Do jornal O Globo
Patrícia Moreira, a moça que foi flagrada chamando o goleiro Aranha de ‘macaco’ na partida entre Grêmio e Santos, pela Copa do Brasil, na última quinta-feira, deixou a casa onde mora, em Porto Alegre. Com a casa vazia, um vizinho apedrejou uma janela, o que indignou os outros moradores.
Proprietário de um mercado ao lado da casa da jovem, Márcio Traslatti, de 49 anos, relata que a conhece desde que ela era bebê. Ex-árbitro de futebol, ele presenciou a pedrada e acredita que Patrícia errou e deve se justificar. Porém, entende que a gremista foi no embalo do estádio e pediu calma:
– Ela entrou no clima de todo mundo e gritou, no embalo. Tenho certeza absoluta que ela não é racista, mas errou, sim.
Amigo de infância de Patrícia, Misael Chaves, que é negro, garantiu ao portal ‘Zero Hora’ que ela nunca teve atitudes racistas com ele.
– Nos criamos juntos e nunca sofri um ato de racismo da parte dela, bem como nenhum familiar meu. Hoje existe uma onda com relação ao racismo. Eu, enquanto pessoa negra, não me ofendi pela situação – afirmou.
Afilhado dos pais da jovem, José Luís Assunção se manifestou em nome da família. Ele lamentou as reações violentas contra ela, principalmente nas redes sociais.
– Foi uma cena lamentável. Ela é educada com as pessoas e nunca teve problemas aqui, acho que foi empolgação. Em nome da família, quero que ela peça perdão e seja perdoada. Vejo os comentários, muita gente fala em bater, apedrejar. Uma atitude não justifica a outra – disse.
Delegacia
Investigadores da 4ª Delegacia de Polícia de Porto Alegre foram até a residência da jovem, mas não a encontraram. Os policiais ainda farão uma nova investida e esperam que ela se apresente para depor na próxima semana.
– Ela deve ter se recolhido com familiares e provavelmente vai aparecer com advogado. Ela não está foragida, nada disso. Apenas envolvida numa suspeita de praticar um crime de injúria racial. Não acreditamos que possa fugir. Ela vai aparecer – diz o responsável pela investigação, Lindomar Souza.
Segundo ele, o Grêmio está colaborando muito com a investigação da Polícia Civil, que já tem as imagens e busca identificar outros suspeitos. Além de Patrícia, outros gremistas também foram mostrados imitando gestos e sons de macaco. Cinco deles foram identificados pelo Grêmio, e dois suspensos do Quadro Social, incluindo Patrícia, que também foi afastada do emprego. Ela era auxiliar de um centro odontológico da Brigada Militar, em Porto Alegre.
O jeito brasileiro de se expressar e punir!
A moça não sendo racista, pode não ser segundo o depoimento do amigo, temos que encarar outro perigo que deve ser conhecido pelos psicanalistas e do ramo, o risco do “embalo”.
Também conhecido como “efeito manada”. E como em todas manadas, um sempre costuma cometer um erro fatal.
Sempre achei esse argumento muito perigoso: “ah todo mundo faz isso” justicando atos incorretos. Acho que temos que policiar sempre as nossas atitudes. Lamentável o fato, pelo profissional que em pleno trabalho foi agredido, mais lamentável ainda pela moça com uma postura que já estar refletindo negativamente na sua vida profissional e com certeza pessoal.
As pessoas, parecem esquecer que estamos em pleno século XXI, e, mais ainda que estamos vivenciando um processo de mudanças de costumes e profunda ebulição social e cultural, o que necessariamente, implica rever arraigados conceitos, modos e costumes.
No caso do atávico racismo ainda latente em nossos corações e mentes, sobretudo o de ordem cultural, temos que, a rotineira prática no cotidiano dos grupos humanos que se referem ao campo do simbólico e da subjetividade não é palpável, ela é sentida e reproduzida. Esta questão faz referência a presença de mentalidade escravocrata nos hábitos da sociedade contemporânea, não precisando de muito esforço para perceber que a prática racista no Brasil não é a mesma de fins do século XIX (que mesmo diante de leis republicanas o racismo explícito ainda era bastante tolerado).
Importante lembrar que a história da sociedade brasileira não começou em 1889 e por mais de 300 anos, cidadãos eram considerados superiores juridicamente pelo fato de terem a pele branca e negro(escravos) oficialmente reconhecidos como subespécie, objetos/mercadoria, sem alma e biologicamente inferiores. O contexto histórico permitia respaldo jurídico, científico e religioso.
A sociedade brasileira, regida pela ética do capital e mentalidade burguesa, não se libertou de hábitos nefastos como o menosprezo pelos que exercem trabalho braçal e por atribuir valor à aparência e o poder de capital dos indivíduos. Observem na prática cotidiana as versões “modernizadas” de preconceito social com imensa conotação racial.
O que causa um engano são os poderosos disfarces e camuflagens, a opressão e a reprodução da intolerância não são percebidas claramente. As ferramentas (indústria midiática) do poder são muito eficazes diante daqueles que tem pouca capacidade de elaboração e reflexão.
O ignaro, mesmo supostamente “esclarecido”, “escolarizado” (mas que facilmente adere a mentalidade burguesa e visão de mundo europeizada), pode acreditar que tal tais resquícios não existem na prática cotidiana, por causa das mudanças estruturais e jurídicas do advento da República. As leis mudaram, a Igreja Católica não diz mais que negro não tem alma e não há mais sustentação para argumentos pretensamente científicos de superioridade biológica de pessoas de pele branca (VERDADES foram desconstruídas). Mas o que prevalece até os dias atuais é algo muito mais poderoso e determinante que é a prática cotidiana, os estigmas construídos e todos os aspectos subjetivos que são difíceis de serem superados.
Ocorre que o processo de inserção social, bem ou mal, fez e faz com que considerável parcelas de negros, antes, absolutamente invisíveis para maioria da sociedade, atualmente dispõe de mecanismos de poder, seja através da mídia independente…diga-se internete, seja através da contratação de um bom advogado, exatamente para fazer valer o que está no âmbito da nossa Constituição e que antes dormitava nos escaninhos da “legalidade”, sem que ninguém ousa-se demarcar e (ou) aplicar concretamente os direitos das minorias políticas, minorais essas que começam a gritar e se levantar contra os históricos, infames e processo de segregação racial religiosa e de costumes.
No mais, o episódio ocorrido nas dependências do Estádio Gremista, oferece, mais uma vez, excelente oportunidade aos brasileiros para pesquisa, reflexão e inflexão sobre a nossa cultura excludente e, mais ainda sobre aspectos ainda não sabidos da nossa mal contada história dita oficial.
Um baraço
FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
OAB/RN. 7318.