Por Marcos Ferreira
Em uma de suas mais aclamadas obras, Nelson Rodrigues (notório machista) trovejou que toda nudez será castigada. Para isso eu nunca dei bola e muito menos me preocupei. Ultimamente, no entanto, tal “ameaça” vem me causando sobrosso. Não estou sugerindo que ando mostrando minhas partes em público ou para alguém em específico. Não se apoquentem; explico já do que se trata.
Antes, não faz muito tempo, eu dormia nu. Todo nu entre e sob os meus cobertores: dois lençóis do mesmo tecido de redes de dormir, macios e aconchegantes. À noite, então, depois do banho, aqui basta apenas um ventilador na velocidade mínima para que eu me sinta confortável, pois a casa não tem forro e o vento circula bem, a ponto de fazer um friozinho bom durante a madrugada. Nesse momento, como de costume, desligo o ventilador quando vou ao banheiro verter água.
Hoje, portanto, parei de dormir desnudado, como nos revela poeticamente o francês Charles Baudelaire acerca do próprio coração. Visto-me com roupas leves e amaciadas. E por que mudei? Simplesmente porque de uns tempos para cá, e tendo notícias de tantos casos de infarto, passei a imaginar batendo as botas e ser encontrado por familiares, amigos ou estranhos com minhas partes expostas e flácidas. Ainda mais eu, que sou sexualmente resumido, como diz o poeta Cid Augusto. Espero não “empacotar” tão cedo, todavia considero esse tipo de cautela razoável.
Dessa forma, segundo a lógica do Nelson Rodrigues, a minha nudez também seria castigada nesse aspecto. Imagino o embaraço (enquanto hipotético defunto) de me flagrarem em condições tão lastimáveis. A nudez feminina, a meu ver, é mais harmoniosa e menos constrangedora do que a do homem.
O coração, a exemplo do cérebro, dificilmente negocia uma segunda oportunidade com quem o possui. Às vezes, quando menos se espera, o ataque é fulminante. E parece (Dr. Diego Dantas que se pronuncie) que nem precisa que o sujeito seja doente cardíaco. Quanto a mim, que sou hipertenso, a situação inspira cuidados. A losartana potássica de cinquenta miligramas não me dá garantias plenas. Sou um sujeitorelapso e estou há vários anos sem me consultar com um cardiologista.
Nos últimos dias, sobretudo à noite, tenho pensado com apreensão em certas providências para que, no caso de um ataque cardíaco fulminante, as pessoas possam chegar até mim com facilidade. Uma delas (mais simples) é deixar cópias das chaves desta casa com Natália. Assim ninguém terá que arrombar nada ou recorrer a um chaveiro. Por essas e por outras, então, eu passei a dormir vestido. Dessa forma, contrariando a obra do rabugento Nelson Rodrigues, não serei castigado.
Raras são as vezes em que o coração nos dá algum tipo de aviso, uma segunda chance. Em “Autopsicografia”, poema de Fernando Pessoa, mais precisamente na última estrofe, o bardo português declara o seguinte:
“E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração”.
Marcos Ferreira é escritor
Rindo alto! ‘O q dar para, dar para chorar”!
Que bom que você gostou da crônica, Aurineide. Forte abraço.
Que bela crônica, de uma fluidez dos grandes!
Parabenizar
Um abraçaço
Querido Amorim, obrigado pelo comentário e incentivo. Abração.
Meu querido Marcos Ferreira,
Instado a me pronunciar, primeiramente gostaria de agradecer a gentil citação. Ademais, tenho a dizer que a Medicina não é uma ciência exata, mas algumas condições ampliam a probabilidade de eventos cardiovasculares. São elas, principalmente:
Condição genética, denunciada pelo histórico familiar (pais, irmãos, avós, tios, por exemplo) de casos similares;
Diabetes e doenças dislipidêmicas, conhecidas como açúcar no sangue e taxas alteradas, que são aferidas por exames laboratoriais;
Hipertensão Arterial Sistêmica, a famosa “pressão alta”, facilmente verificada no exame físico;
Os Hábitos de vida são outro fator preponderante para incremento de probabilidade de evento negativo desta área sob comento, sendo a obesidade isoladamente fator de risco, por vezes, seguido do sedentarismo e alimentação inadequada.
Por fim, agradecendo o espaço, mas já pedindo desculpas pelo alongado e mal escrito texto, a visita ao cardiologista para avaliação do que foi acima dito, corroborado pelo exame clínico essencial, é indispensável. Pois, como diria minha querida mãe, e nessa situação em especial, a prevenção é o melhor remédio.
Forte abraço e cuidemo-nos!
Meu prezado Dr. Diego Dantas, agradeço muito pela sua leitura e opinião de quem realmente entende do riscado. Forte abraço e uma ótima semana.
Texto incrível, como sempre! Eu ainda posso passar essa vergonha, pois durmo como vim a esse mundo. Mas ninguém notará qualquer coisa estranha em um cearense cabeçudo de 1,65, nu! Abração, Marcos!
Querido amigo Inácio Rodrigues, é sempre uma fonte de inspiração. Abraço forte e uma ótima semana para você.
Muito interessante como você se desnuda numa simplicidade invejável; você tem uma facilidade de se expor de forma clara e sem maquiagem. Admiro a coragem! A sua preocupação é típica de quem mora só; há sempre o medo das surpresas desagradáveis; escutamos histórias e elas abastecem o nosso imaginário. Mas tem solução pra isso: estar acompanhado à noite. Aí os receios são compartilhados. E pode-se dormir do jeito que se deseja. Talvez, não numa rede. Estou sugerindo que você se case? Talvez! Mas não só por essa razão! É só um pitaco de quem não consegue ficar omissa. Você ainda é muito jovem; nem chegou aos sessenta (chegar aos sessenta não é assombroso. Fiquei ansiosa quando cheguei aos quarenta). Viver mais e pensar menos! Nem toda nudez será castigada! Nelson Rodrigues era um cínico, na minha ótica. Gostava de provocar (não me levem a mal se pensarem diferente). Aproveite sua Mossoró escaldante! E durma como quiser! Nem ligue! Coragem, poeta!
Querida amiga Bernadete Lino, muito obrigado por seu comentário. Como sempre, você sabe desnudar o texto direitinho. Beijos.
Caro Marcos Ferreira, como diz a musica do Engenheiros do Hawii: ” A vida quando acaba /cabe em qualquer lugar” e não importa se nu ou vestido. Mas entendo seu pudor em não querer mostrar suas partes pudicas, mesmo depois de morto… Não quero imaginar essa cena! rs
Grande abraço!
Meu prezado poeta e artista Airton Cilon, muito obrigado por sua leitura e presença neste espaço de opinião. Desejo uma ótima semana para você, amigo. Saúde e paz.
Como rotina e não fugindo a regra, nobre amigo: a cada crônica oriunda de sua peculiar inteligência, só nos surpreende!!
Mais continue a dormir nu, pois além de deixar o corpo livre de quaisquer amarras, facilita diversas ações e trabalhos… os demais deixo nas imaginações!!!
😂😂😂🤝🤝🤝
Caro amigo Rocha Neto, boa tarde. Sua leitura e opinião sempre representam para mim um grande orgulho e estímulo. Desejo uma ótima semana para você, saúde e paz.
Abraço.
É… na calada da noite, especialmente na madrugada solitária, que os pensamentos bombardeiam tico e teco, sem pena. O interessante é que (na quase totalidade) o lado “ruim”, o que não deve acontecer, permeia, e toma lugar, na estima do camarada. Comigo é assim também, mas eu rio e dou o dedo.