domingo - 02/03/2014 - 10:03h

Aquelas noites do sertão

Por Honório de Medeiros

* Em memória de Compadre Adauto Fernandes

Naquelas noites do Sertão a escuridão tomava conta da entrada do Sítio onde, à luz do lampião, Compadre Adauto Fernandes – eu, menino, o chamava assim, e ele assim me tratava – reunia, no seu entorno, a família e os amigos para uma xícara de café e ouvirem as estórias que constituíam a antiga tradição oral dos nossos antepassados.

Às vezes havia lua e o mar de prata criava ademanes fantasmagóricos nos arbustos lá fora, no terreiro; ao vê-los instintivamente aproximava-mo-nos um pouco mais do círculos dos adultos e somente relaxávamos quando sua risada cristalina pontuava essas estórias; até então, ele nos deixara, a todos, em permanente suspense.

Decerto nunca mais pude fugir de um compromisso alegando uma mentira inocente sem recordá-lo e a um desses “causos” em especial.

Dizia respeito a alguém do seu conhecimento que para fugir de um compromisso social jurara, através de bilhete, estar, em casa, de repouso e, ao voltar de um forró onde se esbaldara a noite inteira, em outra localidade, mal apeara do cavalo escutou choro e lamentações, e seu pressentimento foi confirmado pelos fatos – ela, sua esposa, jazia nos braços das filhas nos estertores da morte. Exposto assim parece pouco, quase nada, mas somente sabe acerca da magia daquelas noites quem as viveu no Sertão, à luz bruxuleante do lampião, céu estrelado, ouvindo, de quando em vez, dentre outros, o canto arrepiante dos rasga-mortalhas…

Eram estórias de amor, gestas, ódios de família, tesouros enterrados, botijas, estes descobertos por intermédio de sonhos que precisavam de uma sabedoria centenária para serem interpretados corretamente, raptos consensuais ou não, caçadas às onças nas quais somente a habilidade sobrenatural do caçador o fizera escapar com vida, pescarias milagrosas, recuperação da saúde via feitiços e orações de benzedeiras e curandeiros, secas e invernadas desmedidas, justiça divina a corrigir desmandos humanos, feitos com armas, aventuras de parentes e amigos nas terras desconhecidas da Amazônia, para a qual tantos tinham ido e não mais voltado, os segredos da Serra das Almas…

Na forma arrastada com a qual meu compadre contava suas estórias, havia uma magia que segurava a atenção: uma cadência hipnótica na voz, uma lógica precisa no encadear das frases buriladas com palavras que Luis da Câmara Cascudo não hesitaria em classificar como egressas do puro português colonial e que os folgados das cidades grandes alcunhariam de “matutês”, por pura ignorância, uma sabedoria antiga de quem herdara e cultivara o dom de contar uma estória.

O desfecho sempre ensinava uma lição de vida e, não raro, eram belíssimos achados a externar uma apropriada observação acerca da natureza dos homens e seu destino de desprezar o caminho certo, a senda justa, a trilha verdadeira, na vida, em troca das facilidades enganosas que o diabo apresentava, enquanto armadilhas, para a perdição da alma dos incautos.

Mas Compadre Adauto Fernandes não era somente um contador de estórias sem igual e um dos últimos integrantes daquela raça de titãs que colonizou o Sertão e que nasceu no começo do século XX. Dotado de arguta percepção a respeito dos homens e das coisas, certa vez me confessou por que não votara no candidato a prefeito que entusiasmava, então, sua numerosa família: “meu compadre, se ele não consegue arrumar sua casa, como vai arrumar a dos outros?”

Não deu outra. Foi uma desastre.

E quando lhe indagávamos, ansiosos, acerca do inverno, tão esperado todos os anos, respondia calmamente: “isso é com Deus, mas a experiência dos antigos diz que…”; quase sempre acertava.

Compadre Adauto Fernandes também era um poeta, em um certo sentido, alguém com o dom de dizer belamente, em momentos especiais, com tiradas de brilho incomum, algo que nunca brotaria, com facilidade, dos nossos corações e mentes. Dele escutei, certa vez, quando falávamos da morte, rompendo um seu mutismo inabitual, que “a morte, para quem fica, é uma saudade sem esperanças”.

Acaso alguém poderia ser mais preciso e poético ao descrever esse sentimento?

De outra, referindo-se aos caminhos e descaminhos de um amigo comum, saiu-me com essa, aludindo à eterna vitória da esperança sobre a razão: “compadre, quem nos puxa mesmo é a mão da ilusão…”

Tantos anos passados, todos nunca esquecidos. Tantas vidas vividas e sua lembrança não esmorece.

As vidas, meu compadre, sem homens como você, íntegro, único, profundo, está cada dia mais parecida com o que lhe ouvi dizer várias vezes a esse respeito – “é uma roca sem fuso!”

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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domingo - 16/02/2014 - 08:43h

Maturidade impregnada de descrença

Por Honório de Medeiros

É muito ruim quando a maturidade surge impregnada de descrença. O Homem fica melancólico, quando não amargo. Embora digam que esse é o preço que se paga pela chegada do outono da vida, prefiro atribuir tal descrença a circunstâncias que fogem ao seu querer, mesmo se contra elas tenha lutado a boa luta, aquela que se supunha não ser vã.

Que circunstâncias seriam essas, caberia a pergunta.

Poderia ser diferente, se elas fosse outras? Ou, por outro lado, se essas circunstâncias fossem diferentes seria possível imaginar que a maturidade surgiria sem descrença, mesmo que acompanhada da constatação de que o espírito está preso numa estrutura que o tempo vai comprometendo lenta mas insidiosamente?

Creio que sim.

Poderia ser diferente se elas fossem outras. Mas não o são, e aqui estou eu, em plena maturidade, descrente, talvez melancólico, mas não amargo.

No meu caso essa descrença diz respeito ao que concluo quando observo o que se passa em meu País e meu Estado. Espero não estar errado – acredito sinceramente que não estou – mas minha conclusão é que, no geral, estamos muito pior, hoje, se comparado com ontem, ou mesmo anteontem.

Entendam-me.

Não nego avanços, pois os há.

Apenas sustento que esses avanços aconteceram espontaneamente, decorrentes da própria lógica do capitalismo primitivo brasileiro. E são poucos. Eu diria que também são superficiais. E ainda digo que a questão é que a descrença não resulta do pouco que avançamos, ou da fragilidade dos nossos avanços, conquistas da Sociedade.

Resulta do quanto deixamos de avançar graças às nossas elites políticas predatórias, inconsequentes, criminosas.

O Estado, uma hipostasia, concretamente nada mais é que a expressão financeira, legal e policial dessas elites políticas. O resultado desse atraso no avanço, digamos assim, cada um de nós, brasileiro, norte-rio-grandense, pode aquilatar meramente se dando conta – e fazemos isso, dia-a-dia – do que está acontecendo no nosso entorno.

Não quero sequer mencionar o descalabro na educação, saúde, infra-estrutura, segurança pública – esta, no meu entender, caso para intervenção federal no Estado.

Menciono, e é o bastante, a situação das consequências da seca no resto do Estado, para além dos limites caóticos de Natal. Pois a seca, a mesma seca que angustiou D. Pedro II há tanto tempo atrás, essa seca dizimou, no interior, a agricultura, a pecuária, a criação, a piscicultura, as feiras, o comércio, a construção civil, nesses últimos anos.

Agora a seca está ameaçando a sobrevivência das pessoas, principalmente dos mais humildes, condenados estes a fazerem uso de água misturada com lama para satisfazerem suas necessidades fundamentais; a seca está conduzindo as pessoas para patamares antigos de desrespeito ao ser humano que as novas gerações, se os conhecem, o é por meio da literatura…

Enquanto isso o Governo do Estado constrói um complexo denominado pomposamente “Arena das Dunas” para a Copa do Mundo de 2014 ao mesmo tempo em que o sertanejo e o Sertão potiguar se desfazem em sol, poeira e sede, e alguns privilegiados, para os quais essa questão é algo remoto, se preparam para contemplar e usufruir desse templo do supérfluo, da trivialidade, da falta de respeito com a condição humana.

Ainda por cima há os que creem firmemente que a construção da “Arena das Dunas” é algo defensável. E a defendem. E apresentam estatísticas nas quais se embasam para apresentar essa defesa. E falam e escrevem defendendo o impacto econômico favorável ao Rio Grande do Norte em decorrência do dinheiro federal que está vindo às catadupas.

Um complexo que será visitado e usufruído pelas elites, um complexo inacessível à base da pirâmide social, um complexo desnecessário para todo o restante do Rio Grande do Norte. Essa é apenas uma das faces da tragédia.

E quanto às mortes que estão ocorrendo no nosso Estado, originando estatísticas semelhantes à de guerras civis?

Há ou não motivos para descrença?

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 09/02/2014 - 11:56h

De tirania e servidão

Por Honório de Medeiros

Finalmente expulsos da Terra Santa pelos Sarracenos em 1302 d.c., os Templários passaram a ter sua imensa riqueza cobiçada no Ocidente por soberanos e nobres, e seu prestígio e privilégios, assegurados até então pelos papas, invejados pelo clero.Dentre eles, entretanto, nenhum chegou ao extremo de Filipe, o Belo, neto de São Luis, Rei da França.

"O belo": mestre do mal

Com o tesouro esgotado pelas lutas contra os barões feudais na tentativa de fortalecer seu reino e impor sua vontade, Filipe, para muitos o precursor do Estado-Nação, percebeu que muito próximo de si havia riqueza suficiente para saciar sua ambição e desenvolver seus projetos hegemônicos. O primeiro grande obstáculo a vencer era a Igreja, no seio da qual fora criada a Ordem do Templo, sob as bênçãos de Honório II.

Conta Charles G. Addison, historiador inglês, em seu acurado “A História dos Cavaleiros Templários e do Templo”, que “quando da morte do papa Bento IX (em 1304), ele conseguiu, por meio das intrigas do Cardeal Dupré, elevar o arcebispo de Bordéus, uma criatura sua, ao trono pontifical. O novo papa transferiu a Santa Sé de Roma para a França; convocou todos os cardeais a Lyon e ali foi consagrado (1305 d.c.), com o nome de Clemente V, na presença do Rei Filipe e seus nobres.”

O primeiro passo fora dado.

A seguir o papa convoca os cavaleiros templários a Bordéus.

Em 1307 o Grão Mestre do Templo e sessenta cavaleiros desembarcam na França e depositam o tesouro da Ordem no Templo de Paris. Jamais sairiam de lá.

Entrementes o Rei francês fazia circular diversos boatos sinistros e notícias odiosas a respeito dos Templários por toda a Europa, acusando-os de terem perdido a Terra Santa por não serem bons cristãos. Depois, com base no depoimento de um cidadão condenado que viria a receber, posteriormente, o perdão real, mandou capturar, no reino, secretamente, todos os membros da Ordem, ao mesmo tempo em que determinava uma devassa nos bens dos Templários.

A seguir Filipe endereçou correspondência aos reis europeus exortando-os a acompanhar seu exemplo. E, então, os acusou dos mais esdrúxulos e inverossímeis crimes, tais como satanismo, sodomia, depravação herética e outros mais.

Esses mesmos Cavaleiros Templários que durante centenas de anos derramaram seu sangue nas areias escaldantes da Palestina a serviço da Igreja, com as bênçãos e reverências dos reis da cristandade…

O resto pertence à história.

Torturados, espoliados, dizimados, os templários desapareceram de cena enquanto Filipe de França, e Eduardo, da Inglaterra, bem como o papa Clemente, passaram a mão em sua riqueza. Saliente-se que o Rei de Portugal, à época, não somente se recusou a fazer o mesmo, como deu guarida aos templários fugitivos que para lá se dirigiram.

Em tempos mais recentes, nos famosos expurgos realizados na União Soviética, a criação de crimes imaginários por parte da máquina do Estado a serviço de Stalin conduziu milhares de russos ao pelotão de fuzilamento ou aos campos de concentração. Quem desejar ler acerca do “modus faciendi” da máquina de acusação recomendo “O Zero e o Infinito”, do hoje esquecido Arthur Koestler, uma crítica contundente ao despotismo estalinista.

Esses fatos demonstram algo: em primeiro lugar, no que diz respeito à luta pelo Poder e sua manutenção, nada é novo, tudo é contemporâneo da existência do Homo Sapiens na face da terra; em segundo, não podemos permitir a concentração de Poder nas mãos de quem quer que seja; e, em terceiro, seja qual seja o credo ou ideologia, se favorecemos a concentração de Poder nas mãos de um, ou de alguns, muitos irão sofrer as consequências no futuro.

Tais afirmações dizem respeito a qualquer agrupamento no qual o Homem viva em Sociedade. Tanto pode ser em família quanto, por exemplo, em uma Sociedade como a dos Estados Unidos da América, onde os métodos utilizados pelos seus serviços secretos, hoje em dia, aos poucos vão estrangulando as liberdades civis sob o falso argumento de proteção da segurança do País e seus habitantes.

Na verdade o grande profeta dos últimos tempos acerca do exercício do Poder e suas decorrências foi George Orwell, em “A Revolução dos Bichos”; quanto à falta de legitimidade dos que o exercem, é de se render homenagens a Étienne de la Boétie e seu fabuloso “Discurso Acerca da Servidão Voluntária”.

Quão imensa é a vocação do Homem para a tirania e a servidão…

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 02/02/2014 - 08:58h

Nada de novo sob o sol

Por Honório de Medeiros

Não há nada de novo sob o sol.

Seguimos aparentemente em frente, para destino ignorado, permanecendo os mesmos de tanto tempo atrás, enquanto as formas, os instrumentos, os meios que são nossa criação, mas dos quais somos reféns, para lidar conosco, fenômenos e coisas, tornam-se cada vez mais complexos e fugazes, em uma espiral, um “vir-a-ser”, como diria Nietzche, de proporções incalculáveis. Essência imutável, forma evanescente.

Leio em “Os Crimes de Paris”, de Dorothy e Thomas Hoobler, acerca de Vidocq, um personagem maior que sua vida. 

“Depois de cometer vários crimes na juventude, trocou de lado e se aliou à polícia. Foi o primeiro chefe da Súrete, o equivalente francês do FBI, e modelo para vários personagens da literatura”, dizem-me eles. Fascínio antigo esse meu por Vidocq.

Camaleônico, sofisticado, indecifrável, também foi o criador da primeira agência de detetives do mundo, o “Bureau de Reinseignements”, ou Agência de Inteligência. Que outro, além de um francês, criaria uma agência de detetives com esse nome?

Inspirou Maurice Leblanc na criação do célebre Arsène Lupin, “O Ladrão de Casaca”, que eu lia, fascinado, na adolescência, graças à bondade de um colega de ginásio, na Mossoró que não existe mais. Como inspirou, também, além de muitos outros, tais como Alexandre Dumas, Victor Hugo e Eugène Sue, o ainda mais célebre personagem de Balzac, Vautrin, presente em vários livros da“Comédie Humaine”.

Em certo momento, lá para as tantas, Vautrin explica o mundo:

“- E que lodaçal! – replicou Vautrin. – Os que se enlameiam em carruagens são honestos, os que se enlameiam a pé são gatunos. Tenha a infelicidade de surrupiar alguma coisa e você ficará exposto no Palácio da Justiça como uma curiosidade. Furte um milhão e será apontado nos salões como um modelo de virtude. Vocês pagam 30 milhões à polícia e à justiça para manter essa moral… Bonito, não é?”

Como diria minha mãe: “vão-se os anéis, sempre permanecem os dedos…”

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 26/01/2014 - 10:15h

A retórica dos objetos

Por Honório de Medeiros

“Ser é perceber” (George Berkeley, 1685-1753).

Os objetos falam.

Existe uma diferença entre “ver” e “enxergar”, sabemos disso[1]. Quando “vemos”, percebemos.

Os objetos, se percebidos, dizem-nos muito.

Imagine que você seja um advogado que foi introduzido na biblioteca de um potencial cliente para discutir com ele acerca de um futuro contrato de honorários. Você não se preparou para o encontro, seja porque não teve tempo, seja porque confia em sua capacidade de persuasão.

Ao aguardar a chegada do seu possível futuro cliente em sua (dele) biblioteca se admira com a organização reinante: livros limpos, organizados por tema e, nesses nichos, os autores postados em ordem alfabética.

A biblioteca condiz com o ambiente no qual ela repousa. Os outros objetos do espaço circundante também prima pela limpeza e organização: não há nada fora do lugar.

Esses objetos dizem que seu dono é alguém, portanto, organizado, até mesmo meticuloso.

Qual a probabilidade de você convencê-lo nesse encontro para o qual não está devidamente preparado com dados, documentos, legislação, jurisprudência e, até mesmo, doutrina?

Quase nenhuma.

Existe uma retórica dos objetos, chamemo-la assim, na falta de uma denominação melhor. O que se quer dizer é que “os objetos dizem, expressam algo”. E é fundamental conhecê-la para quem se interessa em “decifrar” o meio com o qual interagimos.

Ramo da Retórica dos Objetos é a publicidade. Usa a técnica da Retórica dos Objetos para induzir associações de idéias que promovam o consumo.

Na Retórica dos Objetos é fundamental a noção de “estranhamento”. É por intermédio do “estranhamento” que decodificamos os objetos.

E o que seria o “estranhamento”? É algo difícil de conceituar, tal como a liberdade. Sabemos o que esta é, mas não sabemos dizer com propriedade o que ela é.

Em certo sentido “estranhamento” é uma desarmonia em relação ao padrão comum. Tal qual uma arte marcial, tornar-se hábil em captar essa desarmonia demanda contínuo exercitar-se até o limite do possível.

Recordemos o exemplo acima. Para alguém acostumado a perceber, a organização limpa e meticulosa da biblioteca do cliente chama a atenção por fugir do padrão comum.

Ao conectar essa constatação com a que resulta do “ver” os restantes dos objetos espalhados pelo ambiente, torna-se possível fazer alguma inferência, ou elaborar alguma hipótese, para sermos mais precisos, acerca da personalidade do seu proprietário.

Em episódio bastante interessante da série “The Mentalist”, agentes do FBI buscam, em uma sala, uma câmera de vídeo escondida. As outras já foram encontradas e estavam postadas em lugares óbvios.

O personagem principal, Patrick Jane, ao ser introduzido na sala, observa que um determinado espelho estava colocado em uma altura um pouco acima do normal. Levanta-se o espelho e lá está a câmera procurada. Mas como essa câmera filmava através do espelho? Patrick sabia que os ilusionistas usam muito um tipo de espelho que permite a quem está por trás visualizar através dele. A noção de “estranhamento” permitiu a localização imediata da câmera procurada.

Em outro episódio, esse bastante conhecido na literatura policial, Sherlock Holmes chama a atenção de Dr. Watson para o cão da propriedade onde acontece a investigação. Dr. Watson retruca informando que o cão não latiu. Sherlock pondera, então: “por isso mesmo”.

Ou seja, Sherlock vivenciou, ali, essa sensação de estranhamento.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura de Natal e Estado do RN

[1] //g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2011/11/ver-e-enxergar-acionam-regioes-diferentes-do-cerebro-diz-estudo.html

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domingo - 29/12/2013 - 10:23h

Fé, foco e disciplina?

Por Honório de Medeiros

Os livros de autoajuda, rico filão explorado à exaustão por alguns espertos em cima da ingenuidade de muitos, ensina que fé, foco e disciplina são a chave para o sucesso.

Fé, ou seja, crer que depende de nós chegar lá, naquele lugar almejado; foco: ficarmos circunscritos ao objetivo, à meta a ser alcançada, evitando decididamente qualquer distração que nos faça perder o rumo; disciplina, por fim, significando aquela entrega de corpo e alma, em termos de esforço, de dedicação, de renúncia, fundamentalmente necessários para se alcançar o sucesso em qualquer empreitada.

Nada mais, nada menos.

No entanto, segundo as mais recentes pesquisas em neuropsiquiatria, realizadas obsessivamente por cientistas ao redor do mundo, aliadas ao conhecimento adquirido em áreas tão diversas quanto matemática, teoria da seleção natural e estatística, demonstram que tudo isso é, em uma medida para lá de razoável, pura balela. O que existe, mesmo, é o acaso, aquilo que o senso comum chama de “sorte”.

É o que se lê no livro “O Andar do Bêbado”, de Leonard Mlodinow, recomendado por ninguém menos que o maior físico pós Einstein, Stephen Hawking, acerca do fenômeno da aleatoriedade. O autor ensina teoria da aleatoriedade no famosíssimo Instituto de Tecnologia da Califórnia, o Caltech, celeiro de cientistas premiados com o Nobel, e é autor de obras com consagrados físicos mundiais, tais como Stephen Hawking (“Uma Nova História do Tempo”) e Richard Feynman (“A Janela de Euclides” e “O Arco-Íris de Feynman”).

Em “O Andar do Bêbado”, Mlodinow demonstra, por a+b, que ao contrário do que se supõe, a grande maioria dos eventos são fruto de uma combinação de fatores em grande parte aleatórios. Os exemplos por ele elencados, minuciosos e contundentes. A análise, verossímil. As conclusões, pertinentes.

No final das contas, após a leitura do livro, que em certos largos trechos demanda um conhecimento mais profundo de matemática probabilística que poderão ser deixados de lado sem que se comprometa o entendimento do tema, o “coup de grace” é o seguinte: em qualquer empreendimento nosso, consciente ou inconsciente, não temos como saber, mesmo após todo os esforços, seja de planejamento, seja de realização, qual será o resultado; com certeza somente temos como saber que se não empreendermos, não conseguiremos.

Tudo isso em decorrência do fenômeno da aleatoriedade. Ou seja, o esforço desprendido ao longo dos anos pela grande maioria para chegar lá somente valerá a pena para muitos poucos, e graças a fatores que independem de suas vontades.

É por essa razão que o autor conclui: “(…) a habilidade não garante conquistas, e as conquistas não são proporcionais à habilidade”.

E remata: “Nas palavras de Thomas Watson, o pioneiro da IBM: ‘se você quer ser bem sucedido, duplique sua taxa de fracassos’.”

A questão é a seguinte; vale a pena tamanho sacrifício? Talvez seja por isso que no Livro do Eclesiastes O-Que-Sabe advertiu, logo no prólogo: “Que proveito tira o homem de todos os trabalhos com que se afadiga sob o sol?”

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 24/11/2013 - 12:57h

“Iluminar a realidade”

Por Honório de Medeiros

“Iluminar a realidade”, disse-me o poeta/filósofo. Ou seria filósofo/poeta?

Não importa.

Hoje a filosofia não mais se expõe poeticamente. Veste outra vestes, sem elegância.

Foi-se o tempo de Heráclito de Éfeso: “não se pode entrar duas vezes no mesmo rio”, célebre fragmento que tanto impressionou Wittgenstein. “Tudo flui”…

Ah!, a beleza da filosofia dos gregos arcaicos…

Quem terá sido o último dos filósofos/poetas? Talvez Gaston Bachelard: “o Conhecimento é sempre a reforma de uma ilusão”. Ou mesmo: ” O pensamento puro deve começar por uma recusa da vida. O primeiro pensamento claro é o pensamento do nada.”

Suprema gnosiologia…

Certa vez, quando exposto um senão, o horizonte foi apontado, naquela linha onde se fundem mar e céu, e a resposta enunciada por um filósofo/poeta: “procure iluminar a realidade”. Somente assim podemos enxergar.” Simples assim.

A poesia –  ela transfigura e sintetiza o comum, o banal, o trivial.

Muitas palavras lavradas na árida linguagem técnica diriam o mesmo, até de forma mais precisa, reconheçamos.

Entretanto essa frase descerrou véus e foi possível enxergar claramente, pois há sempre uma nesga, um fragmento de realidade a ser iluminada, revelada, exposta, onde antes nada havia além de escuridão e ignorância.

Então, assim, o Homem é muitos, mesmo sendo nenhum.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Governo do Estado do RN

 

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domingo - 17/11/2013 - 08:30h

O Rio Grande do Norte é uma tragédia

Por Honório de Medeiros

O Rio Grande do Norte é uma tragédia. Tragicomédia.

Hoje, aqui, nada funciona: nem saúde, nem educação, nem segurança pública, nada, nada. A quantidade de mortos em ações violentas, é algo semelhante a uma guerra. É como se vivêssemos um pesadelo.

Ouvi no noticiário matinal que o turismo está em queda vertiginosa. A indústria do turismo, fonte de receita tradicional no Estado. E não se toma uma providência. E depois vão alegar que a receita caiu.

Ninguém quer vir para cá: sujeira, insegurança, falta de atrativo, carestia…

O Programa do Leite, um dos poucos programas públicos que nossa incapaz elite política houve por bem criar, está morrendo.

A sensação é de caos, caos, simplesmente.

Enquanto isso investem milhões em um estádio de futebol. Em um estádio de futebol! Investem em obras desnecessárias, enquanto a seca dizima o rebanho bovino potiguar.

Nem se comenta o problema de saúde pública que a água usada para consumo humano pode causar. O quê danado o povo do bairro proletário Manoel Deodato, de Pau dos Ferros, cidade cujo abastecimento está em colapso, vai usufruir do pomposo Arena das Dunas?

E os municípios vizinhos, do Alto Oeste?

E do Seridó?

E do Agreste?

E quanto aos servidores públicos?

O Tribunal de Justiça diz que as contas apresentadas pelo Governo do Estado estão erradas. O Ministério Público, também. O Tribunal de Contas, idem. A Assembleia Legislativa, da mesma forma.

Parece que somente está faltando se pronunciar a Diocese.

Cabe a pergunta: quando uma providência será tomada em defesa dos servidores públicos? Quando a remuneração será paga em dia? Quando receberão os servidores seu terço das férias, inclusive o atrasado, assegurado constitucionalmente? Quando poderão gozar suas licenças-prêmio? Quando poderá ser implantado, em seu pagamento, os adicionais por tempo de serviço?

Aliás, a pergunta correta a ser feita é a seguinte: porque o servidor público é quem tem que pagar o pato?

Enquanto isso os eleitores se preparam para voltar às urnas e eleger os mesmos políticos responsáveis por tudo que estamos passando. Ou seus filhos. Ou netos. Ou apadrinhados…

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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  • Art&C - PMM - Sal & Luz - Julho de 2025
domingo - 20/10/2013 - 08:01h

Hélio Xavier de Vasconcelos

Por Honório de Medeiros

Quando Hélio Xavier de Vasconcellos assumiu a Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Norte, no Governo José Agripino, eu era recém-formado e tinha sido seu aluno na disciplina Direito do Menor, no Curso de Direito da Federal. Vivíamos o começo dos estertores da Ditadura.

Contratado pela Prefeitura Municipal do Natal, um pouco antes, gestão Marcos César Formiga, graças a instâncias de Avany Policarpo, a quem tinha sido apresentado por Eri Varela, para criar e desenvolver uma ação social por nós denominada “Projeto Juventude”, estava entregue à sonolência burocrática desde que a movimentação gerada pelos concursos literários, shows, recitais, teatro de arena, enfim, música, literatura e politização de lideranças jovens, e desenvolvida nos bairros populares, começou a incomodar os vereadores “da situação” e sua hegemonia ambulatorial.

Pediram minha cabeça.

Avany não admitiu.

Esvaziaram-me completamente.

Hélio, tão logo convidado para a Secretaria de Educação, me telefonou e convidou para fazer parte do que ele chamou de “meu gabinete”: eu, enquanto assessor “especial”, seu Chefe de Gabinete Virgílio Fernandes, hoje Desembargador do Tribunal de Justiça do RN, e Omar Pimenta, seu grande amigo e companheiro, Coordenador dos Núcleos Regionais e Educação.

Hélio fez uma gestão notável, apesar de todos os pesares, mesmo torpedeado pela esquerda e direita, incompetentes como sempre, do RN.

A esquerda dizia que ele se vendera; a direita, que não era confiável. Não preciso esmiuçar esse momento da história do nosso Estado.

Quem vale a pena saber, sabe. Espero que o tempo lhe faça justiça.

Daquele período, tirante o trabalho em si, dois momentos foram inesquecíveis, para mim.

No primeiro, Hélio me chama em seu Gabinete e diz:

“O Governador mandou me chamar para perguntar se era verdade que você estava trabalhando comigo. Confirmei e lhe perguntei se tinha algum problema. Ele me disse que um grupo de vereadores (os mesmos que boicotaram o Projeto Juventude) tinha lhe dito, em audiência, que você era do PMDB autêntico, tinha trabalhado na campanha de Aluízio, e era comunista. Eu respondi que, de fato, você tinha trabalhado na campanha de Aluízio, e integrava o PMDB Autêntico, mas era de minha inteira confiança. Quanto a ser comunista, eu disse se fosse por ser comunista, o primeiro a ter que sair era eu, que não negara esse fato quando recebera o convite para ser Secretário. Zé Agripino riu e mudou de assunto”.

Eu fiquei até ir para Brasília, integrar o Governo da Nova República.

O segundo momento foram vários, muitos, sempre com o mesmo feitio: terminava o expediente, tarde da noite, e lá íamos Hélio, Omar, eu e Virgílio tomar uns dois ou três uísques nos bares da noite, a repassar o presente, projetar o futuro, e rir a bandeiras despregadas das estórias que o “Vermelhinho”, como o chamava Virgílio, contava com uma maestria insuperável, “causeur” de primeira, como o era.

Duas delas, de tão boas, eu lamento muito não poder contar aqui…

Dos professores que tive, alguns foram muitos importantes; poucos, essenciais; muito poucos, além de essenciais, eu trago em meu coração com respeito, admiração e afeto. Jales já se foi. Hélio é um deles.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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domingo - 13/10/2013 - 07:45h

Rio Grande do Norte, terra do nada!

Por Honório de Medeiros

Peter Pan vivia (ou vive) na Terra do Nunca. Nós, na Terra do Nada.

Aqui, nada funciona: abram a Constituição Federal e leiam acerca das atribuições dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Agora se perguntem: funcionam?

E o Tribunal de Contas, serve mesmo para quê?

E o Ministério Público? Não funciona a saúde pública (e a privada mal e porcamente); não funciona a educação; não funciona a segurança pública. Quem duvidar que percorra escolas, hospitais e postos de saúde, e delegacias.

Não funciona o trânsito: diariamente caótico, de quando em vez catastrófico, sem que vejamos um “amarelinho” sequer percorrendo as ruas da cidade do Natal.

Não funciona a limpeza do lixo. Embora tenha melhorado, somente consideramos assim porque sobrevivemos à administração de Micarla de Sousa.

Não funciona o serviço público básico. Percorram as repartições.

Não funciona o turismo. Ao contrário. O Rio Grande do Norte, às vezes lentamente, às vezes rapidamente, vai afastando o turista do Estado.

Não temos políticas públicas, planos, projetos, ações estatais, ou, se há, delas não temos conhecimento.

Não temos nada, nada. Aliás, temos sim: cada dia pagamos mais tributos.

Temos uma máquina arrecadadora feroz e desapiedada.

Não funcionam sequer as regras da ética: estamos nos tornando mal-educados, corruptos, grosseiros e imorais.

Estamos destruindo, lentamente, os antigos valores, sobre os quais se alicerçava o que de melhor ainda temos hoje, e os substituindo pela lei da vantagem.

Que tempos são esses, meu Deus? Não acabam mais?

Peter Pan pelo menos tinha Wendy. E Wendy tinha Peter Pan.

Ambos tinham a Terra do Nunca.

Nós, aqui, nem isso temos.

Temos a Terra do Nada, a Terra dos Homens Ocos.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Governo do RN

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Categoria(s): Artigo
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quarta-feira - 02/10/2013 - 11:09h
Omissão e cumplicidade

Por que não age a Assembleia Legislativa?

Do Blog de Honório de Medeiros

Nós, servidores públicos com a remuneração em atraso, ameaçados de nos tornarmos vítimas permanentes dessa prática nefasta que nos desonra pelos compromissos firmados e não cumpridos, nos arranca a possibilidade de planejarmos o futuro, e nos condena à submissão, deveríamos estar acampados em frente à Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte.

Não apenas nós, para sermos sinceros.

Todos quantos, de uma forma ou de outra, somos contemporâneos do que ocorre no Estado do Rio Grande do Norte, em termos de Gestão Pública Governamental, deveríamos acampar em frente à Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte. Servidores Públicos, a Classe Produtora, os comerciantes, os agricultores, os intelectuais, os professores, os estudantes, as donas-de-casa, as crianças, claro, as crianças, todos, enfim, deveríamos estar acampados em frente à Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte.

A exigir providências dos Senhores Deputados.

É dos Senhores Deputados a responsabilidade por tudo quanto aconteceu, está acontecendo e acontecerá política, econômica, social e administrativamente no Rio Grande do Norte.

Não é apenas o que eu penso. Está na Constituição Federal, no mais nobre de todos os seus artigos, o 1º, em seu parágrafo único: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Foram eles eleitos para assumirem, por nós, essa responsabilidade.

Não é preciso conhecimento profundo das Leis para entender essa afirmação. Qualquer cidadão comum, portador de bom senso, ao ler a Constituição Federal e a Constituição Estadual perceberá a veracidade do que afirmo.

Por que a Assembleia Legislativa não convoca o Tribunal de Contas e dele exige a verdade acerca das finanças do Estado?

Seus integrantes, os Deputados, não declaram que não têm informações precisas acerca dessas finanças? Não é o Tribunal de Contas do Estado órgão auxiliar da Assembleia Legislativa para o exercício do Controle Externo da Administração Pública?

Ou o Tribunal de Contas continuará tratando com o rigor da Lei as Prefeituras Municipais e com a omissão as gestões dos condutores do Estado?

Posso ajudar: artigos 70 e 71, incisos IV, IX, e XI da Constituição Federal; artigos 53, IV, VI e VIII, da Constituição Estadual; artigo 1º, IV, VI, XI, XIV, XV, XIX e XX, da Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado.

Os nobres Deputados não percebem o que está acontecendo no Rio Grande do Norte?

Não têm noção do que está se passando?

Não conseguem imaginar as consequências deste presente que se eterniza?

A falta de perspectivas, o atraso, o caos na segurança pública, na saúde, na educação?

Será que não querem tomar qualquer providência em relação a tudo isso?

Desejam abdicar do seu protagonismo?

Assumir, de vez, sua passividade?

Será que estamos condenados a sermos eternamente rebotalhos na História?

Não creio.

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Categoria(s): Artigo / Opinião
domingo - 29/09/2013 - 11:07h
Cariri Cangaço 2013

Uma jornada pela história e identidade nordestinas

No carro, quatro ocupantes. Cada um de nós com seu jeito e aspirações, histórias e idiossincrasias.

Vamos para mais uma edição do “Cariri Cangaço”, cruzando parte do sertão do Rio Grande do Norte a partir de Mossoró e cortando terras da Paraíba até aportarmos no Ceará. De 17 a 22 de setembro (2013), o Ceará é nosso endereço. O Cariri, nossa pátria!

"Volantes" e "cangaceiros" em encontro com passado - e olhos no futuro (Sara Saraiva)

O Cariri Cangaço é um evento único. Há três anos estreei como ocupante dessa viagem ao passado, para conhecimento de nosso presente e reflexões quanto ao futuro. Foi em 2010.

De lá para cá, o mesmo caldeirão. Muitas interrogações, perplexidades, história, sociologia, antropologia, botânica, antropologia criminal, arqueologia, arquitetura e as mais diversas manifestações cientificistas ou leigas.

É um mergulho em nossas origens, feridas, desatinos e heroísmos quase desconhecidos no sertão nordestino.

Identidade nordestina

Bandidos x mocinhos; maniqueísmo x busca da verdade. Enfim, o incessante mergulho em fenômenos como o cangaço, coronelismo, a ousadia de Canudos, religiosidade e tudo aquilo que desenha o DNA de um povo e sua região.

O Cariri Cangaço nasceu do apetite desbravador de um cearense bonachão. Um fidalgo à moda antiga, na acepção da palavra. A nobreza em pessoa: Manoel Severo.

Mas ele já não é mais o dono do evento. Fugiu ao seu controle, foi assumido também por dezenas de apaixonados pelos temas variados que fazem parte da vida sertaneja e nordestina. Foi possível encontrarmos e interagirmos com gente do Rio de Janeiro, Paraná, São Paulo etc.

Mais de 15 estados representados por escritores, pesquisadores, historiadores, advogados, jornalistas, engenheiros, arquitetos, professores, promotores de Justiça e gente das mais variadas atividades ligadas ou não ao tema cangaço.

Lançamento de livros, apresentação de documentários, palestras, debates, visita a pontos e prédios históricos, homenagens a pessoas que fazem parte da história e da cultura nordestina fizeram parte da maratona. E estrada, muita estrada… ufa!

O Cariri Cangaço é também prova de fôlego para físico e mente. Dias que se misturam com noites e escorrem pela madrugada.

O caipira de Poço Redondo-SE

Foi oportunidade para homenagearmos Alcino Alves Costa, o escritor, poeta, radialista, empresário, político e acima de tudo nordestino. “O caipira de Poço Redondo (SE)”, epíteto que ostentava em forma de galardão.

Ele, pela emoção que despertou nas homenagens recebidas, certamente é símbolo desse evento. Mesmo ausente, onipresente.

Alcino, de morte sacramentada ano passado, ganhou vida perene e a eternidade entre os amigos e familiares.

Juazeiro do Norte, Crato, Barbalha, Missão Velha, Porteiras, Barro e Aurora formaram mais uma jornada do Cariri Cangaço, em pleno sertão cearense. A caatinga com suas árvores retorcidas e chão seco, contrasta com o sorriso de seu povo, além da conhecida generosidade.

Gastão, Honório, o editor deste Blog e Franklin Jorge: muitas histórias

A fé no “Padim Ciço” e os sinais de preservação da história podem ser sentidos nos casarões, igrejas e alma do cearense. Um orgulho que contamina a todos, sem se revelar como um sentimento opressor ou limitador das relações interpessoais.

Ficou a vontade de voltar.

Entre “volantes” e “cangaceiros”, temos a aspiração do reencontro com a paixão pelo Nordeste.

O carro com o professor e escritor Honório de Medeiros, médico-pesquisador Paulo Gastão, eu e o jornalista Franklin Jorge trouxe um monte de lembranças na boleia e na mala.

Hora de retornarmos ao cotidiano da cidade, nossa selva de pedras.

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Categoria(s): Crônica / Cultura
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sexta-feira - 27/09/2013 - 09:26h
Para bom entendedor...

Data do pagamento da remuneração do servidor do RN

Do Blog de Honório de Medeiros

Art. 28. No âmbito de sua competência, o Estado e os Municípios devem instituir regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.

(…)

§ 5º Os vencimentos dos servidores públicos estaduais e municipais, da administração direta, indireta, autárquica, fundacional, de empresa pública e de sociedade de economia mista, são pagos até o último dia de cada mês, corrigindo-se monetariamente os seus valores, se o pagamento se der além desse prazo.

*ADIN nº 144-2 suspendeu a eficácia das palavras “municipais, (…) de empresas públicas e de sociedade de economia mista”.

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Categoria(s): Administração Pública
domingo - 22/09/2013 - 03:55h

O mundo é uma aldeia global

Por Honório de Medeiros

Dia desses, estando em Martins, aproveitei uma madrugada para caminhar. Saí da “Morada dos Ventos”, no Sítio Canto, e peguei a estrada de barro que o liga à cidade.

Um pouco mais à frente dois moradores do Sítio, de cócoras, tomavam canecas de café e conversavam. Quando passei ao lado deles, e antes de cumprimentá-los, escutei um fragmento de diálogo:

– E ele comprou como?

– Foi pelo computador. Pediu na internet.

Imediatamente evoquei minha adolescência em Natal, meados da década de 70,  recém-chegado de Mossoró e maravilhado com a biblioteca de minha tia, Elza Sena, professora da Ufrn, na qual encontrara dois livros muito estranhos, tanto em relação à forma com a qual foram escritos quanto ao seu conteúdo:

“O Meio é a Mensagem”, e “A Galáxia de Gutemberg”.

Eu os li várias vezes.

Não compreendia o alcance de suas hipóteses, mas intuía que eram extremamente significativas. Nunca os esqueci.

Já cinquentão pude comprovar, pessoalmente, quão revolucionário era o pensamento do seu autor. Pois foi McLuhan, o autor dessas duas obras, escritas sob a forma de apotegmas e inseridas em um meio gráfico sofisticado e diferenciado, que pela primeira vez tratou dos meios de comunicação enquanto extensões do Homem. Não somente isso.

De sua lavra também é, entre outras, a hipótese de que em algum momento uma “rede mundial de ordenadores tornará acessível, em alguns minutos, todo o tipo de informação aos estudantes do mundo inteiro.”

Estava lançado o conceito de “Aldeia Global”.

Dele decorre o ousado corolário de que com o surgimento da energia elétrica – leia-se, hoje, “internet” – as relações sociais passam, necessariamente, a ser tribalizadas, em decorrência da maior interação entre os indivíduos.

A compreensão de que os meios de comunicação são extensões de Homem ainda não foi plenamente assimilada, mesmo quando tratada à luz da Teoria da Seleção Natural. McLuhan chamava essas extensões de “próteses técnicas”.

Um computador, por exemplo, seria uma extensão do cérebro. As consequências dessa concepção constituem campo fértil para epistemologias evolucionárias.

Quanto à idéia de “Aldeia Global”,  McLuhan entende que é/será um “topos” de convergência, no qual  se permitiria, em qualquer circunstância a comunicação direta e sem barreiras. Ou seja, trocando em miúdos, a “internet”.

O mundo é/será uma imensa “Aldeia Global”, graças à possibilidade de comunicação instantânea entre seus moradores.

Esse evocar se desdobrou, enquanto eu caminhava, em uma série de conexões com leituras de outras obras, tal como “A Biblioteca de Babel”, uma metáfora acerca da Sociedade de informação, genial texto de Jorge Luis Borges, a “Teoria de Sistemas” de Ludwig von Bertalanffy, e a relação entre a “Sociologia de Marx e a Teoria da Seleção Natural”, de Darwin.

Tudo quanto torna fascinante o mundo dos livros e dos seus leitores, essa eterna tentativa de entender o que somos, e para onde vamos…

Mas essa já é uma outra história. Curioso, mesmo, é constatar o quanto anda esquecido McLuhan.

Honório de  Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 15/09/2013 - 10:51h

Do juiz enquanto intérprete da norma jurídica

Por Honório de Medeiros

Há cinco tipos de juízes-intérpretes da norma jurídica: o onisciente, o populista, o técnico, o cortesão, e o camaleão.

O onisciente se pretende intermediário entre uma verdade absoluta – o Justo, o Certo, o Bom, etc. – e os reles mortais, que a ela não têm acesso. Deles escutamos afirmações tais quais: a norma jurídica (a Constituição Federal) é o que nós dissermos que ela é.

O populista se pretende intermediário entre os anseios da Sociedade e os reles mortais. Deles escutamos afirmações tais quais: a norma jurídica (o Direito, a Constituição Federal) deve, concretamente, ser instrumento de transformação social.

O técnico se pretende intermediário entre o universo das normas jurídicas positivas e a realidade dos fatos, inatingíveis pelos reles mortais. É o rei da subsunção, da filigrana jurídica. Supõe que somente é possível o todo pelo conhecimento minucioso de cada parte; desconhece que o todo é algo além da soma de todas as partes. Deles escutamos afirmações tais quais: uma coisa é minha vontade, outra é a disposição da norma jurídica.

O cortesão anseia ser o intermediário entre a vontade da elite governante e os reles mortais. É o rei do sofisma, da omissão consciente, da deturpação, da manipulação dos fatos e normas jurídicas. Deles escutamos afirmações tais quais:  a interpretação da norma jurídica deve levar em consideração os princípios da Sociedade.

O camaleão não se pretende. Pretende. Busca, sempre, a zona de maior conforto. Adequa-se à circunstância. Cambiante, pode encarnar qualquer dos tipos acima, dependendo da necessidade. Deles escutamos afirmações tais quais: as circunstâncias exigem de nós, intérpretes da norma jurídica, que…

É claro que podem existir outros tipos.

Toda classificação é cavilosa. Não se esgota em si mesma. Sofre sempre nas mãos da realidade, que vive lhe destroçando sua arrogância. E, claro, existe o bom juiz…

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 25/08/2013 - 07:16h

Os médicos cubanos e os grotões

Por Honório de Medeiros

Consta que estão vindo por aí os tais médicos cubanos para trabalhar nos grotões. Segundo alguns, um bom número, aliás, viriam para fazer proselitismo político para o PT, nos mesmos moldes acontecido na Venezuela enquanto parte da estratégia de Chávez para se perpetuar no Poder.

O PT e o Governo negam, claro.

Só o tempo dirá quem tem razão.

Se o projeto do PT é, realmente, utilizar os médicos cubanos para fazer proselitismo político nos grotões, sejam esses rurais ou urbanos, sejam nas grandes ou pequenas cidades, eu, particularmente, não acredito que seja bem sucedido. Esses grotões, eu os conheço bem. Meus pais são de lá. Meu pai nascido em São João do Sabugi, minha mãe em Pau dos Ferros.

Alguns anos atrás coordenei uma campanha para Governador no Alto Oeste, a de Geraldo Melo, e duas para Prefeito de Pau dos Ferros. E perdi as contas das campanhas das quais participei em Natal, indo aos seus grotões, lidando com seus eleitores e líderes.

Pois bem, há dois obstáculos, e grandes, a serem destruídos ou contornados, para que esse projeto de proselitismo, se é que ele existe, possa ser bem sucedido. O primeiro é quanto à infraestrutura para o atendimento do povo que será consultado pelos cubanos.

Hoje não existem remédios, exames laboratoriais, seringas, gazes, algodão, fio cirúrgico, luvas, e fico por aqui que é até onde sei, nos grandes hospitais, quanto mais nos postos de saúde, pequenos hospitais, casas de saúde, maternidades, espalhados por esse Brasil afora e adentro. O cubano vai examinar, depois receitar ou encaminhar, ou os dois, e então? O que se segue?

Das duas uma: o paciente procura a liderança a quem é vinculado, seja vereador, seja líder comunitário, seja Prefeito, seja qual liderança seja, e há de se repetir o mesmo processo que acontece no Brasil desde os tempos coloniais, qual seja a liderança condicionar a liberação do pedido à votação em seus candidatos, ou o paciente busca resolver seu problema gastando do próprio bolso.

Nesta hipótese do paciente bancar suas despesas do próprio bolso duvido muito que ele vincule seu voto a qualquer liderança da qual não depende.

E o segundo obstáculo diz respeito a como a “política” é concretamente realizada no Brasil, hoje, em seus grotões. Em uma ponta está o eleitor fragilizado economicamente; na outra, aquele do qual depende para a solução dos seus problemas de saúde, que é a liderança local, base de uma estrutura que se estende até o topo, e que detém, em suas mãos, a possibilidade de lhe conseguir ambulância, caixão-de-defunto, remédio, internação, exames, cirurgias, e assim por diante.

Esse eleitor vota em quem sua liderança pedir, digamos assim, eufemisticamente. E essa liderança segue, visceralmente, o Prefeito, nas pequenas cidades, ou o Vereador/Deputado, nas grandes.

E os Prefeitos e Vereadores/Deputados não necessariamente acompanham o PT. Nem permitirão, em qualquer momento, que haja proselitismo político, em suas bases, contrário aos seus interesses político-partidários.

E lá vem a consequência: os tais cubanos serão monitorados dia-a-dia, hora-a-hora pelas lideranças que são a base do “edifício” político-partidário brasileiro nos grotões. Se não se adequarem, adeus!

Tudo vai dar errado para eles, literalmente tudo… É uma questão de sobrevivência.

Sei como acontece. Vi acontecer. Portanto…

No mais é somente dizer o que até as pedras sabem: o SUS é uma farsa. E onde é seu elo mais frágil? Nos grotões.

Se o SUS funcionasse como planejado, não haveria esse encurralamento do eleitor mais frágil. Ele não dependeria do seu “coronel”. É por essa razão que os municípios dos grotões não acabam, nunca, com a “ambulancioterapia”. É simples assim.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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domingo - 18/08/2013 - 07:41h

Falar mal dos políticos… essa conduta universal

Por Honório de Medeiros

Flanando pela Europa, mais precisamente no Leste Europeu, em abril deste, fiz uma anotação na minha agenda que tomo a liberdade de repassar para vocês:

“Todos os guias que contratamos nesta viagem, e foram quatro, falaram mal dos políticos de seus países. Será um fenômeno universal?

Às vezes tenho a sensação de que algo está para acontecer, ou seja, o desprezo, a impaciência, do povão vai se transformar em revolta – mesmo no Brasil, covarde, atoleimado – e muita desgraça acontecerá.

Nossa guia tcheca, quando lhe perguntei acerca do seu novo Presidente, respondeu: “vocês conhecem o modelo: é ignorante, demagogo e beberrão”.

Eu quis esboçar um protesto, mas deixei para lá em homenagem ao filho que ela teve com um nordestino.

A guia austríaca apontou-nos um belo prédio e comentou: “esta é a Casa do Absurdo, mais conhecida como Parlamento”.

O guia português, extremamente formal – usava o vós majestático de quando em vez – era mais sutil, mas desceu a peia verbal nos governos europeus, generalizando.

E a guia húngara, uma bela balzaquiana de pele de criança, loura, nariz afiladíssimo, olhos azuis, azuis, nos apontou a sede permanente do Circo Húngaro e nos apresentou a sua vertente irônica: “este é o segundo maior circo do País.”

“Qual é o primeiro”, perguntei. “O Parlamento”, respondeu.

Percebam que aqui as instituições funcionam, mesmo assim há essa irritação, esse desprezo, achaque constante em relação aos políticos. E esses sentimentos existem no Brasil, agravados pelo absoluto descompasso entre nossa elite dirigente, a se comportar como predador esfaimado ante o patrimônio público, e o resto do povo.

Desprezo, essa é a palavra chave. Irritação é o sentimento que está surgindo, lento, firme e constante.

Tomara que toda essa carga negativa não se transforme em ódio, mas é difícil acreditar que tanto descaso possa durar para sempre, mesmo em ditaduras…”

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 11/08/2013 - 08:45h

Quanto à transição da democracia para a tirania (ditadura)

Por Honório de Medeiros

Em “A Sociedade Aberta e Seus Inimigos” (v. 1; Itatiaia/Edusp; São Paulo; 1974), Sir Karl Popper expõe:

“A transição da democracia para a tirania, diz Platão, é mais facilmente produzida por um líder popular que saiba como explorar o antagonismo de classe entre ricos e pobres dentro do estado democrático e que consiga organizar um corpo de guarda ou um exército privado seu.”

E continua: “O povo, que o saudou a princípio como o campeão da liberdade, é logo escravizado; e a seguir deve lutar por ele, ‘em uma guerra após outra, que ele provocará (…) porque precisa fazer o povo sentir a necessidade de um general’.”

Remata, por fim:

– Com a tirania chega-se ao estado mais abjeto.

O texto em vermelho, traduzido e transcrito por Popper é de Platão, que viveu na época mais conturbada da história política de Atenas, e, inclusive, era ligado por laços familiares à aristocracia da cidade-estado.

Convido os leitores a substituir, no segundo parágrafo, os termos “guerra” e “general” por “guerra psicológica” e “líder”, estes mais adequados às circunstâncias atuais.

E assim surgem os conceitos, inclusive publicitários, de “guerra permanente” e “inimigo imaginário”.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Governo do RN

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domingo - 04/08/2013 - 11:00h

O que impressiona na crise do RN

Por Honório de Medeiros

O que impressiona, nessa crise no Estado do Rio Grande do Norte, é:

(1) o isolamento do Poder Executivo Estadual face aos outros poderes e à Sociedade;

(2) a incapacidade de previsão do Poder Executivo em relação à queda de arrecadação, claramente delineada anteriormente pela crise econômica mundial e nacional;

(3) a falta de critérios do Poder Executivo quando corta gratificações de servidores públicos, mas não corta secretarias desnecessárias e cargos em comissão irrelevantes;

(4) o deliberado alheamento dos outros poderes, incluindo Tribunal de Contas e Ministério Público, em perceber que o corte linear tem que atingi-los, pois sua necessidade é óbvia, contingencial e se impõe a todos, não somente ao Executivo, principalmente porque eles são co-responsáveis pelo quadro atual;

(5) a ausência de medidas por parte dos órgãos responsáveis no sentido de punir as ilegalidades cometidas pelas autoridades que permitiram a atual circunstância de natureza econômico-financeira;

(6) a impossibilidade, gritante, até agora, dos líderes do Estado, em perceberem que a situação afeta todos, indistintamente, embora de forma mais dura, à população mais humilde.

As elites políticas do Estado não perceberam, até agora, que o problema não é somente financeiro. É político, econômico e financeiro. O atraso no pagamento da folha de pessoal repercute diretamente em um contingente expressivo da população do Estado.

Se para cada servidor atribuirmos cinco outras pessoas que indiretamente sobrevivam de sua remuneração teremos, no Rio Grande do Norte, aproximadamente 700.000 em um total de um pouco mais de 3.000.000 de habitantes.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Estado do RN

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domingo - 16/06/2013 - 12:32h

O Ministério Público deve resistir a leis iníquas?

Por Honório de Medeiros

Consta que indagado pelo repórter Dinarte Assunção, do Novo Jornal (edição de 14 de junho de 2013), acerca do pagamento da remuneração indireta denominada “Auxílio-Moradia” ao Ministério Público potiguar, seu futuro Presidente e beneficiário respondeu que não podia analisar o assunto à luz de suas convicções pessoais:

“Não posso. Não posso fazer uma interpretação eu sozinho. Nenhum gestor pode estar fazendo juízo de valor só dele. (O entendimento) É pela responsabilidade que a gente tem com o órgão. Como gestor, devo estar atrelado à legislação. Eu tenho que ter como parâmetro a jurisprudência oficial. Não posso trazer meus valores. Não posso trazer meus valores pessoais.”

Como diria um grande amigo meu chegado ao português de antanho, quedei perplexo.

Então quer dizer que quando o promotor escolhe entre uma jurisprudência e outra, uma lei e outra, uma doutrina e outra, não o faz a partir de alguma convicção pessoal? Se assim o é, como o faz?

Ao dizer o que disse, o promotor quer que nós creiamos que não é a pessoa dele quem toma essas decisões enquanto Presidente de uma instituição. A pessoa dele fica em casa, um cidadão como outro qualquer, com suas convicções pessoais, enquanto quando vestido com as insígnias do cargo está um órgão a quem é dado a condição de encontrar a Verdade-Em-Si-Mesma contida nas normas jurídicas e nas jurisprudências, normas jurídicas e jurisprudências essas concebidas por outros órgãos semelhantes a ele, capazes de perceber algo que somente tais órgãos veem, uma extraordinária manifestação de inteligência diferenciada, e que o vulgo não consegue.

Menos a verdade, caro promotor. Desde Kant, pelo menos, que a coisa não é assim.

Fuja dessa maldita armadilha platônica de acreditar que há verdades morais fora de nós. Não há fundamento nessa retórica dicotomia entre homem x órgão. Não há como deixar o cidadão em casa.

Em qualquer decisão que o órgão, o promotor tome, o cidadão, por menos que se queira, estará presente. Essa argumentação desenvolvida por aquele a quem a Constituição Federal atribuiu o papel de defensor da Sociedade é recorrente entre os burocratas que querem se furtar ao pesado ônus de decidir se algo é justo ou não, legítimo ou não, quando analisam a norma jurídica e o resultado da análise incomoda porque incomoda o cidadão que é a essência do burocrata.

Incomodado, o burocrata se esconde por trás do discurso técnico, aparentemente neutro, escondendo o cidadão.

Trata-se de uma transferência de responsabilidade, de um escudo retórico: não faço porque queira; faço porque assim determina a lei.

Ora, na lei, na Constituição Federal, principalmente nos princípios, há possibilidades de interpretação que viabilizem qualquer juízo de valor. Tais princípios são extremamente difusos, confusos mesmo, sem consistência pragmática, aptos a suportar qualquer veleidade comportamental humana.

É o caso, por exemplo, do Princípio da Moralidade.

Portanto é muito frágil essa linha de raciocínio usada pelo futuro Presidente do Ministério Público Estadual.

Quanto ao mais, para evitar-se uma solução radical que possa prejudicar a imagem do órgão, haja vista a natureza impositiva da lei que obriga o recebimento do auxílio-moradia, mas pode ferir as convicções pessoais dos cidadãos que são promotores, sugiro uma solução salomônica: os promotores obedecem à decisão da lei, instituem o pagamento, mas doam essa diferença remuneratória iníqua às instituições de caridade.

Assim estaria resolvido o impasse moral e os promotores poderiam, sem hesitar, trazerem suas convicções pessoais de casa e leva-las até o Ministério Público.

Por fim, em homenagem a todos que lutaram contra leis iníquas, recusando-se a cumpri-las, lembro aqui os jovens americanos que resistiram à convocação para lutar no Vietnã, mesmo sabendo que seriam presos por tal. E lembro, também, todos os promotores, juízes, policiais, servidores públicos, enfim, que, em algum momento de sua vida, ousaram resistir a alguma lei iníqua.

Resista promotor!

Assuma suas convicções pessoais!

Ah! Uma última questão para quem ler esse artigo: uma lei é iníqua quando você necessita de arroubos retóricos, contorcionismos verbais, excessiva e empolada linguagem técnica para justificar sua existência.

Recomendo a todos quanto quiserem aquilatar a iniquidade desse auxílio-moradia lerem o texto “ENGENHARIA JURÍDICA”, do jornalista Aluísio Lacerda (AQUI).

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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domingo - 02/06/2013 - 10:13h

Lira Neto diz como entender Getúlio Vargas

Por Honório de Medeiros

Como entender o camaleônico Getúlio Vargas?

Getúlio no traço de Nassara

No volume 1 do excepcional “GETÚLIO” (1882-1930), de Lira Neto, parece estar a resposta.

Borges de Medeiros, que andara às rusgas em relação aos Vargas, voltara a cortejá-los. São os idos de 1913-1915.

Faz o convite a Getúlio para ocupar o importantíssimo, na época, cargo que ele mesmo ocupara, de Chefe da Polícia Estadual. Getúlio analisa e recusa o convite.

“Mesmo rejeitando o convite”, conta-nos Lira Neto, (Getúlio) “tomou os cuidados necessários para que seu gesto não fosse interpretado por Borges de Medeiros como um acinte.”

Instado, pelos amigos, a se explicar, Getúlio Vargas o fez:

“Na luta, vencer é adaptar-se, isto é, condicionando-se ao meio, apreender as forças dominantes, para dominá-lo”, esclareceria ao amigo Telmo Monteiro.”

“Para Getúlio”, prossegue Lira Neto, “aquela frase, de clara inspiração darwinista, passara a funcionar como uma espécie de mantra. Faria questão de repassá-la aos filhos, como uma fórmula explicativa da vida e do mundo.”

Vencer não é esmagar ou abater pela força todos os obstáculos que encontramos – vencer é adaptar-se, repetiria certo dia Getúlio ao filho mais velho, Lutero. Como o garoto ficasse em dúvida a respeito do verdadeiro significado da sentença, o pai detalharia: Adaptar-se não é o conformismo, o servilismo ou a humilhação; adaptar-se quer dizer tomar a coloração do ambiente para melhor lutar.”

Essa informação, essencial para entender Getúlio Vargas, Lira Neto colheu em seu “DIÁRIOS” (2 volumes; São Paulo: Siciliano; Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas; 1995), e soube compreender sua importância.

Quanto à importância, muito embora essa informação, por si somente, a assegure, convém observar que dada sua relação com o pensamento de Lamarck, não propriamente com o de Darwin, pode ensejar rios de tinta enquanto dissertações de mestrado e/ou teses de doutoramento.

Principalmente se a cotejarmos com as consequências epifenomênicas teórico políticas da existência de uma lei da evolução, qual seja o pensamento de Maquiavel ou de Gaetano Mosca, ou se cotejarmos com a vida de notórios manipuladores e sobreviventes de sua própria época política, por exemplo Talleyrand ou Fouché.

O certo é que Lira Neto, de forma brilhante, apreendeu a medula do aparentemente proteiforme Getúlio Vargas e a expôs no primeiro volume de sua biografia, uma obra já seminal. Nesse pequeno trecho lemos, oculto por uma vida intensa, complexa, onipresente ainda hoje, como pensava e agia o mais importante político brasileiro do século XX.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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Categoria(s): Artigo
domingo - 26/05/2013 - 08:07h

Cascudo sempre!

Por Honório de Medeiros

Mais uma vez releio “Na Ronda do Tempo”, do mestre Cascudo. E mais uma vez me deixo encantar, fico seduzido pelo seu talento de escritor.

Gosto de ler esses seus livros memorialísticos, tal qual “Ontem” e “Pequeno Manual do Doente Aprendiz”, assim como suas crônicas e perfis, lentamente, saboreando as palavras, a construção das frases, o bordado do texto que se delineia ante nossos olhos para o deleite da razão e nos vai conduzindo com suavidade até seu desfecho, quando, ávidos, passamos adiante em busca da continuidade desse momento ímpar que somente é conhecido por quem se entregou, desde há muito, de corpo e alma, ao prazer da leitura.

Cascudo é inquestionável quanto ao conjunto da obra. Denso, complexo, eterno, se tivesse nascido na Europa ou nos Estados Unidos seria cultuado.

Neste “Brasil” que segundo suas próprias palavras em “Na Ronda do Tempo”, “regiamente recompensa aqueles que não servem e se servem dele, condescendendo em ser vaca de leite para malandros escorregadios, atingindo todas as alturas, rastejando e babando”, seu merecimento, o respeito que se tem por sua produção, é episódico e fragmentado.

Resiste bravamente pelo denodo de alguns enquanto ele, Cascudo, o pensador, o polímata, em sua própria Região, o Nordeste, se transformou em personagem folclórico. “Vá ler em Cascudo, ignorante”, dizem.

Ironia do destino… Já em 1969, no “Ronda do Tempo”, fino observador do que se lhe passa em seu entorno, e à Montaigne, um dos seus prazeres literários sempre renovados, observa:

“Para mim, compra-se infinitamente maior quantidade de livros, mas a leitura é muito inferior e rara.”

E continua, cáustico:

“Desapareceram aqueles embaixadores da Cultura Axilar, na classificação de Agripino Grieco, passeando com o volume debaixo do braço. Deduzo esse resultado no contato de amigos e audição de palestras intelectuais sobre autores. Dá-me a impressão de viagem aérea. Não há pormenor, figuras, episódios, boiando na memória. Há visão de conjunto, síntese, resumos impressionistas, marchas, flashes. A opinião virou parecer técnico. A maior massa adquiriu para ter o volume que a voga apregoou e é um decesso ignorá-lo, como a um recanto pitoresco ou Night Club consagrado pelos cronistas da Vanity Fair. As alusões e conclusões ao autor são sempre vagas e genéricas. E essa minoria que lê pertence aos concorrentes reais ou em potencial. Já não existe aquela memória fiel às preferências literárias, recitando trechos e lembrando frases felizes. O restante olha sem ver. Muito Best-seller dormindo nas cestas dos “saldos”.”

Impressionante.

O olhar do sábio reconstrói, no presente, com a messe do passado, aquilo que será o futuro. A simplicidade com a qual escreve é algo invejável, quiçá inatingível.

Com uma frase expõe um espaço significativo da realidade. E o faz rendendo homenagens, sempre, à beleza do estilo, como nessa frase, colhida do seu livro já citado, por meio da qual critica a excessiva produção líterária daquele tempo (imaginemos o que diria hoje!):

“Passeio furtivo pelas livrarias. Montanhas de livros. Dá-me o remorso de ser cúmplice.”

O quê mais poderia ambicionar um leitor contumaz ao ler um livro, a não ser se deparar com uma frase como essa?

Cascudo sempre!

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Governo do RN.

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Categoria(s): Crônica
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