cangaço. Desde 2011 não nos víamos.

Colocamos a conversa em dia. Me confessou que daqui a uns seis anos, para mais ou menos, vai se mudar para Poty do Alferes, encantadora cidadezinha serrana próxima de Vassouras onde acarinha um plantio de madeiras nobres. Voltará nos finais-de-semana para o Rio, posto que ninguém larga esta maravilha de uma vez por todas.

Colocou-se à minha disposição, quando soube que eu estava de férias e, antes de partir, deu-me alguns bons conselhos acerca do que fazer enquanto por aqui estiver.

Abração, Carlos.

Muito obrigado.

Depois de deixá-lo tomei o rumo do Shopping Leblon, na busca de um livro de Murakami, “Kafka à Beira-Mar”.

E na livraria encontrei uma brilhante ex-aluna minha, Mariana Brandão, neta de uma ex-professora minha, advogada tributarista, e sua mãe, e logo encetamos uma agradabilíssima conversa acerca das coisas da vida, Direito inclusive, mas principalmente Filosofia.

Mariana é um nome a se guardar com respeito, para o futuro, nas letras jurídicas.

Muito bom reencontrá-la, Mariana.

Fica marcado nosso café em Natal, quando for por lá.

Mundo pequeno, pequeno mundo…

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Estado do RN

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  • Repet
domingo - 16/11/2014 - 10:28h

RN – De Pacto Social à Reforma de Estado

Por  Honório de Medeiros

Tendo em vista as informações que vão surgindo na mídia acerca da alarmante situação financeira do Estado, não enxergo outra alternativa, para o futuro Governador do Estado, a não ser liderar a construção de um novo Pacto Social no Rio Grande do Norte para alavancar a urgente, imprescindível, fundamental, Reforma do Estado.

Pacto Social, vez que todas as forças da Sociedade, representadas pelos poderes constituídos, precisam participar diretamente, sob a legítima liderança do futuro Governador do Estado, da elaboração de uma Carta de Princípios que nortearia a Reforma de Estado, Reforma de Estado que permita a reconstrução do Rio Grande do Norte social, econômica e financeiramente, estabelecendo os parâmetros necessários a serem seguidos pelos poderes constituídos para assegurar o desenvolvimento do Estado.

Uma vez estabelecidos esses instrumentos fundantes da nova realidade política, social e econômica, todas as medidas necessárias a serem tomadas estarão naturalmente legitimadas e contarão com o apoio da Sociedade.

É o que se espera de alguém que foi escolhido pelo povo para derrotar todas as forças políticas tradicionais do Estado.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Governo do Estado

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segunda-feira - 27/10/2014 - 11:06h
Servidor público

O grande nó górdio que Robinson precisa desatar

Por Honório de Medeiros (Blog Honório de Medeiros)

Diz a lenda que o rei da Frígia morrera sem deixar herdeiro e que, ao ser consultado, o Oráculo anunciara a chegada, à cidade, do sucessor, num carro de bois. Um camponês, de nome Górdio, foi coroado.

Para não esquecer de seu passado humilde ele colocou a carroça, com a qual ganhou a coroa, no templo de Zeus. E a amarrou com um nó impossível de desatar, a uma coluna, e que por isso ficou famoso. Górdio reinou por muitos anos e quando morreu seu filho Midas assumiu o trono.

Midas expandiu o império mas não deixou herdeiros.

O Oráculo foi ouvido novamente e declarou que quem desatasse o nó de Górdio dominaria toda a Ásia Menor.

Em 334 a.C Alexandre, o Grande, ouviu essa lenda ao passar pela Frígia. Intrigado com a questão foi até o templo de Zeus observar o feito de Górdio. Após muito analisar, desembainhou sua espada e cortou o nó em dois, desatando-o.

Lenda ou não, o fato é que Alexandre se tornou senhor de toda a Ásia Menor poucos anos depois.

Pois bem, o nó Górdio que Robinson Faria terá que desatar quando assumir o Governo do Rio Grande do Norte diz respeito ao servidor público estadual. O Rio Grande do Norte tem aproximadamente 3,4 milhões de habitantes. Desses, 102.841 são servidores do Estado.

Multiplicando cada servidor por cinco, que é a média histórica de dependentes diretos seus, teremos um total de 514.205 norte-rio-grandenses. Esse número, entretanto, não dá a verdadeira dimensão da importância da remuneração do servidor público para a sobrevivência daqueles que vivem em seu entorno.

Se diretamente a média é em torno de cinco pessoas para cada servidor, de forma indireta podemos, sem medo, multiplicar cada servidor por dez. Ou seja, temos mais ou menos um milhão de pessoas vivendo às custas da remuneração de cada servidor público estadual no Rio Grande do Norte.

Parece exagerado?

Pense em um servidor público e relacione seus familiares, seus empregados, aqueles que lhe prestam serviços, e assim por diante, e conclua. Pois bem, a influência política de cada servidor sobre seus dependentes diretos e indiretos é muito forte. E a influência do conjunto dos servidores públicos estaduais sobre a política partidária maior ainda.

Aqui no Rio Grande do Norte dois Governadores, de forma mais expressiva, foram atingidos diretamente pela revolta do servidor público: Geraldo Melo e Rosalba Ciarlini. Certos ou errados, desde o início de seus governos abriram um contencioso tenso contra os servidores e amargaram índices muito altos de rejeição popular no final do mandato.

Esse nó Górdio, em relação a Robinson, é ainda mais complexo dada a peculiaridade de seu futuro Governo: com uma mão terá que administrar uma pesada herança de natureza financeira, fruto de gestões passadas, e, com outra, demandas incisivas dos servidores, historicamente espoliados, e dessa vez apadrinhados por quem praticamente lhe deu a vitória, o PT.

Demandas cada vez maiores face à inflação oficial alta e extra-oficial altíssima (inflação de serviço), e a compressão salarial. Medidas paliativas, ou de negaceio, historicamente utilizadas, não resultarão em nada favorável. Caso sejam utilizadas em muito breve hão de dilapidar seu patrimônio de legitimidade política. E confrontos, bem como a inércia do servidor “emburrado”, vão paralisar sua administração.

Há soluções?

É possível.

Um primeiro e importante passo é enfrentar o problema imediatamente, admitindo sua existência e o tratando com a importância que ele sempre teve e merece. Como não pode deixar de ser, alguns passos têm natureza político estratégica. Alguns outros são de natureza essencialmente técnica…

Esse é, apenas, um dos primeiros passos que precisam ser dados para que o Governador eleito possa estabelecer uma diferença essencial em relação aos governos anteriores. Há muito outros, claro.

Entretanto como se trata de algo que afeta profundamente as finanças públicas do Estado, e atinge diretamente um número expressivo de seus habitantes que têm forte poder de replicação, é possível considera-lo o verdadeiro nó Górdio das administrações públicas estaduais.

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