domingo - 29/10/2023 - 11:28h

Aspectos da colaboração premiada

Por Odemirton Filho 

Ilustração da Politize

Ilustração da Politize

A Lei n. 12.850/13 define o que vem a ser organização criminosa, dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção de provas, infração penal correlatas e o procedimento criminal.

No seu bojo, precisamente no Art. 3º-A e seguintes, com as mudanças promovidas pela Lei n.13.964/19, a norma prevê o instituto da colaboração premiada, atualmente muito utilizado para a obtenção de prova em processos nos quais o interesse público é relevante; nos casos de corrupção nos entes públicos, por exemplo.

Diz o mencionado artigo: “O acordo de colaboração premiada é negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova, que pressupõe utilidade e interesse públicos”. A regra tem por objetivo que o colaborador tenha sua pena reduzida ou consiga a sua isenção. Acrescente-se que a colaboração premiada é ato pessoal.

Cabe destacar que o magistrado que homologa o acordo de colaboração premiada não está reconhecendo que as declarações do colaborador são verdadeiras, mas, tão-somente, atribuindo-lhe eficácia.

Conforme a norma, o recebimento da proposta para formalização de acordo de colaboração demarca o início das negociações e constitui também marco de confidencialidade, configurando violação de sigilo e quebra da confiança e da boa-fé a divulgação de tais tratativas iniciais ou de documento que as formalize, até o levantamento de sigilo por decisão judicial.

Caso não haja indeferimento sumário, as partes deverão firmar Termo de Confidencialidade para prosseguimento das tratativas, o que vinculará os órgãos envolvidos na negociação e impedirá o indeferimento posterior sem justa causa. No acordo de colaboração premiada, o colaborador deve narrar todos os fatos ilícitos para os quais concorreu e que tenham relação direta com os fatos investigados.

Atendidos os resultados previstos no Art. 4º, o juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal.

Existem muitos aspectos sobre o instituto, todavia, apenas alguns foram abordados, a fim de apresentar ao leitor uma visão sobre o tema.

Por fim, é interessante ressaltar as palavras do ministro do Superior Tribunal de Justiça, Antônio Saldanha Palheiro:

“O simples fato de ter sido frustrado acordo de colaboração premiada, ou mesmo o seu descumprimento, por si só, não justifica a imposição do cárcere. Em outras palavras, a prisão provisória não pode ser utilizada como moeda de troca ou punição antecipada àquele que, réu em processo penal, celebra ou está em vias de celebrar o mencionado acordo”.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Artigo
domingo - 08/10/2023 - 11:24h

Fé e devoção

Por Odemirton Filho

Devotos do 'santo' popular em Juazeiro do Norte (Foto: Kid Júnior/Diário do Nordeste)

Devotos do ‘santo’ popular em Juazeiro do Norte (Foto: Kid Júnior/Diário do Nordeste)

Ao pé da estátua do Padre Cícero Romão Batista, em Juazeiro do Norte, Ceará, centenas de pessoas, sob um sol escaldante, sentindo o mormaço, olham para o alto, escrevem seus nomes no monumento, e pedem a benção do Padim Ciço. São crianças, jovens, adultos, idosos; gente de todos os recantos do país, principalmente do Nordeste.

Romeiros andam pra lá e pra cá. Vários ônibus lotados de fiéis sobem ao local onde se encontra o monumento, algumas pessoas fazem o percurso a pé. Lojinhas vendem os mais variados produtos, terços, rosários, chaveiros, imagens etc. Visita-se à casa azul, na qual os romeiros fazem os seus pedidos, pagam suas promessas, veem fotos e objetos que pertenceram ao Padre Cícero.

A cidade do Juazeiro vive e respira a memória do Padre Cícero. Em quase todos os estabelecimentos comerciais se vê uma estátua ou foto; creio que em boa parte das residências   também seja assim, apesar do Padim não ter sido declarado Santo pela Igreja Católica.

No livro Padre Cícero, Santo dos Pobres, Santo da Igreja, de autoria da religiosa Annete Dumoulin, o Bispo emérito de Crato, Dom Fernando Panico, diz que em 2006 foi entregue à Congregação para a Doutrina da Fé um pedido de reabilitação histórica e canônica do Padre Cícero. O Pedido, segundo ele, foi sustentado em sólidos argumentos, fruto de profunda reflexão dos membros de uma comissão, composta por doutos em várias ciências.

Por outro lado, não vi nenhuma menção ao encontro entre o Padre Cícero e Lampião, no qual o sacerdote concedeu uma falsa patente de capitão ao cangaceiro, quando este visitou o município. Além disso, como sabemos, há outros fatos que maculam a biografia do Padre.

Entretanto, para a maioria das pessoas que visita o Juazeiro nada disso importa. O que vale é a fé e a devoção no Padim.

Consta que dois milhões de pessoas visitam anualmente a cidade. Há um forte turismo religioso, movimentando a economia da região metropolitana do Cariri, pois as acolhedoras cidades de Barbalha e de Crato são vizinhas do Juazeiro do Norte.

A região é quente, abafada; até mais que Mossoró. Lá estando, aproveitando a mítica do lugar, com a alma leve, também fiz as minhas orações. Agradeci a Deus pelo dom da vida; roguei aos céus saúde e paz para mim e os meus.

Lembrei-me da pretensão de se construir em Mossoró um monumento em homenagem à nossa padroeira Santa Luzia. Será que conseguiremos? Quem sabe. Sendo assim, socorro-me do Evangelho: “Homem de pouca fé, por que duvidastes”?

Aliás, a fé alimenta a alma de milhões de pessoas, sejam católicas ou não, por isso a tolerância religiosa deve ser cultivada em uma sociedade que pretende ser plural e inclusiva, pois de acordo com a Constituição Federal é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

Devo confessar que achei agradável conhecer Juazeiro do Norte (calor para mim não é novidade), presenciando a fé e a devoção das pessoas. Será ignorância do povo? Ora, quem somos nós para julgá-lo?

Talvez, as palavras do Bispo Fernando Panico, um dos arautos do Padre Cícero Romão Batista, lancem luzes para explicar tamanha devoção:

“Pelo testemunho perene dos romeiros e romeiras na Terra Sagrada do Juazeiro do Norte, não era possível acreditar que Padre Cícero fosse o “heresiarca sinistro” que Euclides da Cunha descrevia no seu livro Os Sertões. Certamente Padim Ciço tem algo de muito especial para ser objeto da” devoção de milhões de pessoas que vêm a Juazeiro para “visitá-lo”. 

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 24/09/2023 - 08:38h

Qual será o seu legado?

Por Odemirton Filho gramática, portugues, escrita, letras, jornalismo, imprensa,

Há algum tempo minha filha mais nova me presenteou com um livro. Um presente para ser devolvido, segundo ela. O livro apresenta várias perguntas, pedindo-me para escrever sobre a minha infância, sobre ser pai, sobre meus hobbies.

Achei interessante a proposta e, aos poucos, estou respondendo. Em cada resposta, resgato um pouco do meu passado; da minha infância. Infância de brincadeiras e sonhos. Infância vivida ali, nos arredores da Igreja de São Vicente e da praça do Codó, sentindo o calor do forno da antiga padaria de meu pai; comendo pão d’água e bolachas sete-capas.

Nos idos de 1980 o mundo era outro. Não havia internet nem redes sociais. O nosso mundo, real, eram as brincadeiras, o jogo de futebol na rua, o andar de bicicleta. A chegada de um parque de diversão, onde hoje se localiza o Teatro Dix-huit Rosado, era uma alegria para nós, crianças. A Festa de Santa Luzia era um acontecimento esperado durante todo o ano. Nas férias escolares, em janeiro, o mergulho no mar de Tibau.

Já ser pai é ficar “abestalhado” vendo os filhos nas apresentações da escola. É lutar diariamente para que os filhos possam seguir o caminho do bem. É se alegrar com suas vitórias, chorar com suas derrotas. É convencê-los que perder e ganhar faz parte da vida. Ensiná-los a serem honestos, principalmente, pelo exemplo; é entregá-los aos cuidados de Deus.

Os hobbies não são muitos. Fazer minhas leituras, escrever para o Nosso Blog (escritor, de verdade, é Marcos Ferreira, François Silvestre, Honório de Medeiros), viajar até onde minha grana permite; curtir uns shows; ficar ao lado da minha família. E, claro, tomar umas, ouvindo as músicas da década de oitenta, lembrando-me dos tempos da juventude.

Para finalizar, trago uma pequena história escrita por Martha Medeiros no seu livro Conversa na Sala. Conforme narrou, um dia estava em um velório e ouviu quando uma criança se aproximou do caixão onde estava o seu avô e disse: “obrigado, vô.”

Talvez, o menino estivesse agradecendo pelos momentos que curtiram juntos, pelos jogos do time do coração que assistiram no estádio de futebol, pelo sorvete de chocolate que tomaram, pelas brincadeiras, sorrisos e ensinamentos.

E continua a cronista:

“Nem o dinheiro que acumulou, nem a big casa que construiu, nem seus títulos e prêmios, nem seu sobrenome, nem suas postagens, nem sua pele sem rugas, nem as festas, nem a fama, nem seu passaporte megacarimbado, nada, nada, nada disso vai sobreviver.  

Nossa vida pode ter sido preenchida por muitos convites e conquistas, pode ter sido rica em experiências curriculares e sensoriais, mas só o que dá real sentido a ela é a nossa ampla e franca generosidade, é a visão amorosa e humanista sobre tudo o que nos cerca, é o esforço em deixar o mundo um pouco melhor do que quando aqui chegamos.  

Se não merecermos um “obrigado” verdadeiro ao final, aí sim pode-se dizer: que perda. Nossa vida terá sido em vão.

Um dia, quando minha filha folhear o livro, verá que fui um homem comum, com inúmeros defeitos e alguma virtude, mas que tentou legar algo de bom.

E você, qual será o seu legado?

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 17/09/2023 - 08:22h

E o novo Código Eleitoral?

Por Odemirton Filho

Plenário da Câmara dos Deputados aprova primeiro projeto da minirreforma eleitoral (Foto Lula Marques/ Agência Brasil/13-09-2023)

Plenário da Câmara dos Deputados aprova primeiro projeto da minirreforma eleitoral (Foto Lula Marques/ Agência Brasil/13-09-2023)

Com o objetivo de respeitar o princípio da anualidade, a Câmara dos deputados, mais uma vez, aprovou algumas mudanças na legislação eleitoral, a chamada minirreforma.

A urgência para aprovar alterações é em razão do princípio anualidade, o qual prescreve que “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”. (Art. 16. da Constituição Federal).

Assim, o legislador corre contra o tempo a fim de promover mudanças na lei que poderão ser aplicadas nas eleições municipais de 2024.

Entre as mudanças já aprovadas pela Câmara, destaque-se: a possibilidade de transporte público gratuito no dia das eleições, com linhas especiais para regiões mais distantes; oficializa-se as candidaturas coletivas para deputado e vereador. Além disso, substitui a pena de cassação de mandato, de quem for condenado por usar recursos ilegais, pelo pagamento de uma multa de até cento e cinquenta mil reais.

Pela minirreforma, a inelegibilidade de um político começa a contar da perda do mandato, e não mais somente a partir do fim do mandato para o qual foi eleito. Isto é, houve uma diminuição no tempo de inelegibilidade daqueles que praticarem ilícitos. Aplica-se, de igual modo, para os parlamentares que forem alvo de impeachment ou de processo por quebra de decoro parlamentar.

As cotas de gênero devem ser cumpridas pela federação partidária, ou seja, por um bloco de partidos, e não mais pelas legendas de forma individual. Os recursos destinados às campanhas femininas também poderão ser utilizados para custear as despesas com as candidaturas do sexo masculino.

Pelo texto aprovado, legaliza-se as doações por meio do PIX, autorizam-se recursos do Fundo Partidário para financiar a segurança de candidatos entre o primeiro e segundo turnos, proibindo-se o bloqueio judicial ou penhora de recursos do Fundo Partidário e Eleitoral em casos de condenação.

O texto da minirreforma irá agora para o Senado, o qual poderá modificar alguns pontos aprovados pela Câmara.

Pois bem. Percebe-se que no ano anterior as eleições o Congresso Nacional, muitas vezes de forma açodada, aprova mudanças na legislação eleitoral.

Contudo, indaga-se: e o projeto do novo Código Eleitoral? Por que o Senado não coloca em pauta, uma vez que já foi aprovado pela Câmara dos deputados?

Sem dúvida, seria uma forma de consolidar as várias normas existentes, conferindo segurança jurídica e racionalidade ao sistema eleitoral, evitando-se constantes mudanças na legislação.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 03/09/2023 - 09:44h

Autonomia dos Estados sobre dupla vacância no Poder Executivo

Por Odemirton Filho 

Ilustração do Jurinews

Ilustração do Jurinews

De conformidade com a Constituição Federal (CF), vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga; ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei. (Art. 81).

A determinação acima, como se observa, trata-se da hipótese de os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República ficarem vagos, não se aplicando as situações dos cargos de governador e vice-Governador dos Estados-membros.

E como ficará a situação dos estados quando houver a dupla vacância dos cargos do Executivo?

Para dirimir essa questão, o Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 969 decidiu, por unanimidade, que os estados têm autonomia para decidir no caso de dupla vacância no Poder Executivo local. Assim, Lei estadual disciplinará qual o modelo a seguir, atentando-se que quando a vacância ocorre nos últimos dois anos do mandato do chefe do Executivo, a eleição é indireta, ou seja, por votação dos membros do Poder Legislativo.

Além disso, é preciso obedecer ao princípio da unicidade da chapa, ou seja, deverá o registro ser realizado em chapa única de candidatos a Governador e Vice-Governador. A chapa, conforme o STF é indissociável. De mais a mais, é possível a votação aberta para a escolha dos candidatos.

A tese fixada no julgamento foi a seguinte: “Os Estados possuem autonomia relativa na solução normativa do problema da dupla vacância da Chefia do Poder Executivo, não estando vinculados ao modelo e ao procedimento federal (art. 81, CF), mas tampouco pode desviar-se dos princípios constitucionais que norteiam a matéria, por força do art. 25 da Constituição Federal devendo observar:

  1. a) A necessidade de registro e votação dos candidatos a Governador e Vice-Governador por meio de chapa única; b) a observância das condições constitucionais de elegibilidade e das hipóteses de inelegibilidade previstas no art. 14 da Constituição Federal e na Lei Complementar a que se refere o § 9º do art. 14; c) que a filiação partidária não pressupõe a escolha em convenção partidária nem o registro da candidatura pelo partido político; d) a regra da maioria, enquanto critério de averiguação do candidato vencedor, não se mostra afetada a qualquer preceito constitucional que vincule os Estados e o Distrito Federal.”

Portanto, como os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios da Constituição Federal, cabe ao ente federativo decidir sobre a dupla vacância no Poder Executivo local.

É o atual entendimento da Corte Maior.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 27/08/2023 - 08:24h

O quarto nunca esteve vazio

Por Odemirton Filho 

Foto própria do arquivo do Canal BCS (caráter ilustrativo)

Foto ilustrativa (Autor: BCS)

No portão da entrada de sua casa, o rapaz se despediu dos seus pais. Abraçou e beijou, de forma carinhosa, cada um. Viam-se lágrimas escorrerem nos rostos.

– Benção, mãe – Deus te abençoe, meu filho.

E partiu.

Partiu para começar uma nova vida longe da família. Foi trabalhar lá para as bandas da região Norte do Brasil.

Nos dias que se sucederam, a mãe do rapaz ficava a olhar o quarto do seu menino, tudo no lugar. O violão encostado em um canto; os carrinhos da coleção em uma estante; alguns livros do colégio. Cada vez que entrava no quarto sentia uma dor doída.

Não é fácil para os pais verem os filhos “ganhando o mundo”, mesmo sabendo que faz parte da vida. “Criamos os filhos para o mundo”, diz o ditado popular. Mas o pai e a mãe sofrem quando os filhos saem de casa. E deve ser imensurável a dor de quem enterra um filho. Rasga a alma.

Com aquela mãe não era diferente. Às vezes, ao preparar uma refeição, lembrava do filho. Vez em quando as lágrimas ajudavam a temperar o feijão. Nas festas de fim de ano e aniversários, sentia ainda mais a sua ausência. Lembrava do sorriso, das brincadeiras. Por vezes, a mãe ficava à janela, como se esperasse seu filho.

O tempo passou. O “menino” formou família, com mulher e filhos. Como o dinheiro era pouco, somente de raro em raro o filho vinha visitá-los; quando vinha, era uma festa. Nos dias que antecediam a chegada os preparativos eram muitos.

A mãe fazia uma boa faxina no quarto, elaborava um cardápio bem caprichado das comidas que o filho, a nora e os netos gostavam.

Eram dias de alegria, sorrisos. Os netos correndo pra lá e pra cá; brincando sobre a cama. A casa ficava viva. Sem falar nos passeios pela cidade, as visitas aos familiares, o banho de mar.

No dia da partida, porém, era uma tristeza. O menino vai ganhar o mundo de novo, pensava a mãe. O pai fazia-se forte, contudo, sentia um nó na garganta.

A mãe olhou para o quarto do filho; sem a bagunça e a alegria de outrora. Ouvia-se o silêncio.  Mas, na verdade, o quarto nunca esteve vazio. Sempre esteve repleto de saudades.

Deus te proteja, meu filho.

 Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 20/08/2023 - 08:30h

Sonho de infância

Por Odemirton Filho

Foto ilustrativa do Flickr

Foto ilustrativa do Flickr

Nestes tempos de internet e de redes sociais é comum ficar horas navegando pelo mundo virtual. Em casa, ou nos bares e restaurantes, observa-se pais e filhos teclando nos seus celulares e tablets. Aliás, não raro, vejo crianças que, ao fazerem suas refeições, não tiram os olhos das telas. Concorde-se ou não é a realidade atual; cada um educa os seus filhos como bem entende.

Pois bem. Dia desses, nas minhas diligências para proceder às intimações, vi algumas crianças jogando futebol no meio da rua. E confesso que fiquei surpreso; uma grata surpresa, diga-se. De uns tempos pra cá, vejo poucos garotos jogando pelas ruas das cidades.

Porém, recentemente, ao chegar à casa de uma senhora na cidade de Porto do Mangue, que vende café, sucos e lanches, conversei com o seu filho. O garoto, com uns dez ou doze anos, disse-me que seu sonho era ser jogador de futebol. Perguntei se jogava bem. Ele sorriu, encabulado, respondendo-me afirmativamente.

Incentivei-o a lutar pelo seu sonho, mas disse-lhe para não abandonar os estudos, ainda que buscasse o seu objetivo. Sonhar faz parte de nossas vidas, alimenta a nossa alma para que possamos correr atrás do que desejamos. Nem sempre conseguimos, é certo. Cair e, principalmente levantar, faz parte da jornada.

Entretanto, não podemos deixar de sonhar. Os sonhos nos fazem suportar o peso da vida. Talvez, o garoto da cidade de Porto do Mangue não consiga realizar o sonho de ser um jogador de futebol. Todavia, o desejo de dar uma vida melhor para sua família o motiva a perseguir seu objetivo. Oxalá consiga.

A infância e a adolescência, sobretudo, são recheadas de sonhos. Uns, conseguimos realizar, outros, não. Faz parte. Penso que o segredo é seguir em frente, sonhando com os pés no chão.

Depois do breve papo com o menino, tomei um café e fui cumprir os mandados judiciais. Ele, sem querer, despertou a minha memória afetiva, pois resgatei os doces sonhos da infância.

Lembrei-me, ainda, dos jogos de futebol lá na rua 06 de janeiro e na rua Francisco Ramalho. Veio à mente, com carinho, os jantares na casa dos meus avós e na casa dos meus primos.

Foi um tempo bom.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 06/08/2023 - 06:44h

A inconstitucionalidade da tese da legítima defesa da honra

Foto ilustrativa

Foto ilustrativa

Por Odemirton Filho 

Vem de longe a ideia de que o homem pode cometer feminicídio para lavar a sua honra com sangue. As Ordenações Filipinas, que vigoraram no Brasil à época do Império, permitiam ao homem cometer o crime contra sua esposa, se esta fosse flagrada em adultério.

A sociedade brasileira construída sobre bases patriarcais tolerava tais atitudes, pois a mulher não tinha os seus direitos fundamentais respeitados. Muitos foram os julgamentos no Tribunal do Júri que sustentaram a tese da legítima defesa da honra, absolvendo o acusado ou aplicando penas brandas.

Um dos casos mais famosos no país foi o da socialite brasileira Ângela Diniz, morta pelo seu companheiro, Doca Street. O julgamento foi um marco, mobilizando parte da sociedade contra os crimes passionais praticados contra as mulheres.

Apesar de todo o avanço da legislação em busca de se proteger a incolumidade física, psicológica e a vida das mulheres, sobretudo, com a entrada em vigor da Lei Maria da Penha, há um longo caminho a ser percorrido, haja vista que a violência contra o gênero feminino ainda é uma constante em nosso país.

Cabe explicar: a legítima defesa, se configurada, exclui o crime. A honra pode ser objetiva e subjetiva. A objetiva diz respeito ao conceito que a sociedade tem em relação a determinada pessoa. A subjetiva é a consciência que a pessoa tem de seu próprio valor, ou seja, sua autoestima.

Pois bem.

Na última terça-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional a tese da legítima defesa da honra, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF n. 779). Assim, nos julgamentos do Tribunal do Júri essa tese não pode ser sustentada, diante de sua inconstitucionalidade, pois ofende o princípio da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e a igualdade de gênero.

Mencionada tese ofende, sem dúvida, os direitos fundamentais das mulheres. Mostra-se em total desarmonia com os valores sociais vigentes, não tendo espaço em sociedade que busca ser plural, inclusiva e democrática. A igualdade entre homens e mulheres tem sido uma bandeira levantada há anos, devendo ser constantemente empunhada.

No julgamento, a ministra Cármen Lúcia, observou que a tese da legítima defesa da honra é mais do que uma questão jurídica: é uma questão de humanidade. “A sociedade ainda hoje é machista, sexista, misógina e mata mulheres apenas porque elas querem ser donas de suas vidas”.

Segundo o Núcleo de Estudos da Violência da USP, O Brasil registrou 1.410 feminicídios em 2022. Em média, a cada 06 horas uma mulher foi assassinada. Houve um crescimento de 5% em relação a 2021.

Percebe-se que os casos de feminicídios vêm crescendo, apesar do recrudescimento da legislação e campanhas publicitárias de combate à violência contra a mulher. Infelizmente, faz parte de nossa cultura o culto ao machismo, no qual se exalta os homens. Desde crianças ouvimos expressões como “homem não chora”, que lugar de mulher é na cozinha, além de outras de cunho eminentemente machista.

É sabido que relacionamentos começam e terminam. Falta ao homem a maturidade para entender que, apesar do fim do relacionamento, seja pelo motivo que for, deverá seguir em frente, e que a mulher não é sua propriedade.

Dessa forma, o julgamento do STF declarando a inconstitucionalidade da tese da legítima defesa da honra foi um avanço, sepultando de vez esse malfadado argumento jurídico.

Nas palavras de Roberto Lyra, “o verdadeiro passional não mata. O amor é, por natureza e por finalidade, criador, fecundo, solidário, generoso. Ele é o cliente das pretorias, das maternidades, dos lares e não dos necrotérios, dos cemitérios, dos manicômios. O amor, o amor mesmo, jamais desceu ao banco dos réus. Para os fins da responsabilidade, a lei considera apenas o momento do crime. E nele o que atua é o ódio. O amor não figura nas cifras da mortalidade e sim nas da natalidade; não tira, põe gente no mundo. Está nos berços e não nos túmulos”.

Esperemos que as futuras gerações possam alcançar esse grau de civilidade.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 30/07/2023 - 06:46h

Tribunais de Contas e inelegibilidade

Inelegibilidade, eleições 2020Por Odemirton Filho 

O Tribunal de Contas da União (TCU) é o responsável pela fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos órgãos e entidades públicas do país quanto à legalidade, legitimidade e economicidade.

À título de informação, existem no Brasil trinta e três Tribunais de Contas. Sendo o da União (TCU), nas 26 capitais e no Distrito Federal, dos Municípios do Estado da Bahia, Goiás e Pará e os Tribunais de Contas do Municípios de São Paulo e Rio de Janeiro.

De conformidade com o Art. 71 da Constituição Republicana, o controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete, entre outras atribuições, apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento.

Consoante o Art. 49 da Carta Maior, inciso IX, é da competência exclusiva do Congresso Nacional julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo.

E o que vem a ser a inelegibilidade? A inelegibilidade é a perda da capacidade eleitoral passiva, isto é, do direito de ser votado. A Lei da Ficha Limpa – Lei Complementar (LC) 64/1990, com alterações da LC 135/2010, entre outras hipóteses, diz que são inelegíveis:

“Os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição”.

Entretanto, no tocante ao Chefe do Poder Executivo – presidente da República, governadores e prefeitos, é necessário que o órgão legislativo correspondente, Congresso Nacional, Assembleia Legislativa e Câmaras Municipais, julgue a prestação de contas dos respectivos gestores, aprovando-as ou reprovando-as.

Ou seja, somente após o julgamento pela respectiva Casa Legislativa o gestor poderá ficar ou não inelegível, uma vez que o parecer técnico do Tribunal de Contas tem natureza meramente opinativa.

Aliás, foi essa a tese do Recurso extraordinário (n. 729744) em que se discutiu, à luz do art. 31 da Constituição Federal, se a competência da Câmara Municipal para o julgamento das contas do Chefe do Poder Executivo municipal é exclusiva, entendendo-se meramente opinativo o parecer prévio do Tribunal de Contas respectivo, o qual não pode substituir o pronunciamento da Casa Legislativa.

Portanto, percebe-se que os Tribunais de Contas, seja no âmbito da União, Estados e municípios, exercem relevante função, uma vez que analisam as contas prestadas pelos gestores públicos.

De toda forma, é sempre bom lembrar o ensinamento do professor José Afonso da Silva: “ora, o princípio da prestação de contas da administração pública, direta ou indireta, só tem eficácia de princípio de Estado Democrático enquanto as demais instituições de apuração dessas contas gozarem de autonomia e prestígio para o cumprimento dessa elevada missão, do contrário tudo não passará de mero exercício de formalidade vazias de resultados práticos”.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 16/07/2023 - 07:22h

O valor da gratidão

Por Odemirton Filho gratidão, flores

Tomou um gole do café, ainda fumegante. Vestiu-se e foi para mais um dia de trabalho. Estava cansado da rotina. Há anos que sua vida era a mesma. De casa para o trabalho; do trabalho para casa. Quase não saía para passear ou viajar, embora tivesse condições financeiras.

Morava sozinho. Estava separado de sua mulher; não tiveram filhos. Os seus pais eram falecidos há tempos. O único irmão não queria conversa com ele. Tinha um ou dois amigos, mas quase não se encontravam para jogar conversa fora.

O percurso para o seu trabalho era de três quarteirões de onde morava. No caminho, observava o corre-corre das pessoas. Tudo como sempre foi. As lojas do comércio com os vendedores à espera de clientes; as paradas de ônibus lotadas de pessoas para irem aos seus destinos.

No rosto da maioria, desânimo. Com certeza, muitos estavam com problemas. O dinheiro pouco, talvez com famílias desestruturadas, desempregados; sem perspectiva de dias melhores.

Ele, ao contrário, tinha um bom salário, trabalhava em um escritório de uma empresa multinacional. Morava num excelente apartamento; um bom carro na garagem, ambos quitados.

Entretanto, reclamava de tudo e de todos. Era um “chato de galochas”, como diziam os colegas de trabalho. Nada o agradava. Nunca participou das festas de final de ano da empresa.

Certa vez, numa noite fria, ia do trabalho para casa; caía uma garoa. No caminho encontrou um homem sentado na calçada, o qual lhe pediu algum trocado. Com cara de poucos amigos, meteu a mão no bolso e deu ao pedinte uma cédula de dez reais. O homem sorriu e agradeceu.

“O chato de galochas”, para não perder a oportunidade de reclamar, perguntou:

– O que deseja desta vida ingrata, meu senhor?

– Ah, meu amigo, eu só queria saúde, um emprego e uma casa, respondeu o pedinte.

Ele ficou em silêncio; seguiu para o seu apartamento, pensativo. Ao deitar na cama, depois de anos deu valor a tudo o que tinha, agradeceu a Deus, principalmente a saúde.

E chorou. Chorou copiosamente.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 02/07/2023 - 11:38h

Paixão pela profissão; amor pelo mar

Por Odemirton Filho 

Tibau, jangada, (Foto de Ricardo Lopes)

Tibau, jangada, (Foto de Ricardo Lopes)

“A jangada se perde de mar afora. E à boca da noite vai chegando. É um ponto branco no horizonte. Doze horas de alto-mar, de paciência, de espera, de linhas soltas, na espreita das ciobas, das cavalas. Vai chegando. Veranistas se juntam para a compra do pescado. Seu João já encostou a jangada na praia” (…).

O texto acima é um fragmento de uma crônica de José Lins do Rêgo sobre a vida de um pescador. Mostra, com clareza, a labuta diária de quem se aventura no mar, ainda nas madrugadas frias.

Quando vou à cidade de Porto do Mangue pra exercer o meu ofício vislumbro na belíssima praia da Ponta do Mel, na Pedra Grande e na calmaria da praia do Rosado algumas jangadas na areia. E faz um bem danado a minha alma. Na maioria das vezes, não há um pé de pessoa. Só a imensidão do mar e um mundão de areia; a beleza da obra talhada pelas mãos de Deus.

Há algo na vida desses pescadores que me fascina. Talvez, seja a lembrança dos dias da minha infância, quando em férias, brincando na areia da praia, via as jangadas chegaram à beira-mar e os pescadores vendendo os peixes, ainda frescos, debatendo-se num carcomido cesto de palhas.

Vez ou outra, converso com um deles pra ouvir as suas aventuras. Decerto, deve existir um ou outro exagero nas “estórias”. Não me importo. Gosto de prosear. Falam-me da lida, do dinheiro pouco. Mas falam, principalmente, da paixão pela profissão, do amor pelo mar. Deixo claro, porém, que não quero romantizar as dificuldades enfrentadas por eles, de sol a sol. São muitas.

Certa vez, caminhei bastante sobre as dunas da praia do Cristóvão para fazer uma intimação. A casa ficava distante, num ponto alto. Sob um sol escaldante, com os pés atolando nas dunas “pegando fogo” consegui chegar à residência. Uma casa simples, de taipa. O velho pescador me ofereceu água e café. Sentei-me por um bocado de tempo apreciando a linda paisagem.

Ao ler o texto de Lins do Rêgo, lembrei-me dessa diligência e fiquei a imaginar aquele pescador como um personagem da crônica do autor de Menino de Engenho.

“Agora, espichado na porta da casa de palha, olha para o céu. Sopra o vento nos cajueiros floridos e há o barulho dos coqueiros agitados. Seu João vê a lua, vê manchas na lua. Levanta-se e vai dizendo para a mulher”:

“Amanhã é dia de cavala. A lua está dando o sinal”.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Crônica
domingo - 25/06/2023 - 07:24h

Sobre o marco temporal

Por Odemirton Filho 

Movimento dos povos originários (Foto: Uol)

Movimento dos povos originários (Foto: Uol)

Nos últimos tempos o debate sobre as terras dos povos originários tem ganhado destaque nas discussões jurídicas. O Supremo Tribunal Federal (STF), guardião da Carta Maior, debruça-se sobre a temática, com o objetivo de encontrar uma solução para o caso. Na verdade, não é uma discussão simples, pois envolvem questões culturais, sociais e econômicas.

Desse modo, suscita-se a tese jurídica chamada de marco temporal, a qual pretende modificar a forma da demarcação de terras ocupadas pelos indígenas.  De acordo com a tese, somente os grupos indígenas que ocupassem as terras no momento da promulgação da Constituição Republicana de 1988, cinco de outubro, teriam direito de reivindicar a posse das terras.

Conforme o Art. 231 da Constituição Federal são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

Sobre o mencionado Artigo, ensina o professor José Afonso da Silva: “O tradicionalmente refere-se, não a uma circunstância temporal, mas ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem a terra, e ao modo tradicional de produção, enfim, ao modo tradicional de como eles se relacionam com a terra, já que há comunidades mais estáveis, outra menos estáveis (…).

Pois bem. O caso sob julgamento perante a Corte Maior, diz respeito à reintegração de posse, requerida pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA), de uma área localizada em parte da Reserva Biológica do Sassafrás (SC), declarada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) como de tradicional ocupação indígena.

Em setembro de 2021, o relator da ação, ministro Edson Fachin, asseverou que o direito à terra pelas comunidades indígenas deve prevalecer, ainda que elas não estivessem no local na data de promulgação da Constituição. Em sentido contrário, o ministro Nunes Marques entendeu que essa data deve prevalecer.

O julgamento do Recurso Extraordinário n. 1017365 foi suspenso, em razão de um pedido de vista do ministro André Mendonça. Na ocasião, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que “é uma questão que vem afetando a paz social por séculos sem que haja, até hoje, um bom e efetivo modelo a ser seguido”. Há de se levar em conta a segurança jurídica, sem dúvida.

É inegável que existem sensíveis interesses sociais e econômicos em questão. De um lado, os povos originários, de outro, há aqueles produtores rurais que adquiriram as terras de boa-fé, produzindo e gerando riqueza. Segundo Moraes, nesse caso, comprovando-se que os proprietários adquiriram legalmente as terras, a União deveria indenizá-los.

Entretanto, no julgamento do marco temporal não pode esquecer que os povos originários já ocupavam o território brasileiro antes, muito antes, da promulgação da Constituição. Delimitar uma data, seria, como dizem alguns, apagar a história dos silvícolas que aqui já viviam. Por outro lado, sempre há grupo de pessoas, de lado a lado, utilizando-se de má-fé. É fato.

Portanto, o julgamento do marco temporal é uma questão que envolve valores culturais e sociais, além de impactos econômicos, devendo o Supremo Tribunal Federal julgar o caso com razoabilidade, compatibilizando os relevantes interesses em disputa, preservando-se direitos históricos, sem esquecer o desenvolvimento do país.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 18/06/2023 - 10:48h

Respeito ao princípio do in dubio pro sufrágio

Por Odemirton Filho 

Votação em urna eletrônica (Foto: Agência Senado)

Votação em urna eletrônica (Foto: Agência Senado)

De acordo com a Constituição Federal, todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, bem como, que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos.

Expliquemos.

O povo exerce o poder, indiretamente, quando elege seus representantes por meio do voto e, diretamente, quando participa de plebiscito, referendo e iniciativa popular.  O sufrágio universal significa que a todos é garantido o direito ao voto, não havendo restrição, desde que preenchidos os requisitos legais, idade, domicílio etc. O voto tem o mesmo valor para todos. O sufrágio é o direito; o voto é a materialização desse direito.

Entretanto, não é de hoje que mandatos são cassados pela Justiça Eleitoral, causando perplexidade e indignação aos eleitores, pois os seus candidatos perderam o cargo em razão de uma decisão da Justiça.

Várias são as ações de investigação judicial eleitoral por abuso de poder econômico e político, por fraude à cota de gênero, por meio de ação de impugnação de mandato eletivo ou representação por captação ilícita de sufrágio (compra de votos).

De que adianta votar, se o meu voto não vale, questiona o eleitor.

Pois bem. O princípio do in dubio pro sufrágio (em dúvida a favor do sufrágio) é exatamente isso: se não há provas robustas, se não existem elementos fáticos-probatórios que embasem a cassação de qualquer mandato eletivo, deverá a Justiça eleitoral preservar o mandato do eleito, não declarando qualquer tipo de nulidade, em respeito ao mencionado princípio.

Nesse sentido, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu:

“Captação ilícita de sufrágio. Necessidade de robustez probatória. Provas inábeis para comprovar a prática dos ilícitos […] 1. A prática de captação ilícita de sufrágio, descrita no art. 41–A da Lei nº 9.504/1997, consubstancia–se com a oferta, a doação, a promessa ou a entrega de benefícios de qualquer natureza pelo candidato ao eleitor, em troca de voto, que, comprovado por meio de acervo probatório robusto, acarreta a cominação de sanção pecuniária e a cassação do registro ou do diploma. 2. Na espécie, a condenação do recorrente se embasou apenas em denúncias anônimas e na apreensão de drogas, santinhos e títulos eleitorais na casa dos investigados, sem que houvesse provas de que esses seriam cabos eleitorais do candidato. 3. Das provas carreadas aos autos, em especial a transcrição dos depoimentos das testemunhas, não é possível o reconhecimento da captação ilícita de sufrágio imputada ao então candidato, atraindo a incidência do princípio do in dubio pro sufrágio […] 6. Conclui–se que as provas produzidas carecem da robustez suficiente a demonstrar a ocorrência da captação ilícita de sufrágio […] de modo que resta inviabilizada, destarte, a aplicação das sanções previstas nos arts. 41–A da Lei nº 9.504/1997 […]” (AI n. 68543).

Não por acaso, reza o Art. 219 do Código Eleitoral que na aplicação da lei eleitoral o juiz atenderá sempre aos fins e resultados a que ela se dirige, abstendo-se de pronunciar nulidades sem demonstração de prejuízo.

Por outro lado, não podemos fingir que inexistem crimes nas campanhas eleitorais. Não é de hoje que a compra de votos, o abuso de poder econômico e político, entre outros ilícitos, fazem parte do jogo, o velho toma lá, dá cá. A maioria dos candidatos e eleitores se acostumou com essa prática. Há, sem dúvida, uma culpa recíproca. Por consequência, eleições viciadas não são legítimas, maculando o processo democrático.

Quanto ao julgamento das ações eleitorais, torna-se imprescindível observar a proporcionalidade e a razoabilidade, sobretudo, quando a decisão decidir pela cassação do mandato eletivo do parlamentar ou do chefe do Executivo, em respeito ao princípio do in dubio pro sufrágio.

O poder emana do povo, diz a Constituição Federal.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 04/06/2023 - 10:24h

Tibau de todos os tempos

Por Odemirton Filho

Foto de Jânio Rêgo (Arquivo)

Foto de Jânio Rêgo (Arquivo)

Recentemente li um livro sobre a nossa praia de Tibau. De autoria da jornalista Lúcia Rocha, o livro é sensacional, tendo o título desta crônica. Realizou-se uma pesquisa sobre a história da cidade-praia, por meio de livros e jornais. 

Há um resumo de textos de pessoas que escreveram sobre a praia de Tibau. É uma leitura leve, embalada por lembranças e saudades. Existem, também, fotos, textos de livros, jornais e redes sociais.

Em cada texto, percebe-se o mergulhar no passado e o resgate de fatos marcantes da infância e adolescência dos autores. Para mim foi uma agradável surpresa, pois contam-se fatos que desconhecia.

Segundo Lúcia Rocha, Henry Koster, de nacionalidade portuguesa, passou por Tibau em 1810 e viu os morros de areias coloridas. Até a década de 1920, a praia era chamada de “o povoado de Tibau”, depois, a partir de 1950, “praia de Tibau”. Em 1927, serviu de refúgio para algumas famílias, por medo do bando de Lampião.

“Antes de 1932, quando construíram a estrada de rodagem, Tibau era citada como um lugar distante, quase inalcançável, ou seja, uma aventura sair de Mossoró para Tibau. (…) Os primeiros veranistas, da década de 1890, só alcançavam Tibau a cavalo. A partir de 1900, vinham em carros de bois. Saíam de Mossoró num dia e chegavam no outro, sempre pernoitando em alguma fazenda no meio do caminho”, afirmou a autora na apresentação do livro

O primeiro texto sobre Tibau foi publicado pelo português Henry Koster, inicialmente em um jornal de Londres, em 1816. Em 1903, o jornal O Mossoroense republicou. Eis o teor:

“À volta do meio-dia passamos perto de uma choupana onde residia o vaqueiro de uma fazenda e imediatamente depois deparamos o monte de areia, chamado Tibau, junto do qual se vê o mar. Escassamente descrevo as sensações que essa visão determinou. Parecia-me estar em casa, com todos os meus hábitos. A nascente d`água perto da cabana estava esgotada, mas existia outra, além do monte, dando ainda uma pequena provisão. Paramos para descansar ao meio-dia numa pobre choça, erguida no alto da duna pelos moradores da fazenda, e servindo para preparar o pescado. Tinham-na construído bem no cimo, por estar completamente exposta ao vento. A descida para o mar era rápida, mas não perigosa e a frouxidão do areal prevenia contra qualquer possibilidade do cavalo escorregar e rolar até em baixo” (…). 

No livro, como disse, encontram-se vários textos sobre Tibau, são páginas permeadas de histórias. Entretanto, compartilho com o leitor fragmentos da crônica Tibau do meu tempo, escrita pelo jornalista Dorian Jorge Freire:

“A gente viajava para Tibau logo depois das festas de Santa Luzia. Viajávamos de caminhão, dia 14 ou 15 de dezembro. Saíamos de madrugada ou ao entardecer. Os dias anteriores eram ocupados por preparativos. Compra de mantimentos, confecção de maiôs, arrumação de coisas. no dia da viagem a alegria era absoluta(…). Tínhamos uma casa na praia. Talvez num de seus melhores locais. Casa simples, mas grande. E, lá embaixo, na orla da praia, o Pinga grande, de chão amosaicado”.   

Para minha surpresa, a casa na qual Dorian descreve esses momentos é vizinha a dos meus pais, muro com muro, como se diz, hoje pertencente ao casal Carlos Augusto-Rosalba.

Pois bem. Lembrei-me, de igual modo, da minha infância. Da alegria de entrar o ano novo em Tibau. De uma ruma de primos reunidos no alpendre lá de casa. Dos churrascos que começavam ao meio-dia e entrava pela escuridão da noite. Do meu pai cantandoacompanhado por tio Albeci, da banda Os Bárbaros, dedilhando o seu violão.

Noutros tempos, faltava energia dia sim, no outro também. Para se comunicar com o mundo, precisávamos ir ao Posto da antiga Telern para fazer ligações, na rua principal, onde ficava, também, a Casa da Revista.

De manhã, era o banho de mar, o jogo de futebol. Depois do almoço, esperávamos o menino passar pela rua pra comprar grude e tapioca. E ainda comíamos o bolo de leite preparado pela nossa querida Socorro. À tardinha, eu e meus primos íamos brincar no morro do labirinto. Após, sujos e suados, voltávamos para a casa dos nossos avós, seu Vivaldo e dona Placinda, um dos palcos de nossas traquinagens.

Continuando a falar sobre o livro, sirvo ao leitor mais um pedaço da deliciosa crônica de Dorian Jorge Freire:

“Aos sábados e domingos havia bailes nas casas. Na casa de Humberto Mendes, principalmente. Bailes com violões, sanfonas, pandeiros. Animados pelos donos da casa. Quantos amores começaram no velho Tibau de Guerra? Quantos suspiros de bem-querer, testemunhados apenas pelas areias movediças dos morros, pelos ventos que vinham domar e se enfurnavam nas redes dos alpendres? Nos dias comuns, às noites, as visitas às casas próximas. O pessoal diante das casas, contando histórias, cantando, namorando no escuro”. 

Veio-me à memória os dias da minha adolescência. As festas nos clubes Creda e Álibi. Os Carnavais, os campeonatos de surf realizados por Biton, as escadarias do bar de Zé Félix e do Brisa del mar. Lembrei-me, ainda, que comprávamos gasolina para abastecer os carros numa mercearia que ficava na rua do atual Supermercado de Nilo Nolasco, pois não havia posto de combustível.

Aos domingos, principalmente na época de veraneio, uma ruma de ônibus dirigia-se à praia do Ceará trazendo uma multidão para curtir o sol, o mar e a pedra do chapéu. Lá de casa, no denominado “Tibau antigo”, eu escutava, e ainda escuto, o badalar dos sinos da Capela de Santa Teresinha convidando para as missas.

Era a Tibau dos banhos de mar no fim da tarde, já na boca da noite. No período da lua cheia, as ondas arrebentavam com força, e batiam no paredão da residência de Dr. Rosadinho. Foi em Tibau, na casa do meu querido e saudoso amigo Márcio Iuri, que conheci a minha mulher, com a qual há mais de trinta anos divido os meus dias.

Sim, tudo muda. E a Tibau de hoje é a Tibau dos condomínios luxuosos, que se estende até a praia de Gado Bravo. Aliás, no meu tempo de menino-rapaz, de Gado Bravo eu só me lembro do restaurante de Marcos Porto. E era uma lonjura.

Ora, vejam como é a vida. Atualmente, um dos meus locais de trabalho é, exatamente, a praia do junho dos meus dias. A cada diligência eu conheço mais um pedacinho de Tibau. E a cidade continua crescendo, de forma desordenada, tornando-se difícil encontrar as pessoas nos seus arredores.

Parafraseando o mestre Dorian: Tibau de minha mãe, a praia que ela gosta de ir todos os anos, sem falta. Mudei eu? Mudou Tibau? Não sei. Mudamos ambos.

Tibau pode ter mudado, mas continua no meu coração, pois foi a praia da minha infância e a adolescência. Nos dias atuais, eu caminho pela praia, sinto a brisa em meu rosto, a água lambendo os meus pés. Já não arrisco nadar até as jangadas paradas a certa distância da beira do mar. Apenas aprecio no horizonte as suas velas brancas e o deslizar sobre as águas, conduzidas, quem sabe, com ajuda do espírito do velho pescador Tidó.

Tempos atrás, quando meus filhos eram crianças, levei-os para fazerem castelos de areia e mergulharem nas águas que molharam a minha infância. Hoje, rogo a Deus que me conceda vida e saúde para um dia levar os meus netos.

Bem, vou parando por aqui. Desculpe o texto extenso, sei que em outras crônicas já narrei muitos dos fatos descritos, todavia, a leitura do livro de Lúcia Rocha despertou na minha alma doces lembranças e saudades muitas.

Recomendo o livro Tibau de todos os tempos a todos que queiram conhecer um pouco da história da cidade-praia, deleitando-se com uma leitura agradável.

Por derradeiro, apesar de ainda ter muito a dizer, comungo das palavras do nosso cronista maior, Dorian Jorge Freire:

“Tibau do grande mar generoso, da taioba, dos pingas, das garrafas de areia, dos bailes, da capelinha, dos porres monumentais”. 

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Crônica
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domingo - 28/05/2023 - 12:30h

O caso Vini Jr. e o princípio da extraterritorialidade

Por Odemirton Filho Justiça no Brasil,

Nos últimos tempos o jogador brasileiro do Real Madrid, Vinícius Júnior, tem sido alvo de racismo por parte de algumas pessoas. Não digo torcedores, pois acredito que essa nomenclatura somente deve ser utilizada para aqueles que realmente entendem o verdadeiro espírito de uma atividade esportiva.

O jogador, apesar de todo seu talento, tem sofrido ataques inconcebíveis por parte de alguns fanáticos. É repugnante o comportamento de alguns cidadãos em pleno Século XXI, com atos racistas.

Há, parece-me, um retrocesso em termos civilizatórios em todo o mundo, com culto ao nazismo, atitudes xenofóbicas, intolerância, ódio, atos racistas e radicalismo político-partidário.

Destaque-se, que o episódio ganhou repercussão mundial em consequência da fama do atleta. Todavia, como sabemos, atos racistas são praticados contra várias pessoas, aqui e ali.

O fato é que após vários atos racistas contra o jogador, finalmente as autoridades espanholas e entidades internacionais do mundo do Futebol estão imbuídas no combater ao racismo, uma chaga que, há tempos, deveria estar banida da sociedade.

Na última quinta-feira, conforme noticiado pela imprensa, o Ministério Público da Espanha denunciou algumas pessoas envolvidas nos atos criminosos.

Entretanto, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, afirmou que o Brasil poderia aplicar o princípio da extraterritorialidade no caso do jogador, em razão de uma eventual inércia de apuração dos fatos pelas autoridades espanholas.

Sobre o tema, entendamos o que vem a ser esse princípio, de forma geral.

De acordo com o professor Cleber Masson, extraterritorialidade é a aplicação da legislação penal brasileira aos crimes cometidos no exterior. Justifica-se pelo fato de o Brasil ter adotado, relativamente à lei penal no espaço, o princípio da territorialidade temperada ou mitigada o que autoriza, excepcionalmente, a incidência da lei penal brasileira a crimes praticados fora do território nacional.

O Art. 7º do Código Penal brasileiro diz que ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro, a prática de alguns crimes. Estes crimes podem ser divididos em condicionados e incondicionados.

No caso concreto, seria um crime incondicionado. Saliente-se que o nosso país é signatário da Convenção Sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação racial da ONU, bem como da Convenção Interamericana contra o Racismo.

A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas, ou seja, o crime ser cometido contra brasileiro e ser punível no país onde ocorreu, além disso o acusado precisa entrar no território brasileiro, entre outras condições.

Assim, percebe-se que a adoção de referido princípio da extraterritorialidade não é simples, exigindo-se algumas condições para a sua aplicação.

Esperemos que as autoridades do futebol e os agentes públicos da Espanha adotem providências para punir os infratores, em respeito àqueles que, como Vini Jr. sofrem atos racistas.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Artigo
domingo - 28/05/2023 - 04:44h

Por que escrevemos

Por Marcos FerreiraPor que escrevemos #

Todo domingo é assim. Pomos a cara fora e tratamos sobre um monte de assuntos. Há uns que caem no gosto do público leitor, e o cronista é logo aplaudido por seu texto. Pois bem. O Blog Carlos Santos (Canal BCS) é isto: um reduto desses intelectos, e atrai pessoas dos mais diversos estratos humanos e níveis críticos. São um show à parte os comentários vistos no espaço reservado à opinião dos leitores.

Assim como eu, alguns articulistas se autodenominam escritores. Não tiro a razão de ninguém. Já outros, mais contidos quanto modestos, preferem informar suas profissões e status curriculares. Para os quais tiro o chapéu.

Aos domingos, então, expomos nossa escrita acerca de um sem-número de temas. Há aqueles, todavia, que se atêm a um determinado campo temático, a exemplo do doutor Marcelo Alves Dias de Souza, aguçado bateador da história da Literatura e dos seus autores, tanto os bambas das letras nacionais quanto estrangeiras. Temos também a verve suave e envolvente do cronista Odemirton Filho.

Vez por outra é François Silvestre quem ataca com uma crônica, artigo ou poema neste espaço. François, com legitimidade, é mais um que se declara escritor. Possui biografia, histórico e estatura para dizer-se como tal.

Temos, ainda, o não menos doutor e professor Marcos Araújo, cuja inteligência e mérito literário não ficam a dever a nenhum de nós. O mestre Honório de Medeiros é outro que volta e meia dá o ar da graça com uma página de apreciável rutilância. Semana passada deu-se a estreia do ilustrado Hildeberto Barbosa Filho, professor da UFPB, poeta, escritor e membro da Academia Paraibana de Letras.

Por essa ou aquela razão, enfim, todos escrevemos. Uns com periodicidade definida, enquanto fulano e beltrano comparecem de maneira esporádica, feito procedem o doutor Marcos Araújo e Honório de Medeiros. O importante é escrever, ter onde publicar e contar com o interesse de nove ou dez leitores.

Se me perguntarem por que escrevemos, digo que é menos por dom que necessidade. Abrimos uma brecha em nossas agendas (a maioria possui isso) e nos dedicamos a compor algo com um mínimo de literariedade.

Marcos Ferreira é escritor

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domingo - 21/05/2023 - 09:34h

A importância da cultura dos precedentes judiciais

Por Odemirton Filho 

No último dia 15 o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) realizou a terceira edição do projeto “Diálogos com a Vice”, com a participação do ministro do Superior Tribunal Justiça, Marcelo Navarro Ribeiro Dantas.

Foto ilustrativa

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Na ocasião, discutiu-se a importância da cultura dos precedentes judiciais e a sua maior aplicabilidade.

Contudo, o que vem a ser um precedente judicial? Para responder essa pergunta é de bom tom diferenciar precedente, jurisprudência e súmula.

Precedentes são decisões judiciais que, baseadas em casos concretos, servem de base para outros julgamentos de casos semelhantes.

Jurisprudência significa o conjunto das decisões, aplicações e interpretações das leis, ou seja, um conjunto de decisões reiteradas dos tribunais.

Já as Súmulas são orientações dos tribunais para que seja adotada um entendimento dominante, uma consolidação objetiva da jurisprudência.

Destaque-se, que, conforme o professor Daniel Amorim, nem toda decisão, ainda que proferida pelo tribunal, é um precedente. Uma decisão que não transcender o caso concreto nunca será utilizada como razão de decidir de outro julgamento, de forma que não é considerada um precedente.

O cidadão quando procura o Poder Judiciário precisa de uma resposta ao seu pedido, por meio de uma ação judicial. Assim, quando do mesmo fato, decorrem decisões diferentes, o jurisdicionado não entende, atribuindo descrédito à Justiça.

À título de exemplo, cite-se um caso ocorrido em Petrolina (PE), no qual um empreendedor fez a entrega de moradias populares sem que houvesse o fornecimento de água. A questão chegou ao Judiciário, sendo julgada de forma diferente. “Das 200 famílias que estavam no empreendimento, um vizinho ganhou, o outro vizinho perdeu, um outro vizinho ganhou R$ 10 mil e o outro R$ 15 mil, e não há como explicar essa diferença de tratamento ao jurisdicionado porque as questões são exatamente iguais.”

Como explicou o ministro do STJ, Ribeiro Dantas:

“Os precedentes são importantes porque eles podem ajudar a racionalizar o sistema judiciário brasileiro, deixando-o mais coerente e consistente, e assim melhorar a prestação jurisdicional, facilitando a vida do jurisdicionado, com mais previsibilidade nas questões, e até diminuir o tempo de duração dos processos.

E acrescentou: para isso, não basta mudar a legislação, é necessário que se instaure uma cultura de precedentes no Judiciário, mas isso não é tão fácil, pois nossos profissionais do direito, em geral, foram educados com a cultura de liberdade de julgamentos e isso gera uma discordância entre as decisões e entre as instâncias”.

O Código de Processo Civil – Lei n. 13.105/2015 – buscando valorizar a cultura do precedente judicial, reza que não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. (Art. 489. § 1º, VI).

No mesmo passo, o Art. 926. do Diploma Processual aduz que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

Por outro lado, há quem entenda que a utilização dos precedentes judiciais iria de encontro ao que preceitua o Art. 371 do CPC, que diz: o juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.

Sobre o artigo acima, fica o questionamento do professor Lenio Streck:

“Como justificar, na democracia, o livre convencimento ou a livre apreciação da prova? Se democracia, lembro Bobbio, é exatamente o sistema das regras do jogo, como pode uma autoridade pública, falando pelo Estado, ser “livre” em seu convencimento? Pergunto: A sentença (ou acordão), afinal, é produto de um sentimento pessoal, de um subjetivismo ou deve ser o resultado de uma análise do direito e do fato (sem que se cinda esses dois fenômenos) de uma linguagem pública e com rigorosos critérios republicanos? Porque a democracia é o respeito às regras do jogo”.

Portanto, é salutar o debate sobre a importância da cultura dos precedentes, pois são uma forma de dar previsibilidade, agilidade e segurança às decisões judiciais.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Crônica
domingo - 14/05/2023 - 10:44h

Lágrimas contritas

Por Odemirton Filho 

Do seu belo e potente carro, com películas escuras, ele observava a cena do cotidiano. Vários pedintes nas ruas. Eram pessoas de sua cidade, de seu país, de outros países.  Choro, sobrimento, depressão, dor

Ao passar nos arredores do Museu da cidade, pessoas estavam nos becos, nas ruas. Pareciam “zumbis” com a mão estendida e olhos rútilos, pedindo algum trocado. Mas ele continuava o seu caminho. Indiferente a tudo e a todos.

Quando ia à Catedral, a cena se redesenhava. Sobre os bancos da praça que ficava em frente, algumas pessoas dormiam. Estavam maltrapilhos, famintos, sem rumo.

Ao sair da Igreja dirigia-se ao seu carro, dava uma ou duas moedas a algum pedinte, e ia embora cuidar da sua vida. Não era problema dele, os poderes públicos que adotassem as providências.

Ao lado da praça, via-se o imponente prédio dos representantes do povo. Em silêncio. Um ou outro parlamentar é que, vez em quando, levantava a voz em favor daquelas pessoas.

Às vezes, quando ia jantar em um restaurante com sua família, via algumas pessoas distribuindo um “sopão” aos pedintes em alguns locais. Todavia, nunca se dispôs a fazê-lo.

E os animais abandonados? Milhares de gatos e cachorros. Com fome. Sede. Doentes. Tinha um vizinho à sua casa que, diariamente, dava comida aos gatos da rua. E ele não gostava. Incomodava-o aquela ruma de gatos fazendo barulho e sujando as calçadas.

Certa noite, lá pra três horas de uma madrugada fria, deitado em sua cama com lençóis limpinhos, sonhou com um daqueles pedintes que diariamente via nos semáforos, nas ruas, nos becos, nos bancos das praças.

No sonho, o pedinte estendia a mão, chorando, angustiado. Acordou nervoso, com o corpo pingando de suor.

Como era religioso, levantou-se da cama e foi ler a Bíblia para se acalmar. O seguinte versículo saltou aos olhos:

“Jesus, filho de Davi, tem misericórdia de mim”. (Marcos 10:47,48)

E lágrimas contritas escorreram em seu rosto.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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domingo - 30/04/2023 - 06:50h

O vigor da mocidade; a sabedoria da velhice

Por Odemirton Filho 

Dia desses, disseram por aí que a pessoa com mais de quarenta anos de idade não deveria estar cursando uma faculdade, pois já estaria velha. Ora, e se tem limite de idade para aprender? Para estudar?

Fotomontagem ilustrativa

Fotomontagem ilustrativa

Quando eu cursava a faculdade de Direito tinha uma colega de turma com mais do que isso. Sessenta anos de idade, no mínimo. E alguns colegas com quarenta anos. Ou mais. Esbanjavam conhecimento sobre a vida. Eram um farol a iluminar todos nós, jovens e sonhadores estudantes.

No mesmo sentido, quando lecionava no curso de Direito, tive o prazer de ter vários alunos “quarentões”. Eram eles que emprestavam um pouco de maturidade as aulas. Havia alunos comerciantes, médicos, engenheiros, jornalistas etc. Às vezes, eles eram os professores, eu, o aluno.

Entretanto, a juventude é assim. Há de se perdoar os seus arroubos. Quando temos vinte e poucos anos, achamos que as pessoas com quarenta já estão velhas. Porém, ao chegar nessa idade, ficamos envergonhados por pensar tal coisa. Talvez, aos quarenta anos estejamos na plenitude da maturidade. Ou não, porque sempre estamos aprendendo.

Quem conversa com uma pessoa idosa, sabendo ouvir, aprende. Aprende sobre a vida, as pessoas, o mundo. Conhece um pouco do passado, cai na real sobre o presente, e tem uma lição para o futuro. Desculpe o lugar-comum, mas, nesta vida, somos todos professores e alunos.

Sente-se à mesa com seus pais ou avós, escute-os, e terá muito a aprender. Diz a sabedoria popular “que quem não quer morrer velho, morra jovem”.

Pois bem. Felizes são aqueles que conseguem chegar a velhice e podem, apesar das limitações naturais da idade, olhar para trás e ver a estrada percorrida, curtindo seus filhos e netos.

E sim, claro, podem estudar.

Nas palavras do escritor Otto Lara Resende:

“Então vamos juntar o vigor da mocidade com a sabedoria da velhice. E tocar o país pra frente.

Ao futuro”!

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Crônica
domingo - 09/04/2023 - 09:42h

Ressureição e fé

Por Odemirton Filho ressureição

Na semana passada o Brasil, mais uma vez, viu-se diante de uma tragédia. Crianças foram mortas e outras feridas. Não consigo imaginar a dor dos pais. Sinto compaixão; rezo por eles.

Tragédias como a de Blumenau-SC nos mostram como humanidade anda desumana. Casos como esses, segundo especialistas, não devem ocupar tanto espaço na mídia, evitando-se visibilidade para incentivar outras situações análogas. Contudo, esperemos que o autor do crime hediondo seja devidamente punido.

Desde a pandemia que a humanidade vem enfrentando uma situação delicada. O isolamento social causou instabilidade emocional, dizem. As redes sociais, palco de uma exposição exacerbada, contribui para a busca de holofotes.

Vivenciou-se o período da quaresma. Para a Igreja Católica, momento de reflexão, de penitência e jejum, um preparo espiritual para a Páscoa.

Neste domingo, celebra-se a Ressureição de Jesus Cristo. Para quem acredita, devemos renascer também para uma nova vida, resgatando valores deixados para trás, no dia a dia de nossas tribulações.  Em um mundo no qual a vaidade, a competitividade, a ganância e a violência são marcas registradas, torna-se difícil olhar o outro com bons sentimentos.

Porém, diz a Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios (Co 5,6b-8):

“Irmãos: Acaso ignorais que um pouco de fermento leveda a massa toda? Lançai fora o fermento velho, para que sejais uma massa nova, já que deveis ser sem fermento. Pois o nosso cordeiro pascal, Cristo, já está imolado. Assim, celebremos a festa, não com velho fermento, nem com fermento de maldade ou de perversidade, mas com os pães ázimos de pureza e de verdade”.  

Quando Maria Madalena foi ao túmulo de Jesus, no primeiro da semana, e viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo, disse a Simão Pedro e àquele discípulo que Jesus amava: “tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o colocaram”.

Que o Senhor ressuscitado seja colocado no coração de cada um de nós. Apesar de tudo, não devemos perder a fé em dias melhores.

“Fé na vida, fé no homem, fé no que virá”.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Crônica
  • Art&C - PMM - PAE - Outubro de 2025
domingo - 02/04/2023 - 04:30h

Clube do Cafezinho

Por Marcos Ferreira

Esta semana precisei ir ao banco. Parei diante da porta giratória e dentro de uma caixa em acrílico (creio que fosse em acrílico) larguei alguns pertences que trazia comigo. Eram nada mais que um celular, as chaves de minha casa e algumas moedas embaladas numa fita adesiva transparente. Apenas depois disso foi que a desconfiada porta autorizou o meu ingresso naquele típico reduto do capital.

Foto ilustrativa

Foto ilustrativa

Peguei uma ficha no porteiro eletrônico e, a seguir, tomei uma maçada de quase hora e meia até meu número ser chamado no monitor de televisão afixado no alto de uma parede. Nem sei dizer se toda aquela espera valeu a pena, pois o motivo de eu estar ali era um só: receber um novo cartão do Banco do Brasil. O outro estava vencido e com uma rachadura. Então, para obter esse objeto de importância nenhuma no tocante a dinheiro em caixa, lá estava eu, um cidadão ordinário e igualmente desimportante com uma merreca de setenta e quatro reais na conta-corrente.

Deixei a agência da Alberto Maranhão convicto do quanto o meu viver é uma espécie de zero à esquerda. Hoje me permitam estar assim, melodramático. É uma espécie de trejeito, um cacoete. Imagino que não se trate de vitimismo ou autocomiseração. Como se alguém houvesse perguntado, digo também que no próximo dia 10 de abril (peço que isto fique somente entre nós) completarei cinquenta e três anos de idade. Até o momento, para lhes ser franco, não me tornei outra coisa à exceção de um homem de letras sem relevo nesta terra e menos ainda por aí afora.

O que possuo de valor, outra vez sendo honesto comigo e com um bocado de gente bacana, não é muita coisa material, mas amigos que me têm honrado com sua amizade e consideração gratuitas. Alguns são de longa data, desde 1912, como Antonio Alvino, outros se achegaram não faz muito tempo. Talvez devido à minha súbita mudança de açougueiro do verbo para cronista dominical. Então, feito um sonâmbulo, eu caminhava devagar pela Avenida Alberto Maranhão, escolhendo os passos nas calçadas irregulares desta cidade, pensando à toa numa coisa e noutra.

Meti a mão no bolso, peguei o telefone e consultei as horas: 16:05. Com a mixaria no banco e aquelas moedinhas, cogitei entrar num café e pedir uma xícara da rubiácea. Mas, num reflexo de bom senso, larguei tal ideia e rumei para outro endereço: o do meu próprio casulo, onde uma porção do velho e saboroso moca não desfalcaria o meu orçamento como certamente ocorreria no comércio.

Quem sabe num dia qualquer, acompanhado de cafezistas como Elias Epaminondas, Marcos Rebouças, Odemirton Filho, Rocha Neto, Antonio Railton, Clauder Arcanjo, Carlos Santos, todos esses notórios apreciadores do líquido citado, sentemos para tomar essa bebidinha quente e odorífica. Por onde andarão Mário Gaudêncio, Ayala Gurgel, José Arimatéia, Francisco Amaral Campina, Túlio Ratto?… Estarei feliz ao redor dessas pessoas. Ontem mesmo, antes que eu me esqueça, recebi a visita do Dr. Marconi Amorim. E, evidentemente, tomamos mais um cafezinho.

Marconi veio conferir como ficou esta nova morada da Euclides Deocleciano, 32, fruto, em grande parte, do apoio de amigos. Claro que esta crônica não deveria ser tristonha, como se vê de modo predominante, todavia alguns ímpetos depressivos ainda me acometem, morbidez que combato seguindo as prescrições do Dr. Dirceu Lopes. Então, geralmente devido ao meu estado psíquico, às vezes esqueço do quanto a vida é maravilhosa e este mundo não é tão ruim quanto parece.

Portanto, às quatro e pouco da tarde, lá ia eu um tanto sem rumo, decerto em busca de algum amigo com o qual não havia agendado me encontrar. Realmente não encontrei ninguém, nenhum dos meus colegas batendo pernas.

Entrei no meu lar, tomei um banho, fiz café e bebi uma xícara sozinho. Após uns minutos o telefone tocou. Era o poeta Rogério Dias. Trocamos umas ideias através da invenção de Graham Bell e combinamos em ele vir aqui na próxima semana. Trará os seus apetrechos culinários para produzir algumas de suas boas e famosas tapiocas recheadas. De minha parte ficarei encarregado do café.

No fim das contas, dando o braço a torcer, reconheço que esta tarde não foi nada infecunda. Vez por outra, cheio de caraminholas, é o meu quengo que inventa as penas em que vivo, como no belo soneto de Olavo Bilac.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica
domingo - 19/03/2023 - 10:28h

Obrigado, Inácio

Por Odemirton Filho 

“Escreva de forma simples, Odemirton, para as pessoas entenderem, não faça um texto extenso, escreva com o coração, dê um tempo, e depois corrija”.

outono da vida, folha seca, partida, varalFoi esse um dos muitos ensinamentos repassados pelo jornalista-escritor-boêmio-sonhador Inácio Augusto de Almeida.  Eu o conheci através deste Blog. Li muitos dos seus comentários e crônicas neste espaço. E não foram poucos.

Ele era um guerreiro no combate à corrupção, gostava de dizer que “onde existe corrupção não existe salvação”. Às vezes, era duro em seus comentários, em razão disso, atraiu a antipatia de alguns; bom de briga, usava as palavras como arma.

Escrevia como poucos, sabia transmitir sentimentos e emoções em suas crônicas. No campo político-ideológico tínhamos as nossas diferenças, mas o respeito e admiração recíprocos sempre falaram mais alto.

Ano passado fui à sua casa, num domingo à tarde. Uma chuvinha gostosa molhava as plantas do seu quintal, enquanto tomávamos café e comíamos pão com queijo de coalho. Presenteou-me com três livros de sua autoria: Maranhão, Versos & Prosa e Liberdade Trancada. Contou-me várias histórias, inclusive um pouco sobre sua família.

Eu ouvi, atentamente, a sua inteligência singular.

O livro Maranhão teve alguns capítulos publicados no Blog. Entretanto, devido à sua dificuldade para escrever por causa das fortes dores, não conseguiu concluir. Semanalmente, ele me repassava as suas crônicas para que eu formatasse e remetesse para o editor do “Nosso Blog”. No finalzinho do ano passado, disse-me que não enviaria mais as crônicas. Estava cansado. Sentia que a hora do encontro final estava chegando.

Honrava-me a sua confiança. “Considero você um filho, Odemirton”, dizia.

Diariamente ele mandava mensagens para o meu “zap”. Na ultima semana, recebi uma ligação do seu celular. Não pude atender e, infelizmente, esqueci de retornar. Talvez fosse a sua mulher ou uma de suas filhas para me comunicar sobre a sua doença.

Calou-se a voz firme contra os corruptos. Para quem quiser apreciar um artesão das palavras, as suas crônicas estão eternizadas no Blog. A sua partida me deixou triste. Aliás, nos últimos tempos, perdi amigos queridos. Eu sei, é a vida. Mas, dói, como dói.

Pois é, mestre, desculpe-me se o texto não ficou do seu agrado. Contudo, escrevi com o coração. Poucas foram as palavras para agradecer todos os ensinamentos. Todavia, garanto que sobraram emoção e sentimento de saudade.

Conforta-me o fato de ter agradecido, por diversas vezes, quando ainda estava no plano terrestre.

Obrigado, Inácio, pelas lições e leveza da amizade.

Transcrevo, ao fim desta singela homenagem, um fragmento de uma de suas belas crônicas:

“Chego ao ocaso da vida com a tranquilidade dos que não se deixaram dobrar por um punhado de lentilhas. Breve partirei com a certeza do dever cumprido. Usei o cobertor que recebi para aquecer não só a mim nas noites de frio. Partirei tranquilo por não temer os deuses”.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Crônica
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