domingo - 20/07/2025 - 13:34h

O velho pescador

Foto ilustrativa extraída da Web

Foto ilustrativa extraída da Web (Depositphotos/arquivo)

Por Odemirton Filho 

“Agora não há tempo para pensar o que você não tem. Pense no que pode fazer com o que tem”. (O Velho e o Mar, de Ernest Hemingway).

Na beira do mar o velho pescador costurava a sua velha rede de pesca pra passar o tempo. Já não tinha a força da juventude, pois carregava mais de oitenta anos na cacunda. A sua jangada não mais rasgava as águas salgadas; os seus filhos e netos não continuaram no ofício.

Estava sozinho com os seus pensamentos. E não eram poucos. A solidão, dizem, nunca está só, sempre vem acompanhada de muitas lembranças; algumas saudades.

Lembrava das suas aventuras no mar. A água banhando a jangada, o frio da madrugada, a escuridão medonha da noite. Ele e um amigo de profissão precisavam tomar uns goles de cachaça para enfrentar a lida.

Teve medo de tubarões; viu algumas baleias. Aqui ou acolá, ficava vários dias em alto-mar, pescando na embarcação de um conhecido pra melhorar o ganho.

Criou os filhos com o suor do seu trabalho. A comida da casa de taipa era simples. Pela manhã, bebericavam café “preto”, no qual molhavam o pão dormido. Almoçavam, quase sempre, peixe com farinha. À noite, tomavam um caldo ralo.

O lazer era escutar um rádio de pilhas ao lado de sua mulher, ouvindo um programa que tocava músicas que embalavam o tempo de namoro.

Tinham quatro filhos. Um dos filhos é funcionário da prefeitura; o outro vive bebendo pela praia, mas não faz mal a ninguém. O filho mais velho mora longe, raramente vem visitar os pais. A filha embuchou ainda adolescente, tem uma ruma de meninos.

O velho pescador continuou a costurar sua rede de pesca e a prosear:

– O aposento, meu filho, mal dá pra comer. Neste ano de eleição, alguns candidatos vão passar lá por casa, prometendo mundos e fundos, dando tapinha nas minhas costas, pedindo um gole de café, mas já estou passado na casca do alho, não caio mais na conversa desses políticos.

Enfim, vida que segue, apesar dos pesares.  A nossa fé deve ser maior do que os nossos medos. Ouvi essa história numa das belas praias de Areia Branca, nas minhas andanças. E são muitas.

“Agora, cabe ao humilde pescador ficar quieto em sua praia olhando o seu mar, de preferência pela madrugada, sentindo seu mar, pensando seu mar”, diria Rubem Braga.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

*Republicada

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Categoria(s): Crônica
domingo - 13/07/2025 - 06:28h

Um dia na fazenda

Foto ilustrativa (Web)

Foto ilustrativa (Web)

Por Odemirton Filho 

Um menino nascido e criado na cidade não é acostumado ao dia a dia do campo. No máximo vai a uma fazenda ou sítio de um parente ou amigo. Com aquele menino criado no centro da cidade não poderia ser diferente. Raras vezes foi à zona rural.

O seu mundo era o patamar da Igreja perto da sua casa e as ruas adjacentes, onde brincava com os amigos de infância.

Certa vez, o menino foi a uma fazenda lá pelas bandas do “Junco”. Conheceu, também, uma fazenda do pai de um amigo, na terra dos poetas.

Nunca tinha visto uma mesa tão farta. Café coado e leite quentinhos; tapiocas; queijo de coalho; cuscuz; carne de sol. Comida à vontade. Na cozinha, potes de barro e pilão, entre outros utensílios domésticos.

Foi ao curral. Tentou andar a cavalo; tomou um banho nas águas barrentas do açude. Abriu porteiras. Viu a plantação; o gado pastando. Ficou andando pra lá e pra cá. Sentiu-se quase um Menino de Engenho, do livro de José Lins do Rêgo.

À noite, depois dos adultos tomarem uns goles de cachaça, ficaram deitados nas redes, no alpendre da antiga casa. Uma ruma de meninos ouvindo as conversas dos mais velhos. “Estórias” sobre almas penadas que, aqui ou acolá, assombravam a fazenda.

Dormiram cedo e sentiram o friozinho gostoso da madrugada. Somente a lua e uma fogueira (para espantar os mosquitos) alumiavam a escuridão da noite. Acordaram com o sol raiando; o galo a cantar; a sinfonia dos pássaros.

Para ele, tudo era novidade. Porém, o que mais gostou foi ir de madrugadinha ao curral pra ver a ordenha das vacas e tomar o leite num caneco.

“O leite cru, ao pé da vaca, era quente e gostoso. Tinha gosto de vaca por dentro. Gosto e calor. E espumava no copo”, disse, numa de suas belas crônicas, o velho Antônio Maria.

Foi a única vez que o menino tomou o leite ao pé da vaca.

E ainda sente o sabor.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

*Republicação

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Categoria(s): Crônica
  • Art&C - PMM - PAE - Outubro de 2025
domingo - 29/06/2025 - 16:26h

Viva o Mossoró Cidade Junina!

Por Odemirton Filho

Foto da Estação das Artes (Arquivo: 2024)

Foto da Estação das Artes (Arquivo: 2024)

Findou-se o mês de junho. Em Mossoró, como em vários lugares do nosso sofrido Nordeste brasileiro, o povo brinca, diverte-se, esquece por um momento as mazelas da vida. Aqui por estas bandas é bonito de ver as pessoas nas festas, na Estação das Artes, Cidadela e nos Polos.

Que fique bem claro: O Mossoró Cidade Junina (MCJ) não pertence a nenhum gestor. Pertence as pessoas da cidade e da região que prestigiam a festa, fazendo-a grandiosa. Por isso, cabe dar crédito a todos os gestores de ontem e de hoje que tornaram o MCJ um sucesso, um patrimônio imaterial do “país de Mossoró”. Nunca é demais ressaltar que a festa é realizada com o dinheiro do povo, dinheiro suado, trabalhado, lutado.

Das festas de São João, à época da minha infância, não trago muitas lembranças. Lembro que mesmo na rua asfaltada, meu pai fazia uma pequena fogueira para comemorarmos, assávamos milho, e saboreávamos as comidas típicas desse período.

Na escola eram as quadrilhas improvisadas, a criançada a brincar, dançar, muitas vezes contra a vontade. Minha mãe me vestia com roupas de matuto e desenhava um pequeno bigode no meu rosto, aliás, não muito diferente das mamães atuais. Eu não sei como são as festas juninas nas cidades pequenas, nos sítios e nas fazendas. Creio que eram, ou são, mais divertidas, originais, raiz.

Hoje, ao contrário, as festas juninas não traduzem a verdadeira cultura do nosso povo, há estilos musicais para todos os gostos, como o sertanejo, brega, rock, axé, vários ritmos que embalam a turma, principalmente, os jovens. Porém, deixo registrado que não estou a criticar, acredito que ninguém é obrigado a cultivar tradições, gostar de forró pé de serra; a festa é para todos que participam, devendo contemplar todas as pessoas e gêneros musicais.

Goste-se ou não do MCJ, o fato é que a cidade neste mês de junho respira festa, apesar dos vários transtornos que causa, a exemplo do trânsito que fica mais caótico. Além disso, no meio de uma multidão não é incomum existirem pessoas que vão às festas somente no intuito de “arrumar” brigas ou cometer pequenos delitos, infelizmente.

Mas, enfim, que no próximo ano o MCJ se torne maior e mais bonito.

Viva o Mossoró Cidade Junina!

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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Categoria(s): Artigo
domingo - 22/06/2025 - 06:46h

Princípio da impessoalidade

Por Odemirton Filho

Arte ilustrativa

Arte ilustrativa

A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, conforme estabelece o Art. 37 da Constituição Federal.

Nesse sentido, o parágrafo primeiro do mencionado diz que a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.

Conforme os professores Gustavo Scatolino e João Trindade, no Manual de Direito Administrativo, o princípio da impessoalidade tem por objetivo evitar que o administrador pratique ato visando ao interesse pessoal ou de terceiros ou com a finalidade diversa daquela determinada em lei, uma vez que é sempre o interesse público que deve ser buscado com a prática do ato.

Com efeito, a administração pública, pelo menos na teoria, deve ter como escopo o bem comum, devendo os seus atos serem direcionados para o bem da coletividade, sem promoção pessoal do gestor que se encontra momentaneamente à frente do poder. Porém, é fato que a maioria dos gestores desvirtua a finalidade do princípio, muitas vezes, abusando do ato.

Esclareça-se que “não se deve ser confundida essa vedação com o princípio da publicidade, uma vez que este também é princípio administrativo. O que não pode acontecer é o agente público, a pretexto de dar publicidade aos atos, aproveitar para realizar a sua promoção pessoal”.

Não se pode negar que por vezes o ato de publicidade do ente público se reveste de promoção pessoal do gestor que, a despeito de prestar contas das realizações de sua administração, utiliza o momento como palanque político-eleitoral. É uma linha tênue, que deverá ser analisada pelo Judiciário no caso concreto, após ser provocado.

Por fim, para se caracterizar improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública é imprescindível o dolo por parte do agente. Assim, somente constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das condutas descritas na lei de improbidade.

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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Categoria(s): Artigo
  • Art&C - PMM - PAE - Outubro de 2025
domingo - 15/06/2025 - 07:38h

Viaje, viaje

Por Odemirton Filho

Arte ilustrativa

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A famosa canção Voyage, Voyage, da francesa Desirelees, foi lançada no ano de 1986 e é um clássico internacional. A letra da música nos instiga a viajar, não só fisicamente, mas de forma metafísica, onírica. Na verdade, é uma fuga, uma fuga das convenções, das amarras do mundo, as quais nos fazem ficar aprisionados no nosso pequeno universo.

Ficar “acima dos vulcões antigos”, “das nuvens aos pântanos”. Ou seja, impulsiona-nos a sair da mesmice, a procurar a ampla liberdade do nosso ser. Se viajar fisicamente de um lugar a outro é deveras prazeroso, e nos faz bem, viajar por nossa alma faz repensar valores e atitudes. Quem já não pensou em “chutar o balde” e tomar outro rumo na vida?

“Voando nas alturas”, é certo, conseguimos alçar outros lugares, outro modo de encarar a vida. Infelizmente, porém, poucos conseguem fazer esses voos. Vivemos presos ao dia a dia, a rotina que nos impede de sermos verdadeiramente livres, leves e soltos.

A busca de nossos objetivos, decerto, deve nos guiar, procurando aquilo que nos faz bem; bem ao corpo e, sobretudo a alma, diga-se.

Viajar “acima das capitais” e “das ideias fatais”. Ideias fatais que estreitam o pensar. Aliás, no mundo contemporâneo vivemos a era do extremismo, de ideias prontas e acabadas, do maniqueísmo entre direita e esquerda. Não há espaço para o plural, para o bom debate. O radicalismo preside as discussões, a falta de bom senso salta aos olhos, perdeu espaço.

“Viaje pelo espaço extraordinário do amor”. O amor que se apresenta em todas as suas formas, seja entre pais, filhos, netos ou o amor daquela pessoa que divide os nossos dias, construindo um futuro. É nesse espaço extraordinário que devemos viver.

Livrar o nosso ser daquilo que nos impede de viver verdadeiramente, sem se importar com o que as pessoas pensam sobre nós. Cada um deve viver, “viajar”, da forma que lhe aprouver, desde que não cause mal a ninguém, principalmente àqueles que queremos bem.

Pois é, viaje, viaje.

“Viaje mais longe do que a noite e o dia”. Permita-se visitar o horizonte.

Odemirton Filho é colaborador do Blog do Carlos Santos

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Categoria(s): Crônica
domingo - 08/06/2025 - 05:30h

(In)constitucionalidade do Art. 19 do Marco Civil da Internet

Por Odemirton Filho

Arte ilustrativa (Web)

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A Lei n. 12.965/14 estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil e tem como um fundamento o respeito à liberdade de expressão. Há vários princípios norteadores, como a proteção da privacidade, proteção dos dados pessoais, responsabilização dos agentes de acordo com as suas atividades, além do que, os princípios expressos na Lei não excluem outros previstos no ordenamento jurídico pátrio relacionados à matéria ou nos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Debruçando-se sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou na semana passada o julgamento de recursos em relação ao Marco Civil da Internet, julgando se as plataformas digitais podem responder por conteúdos publicados por usuários. O cerne da questão é o Art. 19, o qual reza:

“Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.

Em um dos recursos, o ministro Dias Toffoli defendeu que nos casos conteúdos ofensivos ou ilícitos, como racismo, as plataformas digitais devem agir a partir do momento que forem notificadas de forma extrajudicial, pela vítima ou seu advogado, sem necessidade de se aguardar uma decisão judicial. Em casos mais graves, as plataformas devem retirar o conteúdo, independentemente de notificação; não o fazendo, seriam devidamente responsabilizadas. Na mesma linha, apreciando outro recurso, o ministro Luiz Fux defendeu os argumentos de Toffoli.

Por outro lado, o ministro André Mendonça abriu divergência e entendeu que não é possível responsabilizar diretamente a plataforma sem prévia decisão judicial quando se está diante de ilícito de opinião, votando pela constitucionalidade do Art.19.

Com efeito, é inegável que a liberdade de expressão deve ser a tônica em um Estado democrático de Direito. No mundo contemporâneo a internet é uma realidade vivenciada por bilhões de pessoas, fazendo parte do nosso dia a dia. Desse modo, qualquer espécie de censura fere de morte a liberdade de pensamento, a pluralidade de ideias e o bom debate. Democracia, ressalte-se, é o respeito à convivência dos contrários.

Nesse sentido, a professora Ana Cristina Azevedo P. Carvalho, no seu excelente livro Marco Civil da Internet no Brasil, ensina-nos:

“As transformações das sociedades contemporâneas foram intrinsicamente marcadas pela evolução das tecnologias da informação e comunicação: o espaço virtual se tornou um importante lócus, viabilizando, em graus e modalidades variáveis, o exercício da cidadania por meio de troca de informações e opiniões com velocidade jamais observadas anteriormente, possibilitando o fortalecimento da participação cidadã. O espaço virtual passa a ter, assim, um papel decisivo paro o acesso às informações, que conduzem à organização dos cidadãos e às mobilizações sociais que almejam a instauração de regimes democráticos ou o seu fortalecimento, com maior transparência e controle social, bem como, novas formas de representatividade”.

A liberdade irrestrita sem a devida responsabilização das plataformas digitais seria um salvo-conduto para a prática dos mais variados crimes, com ofensas à honra e à privacidade das pessoas atingidas por conteúdos nocivos.

Imaginemos o cidadão que tem uma postagem ofensiva a sua imagem e honra. Se for ajuizar uma ação e esperar uma decisão do Judiciário, mesmo em caráter de tutela de urgência, poderá ocasionar sensíveis prejuízos à sua reputação, pois há todo um tramite processual que demandará um tempo razoável.

Em razão disso, muitos entendem que cabe às plataformas digitais exercer a moderação dos conteúdos publicados, vez que possuem recursos tecnológicos para coibir, imediatamente, conteúdos ofensivos e criminosos, sem a necessidade de esperar uma notificação judicial ou extrajudicial.

No tocante ao entendimento dos tribunais pátrios, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está amplamente consolidada no sentido de afirmar que a responsabilidade dos provedores de aplicação de internet, por conteúdo gerado por terceiro, é subjetiva e solidária, somente nas hipóteses em que, após ordem judicial, negar ou retardar indevidamente a retirada do conteúdo.

Assim, a discussão gravita em torno da constitucionalidade ou não do Art. 19 do Marco Civil da Internet. Os provedores de internet devem ser responsabilizados somente se não tornarem indisponível o conteúdo infringente, após ordem judicial? Ou devem ser responsabilizados quando notificados, mesmo extrajudicialmente?

Creio que o STF formará maioria pela inconstitucionalidade do Art.19 do Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/14). Aguardemos.

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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domingo - 01/06/2025 - 09:28h

Guardar

Por Odemirton Filho

Arte ilustrativa

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De vez em quando eu leio, ou melhor, releio o poema Guardar (veja AQUI e em vídeo mais abaixo), de Antonio Cícero, e fico impressionado com a sensibilidade dos versos e a leveza das palavras.

O que é guardar na visão do poeta?

Guardar é observar, olhar, cuidar. Quando guardamos alguma coisa em um cofre perde-se a coisa à vista. Em seu poema, ele fala sobre o ato de preservar o que é importante, de encontrar sentido na permanência da coisa.

E nós? O que verdadeiramente guardamos? Guardamos os momentos a dois? Desfrutamos do amor, nem que seja por um instante? Guardamos a companhia das pessoas que nos fazem bem? Fazemos a vida valer a pena?

Pense. Pensemos.

Toda vez que eu leio sobre alguém que tira a sua própria vida, sobretudo se for jovem, bate-me uma profunda tristeza. Fico a remoer o quão àquela pessoa sofreu, mergulhada nos problemas d`alma. E Antonio Cícero, autor do poema que ora se desnuda, tirou a sua própria vida. Porém, quem somos nós para julgar essas pessoas?

Assim, guardar a nossa vida é iluminá-la, e por ela ser iluminado, procurando sentido para os nossos afazeres, fazendo o cotidiano ficar interessante, vivo, pulsante, apesar das dificuldades que todos nós carregamos sobre os ombros.

Quando escrevemos, escolhemos cada palavra como se fosse uma flecha que quer atingir o alvo, o coração e o sentimento das pessoas que nos leem.

Por isso, como diz Cícero, quando publicamos um texto ou declamamos um poema, queremos vigiá-lo, guardá-lo, com enorme carinho e devoção.

Como diz o poeta:

“Por isso melhor se guarda o voo de um pássaro, do que pássaros sem voo”.

Não é lindo o voo de um pássaro?

*Antônio Cícero – (1945-1924) foi poeta, crítico literário, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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Categoria(s): Crônica
domingo - 25/05/2025 - 15:46h

Propaganda eleitoral antecipada negativa

Por Odemirton Filho

Arte ilustrativa com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Arte ilustrativa com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

A liberdade de expressão, direito fundamental previsto na nossa Constituição, garante a livre manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato. Por conseguinte, a todos é assegurado o direito de expor seu pensamento, porquanto um Estado democrático de Direito não se coaduna com qualquer espécie de censura.

No mundo contemporâneo, no qual as redes sociais são uma realidade inescapável, encontramos as mais variadas formas de pensamento e de exposição da imagem das pessoas, as quais abrem mão de sua privacidade para que possam ser vistas e ouvidas no hodierno mundo da inteligência artificial.

Na seara político-eleitoral não é diferente. Aliás, de uns tempos para cá, os embates eleitorais têm sido travados no universo virtual, o qual está sendo palco da disseminação de intolerância política, cultivo ao ódio e fake news. Muito embora, a censura não deva germinar em uma democracia, pois “o dissenso, mesmo que barulhento, é melhor do que o silêncio forçado”, não se pode concordar com essas práticas nefastas.

Desse modo, não é incomum que existam excessos nas redes sociais, muitas vezes, com postagens que desbordam a razoabilidade. Com efeito, conquanto a Carta Republicana albergue a liberdade de expressão, é sabido que não há direito absoluto, devendo o julgador, ao ser provocado mediante o exercício da ação, ponderar os direitos em conflito, aplicando a solução ao caso sub judice.

Nesse sentido, tem-se o princípio da concordância prática, prevalecendo “a ideia de que, havendo colisão de bens protegidos constitucionalmente, como tem sido acentuado por boa parte da jurisdição constitucional mundo afora, deve-se favorecer decisões através das quais ambos os direitos (ou bens constitucionais), em conformidade com a possibilidade de seu equilíbrio e proporcionalidade, sejam garantidos, em autêntica concordância prática”.

No tocante às disputas eleitorais, sobretudo no âmbito das publicações nas redes sociais, normalizou-se as críticas em desfavor de adversários políticos, como se a arena virtual fosse uma terra sem lei.  E não é.

Nesse diapasão, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vem defendendo a intervenção mínima do Judiciário nos debates eleitorais, reconhecendo que figuras públicas estão sujeitas a críticas mais incisivas no ambiente político, o que é natural, diga-se. O detentor de mandato eletivo, por representar parcela da sociedade, está sujeito a toda sorte de críticas e cobranças, vez que é bem remunerado pela coletividade para representá-la.

No caso da propaganda eleitoral antecipada negativa, exige-se para a sua configuração a presença de três requisitos alternativos: (a) pedido explícito de não voto; (b) desqualificação da honra ou imagem do pré-candidato; ou (c) divulgação de fato sabidamente inverídico.

Assim, não havendo a presença de um desses requisitos não há que se falar em propaganda eleitoral antecipada negativa, sendo as críticas naturais ao debate político-eleitoral. Para ilustrar o tema, vejamos uma decisão do Colendo TSE:

Eleições 2024. […] Propaganda eleitoral negativa. Mácula à imagem de candidato. Publicação em rede social. Caracterização. Extrapolação da crítica política. […] 1. É firme o entendimento desta Corte Superior de que as críticas políticas, ainda que contundentes, não configuram, por si só, propaganda negativa, porquanto típicas do debate político-eleitoral. Por outro lado, é igualmente firme a intelecção de que a caracterização da propaganda eleitoral antecipada negativa exige a presença de pedido explícito de não voto, ofensa à honra do pré-candidato e/ou disseminação de informações falsas. (REsp n. 060027908).

As discussões político-eleitoral e as críticas exacerbadas, portanto, fazem parte do jogo democrático, uma vez que estão asseguradas pela liberdade de expressão. No entanto, é preciso cautela, pois os excessos podem ser devidamente punidos pela Justiça Eleitoral.

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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Categoria(s): Artigo / Política
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domingo - 11/05/2025 - 07:32h

Amor avoengo

Por Odemirton Filho

Imagem gerada com recursos de Inteligência Artificial para  o BCS

Imagem gerada com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

O amor não se mensura. Não há balança para pesá-lo; não há régua para medi-lo. Apenas sente-se, vive-se, ama-se. Sentimos amor pelos nossos pais, e lembramos de tempos idos, de momentos à mesa, nos quais compartilhávamos sorrisos, tristezas, alegrias, aventuras e desventuras.

Da nossa infância, amamos alguém de nossa convivência diária, como os amigos, uma professora dos tempos do colégio, um animal de estimação.

Na juventude, o amor do primeiro namoro, misturado ao fogo incontrolável da paixão; são os arroubos da adolescência de mãos dadas com a inexperiência da vida.

Depois, na vida adulta, encontramos alguém para preencher os nossos dias e almejamos construir uma vida a dois. Nem sempre dá certo, é claro. Entretanto, tenta-se, recomeça-se, insiste-se.

Às vezes, curte-se a própria companhia, cultivando-se o amor-próprio, o qual pode ser definido como “o amor a si mesmo ou o respeito pela própria felicidade ou vantagem”.

Todavia, de repente, chegam os filhos. Passamos a conhecer um amor sem medida, puro, despretensioso. E os dias são preenchidos pelo que há de mais belo, apesar das responsabilidades em educá-los para o mundo; mundo tão cheio de violência e dificuldades.

Quando chegam os netos começamos a sentir um amor em dobro. Quando somos avós, já estamos maduros, pois vivemos muita coisa. Aprendemos a driblar os problemas com a sabedoria que o tempo nos ensinou.

Queremos curtir os netos, pois doravante a responsabilidade primeira será dos pais. Aos avós caberá, respeitando-se a autoridades dos genitores, ninar os netos com profundo amor, fazendo-os parte do seu dia a dia com marcas indeléveis de carinho, misturado ao aconchego do lar, sentindo o cheiro de lavanda inglesa.

Levamos os nossos netos ao parque de diversão e ao circo. Compartilhamos sonhos, contamos histórias, tomamos sorvete até ficarmos lambuzados, comemos cachorro-quente. E também sorrimos, choramos. Muitas vezes compactuamos com suas traquinagens. Por quê? Porque a vida, depois de um certo tempo, deve ser vivida de forma leve.

Decerto, a maioria de nós traz no peito boas lembranças dos avós. Nessa toada, veio à memória um poema composto por Cazuza para sua avó paterna, lindamente cantado por Ney Matogrosso, que toca a nossa alma.

Eis um fragmento: “Hoje eu acordei com medo, mas não chorei, nem reclamei abrigo. Do escuro, eu via o infinito, sem presente, sem passado ou futuro. Senti um abraço forte, já não era medo. Era uma coisa sua que ficou em mim. E que não tem fim”.

Desejo ao meu neto quando vasculhar as suas lembranças, que encontre no coração o amor avoengo, com o sabor de uma torta de chocolate serenata de amor. E que esse amor não tenha, não tenha fim.

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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Categoria(s): Crônica
  • Art&C - PMM - PAE - Outubro de 2025
domingo - 04/05/2025 - 11:04h

Lugares de ontem

Por Odemirton Filho

Imagem ilustrativa gerada com recursos de inteligência artificial do Grok para o BCS

Imagem ilustrativa gerada com recursos de inteligência artificial do Grok para o BCS

Nas noites da Mossoró da minha juventude era comum os moradores do grande Alto de São Manoel voltarem a pé depois das festas, pois não tínhamos a insegurança e violência dos tempos atuais. Era uma turma de amigos que retornava das festas da ACDP, da AABB, dos festejos de Santa Luzia ou, quem sabe, das festas do Imperial e do clube Realce.

Como hoje, logo após as farras, as pessoas faziam um lanche para voltarem as suas casas. Não existia o famoso “Sebosão”. Havia a lanchonete Big-Burg, em frente a atual Estação das Artes. No bairro Doze Anos, a lanchonete de Dedé do Sandubar, figuraça!

No Alto de São Manoel, em frente a atual loja da Olinda Pneus, existia a lanchonete de Zecão. Era ali, na maioria das vezes, que eu ia saborear um “completo”. Eu e alguns amigos aproveitávamos para resenhar, conversar sobre a noite que findava.

Não existia essa ruma de opções de hoje em dia, hamburguerias, pizzarias. Açaí? Ninguém conhecia por essas bandas.

Lembrei desses fatos, pois soube há alguns dias, por meio do meu querido amigo Marcos Ferreira, do falecimento de Zecão. Aliás, ele morava e ainda mantinha a lanchonete, quase vizinho a casa do nosso dileto escritor, no conjunto Walfredo Gurgel. De vez em quando eu ia por lá, e aproveitava para colocar o papo em dia com Marcos Ferreira.

Zecão fez parte da Mossoró das antigas, nos bons tempos de minha juventude. Fazia parte do rol de figuras, como Dedé do Sandubar, Alberto do Big-Burg, Zé Leão, entre outros.

A vida é passageira, e vamos construindo a nossa história com fatos e pessoas que, de alguma forma, ou em algum momento, dela fizeram parte. Sim, “quando se vê, já se passaram cinquenta anos”.

Lembro-me do Frango de Olinda; da churrascaria Kancela; Severino da Carne Assada; O Laçador; da lanchonete Tube; A Geladinha; Sorveteria do Juarez; Pizzaria Hut; lanchonete do Matú; do restaurante de Chico, no conjunto Walfredo Gurgel; do Bar do Gordo, no Paraíba.

E você, qual o lugar vem à memória?

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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Categoria(s): Crônica
domingo - 27/04/2025 - 04:38h

Resiliência

Por Odemirton Filho

Arte ilustrativa com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Arte ilustrativa com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

Um dia desses, quando eu transitava na Avenida Leste-Oeste, em Mossoró, vi um jovem bem-vestido, segurando uma pasta, caminhando rumo à Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Por que sei que ele estava indo para a nossa querida Uern? Porque o conheço, sei que é discente do curso de Direito.

Ele caminhava com ar resoluto, quase de forma estoica. Trata-se de uma pessoa humilde que sonha em vencer na vida por meio do estudo.

Com efeito, ele é mais um cidadão deste sofrido país que enfrenta uma luta renhida para ter um mínimo de dignidade. Neste país, no qual a desigualdade social é uma triste realidade, é preciso força de vontade para conseguir um lugar ao sol, sobretudo, quando não se nasce em berço de ouro.

Há milhares de pessoas que conseguiram dar um destino melhor a sua vida, seja pelos estudos ou pelo trabalho honesto. Entretanto, não é fácil conciliar o horário de estudo com uma carga de trabalho exaustiva. É preciso ser resiliente para encarar essa batalha.

Lembro que quando lecionava na Universidade Potiguar presenciei inúmeros alunos que passavam o dia no trabalho, e a noite estavam sentados nos bancos da faculdade, querendo aprender, crescer profissionalmente, mudar de vida. Muitos conseguiram, muitos, infelizmente, desistiram.

Muitas pessoas desistem no primeiro obstáculo, ficam no meio do caminho. Aliás, li que a “resiliência não é ter pressa. Ser resiliente é seguir em diante, seja na velocidade que for”.

É certo que nem todos têm as mesmas oportunidades. O ponto de partida é desigual tornando a corrida da vida um tanto difícil. Para alguns é mais fácil, para outros, um grande sacrifício.

Enfim, de toda forma desejo que aquele jovem que caminhava firme e forte, apesar de aqui e acolá levar umas pancadas da vida, seja resiliente e consiga os seus objetivos.

Assim espero. E torço.

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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Categoria(s): Crônica
  • Art&C - PMM - PAE - Outubro de 2025
domingo - 13/04/2025 - 05:32h

Escrevivência

Por Odemirton Filho

Arte ilustrativa com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

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Conceição Evaristo é uma linguista e escritora brasileira. Sua obra enfatiza, sobretudo, a vivência das mulheres negras, com base em reflexões sobre a profunda desigualdade racial. Ela foi a criadora do termo “escrevivência, no qual se fundem as palavras escrever e vivência.

Sob o olhar estreito, tem-se a expressão que se trata de algo totalmente subjetivo. Entretanto, segundo a escritora, o termo vai além, pois “a escrevivência não é a escrita de si, porque se esgota no próprio sujeito. Ela carrega a vivência da coletividade”.

Decerto, cada um de nós carrega na alma as suas angústias e dúvidas, pois a vida é um turbilhão de emoções. Assim, ao escrever, deixamos registrados a nossa visão de mundo, as ideias que nos cercam, os sentimentos que inundam o coração, bem como o nosso ponto de vista político-ideológico.

Atualmente, na guerra de narrativas existente nas redes sociais, na qual todos podem comentar e expor a sua vida e a dos outros, nem sempre a verdade prevalece. A internet – para usar um lugar-comum – tornou-se palco da disseminação do ódio e das fake news.

Quando escrevemos tentamos passar ao leitor um pouco de nós, um pouco da nossa vida, das nossas lutas, derrotas e vitórias. Dessa forma, por exemplo, quando resgato algo do passado, não se trata de saudosismo, mas, tão-somente, de algo de bom que foi vivido por mim e, sem dúvida, por algumas pessoas.

Contudo, a nossa vivência, por mais experiência de vida que temos, é insuficiente para abordar todos os aspectos da vida, porquanto cada pessoa tem a sua própria experiência. Aliás, todos nós somos eternamente professores e alunos.

Portanto, o ato de escrever deve ajudar a alargar o horizonte, uma vez que diante das histórias que incomodam, a escrevivência quer justamente provocar essa fala, provocar essa escrita e provocar essa denúncia. E no campo da literatura é essa provocação que vai ser feita da maneira mais poética possível”.

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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Categoria(s): Crônica
domingo - 30/03/2025 - 10:44h

Um inesquecível jogo de futebol

Por Odemirton Filho

Arte ilustrativa obtida com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

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Assisti ao jogo da nossa seleção na última terça-feira contra a seleção da Argentina. É claro que não farei análises táticas sobre o comportamento em campo da seleção canarinho, pois não tenho conhecimento para tanto. Contudo, na qualidade de torcedor, senti-me envergonhado.

A seleção nem parecia a de outros tempos. E nem falo da seleção de Pelé, que não vi jogar. Falo da seleção de Romário, Bebeto, Ronaldo e companhia, os quais jogavam bola pra valer, com garra e vontade de ganhar. Já o jogo da terça-feira parecia que estavam em campo um time amador e um time profissional. A Argentina deu um baile, ou melhor, um tango.

Enfim. Mas eu quero lembrar do melhor jogo de futebol que já assisti.

Foi no dia 27 de junho de 2011, pelo campeonato brasileiro. Flamengo e Santos. Ali, sim, um jogão de bola. Jogando pelo Flamengo estava Ronaldinho gaúcho, o Bruxo; pelo Santos, Neymar, no seu melhor momento.

Na Vila Belmiro, Neymar marcou dois gols, deu assistência e comandou o Peixe, que chegou a abrir 3 a 0 no placar. O Rubro-Negro reagiu graças ao Bruxo, que balançou as redes três vezes, incluindo uma cobrança de falta por baixo da barreira. Ao final, 5 a 4 para o Flamengo.

Lembro que um narrador de futebol disse que, dificilmente, a nossa geração assistiria a um jogo de futebol como aquele. Realmente nunca vi nada igual, e já faz quase quatorze anos da partida.

Outro jogo que marcou a minha vida foi o primeiro da final entre Potiguar e América, em 2004, ano no qual o time macho sagrou-se campeão do campeonato estadual do Rio Grande do Norte. Naquela noite memorável, o velho Nogueirão estava lotado, e a torcida do Potiguar fez uma bonita festa.

Hoje, infelizmente, o futebol de Mossoró está decadente, e o Nogueirão caindo aos pedaços. Uma vergonha.

Entretanto, para mim, nada se compara ao jogo entre Flamengo e Santos, independentemente de quem ganhou, pois foi um inesquecível jogo de futebol. Épico.

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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Categoria(s): Crônica / Esporte
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domingo - 30/03/2025 - 06:32h

Pão nosso de cada dia

Por Marcos Ferreira

Foto do autor da crônica

Foto do autor da crônica

Presumo que poucas pessoas se interessem por esse conteúdo, por essa informação. Pois se trata, a bem da verdade, de uma sensaboria, algo de quem parece não ter coisa melhor para dizer. Teimoso, porém, vou contar esta história insípida. É que hoje acordei cedo. Cedinho mesmo: pouco depois das quatro da madrugada. A bexiga estava de fato nas últimas, então fui ao banheiro e não consegui reaver o sono. Volta e meia isso acontece; uma emergência fisiológica. Ainda assim, com o quarto na penumbra e naturalmente frio, retornei para a minha rede e os cobertores.

Vocês sabem que em ocasiões dessa ordem, quando a gente se encontra insone por inteiro ou parcialmente, mil e uma maluquices nos vêm à cabeça. Então nos alcança um monte de besteirol, pessoas e meio mundo de lucubrações. No meio disso, fato corriqueiro, vêm ao meu juízo determinados temas que julgo aproveitáveis, com certo potencial para converter em uma crônica garranchosa.

Recordei-me, por exemplo, de uma dúzia ou mais de amigos que têm (coloco-me no meio deles) esse alumbramento visceral, comunhão, enlace com o exercício da escrita. Sim. É o que estou dizendo. Somos, de forma saudável, reféns espontâneos e um tanto orgulhosos dos vencilhos, das amarras da escrita. Como no verso de Camões, é estar preso por vontade, é servir a quem vence o vencedor. O bardo caolho é fora de série, extraordinário, um fenômeno da poesia. É incomparável.

Então penso, após todo esse nariz de cera, nos meus pares, nos meus amigos literatos, homens e mulheres dominados pelo micróbio da literatura. Alguns desses indivíduos inéditos em livro (por razões que a própria razão desconhece) seguem fugindo da raia, fazem ouvidos moucos ao chamado da Literatura. Lembro, mas que isso fique apenas entre nós, de figuras preciosas e cheias de hesitações como nosso querido arquivo ambulante Rocha Neto. E não apenas o Rocha. Há outros desertores da tinta e do tinteiro nesta Macondo nordestina. Faço aqui a vez de dedo-duro.

O que tanto esperam (insisto que esse assunto fique só entre nós) os senhores Marcos Araújo, Bruno Ernesto, Odemirton Filho, Ailson Teodoro, Raquel Vilanova e, entre outros, Bernadete Lino? Pois é, meus caros. A senhora Bernadete Lino, pernambucana que mora em Caruaru, tem o que verter para o papel. Ela, que me oferece a honra de sua amizade e tem um forte elo com nossa terra, possui uma biografia muito bonita. Estou certo de que um livro seu de memórias, considerando a clareza de seu pensamento e intimidade com nosso idioma, seria uma ótima contribuição às letras. João Bezerra de Castro, gramático vocacionado, pode afiançar o que digo.

A labuta da escrita, perdoem esta metáfora talvez de mau gosto, representa o nosso pão de cada dia, mesmo em se tratando (repito) de personagens que ainda não estrearam em livro. De repente alguém pode saltar e dizer que estou cobrando dos outros uma produção que eu próprio não reúno. Quem isto afirma não está de todo errado, considerando que sou autor de um só livro publicado.

Todavia, para quem não sabe, possuo quase dez títulos inéditos nos gêneros romance, contos, poesia e crônicas, tudo isso à espera de melhores horizontes financeiros ou da possibilidade de ser pego no pente-fino de concursos literário que oferecem premiação em dinheiro e, no mais das vezes, publicam a obra vencedora. Este é o caminho que percorro há tempos.

Ressalto, claro, que estou a anos-luz da fecundidade, da prenhez e dos recursos econômicos de autores de minha estima como Clauder Arcanjo, Ayala Gurgel e o prolífero e versátil Marcos Antonio Campos, três mosqueteiros, três espadachins bem-sucedidos nos salutares duelos com a arte do fazer literário.

Além desses três, e não menos meritórios, temos no País de Mossoró e no estado manejadores da língua portuguesa bem-aventurados como Vanda Maria Jacinto, Fátima Feitosa, Dulce Cavalcante, Margarete Freire, Lúcia Rocha, Júlio Rosado, Caio César Muniz, Cid Augusto, Jessé de Andrade Alexandria, Crispiniano Neto, François Silvestre, Carlos Santos, Inácio Rodrigues Lima Neto, Airton Cilon, Thiago Galdino, Marcos Pinto, Francisco Nolasco, David Leite, Honório de Medeiros, Antonio Alvino e, devido às condições da memória, outros mais que ora não recordo.

Todos, com um nível maior ou menor de arrebatamento, buscam esse pão nosso de cada dia que resulta em crônicas, contos, romances, poemas. No que me toca, enquanto cativo deste mister de arranjar palavras e exibi-las em páginas com um mínimo de qualidade, produzo coisas desse tipo: uma crônica um tanto quanto prolixa, mas sempre com a mão na massa do verbo do qual nos alimentamos.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 23/03/2025 - 07:34h

A ilha perdida

Por Odemirton Filho

Arte ilustrativa obtida com recurso de Inteligência Artificial para o BCS

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Na minha infância e na adolescência, as minhas disciplinas preferidas eram História e Geografia. Matemática? Deus me livre! Nas aulas de Português, gostava quando a professora fazia ditado, a fim de que pudéssemos escrever corretamente. E sempre gostei de ler, sempre.

Lembro da Série Vaga-Lume, com livros da escritora Maria José Dupré. Havia, também, a Coleção de livros do Cachorrinho Samba. Creio que li praticamente todos os livros que faziam parte dessas coleções.

Contudo, o livro que mais gostei de ler foi A Ilha Perdida, da mencionada escritora. Nele, dois garotos se aventuram em uma ilha, um deles se perde, e encontra um homem misterioso, um eremita que habita o lugar, chamado Simão. O garoto passa a morar com ele, e descobre um mundo desconhecido, explorando uma rica fauna e uma abundante flora.

A partir da minha adolescência, outros livros começaram a fazer parte do meu dia a dia. Li Machado de Assis, José de Alencar, entre vários autores nacionais. Li, também, livros de Sidney Sheldon.

Na fase adulta enveredei por vários caminhos, leio romances escritos por Jane Austen, Ernest Hemingway, Dostoievsky, entre outros literatos. Um livro que me encantou foi o Conde de Monte-Cristo, de Alexandre Dumas.

Há meses que tento “escalar” a Montanha Mágica, de Thomas Mann. O livro é denso, por vezes cansativo, mas hei de alcançar o “topo da Montanha”. Lembro que na minha juventude, pedi de presente ao meu pai a coleção de O Capital, de Karl Marx. Todavia, o meu velho não me presentou. Somente tempos depois, adquiri e li algumas páginas.

Atualmente, no entanto, sou apaixonado pelas crônicas. Não importa o tema ou o autor, se for crônica, leio. Tenho consciência que leio pouco, há muito o que ler e, sobretudo, aprender.

Mas, voltando à Ilha Perdida, o livro marcou a minha memória afetiva. Conta o livro que, quando o garoto consegue voltar para casa, e narra aos familiares a aventura que viveu, ninguém acreditou. Para provar que estava falando a verdade, retorna à ilha com algumas pessoas.

Todavia, o velho Simão soube se esconder e não o encontraram. Quando estavam voltando para casa num pequeno barco, o garoto viu uma mão acenando, lá da ilha perdida. Emocionado, ficando em pé no barco, gritou: “até um dia, Simão”.

Eis, portanto, o final de uma singela história que marcou a minha infância.

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 16/03/2025 - 08:02h

Sossego

Por Odemirton Filho

Imagem gerada com Inteligência Artificial para o BCS

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Chega-se a uma fase da vida que colocamos o pé no freio. A correria de tempos passados perde o sentido, pois se começa a perceber que mais dia, menos dia, tudo ficará para trás. Assim, ao amadurecer, começamos a dar mais valor a companhia daqueles que amamos.

Prezamos ficar ao lado dos nossos pais, achamos bom ouvir as suas histórias, adoramos sorrir com o seu sorriso; gostamos de curtir os nossos filhos e netos. Qualquer brincadeira ou palavra dita pelos netos é motivo de alegria. O que parecia tão trivial, começa verdadeiramente a ser importante, a ganhar o valor merecido.

Adoramos curtir a nossa própria companhia, a navegar nas lembranças e saudades que marcaram a alma. Tudo se torna leve. Já não queremos carregar em nossa bagagem o peso dos problemas. Tentamos esvaziar o coração, deixando-o bater num lento compasso.

Cada um procura vivenciar aquilo que faz bem. Vamos à praia e olhamos o horizonte, no qual vislumbramos o eterno. Quem gosta de sentir o cheiro da terra, sobretudo quando cai a chuva, encontra refúgio em uma fazenda ou num sítio. Toma-se uma taça de vinho, uma dose de cachaça, de uísque ou uma cervejinha para relaxar. Quem pode viajar por aí, viaja.

Vamos à missa ou ao culto para alimentar a fé; lemos um bom livro, uma boa crônica, daquelas que afloram bons sentimentos. Passeamos pelas ruas; e começamos a olhar os pássaros que habitam as árvores. Eu, por exemplo, gosto de ver – após regar as plantas do meu quintal – um lindo beija-flor batendo as asas em volta, ligeirinho, ligeirinho.

Enfim, queremos viver e curtir o singelo. Na realidade, o que há de mais valioso na vida.

Certa vez, o poeta Mario Quintana escreveu:

“De repente tudo vai ficando tão simples que assusta. A gente vai perdendo as necessidades, vai reduzindo a bagagem. A opinião dos outros, são realmente dos outros, e mesmo que seja sobre nós, não tem importância. Vamos abrindo mão das certezas, pois já não temos certeza de nada. E isso não faz a menor falta. Paramos de julgar, pois já não existe certo ou errado, e sim a vida que cada um escolheu experimentar. Por fim, entendemos que tudo que importa é ter paz e sossego, é viver sem medo, é fazer o que alegra o coração naquele momento.

E só”.

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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Categoria(s): Crônica
domingo - 09/03/2025 - 15:28h

Nunca deixe de sonhar

Por Odemirton Filho

Imagem gerada com recursos de Inteligência Artificial para o BCS

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“O sonho é que leva a gente para a frente. Se a gente for seguir a razão, fica aquietado, acomodado”, disse Ariano Suassuna. Sem dúvida, os sonhos nos levam a buscar os nossos objetivos, dando-nos força para seguir em frente, num mundo de tantas dificuldades.

É preciso muito jogo de cintura para encarar a vida, palmilhando o caminho com sonhos. Imagine você se não tivéssemos a capacidade de sonhar. Ficaríamos eternamente envolvidos pela labuta diária e pelos problemas. Cada um de nós tem a sua batalha, uns mais, outros, menos.

Quando somos crianças, inúmeros são os sonhos sonhados. Na adolescência, achamos que a vida se resume as farras com os amigos e aos namoricos. Depois, com o passar do tempo, após levar umas pancadas da vida, despertamos para o mundo, e passamos a sonhar, mas com os pés no chão. É assim que tem de ser. Sonhar, contudo, levando a vida com pragmatismo.

Difícil? Talvez. Entrementes, precisamos compatibilizar essa dualidade.

O fato é que nem todos têm as mesmas oportunidades. Há pessoas que nascem em berço de ouro, com múltiplas oportunidades; estudam em um bom colégio, viajam mundo afora, tem dinheiro. A maioria, porém, pelo menos neste país verde e amarelo, sonha em ter um prato com comida diariamente.

Muitos alunos vão à escola somente para ter a oportunidade de comer o lanche, quem sabe, a única refeição do dia. Ora, até o café e o ovo estão caros.

E digo mais: no meu ofício de oficial de Justiça, já intimei inúmeras pessoas que tem familiares envolvidos com drogas. Só eu sei o semblante das mães e das avós que aproveitam a minha presença para desabafar.

Incontáveis vezes escuto relatos de pais e avós que têm em casa filhos ou netos envolvidos com drogas. E não só as drogas ilícitas. O álcool há muito tem destruído os sonhos de muitas famílias, das mais variadas classes sociais.

Entretanto, apesar de cada um de nós carregar sobre os ombros um fardo maior ou menor, o importante é nunca deixar de sonhar, pois “o sonho é que leva a gente para a frente”.

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 09/03/2025 - 04:10h

Os habitantes do BCS

Por Marcos Ferreira

Imagem ilustrativa da Web – Creative Sign

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Duvidar, não duvido. Pois decerto existe no Brasil e no mundo quem desconheça o significado da nossa familiar sigla BCS, tão notória, por exemplo, quanto SUS, FBI, CIA, ONU ou a temida e extinta KGB, agência de espionagem e polícia secreta da igualmente morta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

Alguém ariscará dizer, entre outros equívocos, que se trata de Banco Central da Suíça. É possível, portanto, que existam indivíduos neste planeta que nunca tenham ouvido falar no Blog Carlos Santos (BCS). Além disso, alguns terráqueos não têm conhecimento (ignorância não menos grave) do rol de colaboradores do referido Blog.

Todo domingo, desde tempos imemoriais, cabeças singulares da intelectualidade mossoroense e de além fronteiras do RN exibem as suas tintas neste ilustrado espaço de opinião, arte e cultura. Temos aqueles que marcam presença de modo bissexto, esporádico, contudo há um punhado de articulistas que muito raramente deixam uma lacuna nestas manhãs domingueiras que contam ainda com o brilho e categoria de um sem-número de leitores e comentaristas de alto nível.

Os habitantes do BCS, tanto os cronistas, os poetas, os ficcionistas e, repito, o precioso rol de leitores e comentaristas, mantêm uma sintonia e fidelidade admiráveis. Encontramos neste gueto das palavras várias cucas talentosas, beletristas de responsa. Ninguém pode se queixar da produção intelectual que os homens de engenho deitam dominicalmente entre as quatro linhas desta vitrine da prosa, do verso e, como não poderia deixar de ser, com informes do atacado e do varejo da política norte-rio-grandense, nacional e mundial. Aqui, no tocante à informação e à cultura como um todo, os leitores dispõem de grande sortimento de ideias e debates.

Sendo um pouco indiscreto, permito-me citar os nomes de expressivos escribas que têm concorrido para o brilho e sucesso do BCS. Falo, entre outros, de malhadores de teclados como o próprio Carlos Santos, Marcelo Alves Dias de Souza, Honório de Medeiros, David Leite, William Robson, Marcos Pinto, Odemirton Filho, Bruno Ernesto, François Silvestre, Marcos Araújo e, mais recentemente, surge para enriquecer o escrete um tal de Ayala Gurgel. Este último, a meu ver, representa uma das mentes mais engenhosas e prolíferas da nova ficção norte-rio-grandense.

Quem quiser que diga que estou puxando o saco do BCS e dos seus habitantes dominicais. Não tem problema. O aplauso e a vaia são livres. Vivemos (ao menos até o momento) num país democrático. Sim. A democracia esteve seriamente ameaçada no governo anterior, todavia não sucumbimos ao golpismo.

Creio que em breve o “mito” (o espírito de porco, a degradante alma sebosa que infectou o Brasil, fez pouco-caso dos mortos pela pandemia e zombou de famílias enlutadas) está prestes a conhecer as acomodações de Bangu 8 ou da Papuda. Deixem estar.

Voltando à audiência e relevância do Blog, penso que não existem por aí muitos espaços assim, com tantos e tão bons poetas e prosadores. É um ambiente digital dos mais procurados pelo público leitor. Enfim, agora parodiando aquele frevo do Caetano Veloso, digo que só não vai atrás do BCS quem já morreu.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 02/03/2025 - 12:38h

Hoje é Carnaval

Por Odemirton Filho

Arte ilustrativa

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Na minha juventude eu gostava de brincar o carnaval. Era tempo de viver a vida sem qualquer preocupação, a não ser os estudos. A adolescência, creio, brinda-nos com os melhores momentos de nossas vidas.

Eu brincava o carnaval lá no clube Creda, em Tibau. Os meus pais compravam as senhas para que pudesse curtir os quatro dias; “compravam a mesa”, como se dizia.

No finalzinho dos anos oitenta, ainda se tocavam as marchinhas de carnaval, porém, o axé começava a despontar como ritmo a animar os foliões.

Lembro que quando tinha uns dez ou doze anos, os meus pais me levaram para um baile de carnaval na ACDP, no início dos anos oitenta. Acredito que foi um dos últimos bailes realizado no clube. Sentia um cheiro de perfume no ar, nem sabia o que era, e, sentado à mesa, tomava guaraná Antarctica. Meus pais, juntamente com amigos, divertiam-se pra valer.

Bandeirinha, um amigo de meu pai, gostava de cantar (desculpe o trocadilho), “bandeira branca, amor… Ele pensava que cachaça era água, mas cachaça não é água não ….

Tio Espínola (de saudosa memória) e tia Adna chegavam mais cedo lá em casa, na rua Tiradentes, e tomavam umas pra carregar as baterias, antes de irem para o clube com os meus genitores.

Disse meu pai que os carnavais no clube Ypiranga e da ACDP eram maravilhosos. À época, era comum os famosos “assaltos” nas casas de algumas pessoas, e os anfitriões serviam comida e bebida à vontade aos presentes.

O saudoso colaborador deste Blog, Paulo Menezes, também escreveu sobre os carnavais de outrora. Segundo ele, “os blocos de salão mais famosos da época eram: Hi-fi, Sky e Os vips. A recepção era com muita bebida e salgadinhos de finos paladares. Não faltava também o “Lança-perfume Rodouro”, aromatizando o ambiente e embriagando-nos ao tempo que nos transportava para um mundo de sonhos e fantasias”.

Era o tempo das marchinhas de carnaval. Aliás, “ô abre alas, que eu quero, eu sou da Lira, não posso negar, Rosa de Ouro é que vai ganhar…” foi a primeira, de autoria de Chiquinha Gonzaga, em 1899.

Ao lado de amigos, eu passava o dia na praia. Às vezes, quando o dinheiro acabava, e não dava pra comprar cervejas, deixávamos no “prego”, pois o dono da barraca era nosso “chegado”. “As águas vão rolar, garrafa cheia eu não quero ver sobrar, eu passo a mão, na saca, saca rolha, e bebo até me afogar”.

À noite era no clube Creda. A turma jovem lotava o espaço, e todos eram nossos conhecidos. Eram quatro noites de folia. Somente tempos depois o clube Álibi foi inaugurado.

Quando o carnaval da cidade de Aracati começou a ganhar fama, eu e alguns amigos, acompanhados por nossas namoradas, íamos até lá, numa das inúmeras aventuras da adolescência. “Chegou à turma do funil, todo mundo bebe, mas ninguém dorme no ponto…

Hoje, entretanto, a história é outra. A maturidade já não me anima a brincar o carnaval; curto os dias de momo ao lado da minha família, escutando músicas do meu gosto, acompanhado de umas boas doses, é claro, porque ninguém é de ferro.

Leia também: Um Carnaval que não será igual ao que passou (Paulo Menezes, 14/02/2021)

Enfim, peço desculpas por trazer à baila essas reminiscências, mas “eu quero matar a saudade (…) não me leve a mal, hoje é carnaval …

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 23/02/2025 - 07:28h

Crônica artificial

Por Odemirton Filho

Arte ilustrativa com uso de Inteligência Artificial para o BCS

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Um dia desses, por curiosidade, acessei um desses chats e solicitei a elaboração de crônicas sobre temas variados. Em poucos segundos, a Inteligência Artificial (IA) elaborou várias crônicas; textos bem-feitos, diga-se.

Pois bem, entramos na era da IA. É uma realidade da qual não podemos fugir, a tecnologia caminha a passos largos. Entre vários conceitos, pode-se dizer que “a Inteligência Artificial é um campo da ciência da computação que se dedica ao estudo e ao desenvolvimento de máquinas e programas computacionais capazes de reproduzir o comportamento humano na tomada de decisões e na realização de tarefas, desde as mais simples até as mais complexas”.

Segundo li, existem quatro níveis básicos de AI: a primeira, a “fraca”, está associada a tarefas simples, como trancar a porta do carro. A segunda, chamada de “geral”, é aplicável a atividades automatizadas, como na linha de produção ou gestão de lavouras. A terceira, “superinteligência artificial”, é utilizada em máquinas que podem decisões rápidas, a exemplo dos carros sem motorista. Por fim, a quarta, “generativa”, capaz de elaborar textos, imagens, códigos de programação, vídeos etc.

É inegável os avanços que a IA trará para a humanidade, embora muitos tenham receio dessa tecnologia de ponta. Entretanto, os avanços em todas as áreas do conhecimento humano, seja na medicina, na produção agrícola e no nosso dia a dia serão notórios, segundo os especialistas.

Contudo, no tocante ao ato de escrever, sobretudo, na elaboração de crônicas, nada substituirá o humano, os sentimentos que deixamos impressos ao escrever. Não quero nem imaginar, por exemplo, uma crônica sem a magia das palavras de Marcos Ferreira.

Escrever crônicas é navegar em sentimentos, lembranças e saudades. É resgatar tempos idos, esmiuçar o cotidiano. Como escrever sobre a beleza do mar ou do horizonte sem ter vislumbrado a paisagem? Como falar sobre o amor sem vivê-lo, senti-lo?

Uma crônica não pode ser artificial. A crônica é viva, pulsante. Escrever crônicas é fazer do feio, o belo, do menor, o maior. É observar a vida sob diversos ângulos, em diálogo com o leitor, que também embarcará nessas reminiscências.

Como bem disse Rubem Braga, dos nossos melhores cronistas: “escrever com sentimento tão fundo, e a mão tão leve, que não sei dizer o que quero, ou talvez não queira dizer o que sinto”.

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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Categoria(s): Crônica
domingo - 16/02/2025 - 14:54h

Ouvir é uma arte

Por Odemirton Filho

Arte ilustrativa com uso de Inteligência Artificial do AI Meta para o BCS

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Existe um poema do escritor Rubem Alves que diz: “sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir”.

E é verdade. Neste mundo, fala-se muito, ouve-se pouco. Todos querem falar, contudo, quase ninguém escuta o outro. Quase todos querem aparecer, mostrar-se ao mundo virtual, ser o dono da razão; as redes sociais estão aí para provar.

No entanto, às vezes, é preciso silenciar. Escutar. Ouvir, principalmente, a voz do coração. O silêncio tem muito a dizer. Escutar a voz do outro, os desejos de quem está ao nosso lado não é comum. Normalmente se quer ganhar no grito, pois ouvir é uma arte.

Será que realmente sabemos o que pensa o outro? Será que temos a sensibilidade para escutar o que a outra pessoa tem a nos dizer? Talvez, ela necessite ser ouvida. Ao escutar o outro, entramos no seu mundo e, quem sabe, podemos ajudá-lo de alguma forma.

Onde também existe muita zoada é no ambiente da política; fala-se demais, ouve-se de menos. Quase ninguém escuta os argumentos contrários aos nossos. Aliás, a paixão pelo candidato de nossa preferência tem nos tirado a razão. E eles estão lá, no “bem-bom”.

O exercício da cidadania não combina com paixão cega. Devemos acompanhar o político que elegemos, se ele tem realizado o prometido. O cidadão consciente de seu papel aponta os erros desse ou daquele político, mesmo o de sua preferência.

Enfim, “aquele que tem ouvidos para ouvir, ouça, disse-nos Jesus. Se és homem ou mulher de fé, escute a palavra de Deus. Ele tem muito a nos ensinar. No silêncio da nossa alma escutamos a sua voz. Sim, Ele nos fala, mas precisamos escutá-lo.

Nesse contexto, o cardeal José Tolentino escreveu:

“A audição se faz com os ouvidos, mas também com o coração, ouvindo o dito e não dito, o fora e o avesso, o presente e o futuro que é dado em cada instante”.

Tente diminuir a correria da vida. Fique em silêncio.

E escute.

Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos

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