Por Bruno Ernesto
“Não morri. Aparentemente, as pílulas eram velhas demais, ou, talvez, não suficientemente fortes. Acordei de manhã. Sentia náuseas, zumbidos na cabeça e latejo nas têmporas. Os olhos pareciam querer saltar das órbitas, enquanto os braços e as pernas pareciam estar paralisados. Uma mosca, certamente aturdida pelos acontecimentos da noite, fazia cócegas no meu pescoço. Tive que usar um violento esforço para espantá-la. A minha primeira sensação não foi o desapontamento por não ter morrido, mas a alegria de estar vivo. Senti um animalesco e irresistível desejo de viver, a qualquer preço. Agora, que sobrevivera a uma noite num prédio em chamas, tinha que encontrar um meio de salvar-me”*.
Certamente você já deve ter tido um dia parecido com essa descrição. Não que você tenha ingerido pílulas velhas demais ou tenha passado a noite em um prédio em chamas após um bombardeio.
Todos nós – uns mais, outros menos -, travamos nossas batalhas. Umas diariamente, outras sazonais. Mas, uma coisa é certa: uma guerra é feita de batalhas.
A correria do dia a dia, as inconveniências da vida, em especial as pessoas com quem temos que lidar diariamente, gostando delas ou não, por vezes é um preço alto demais que se paga para ser gregário.
Há pequenos detalhes do dia a dia que, se antes não dávamos importância, ou eram irrelevantes, com o passar dos anos, cada vez mais pessoas tendem a se afastar de certos ambientes para, simplesmente, não ter que cruzar com alguém que estrague o seu dia.
Por acaso, você percebeu que aquela pessoa – seja amigo ou familiar – com quem você mantinha estreitos laços simplesmente sumiu do seu horizonte?
Embora seja um fenômeno bem antigo, e que atualmente foi batizado de “ghosting” no âmbito dos relacionamentos das redes sociais, a finalidade é a mesma: sumir da vida do outro.
Claro que nossa vida é feita de ciclos. Um sempre termina para que outro se inicie. Por vezes é natural e, indiscutivelmente, necessário em certos momentos da vida. Se não aconteceu ainda com você, pense melhor. Alguns deles partem de nós mesmos.
Tem dia que uma dose de uísque cai melhor que uma taça de vinho.
Aquela amizade que você julgava firme, forte e inabalável, talvez só exista em sua mente; embora, sim, haja amizades genuínas, claro. A sua?
Aquele sorriso amarelo que lhe fazem ao chegar em um determinado ambiente, ou aquele olhar de soslaio, talvez seja mais verdadeiro que a sua própria consideração. Sim, a sua.
Se certas vezes você, mesmo não tendo superstição, acorda com o pé esquerdo, talvez devesse tentar ser ambidestro.
Lembro que Rita Lee, ao ser questionada por um repórter o porquê de gostar tanto da companhia dos animais, disse que as pessoas trazem muitos problemas. Os animais, não.
Tem dias que precisamos apenas de um banho demorado, uma boa xícara de leite com canela e uma boa noite de sono.
Sim, tem dia que, só amanhã.
Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor
* Trecho do livro “O Pianista”, de autoria do polonês Władysław Szpilman.
Exatamente, meu amigo. A crônica está show!
Abração!
Obrigado, Odemirton! O sol se põe todos os dias, não apenas para tirarmos fotos! Um forte abraço!
Linda! Perfeita!
Obrigado, Inácio!
Concordo com você. Tem dia que só amanhã! Fechar os olhos e esperar que o novo dia desponte! Já tive momentos assim; mais de uma vez.
Não é, Bernadete? Tem dia que não tem jeito. Um forte abraço !