domingo - 17/07/2022 - 11:36h

Villaça, o estilista

Antônio Carlos Villaça, escritor, autor do Nariz de Cera, falecido em 2005 (Foto: arquivo)

Antônio Carlos Villaça, autor do livro “O nariz do morto”, falecido em 2005 (Foto: arquivo)

Por Honório de Medeiros

No cinza das horas, releio O Livro dos Fragmentos, de Antônio Carlos Villaça, soberbo estilista. Quem não lembraria de Novalis e Nietzche, ao lê-lo?

Foi muito amigo de Franklin Jorge, outro estilista, autor de O Spleen de Natal, um livro requintado, prêmio Câmara Cascudo por unanimidade, e de Gerardo Dantas Barreto, o filósofo, dono de uma “passionalidade desgrenhada”, ambos norte-rio-grandenses, e de Gilberto Amado, Augusto Frederico Schmidt, Carlos Lacerda, não o político, o homem, e tantos outros, naqueles anos que começaram com Getúlio Vargas e se encerraram com a agonia do Movimento de 64.

Villaça ficou famoso com O Nariz do Morto, de 1970, obra de um niilismo trágico, tão elogiado. Lembra, lá para as tantas, que Gilberto Amado caracterizava Vargas muito bem: “Getúlio ou a arte de enganar. Enganava não apenas os bobos, o que é fácil e todos fazem. Enganava os sabidos.”

E também lembra, nesse livro, Raul Fernandes, não o potiguar, mas, sim, o político e diplomata carioca, que lhe dizia sempre: “a ênfase é uma improbidade intelectual”.

Em O Livro dos Fragmentos aponta o estranho fenômeno da desaparição de alguns escritores. Cita Osvaldo Alves, Carlos David, Lia Corrêa Dutra, a quem Drummond e Gilberto Amado admiravam e que sumiu da literatura.

Villaça especula: “Era uma forma de ceticismo ou de cansaço”. Recorda Maria Teresa Abreu Coutinho, “brilhantíssima. Casou-se com um operário italiano e foi morar no subúrbio. Nunca a reencontrei.”

Nada mais Enrique Vila-Matas e seu Bartleby e Companhia, no qual rastreia “a pulsão negativa ou a pulsão pelo nada que faz com que certos criadores, mesmo tendo consciência literária muito exigente (ou talvez precisamente por isso), nunca cheguem a escrever, ou então escrevem um ou dois livros, e depois renunciam à escrita”.

As obras desses escritores que ele cita ocupam, penso eu, algum escaninho empoeirado do Cemitério dos Livros Esquecidos que Carlos Ruiz Zafón localiza na misteriosa Barcelona, em um beco ao qual me conduziu uma bela guia mineira que, ante o meu espanto com o que me deparei, pôs-se a rir, divertida.

O Cemitério não se deixava perceber assim tão fácil…

Antônio Carlos Villaça, bem como Gerardo Mello Mourão, reconheceu que o Brasil é barroco, uma eterna tensão entre o corpo e a alma.

Vivesse hoje, que diria ele? Termina O livro dos Fragmentos citando Machado, Iaiá Garcia: “Alguma coisa escapa ao naufrágio das ilusões”.

Estaria se referindo ao que escrevera?

Tomara.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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domingo - 03/07/2022 - 12:38h

A semente do mal, uma alegoria

árvores, folhas secas3,3 Mas do fruto da aárvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis, para que não morrais.

3,5 Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos aolhos, e sereis como Deus, bconhecendo o bem e o mal.

Por Honório de Medeiros

No preciso momento no qual o Homem mordeu o fruto da proibido, a semente do mal tombou na terra fértil, e começou a germinar.

A semente cresceu vertiginosamente. Hoje, é uma floresta.

Houve um momento, há muito tempo, no qual Alguém veio e alertou o Homem.

O Homem não lhe deu ouvidos, assim como, no início de Tudo, também não o fizera quando fora alertado acerca do perigo de morder o fruto proibido.

Duas vezes o Homem desprezou o que lhe disseram. Haverá uma terceira oportunidade?

As folhas, os ramos, os galhos, as árvores, ou seja, os filhos da semente do mal estão em toda parte: no coração do Homem, no seio das Famílias, entre as Nações…

Desde há muito o Homem tenta entender as razões de sua presença, mas, desde a madrugada dos tempos, por mais que estude, nada conseguiu.

Sequer arranhou a superfície do Mal, pois não percebeu e aceitou que o fundamental, o primordial, o essencial, repousa naquela semente primitiva, da qual tudo é causa e consequência.

Não percebeu o Mal, como de fato ele é, pois muitas são suas faces.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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domingo - 19/06/2022 - 11:36h

Do que você deve desconfiar quanto ao Direito

Por Honório de Medeiros

1) O Direito não é uma ciência.

Somente crê que o Direito é uma ciência quem não conhece filosofia da ciência ou defende sua cientificidade com propósitos indignos.Gato preto de olhos azuis

O corolário desse postulado é que cai por terra, assim, o uso do “argumento da autoridade” na defesa de interpretações cabotinas.

2) O Direito não tem qualquer relação com o Justo.

Como não se sabe o que é o Justo, ou a Justiça, não se pode afirmar, em qualquer circunstância, que o ordenamento jurídico seja um instrumento para a obtenção da justiça.

3) O ordenamento jurídico é um instrumento do Estado, não da Sociedade.

Tanto o é que pode se voltar contra a Sociedade. Quando a Sociedade dobra o Estado, como nas revoluções, cai o ordenamento jurídico.

4) O ordenamento jurídico é um instrumento de opressão.

Em todos os tempos e lugares o ordenamento jurídico é um instrumento de opressão do Estado sobre a Sociedade, entretanto vale o dito: ruim com ele, pior sem ele, havendo democracia.

5) O ordenamento jurídico reflete a estrutura de poder das elites dominantes, a correlação de forças políticas existentes em um determinado momento histórico.

Muito embora decisões esporádicas que contrariem o sistema político dominante possam surgir, elas dizem respeito a espasmos isolados que não comprometem sua lógica interna e externa de manifestação dos interesses das elites políticas dominantes.

6) A norma jurídica constitucional, ou os princípios constitucionais, por ser abstrata e difusa, quando da sua interpretação, refletirá ainda mais claramente a correlação de forças políticas existente em sua circunstância específica.

7) Não há qualquer parâmetro científico que possa nortear uma interpretação de normas ou princípios jurídicos. Os parâmetros existentes são puramente retóricos.

8) Os juízes, promotores, advogados, policias, enfim, os serventuários da Justiça são servidores do Estado, não da Sociedade e consolidam, ao agirem, enquanto correia de transmissão, sistemicamente, a repressão estatal.

9) Muito embora o Estado emerja da Sociedade, pode se voltar contra o ambiente social – e o faz – no qual foi concebido.

10) O ensino do direito positivo, com raras e honrosas exceções, ensina o manejo da norma jurídica, sem permitir o desenvolvimento das condições críticas necessárias para domina-lo, quanto aos seus fundamentos e finalidades, assegurando assim, a manutenção e reprodução do status quo.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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domingo - 22/05/2022 - 09:30h

A noite, os mosquitos e a lua

Por Honório de Medeiros

Foto de Honório de Medeiros, paisagem nordestina,Fui visitar Seu Antônio de Luzia, lá no Feijão, Sítio “Canto”, Serra da Conceição, rumo quebrado para a Serra do Camará.

João, seu filho, João de Antônio de Luzia, a quem eu encontrei, antes, na Pedra do Mercado, me preveniu: “tá falando muito pouco e escutando demais.”

“Por quê?”

“Sei não. Eu pergunto o que é e ele, sentado naquela cadeira de balanço, estira a mão para cima e sacode os dedos como se estivesse espantando mosca.”

Seu Antônio estava lá no mesmo lugarzinho de sempre, cadeira de balanço, na calçadinha de sua casa de tijolos crus, olhando o tempo, cumprimentando os passantes com um balançar de cabeça para cima e para baixo.

“Boa tarde, Seu Antônio, como vão as cousas?”.

“Boa tarde!”.

Mandou, com um gesto, que eu tomasse assento na outra cadeira de balanço.

Então eu me danei a falar e ele só olhando, escutando e calando.

Lá para as tantas, me fiz de atrevido e perguntei: “o Senhor perdeu o gosto de falar?”

Ele ficou calado um tempão, pigarreou e disse: “tem muita gente sabendo de tudo, falando muito; eu, quanto mais vivo, menos sei das coisas.”

Parou, pigarreou de novo, tomou um gole de café, cuspiu no chão de barro, e rematou: “O pouco que sei é o que eu faço com as mãos: cortar um capim, debulhar um feijão, pegar um balde d’água no poço…”.

Mais não disse. Mais não perguntei.

Ficamos os dois, cismarentos, enquanto a tarde ia e a noite chegava.

A noite e os mosquitos. A noite, os mosquitos e a lua, que já se atrevia.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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domingo - 24/04/2022 - 09:38h

Seu Antônio de Luzia e os tempos de ontem e de hoje

Por Honório de Medeiros

Seu Antônio de Luzia continua firme e forte no Sítio Canto, Serra da Conceição, como teima chamar sua Martins, onde nasceu, lá pelos idos de trinta para quarenta, ninguém sabe ao certo, e ele muda de assunto quando se toca no tema.Café coado - crônica de Honório de Medeiros

Fui vê-lo, era essa a intenção, quando resolvi passar uma semana no Sertão profundo, em busca do café coado na hora, adoçado com alfenim, o cheiro do orvalho nas caminhadas pelas madrugadas afora, ouvindo o canto dos sabiás, e a conversa boa de pé de calçada nos finais da tarde, onde todos os problemas são resolvidos, muito embora não saibam disso os homens que mandam neste mundo velho de Deus, Nosso Senhor, e meu Padrinho Padre Cícero do Juazeiro, primeiro e único.

Encontrei, para começo de assunto, uma cizânia danada quando tomei assento após cumprimentar o patriarca e engolir o primeiro gole de café depois de uma mordida em um pedaço de alfenim. Pediram logo minha opinião, esperando meu comprometimento com um lado ou com o outro.

Eu pulei fora quando disse que para onde seu Antônio encaminhasse a bengala, eu seguiria seus passos. O velho patriarca deu um sorriso de esguelha, mais rápido que imediatamente.

A discussão era acerca dos tempos de hoje e os de outrora. Uns diziam que antes tudo era melhor, outros negavam e defendiam a “modernidade”.

Como sempre, Seu Antônio escutava tudo calado, enquanto os contendores esbravejavam, mas eu sabia que, no final, ele daria sua opinião. Fiquei aguardando, enquanto o sol descambava lentamente no rumo da ribeira do Encanto, deixando a Lagoa dos Ingás saudosa, e na escuridão.

Lá para as tantas, quando os mosquitos começaram a aperrear, ele pigarreou e disse: “vivemos uma era em que o pouco que vale muito, vale pouco na frente do muito que não vale nada”. Depois, se levantou e tomou rumo.

O silêncio caiu na calçada tal qual jaca madura encontrando o chão. Seu Antônio foi para a cozinha, onde nos aguardava uma coalhada adoçada com raspa de rapadura, enquanto a roda de conversa de desfazia, e a cambada de conversadores caía no mundo, matutando acerca do dito.

Pelo meu lado, não tive dúvida, segui a bengala de Seu Antônio, pensando mesmo na coalhada e dizendo para João, seu filho, que resmungava ao meu lado reclamando que cada dia que passava ficava mais difícil entender o “velho”.

“Ora, ora, João, vamos à coalhada: estamos aqui para isso, para isso, estamos aqui”. Puxei o tamborete e acomodei as costelas, água na boca.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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domingo - 17/04/2022 - 12:30h

Borges e Dumas, passando por Carlyle

Por Honório de Medeiros

Em Ficções, Borges pondera:carta

“Desvario laborioso e empobrecedor o de compor vastos livros; o de explanar em quinhentas páginas uma ideia cuja exposição oral cabe em poucos minutos. Melhor procedimento é simular que estes livros já existem e apresentar um resumo, um comentário. Assim procedeu Carlyle em “Sartor Resatus” (…) Mais razoável, inepto, ocioso, preferi a escrita de notas sobre livros imaginários.” 

Borges cita Carlyle, de quem, possivelmente absorveu a técnica.

Entretanto Dumas pai, que foi contemporâneo do célebre ensaísta inglês, também a utilizou.

Em Os Quarenta e Cinco, lá para as tantas, ao relatar uma correspondência imaginária enviada por Chicot a Henrique III, e comentar a excentricidade do seu estilo, convida: “Quem quiser ter conhecimento dela encontra-la-á nas Memórias de l’Étoile”.

Ou, quem sabe, terão existido mesmo essas Memórias de l’Étoile e elas ocupam algum escaninho empoeirado do “Cemitério dos Livros Esquecidos” que Carlos Ruiz Zafón localizou em Barcelona, na saborosa e definitiva  tetralogia iniciada com A Sombra do Vento?

Só o vento sabe a resposta…

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Governo do RN.

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domingo - 27/03/2022 - 10:22h

Essência imutável, forma evanescente

Por Honório de Medeiros

Não há nada de novo sob o sol. Seguimos aparentemente em frente para destino ignorado, permanecendo os mesmos de tanto tempo atrás, enquanto as formas, os instrumentos, e os meios que são criação nossa, mas dos quais somos reféns para lidarmos conosco, os fenômenos e as coisas, tornam-se cada vez mais complexos e fugazes, em uma espiral, um “vir-a-ser”, como diria Nietzche, de proporções incalculáveis.sol no sertão

Essência imutável, forma evanescente.

Leio em Os Crimes de Paris, de Dorothy e Thomas Hoobler, acerca de Vidocq, um personagem maior que sua vida. “Depois de cometer vários crimes na juventude, trocou de lado e se aliou à polícia. Foi o primeiro chefe da Sureté, o equivalente francês do FBI, e modelo para vários personagens da literatura”, dizem-me eles.

Fascínio antigo esse meu por Vidocq. Camaleônico, sofisticado, indecifrável, também foi o criador da primeira agência de detetives do mundo, o “Bureau de Reinseignements”, ou Agência de Inteligência. Que outro, além de um francês, criaria uma agência de detetives com esse nome?

Vidocq inspirou Maurice Leblanc na criação do célebre “Arsène Lupin, O Ladrão de Casaca”, que eu lia, fascinado, na adolescência, graças à bondade de um colega de ginásio, na Mossoró, minha Macondo particular, que não existe mais, pelo menos neste plano.

Inspirou, também, além de muitos outros, tais como Alexandre Dumas, Victor Hugo e Eugène Sue, o ainda mais célebre personagem de Balzac, Vautrin, presente em vários livros da Comédie Humaine.

Vautrin, o mesmo que em certo momento, lá para as tantas, explica o mundo:

“- E que lodaçal! – replicou Vautrin. – Os que se enlameiam em carruagens são honestos, os que se enlameiam a pé são gatunos. Tenha a infelicidade de surrupiar alguma coisa e você ficará exposto no Palácio da Justiça como uma curiosidade. Furte um milhão e será apontado nos salões como um modelo de virtude. Vocês pagam 30 milhões à polícia e à justiça para manter essa moral… Bonito, não é?”

Assim falava minha mãe: “vão-se os anéis, permanecem os dedos…”

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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domingo - 20/03/2022 - 11:36h

Aprender a aprender

Por Honório de Medeiros

1) APRENDEMOS quando nos defrontamos com um problema, qualquer que seja ele.

Como observa Karl Raimund Popper, “cada problema surge da descoberta de que algo não está em ordem com nosso suposto conhecimento; ou examinado logicamente, da descoberta de uma contradição interna entre nosso suposto conhecimento e os fatos; ou, declarado talvez mais corretamente, da descoberta de uma contradição aparente entre nosso suposto conhecimento e os supostos fatos.”Conhecimento, saber, aprender, aprendizado

  1. a) Esse problema pode ser inesperado, e não por outra razão a sabedoria popular diz: “a necessidade é a mãe da invenção”;
  2. b) ou esse problema pode ser provocado:

b.1) quando problematizamos as coisas e/ou os fenômenos pois, tal qual nos disse Gaston Bachelard, “O conhecimento é sempre a reforma de uma ilusão”;

b.1.1) sempre por intermédio da contra-argumentação, utilizando o contraexemplo, para testar nossas teorias que tentam solucionar o problema.

2) QUALQUER problema é, antes de tudo, algo puramente racional, uma questão intelectual, mesmo quando surge no âmbito de um trabalho puramente mecânico.

  1. a) Se constatamos a existência de um problema, é porque temos um conhecimento anterior a ele, que nos permite essa constatação.

3) Para tentar uma solução que resolva o problema, elaboramos teorias que são soluções provisórias a serem testadas.

  1. a) Os testes, ou o teste, dirão se erramos ou acertamos;
  2. b) Até mesmo o erro nos ensina, posto que não precisamos mais trilhar o mesmo caminho já tentado, e aprendemos o que não é certo para a solução do problema.

4) SE o conhecimento é retificável, ou seja, pode ser modificado, é evolutivo, no sentido de que caminha sempre do mais simples para o mais complexo.

5) O conhecimento pode, então, ser compreendido como um “vir-a-ser” de complexidade cada vez maior.

6) A recusa em problematizar tudo quanto percebemos como um problema, conduz a neuroses. Aqui se compreenda essa recusa como uma fuga do problema com o qual alguém se defrontou.

7) O como dizemos algo a nós mesmos, ou aos outros, acerca do que aprendemos é papel da Retórica: podemos tentar convencer ou seduzir tanto ao outro como a nós mesmos.

8) NÃO é possível comparar INFORMAÇÃO com CONHECIMENTO: quando conheço, estou informado, mas, nem sempre, quando estou informado, conheço. Posso estar informado de algo sem compreendê-lo.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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domingo - 20/02/2022 - 10:42h

A verdade cambaleia

Por Honório de Medeiros

Michiko Kakutani, prêmio Pulitzer de 1998, crítica literária do The New York Times por mais de quarenta anos, em A Morte da Verdade (Notas Sobre a Mentira na Era Trump), conta que Steve Bannon, estrategista e conselheiro do ex-Presidente, certa vez descreveu a si mesmo como um “leninista”.

O mesmo Bannon, ainda segundo Kakutani, teria dito o seguinte: “Lênin queria destruir o Estado, e esse também é o meu objetivo. Quero acabar com tudo e destruir todo o establishment de hoje em dia.”verdade-mentira-1024x373

Lênin deve estar gargalhando em alguma das grelhas do inferno, apesar das dores. Ele é o patrono dessa maré de pós-verdade que se tornou praticamente hegemônica nos dias atuais, calcada no uso da retórica violenta, incendiária, em promessas simplórias e desconstrução da verdade, tudo potencializado pela internet.

O fundador da URSS explicou, certa vez, que sua retórica era calculada para provocar o ódio, a aversão e o desprezo, não para convencer, mas para desmobilizar o adversário, não para corrigir o erro do inimigo, mas para destruí-lo.

Quem quiser ler um pouco mais, está em Report to the Fifth Congresso of the R.S.D.L.P. on the St. Petersburg Split of the Party Tribunal Ensuing Therefrom.

É bom lembrar que Pilatos inquiriu Jesus, em uma das mais célebres passagens da Bíblia: “Então, tu és rei?”, ao que Ele lhe respondeu: “Tu dizes acertadamente que sou rei. Por esta causa, Eu nasci e para isto vim ao mundo: para testemunhar a verdade. Todos os que pertencem à verdade ouvem a minha voz.”

Pilatos, então, questionou: Quid est veritas? (“Que é a verdade”? João 18,38). E assim que disse isso, saiu de novo para onde estavam reunidos os judeus, e lhes disse: “Não encontrei qualquer falta nesse homem”.

Pilatos lhe fizera uma pergunta de natureza ontológica. Provavelmente era um cético, até mesmo um niilista quanto à moral, e somente acreditava no Poder pelo Poder, e como não escutou resposta, o silêncio de Jesus perturba os filósofos através do tempo.

De qualquer forma já somos todos perdedores. Em um mundo onde o princípio basilar da razão, qual seja o da Verdade Objetiva, não a de cada um, mas aquela que existe independente da vontade de quem quer que seja, desmorona lentamente, confrontada pelo relativismo das narrativas subjetivas, somente a luta, até mesmo física, nele encontra guarida.

Esquecemo-nos que onde tudo pode ser, nada é; onde nada é, tudo pode ser.

Se fôssemos minimamente sensatos, aproveitaríamos o que nos aproxima e deixaríamos de lado o que nos afasta. Esta é o ponto-de-partida para evitar o caos, a fragmentação, a insanidade.

Assim, mesmo descrente de tudo quanto estamos construindo, ainda cabe acreditarmos que é necessário sermos muito cautelosos com o que vemos, ouvimos, lemos, até mesmo tateamos.

As armas da manipulação estão cada vez mais sofisticadas. E não pode, não deve existir dúvida: o Poder somente se toma ou se mantém à custa da sedução, manipulação ou força. Dificilmente via convencimento.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e Governo do RN

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domingo - 13/02/2022 - 10:22h

De longe chegava a voz de Altemar Dutra cantando…

Janela, olhando da janela, janela de edifício, apartamento, iluminação externa, condomínio, cerca de proteção em janelaPor Honório de Medeiros

De longe chegava a voz de Altemar Dutra cantando “Tudo de Mim”, de Evaldo Gouveia e Jair Amorim. Quem estaria escutando essa música, no último dia do ano, quando já era noite fechada e faltava pouco para os fogos subirem aos céus?

Enquanto desfrutávamos da nossa solidão a dois, preparávamos, a quatro mãos, nossa ceia. Eu e ela. Os meninos, ainda os chamamos assim, já tinham partido, para muito longe. Ficamos nós, aqueles cujas raízes são fundas demais para serem arrancadas.

Eles se foram, são o futuro, e, nós, cada dia mais, o passado.

Ela nota minha melancolia. Disfarço. Brinco. Não resolve. Não consigo mais engana-la. São muito anos de cumplicidade. Falo-lhe de Altemar Dutra, de quando o conheci ainda praticamente adolescente, uma noite, no “Casarão”, e emendo com uma confissão, dizendo-lhe que minha tristeza não vem da batida do passado na porta do meu coração.

Não é isso, digo-lhe. É a tristeza de quem sente que algo precioso está se perdendo, e não voltará. Estou, agora, falando acerca da maravilhosa letra da música que Altemar Dutra canta e que ouvimos vinda de longe, de alguma das casas que cercam nosso prédio, elas mesmas, as casas, antigas, desaparecendo para cederem seus lugares a prédios modernos, repletos de vidros e ausentes de história.

Essas músicas sobrevivem como espasmos e me quedo surpreso quando as escuto em algum lugar, por insistirem em abrir espaço, vindas do passado, em um futuro tão diferente. Como quando escutei uma melodia de Chiquinha Gonzaga, em um celular portado por uma adolescente no shopping onde almoçávamos.

Altemar Dutra segue desaparecendo lentamente da nossa memória, e fatos como esse sempre me lembram amigos que se foram, ao longo do tempo, de nossas vidas. Amigos que se afastam, aqueles velhos amigos, com eles desaparecem “a testemunha e o comentarista de milhares de lembranças compartilhadas, fiapos de reminiscências comuns que se desvaneceriam“(*). “All those moments will be lost in time, like tears in rain“(Todos esses momentos serão perdidos no tempo, como lágrimas na chuva**).

Assim, concluo, enquanto ela põe a mesa, morre aquilo que o homem constrói, apaga-se, desaparece na neblina do tempo, pois o futuro e seu filho dileto, o esquecimento, algoz de todas essas lembranças, não se compadece do quanto já foi construído em todos os lugares e tempos. É preciso que chegue o novo, que se vá o passado.

Eu me calo. Muito antes, já se calara Altemar Dutra. Decerto, quem o escutava, já se aproximando do inverno da vida, resolveu dormir. Mal sabe ele que lhe fiz um brinde, com um copo de água, quando vinha a madrugada.

Para ele, Altemar Dutra, Evaldo Gouveia e Jair Amorim.

* Hereges, Leonardo Padura.
** O replicante Roy Batty, em “Blade Runner“.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN.

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domingo - 21/11/2021 - 12:44h

O que nos reserva cada caminho que não percorremos?

caminhos, dúvidas, veredas, encruzilhada, opções, dúvidasPor Honório de Medeiros

Cada um de nós, no presente, é refém das escolhas que fez no passado.

Bifurcações, encruzilhadas, caminhos com possibilidade única de retornar ou seguir em frente, veredas, qualquer opção tomada nos encaminhou a um futuro escolhido e desfez, naquele preciso instante, para sempre, a possibilidade de vivermos o que foi abandonado.

Muito embora às vezes pudéssemos ter uma pálida ideia do que viria quando a opção foi feita, são tantos os desdobramentos seguintes que qualquer certeza logo se desfaz, tal sua evanescência.

Angustia-nos saber que a opção foi um ponto-sem-volta, que nunca saberemos, concretamente, o que aconteceria se, no passado, tivéssemos seguido de forma diferente.

Aquela rua que não foi transposta, a esquina que não foi dobrada, o adeus que foi ou não dado, o não ou o sim que dissemos, há tanto tempo, o que nos reservava cada caminho que não percorremos?

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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quinta-feira - 18/11/2021 - 05:02h
IHGRN

Mais antiga entidade cultural do RN elege sua primeira presidente

Joventina: posse em março (Foto: reprodução BCS)

Joventina: posse em março (Foto: reprodução BCS)

A comissão eleitoral do Instituto Histórico e Geográfico do RN (IHGRN), presidida por André Felipe Pignataro Furtado de Mendonça e Menezes e formada também pelos membros Carlos Roberto de Miranda Gomes e Antônio Alberto Cortez, apresentou nessa quarta-feira (17) o resultado das eleições realizadas na última sexta-feira, dia 12 de novembro. Foi eleita a nova diretoria da entidade, para o triênio 2022-2025.

A posse está prevista, como de hábito, para a data do aniversário da instituição, em 29 de março de 2022.

A chapa, intitulada “Renovação”, é encabeçada pela advogada Joventina Simões, primeira mulher eleita para presidir o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. A chapa é formada pelos seguintes integrantes:

Diretoria

Presidente: Joventina Simões Oliveira

Vice-Presidente: Ormuz Barbalho Simonetti

Secretário-Geral: Renan Segundo de Pinheiro Pereira

Secretário-Adjunto: Francisco Alves Galvão Neto

Diretora Financeiro: Maria Elza Bezerra Cirne

Diretor Financeiro-Adjunto: Augusto Coelho Leal

Orador: Francisco Honório de Medeiros Filho

Diretor da Biblioteca, Arquivo e Museu: Pedro Simões Neto Segundo

Diretor da Biblioteca, Arquivo e Museu-Adjunta: Bernadete Batista de Oliveira

Diretor de Estudos Genealógicos: Sérgio Luiz Bezerra Trindade

Conselho Fiscal

Membro Titular: Francisco José Costa dos Santos

Membro Titular: Edgard Ramalho Dantas

Membro Titular: Tomislav Rodrigues Femenick

Membro Suplente: Manoel Marques da Silva Filho

Membro Suplente: Odúlio Botelho Medeiros

Joventina Simões nasceu em Boquim, Sergipe, em 6 de abril de 1946. Graduada em Direito/Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRN e especialista em Direito Imobiliário e Habitacional, graduada em Língua e Civilização Francesa, com título concedido pela Université de Nancy I, França, Joventina sócia efetiva do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte desde 2016 e ocupa atualmente a vice-presidência.

O Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande, fundado em 1902, é a mais antiga instituição cultural do Estado. Abriga a biblioteca, o arquivo e o museu mais longevos em atividade no solo potiguar.

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Categoria(s): Cultura
  • Repet
terça-feira - 16/11/2021 - 12:20h
Grandes Encontros

Câmara Cascudo – o homem, o sertão, o coronelismo e o cangaço

Câmara Cascudo - Grandes Encontros Cariri Cangaço - Honório de Medeiros, Daliana Cascudo, Manoel Severo - 17 de Novembro de 2021O Cariri Cangaço, movimento de cunho turístico, cultura, histórico e científico que reúne os mais destacados historiadores e pesquisadores das temáticas cangaço, messianismo, coronelismo, misticismo e correlatos do sertão do Nordeste brasileiro, tem promovido série de debates no ambiente virtual. Um novo está agendado.

A pauta para essa quarta-feira (17), em seu endereço no Youtube (veja AQUI), é com o tema “Câmara Cascudo – o homem, o sertão, o coronelismo e o cangaço”, a partir das 19h30.

Faz parte do projeto “Grandes Encontros Cariri Cangaço” terá o professor, pesquisador e escritor Honório de Medeiros e a psicóloga e neta do escritor e folclorista Câmara Cascudo, Daliana Cascudo, discutindo sobre a temática proposta.

Idealizador e curador do Cariri Cangaço, Manoel Severo é o moderador do debate.

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domingo - 14/11/2021 - 14:24h

Cada homem hoje é uma ilha

egoísmoPor Honório de Medeiros

O mundo está se fragmentando.

Cada homem, hoje, é uma ilha.

Uma ilha em permanente guerra contra as outras.

Tudo quanto formava a unidade entre as pessoas, como a crença em Deus, a fé na Razão, a vida comunitária, se desfaz lentamente.

Não nos damos mais as mãos, exceto quanto temos algum interesse a alcançar.

O altruísmo morre lentamente, prevalece o egoísmo.

Todos são, individualmente, desde algum tempo, donos de uma verdade única, e agem como se quem não concordasse consigo fosse um inimigo a ser destruído.

Breve esse individualismo exacerbado, que se firma nos nossos defeitos, e não no que nos engrandece, há de nos conduzir para uma realidade na qual cada um será por si, e ninguém por todos.

Então, será o fim.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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domingo - 07/11/2021 - 07:32h

Filosofia – a árvore do conhecimento

Por Honório de Medeiros

O conhecimento pode ser imaginado como uma árvore cujo tronco repouse no chão ancestral onde o homem pré-histórico caçava, coletava e, graças à sua primitiva linguagem, bem como à incipiente capacidade cooperativa, se tornou uma espécie apta a sobreviver.

Não é uma imagem precisa, tampouco absolutamente correta, mas cumpre seu propósito para ser assimilada.homens pré-históricos caçando em grupoOs problemas com os quais nossos antepassados se depararam e as soluções engendradas para ultrapassá-los formaram galhos, ramos, folhas, em ritmo cada vez maior e mais denso, em uma escala inimaginável. Cada folha, como é possível perceber, avança rumo ao infinito desconhecido por um rumo que sugere uma proporcionalidade inversa: quanto mais específico o conhecimento por ela simbolizada, mais ampla e profunda a vastidão a lhe servir de contraponto.

Se focarmos essa imagem em busca de nitidez, podemos acompanhar o desenvolvimento da Matemática, como exemplo, desde os primitivos números naturais até o cálculo, hoje, de tensores hiper espaciais, essas projeções hipotético/geométricas interdimensionais.

Podemos acompanhar, também, a evolução da linguagem até a Babel dos tempos modernos, constituída de signos bem diferenciados – desde os sinais utilizados pelos surdos-mudos, passando pelo informatiquês e o idioma dos guetos, presídios, e subúrbios, até a lógica do sub-universo computacional.

Aliás, o mundo da informática é muito exemplificativo dessa teoria da árvore do conhecimento. No início, meados do século XX, um computador ocupava salas; hoje, os “chips” guardam quantidades colossais de informações.

A imagem da árvore do conhecimento é possível graças à Teoria da Evolução de Darwin. É, digamos, um corolário. Podemos perceber que o Conhecimento se diferencia e especializa na medida em que avança. Sabemos, hoje, quase tudo acerca de quase nada em cada “nicho” do conhecimento, embora tudo quanto descartado por não ter sobrevivido ao choque entre ideias conflitantes forme uma contrapartida em negativo da realidade.

Contrapartida que agrega: aquilo que descartamos não precisa ser outra vez cogitado.

Assim essa árvore é finita e limitada (conceitos distintos) no espaço e tempo conhecidos, mas infinita e ilimitada quanto as suas possibilidades de crescimento. O futuro, para onde ela avança, é construção do passado, e como cada estrada amplia a quantidade de lugares onde se há de chegar, cada problema resolvido no processo civilizatório implica na ampliação de universos de saber.

Ou seja, o tempo, cada vez mais, dá razão a Darwin.

Funciona assim em termos macro, mas também em termos pessoais. Cada avanço nosso implica em ampliar o universo daquilo que não conhecemos. É um paradoxo: quanto mais sabemos, mais há a saber.

É, por fim, o voo do solitário para o infinito: “É como se cada um de nós, estando dentro de um ambiente fechado, uma clausura, criasse uma saída e a utilizasse. Lá, do outro lado da saída, lhe espera um outro ambiente, também fechado, só que maior, bem maior. Sua tarefa, assim, é sempre criar outra saída, sair, entrar em outro ambiente ainda maior, criar outra saída, sempre, em uma escala exponencial…”

Em termos pedagógicos, diria Gaston Bachelard: “todo conhecimento é sempre a reforma de uma ilusão.”

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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Categoria(s): Artigo
domingo - 31/10/2021 - 10:50h

Vontade, liberdade, verdade

Por Honório de Medeiros

Hannah Arendt nos encaminha, em Responsabilidade e Julgamento, à noção de que devemos a Paulo a ideia de “Vontade”. Paulo, tão crucial para a construção da doutrina da Igreja Católica, o verdadeiro fundador da filosofia cristã, com sua Carta aos Romanos.

Lê-se, em sua Carta aos Romanos, um momento antológico do processo civilizatório: “Assim, o que realizo, não o entendo; pois não é o que quero que pratico, mas o que eu odeio é (o) que faço” (1,15).Força-de-vontade

Terá sido para cumprir tal desígnio, o de fincar o alicerce da doutrina do Cristianismo, a razão pela qual Jesus o interpelou na estrada para Damasco? “Saulo, Saulo, por que me persegues? “Quem és, Senhor?”. “Jesus, a quem tu persegues. Levanta-te, entra na cidade e te dirão o que deves fazer” (Atos 9:5,6).

Sabemos que se deve à “Carta aos Romanos”, a Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação (DCDJ), assinada entre a Federação Luterana Mundial e a Igreja Católica Romana em 31 de outubro de 1999, em Augsburgo, na Alemanha.

Também a Carta aos Romanos foi o ponto de partida para a Reforma Protestante: Lutero escreveu seu Comentário aos Romanos em 1515, e nele já se encontra seu pensamento acerca da Justificação.

Arendt nos mostra o percurso intelectual do conceito de “Vontade” no pensamento de Agostinho, tão importante para a filosofia cristã: “Sempre que alguém delibera, há uma alma flutuando entre verdades conflitantes” (Confissões).

A “Vontade” decidirá.

Assim como o mostra em Nietsche e Kant, além de nos pôr a par de que o fenômeno da “Vontade” era desconhecido na Antiguidade, e que sua descoberta deve ter coincidido com a da “Liberdade” enquanto questão filosófica, distinta de um fato político.

Vontade, Liberdade, Verdade.

Fundamental.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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domingo - 19/09/2021 - 15:16h

À presença do ‘Seu’ Chico Honório

Imagem de um homem tentando escrever no notebook, olhando à janela, copo com água, óculos,Por Carlos Santos

Para Honório de Medeiros, meu irmão!

Sua crônica (veja AQUI) desse domingo (19) transportou-me no tempo e espaço.

Devolveu-me à presença do seu pai, ‘Seu’ Chico Honório. Até o “Carlinhos” à boca, que não me deixava envelhecer, voltou.

Há pouco mais de dois anos e quatro meses eu consegui a duras penas escrever sobre o meu velho (Um beijo para dizer que “te amo”). Mas, sobre dona Maura, não.

Olhe que já tentei. Parei, mas não desisti.

Em algum momento, passados quase 12 anos, ela vai me inspirar – como sempre o fez.

Não chegou o momento.

Preciso pacientar mais um pouco.

Carlos Santos é editor do Canal BCS – Blog Carlos Santos

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domingo - 19/09/2021 - 08:34h

De uma quieta tendência a negar o barulhento mundo

Por Honório de Medeiros

Enrique Vila-Matas, em seu inigualável Bartleby e Companhia, chama-nos a atenção para os “seres que imitam a aparência do homem discreto e comum” no qual “habita, no entanto, uma inquieta tendência à negação do mundo.” Estranha, mas compreensível pulsão!Silêncio, cadeira, mansisão, vazio, calma, paz, enigma,

Isso me conduz à lembrança de meu pai e seus silêncios, sua deliberada omissão em falar acerca do seu passado, seu instintivo jogo retórico no qual se escudava para evitar qualquer manifestação que implicasse em juízos de valor, sua disponibilidade convidativa para escutar quem lhe procurava, ao mesmo tempo em que levava o interlocutor a expor a própria alma, enquanto a dele permanecia resguardada.

Profundamente quieta era sua negação do barulhento mundo, sob o manto da discrição e das palavras comuns, triviais, incolores de tão banais, tudo sabiamente usado. Uma sábia estratégia.

Hoje percebo, enquanto cuido de ir fechando o balanço de minha vida: em certos e raros instantes, uma sóbria colocação de sua parte estabelecia um silêncio que era um golpe profundo na ordem circunstancial das coisas. Feito isso, se recolhia, e voltava à aparente reserva plácida de sempre.

E eu, e nós, que sempre o achamos tão comum! Quanto engano. Como poderia ser assim, ele que sempre foi um sobrevivente, que viveu tantas guerras inglórias e só aparentemente insignificantes?

Quanta arrogância, a nossa, em pensar que podemos conhecer algo ou alguém em profundidade!

Meu pai, aparentemente, sabia muito e percebia que não valia a pena que o ninguém soubesse disso. Ou, então, pensava que saber era um caminho único, áspero, mas intensamente solitário.

E assim viveu seus anos, principalmente os últimos, envolto nesse manto de humildade intelectual que era uma consequência de seus questionamentos mais íntimos, nunca uma predisposição, um intuito hipócrita de galgar atenção.

Quando faleceu, como que despertando de um sonho iniciei a longa caminhada em busca de compreendê-lo, analisando suas palavras e posturas mas, principalmente, seus silêncios tão plenos de uma anônima rica vida interior.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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domingo - 05/09/2021 - 09:22h

Não há nada de novo sob o sol

Eugene François Vidocq (Arras, França, 24 de julho de 1775-11 de maio de 1857, Paris, França)

Eugene François Vidocq (Arras, França, 24 de julho de 1775-11 de maio de 1857, Paris, França)

Por Honório de Medeiros

“O que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se fará; de modo que nada há de novo debaixo do sol” (Eclesiastes, 1:9)

Não há nada de novo sob o sol.

Seguimos aparentemente em frente, para destino ignorado, permanecendo os mesmos de tanto tempo atrás, enquanto as formas, os instrumentos, os meios, que são nossa criação, para lidar conosco, fenômenos e coisas, dos quais somos reféns, tornam-se cada vez mais complexos e fugazes, em uma espiral, um “vir-a-ser”, como diria Nietzche, de proporções incalculáveis.

Essência imutável, forma evanescente.

Leio em Os Crimes de Paris, de Dorothy e Thomas Hoobler, acerca de Vidocq, um personagem maior que sua vida. “Depois de cometer vários crimes na juventude, trocou de lado e se aliou à polícia. Foi o primeiro chefe da Sureté, o equivalente francês da organização civil policial, e modelo para vários personagens da literatura”, dizem-me eles.

Fascínio antigo esse meu por Vidocq. Camaleônico, sofisticado, indecifrável, também foi o criador da primeira agência de detetives do mundo, o “Bureau de Reinseignements”, ou Agência de Inteligência. Que outro, além de um francês, criaria uma agência de detetives com esse nome?

Inspirou Maurice Leblanc na criação do célebre Arsène Lupin, “O Ladrão de Casaca” que eu lia, fascinado, na adolescência, graças à bondade de um colega de ginásio, na Mossoró que não existe mais. Como inspirou, também, além de muitos outros, tais como Alexandre Dumas, Victor Hugo e Eugène Sue, o ainda mais célebre personagem de Balzac, Vautrin, presente em vários livros da Comédie Humaine.

Em certo momento, lá para as tantas, Vautrin explica o mundo e os homens:

“-E que lodaçal! – replicou Vautrin. – Os que se enlameiam em carruagens são honestos, os que se enlameiam a pé são gatunos. Tenha a infelicidade de surrupiar alguma coisa e você ficará exposto no Palácio da Justiça como uma curiosidade. Furte um milhão e será apontado nos salões como um modelo de virtude. Vocês pagam 30 milhões à polícia e à justiça para manter essa moral… Bonito, não é?”

Dizia minha mãe: “vão-se os anéis, permanecem os dedos…”

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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Categoria(s): Crônica
quarta-feira - 01/09/2021 - 07:04h
Cultura

Honório de Medeiros apoia Instituto Histórico com “Jesuíno Brilhante”

Livros doados vão servir ao apoio à entidade (Foto: reprodução)

Livros doados vão servir ao apoio à entidade (Foto: reprodução)

O advogado, professor e escritor Honório de Medeiros, sócio do Instituto Histórico e Geográfico do RN (IHGRN), doou 25 exemplares do seu trabalho mais recente, “Jesuíno Brilhante: o primeiro dos grandes cangaceiros”, para a campanha em prol dos colaboradores da instituição.

Todo o valor arrecadado com a venda dos exemplares será revertido em favor dos voluntários atuando na instituição. A doação mínima é no valor de R$ 50,00 (cinquenta reais) e pode ser efetivada em espécie ou Pix (chave ihgrn.diretoria@uol.com.br com envio do recibo para o mesmo e-mail).

O exemplar pode ser retirado no prédio da administração (endereço abaixo), de segunda a sexta entre 8h e 12h.

Obra

A obra “Jesuíno Brilhante” é o terceiro livro da trilogia do autor sobre cangaço, coronelismo e poder, sendo os outros dois títulos “Histórias de Cangaceiros e Coronéis” (2015) e “Massilon, nas veredas do Cangaço” (2010).

O IHGRN fica localizado à Rua da Conceição, N.º 623, Cidade Alta, Natal – RN, entrada pela Praça Padre João Maria. Fundado em 1902, é a mais antiga instituição cultural do Estado. Abriga a biblioteca, o arquivo e o museu mais longevos em atividade no solo potiguar.

A entidade promove exposições, palestras e atividades voltadas à manutenção e divulgação da cultura, história e geografia norte-rio-grandense e publica a sua revista desde 1903, sendo a mais antiga ainda em circulação no Estado.

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domingo - 08/08/2021 - 07:26h

Voa, minha passarinha, voa…

Bárbara de Medeiros fotografada atrás da janela por Diogo Mizael, seu irmão, no Canadá, Julho de 2021Por Honório de Medeiros

Quando nossa filha finalmente chegou em Montreal com o esposo e seus poucos vinte e três anos, depois de uma longa e cansativa viagem, lá a esperava seu irmão, hoje praticamente cidadão canadense.

Mas não foi possível abraça-lo, até mesmo vê-lo.

Cumprindo as regras impostas para o combate contra a pandemia, primeiro foi confinada, por três dias, em um hotel determinado pelo Governo. Exame de saúde feito, resultado favorável, mudou-se para o apartamento do irmão, que o desocupara, para novo período de confinamento, dessa vez por doze dias.

Impossibilitados de se abraçarem, conversarem, o irmão não hesitou: combinaram postarem-se defronte à janela do apartamento, um dentro e o outro fora, ela afastou a cortina, sorriu, acenaram um para o outro, beijos foram enviados, e o instante foi registrado.

Muito foi dito ali naquele momento, sem uma palavra sequer, e a escrita não consegue expressar!

Se isso não é amor, eu não sei o que isso é.

Voa, minha passarinha, voa…

* O irmão escreveu, abaixo da imagem:

They say:

There is always behind a window

You just need to open it

And I can’t wait for that

Love u sis.

(Eles dizem:

Sempre há atrás de uma janela

Você só precisa abri-la

E eu não posso esperar por isso

Amo você, irmã).

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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Categoria(s): Crônica
domingo - 23/05/2021 - 10:30h

Lênin – Quase um século de sua morte

Lênin, Vladimir LêninPor Honório de Medeiros

Estou pensando em Lênin, o genocida, cuja morte completa 97 anos.

Michiko Kakutani, prêmio Pulitzer de 1998, crítica literária do “The New York Times”, por mais de quarenta anos, em A Morte da Verdade (Notas Sobre a Mentira na Era Trump), conta que Steve Bannon, estrategista e conselheiro de Trump, certa vez descreveu a si mesmo como um “leninista”.

O mesmo Bannon, ainda segundo Kakutani, teria dito o seguinte:

– “Lênin queria destruir o Estado, e esse também é o meu objetivo. Quero acabar com tudo e destruir todo o establishment de hoje em dia.”

Lênin deve estar rindo muito em alguma das grelhas do inferno, apesar das dores. Ele é o patrono dessa maré de pós-verdade que se tornou praticamente hegemônica nos dias atuais, calcada no uso da retórica violenta, incendiária, em promessas simplórias e desconstrução da verdade, tudo potencializado pela internet.

O fundador da URSS explicou, certa vez, que sua retórica era calculada para provocar o ódio, a aversão e o desprezo, não para convencer, mas para desmobilizar o adversário, não para corrigir o erro do inimigo, mas para destruí-lo.

Quem quiser ler um pouco mais, está em “Report to the Fifth Congresso of the R.S.D.L.P. on the St. Petersburg Split of the Party Tribunal Ensuing Therefrom”, segundo Kakutani. Pois é.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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Categoria(s): Artigo
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