Como em Coimbra e Lisboa que me fizeram mergulhar no passado, em Salamanca não foi diferente. Ali, se iniciavam as famosas corridas de touro, as touradas, como na marcha carnavalesca de Braguinha cantada de ponta a ponta no Brasil: "eu fui às touradas em Madrid, pa-ra-ra-ti-pum-pum-pum".
Assisti à corrida do dia 13 de setembro, realizando um sonho que eu acalentava desde a infância. A ocasião não podia ser melhor: ver uma tourada no paÃs das touradas. Então, estou acomodado na arquibancada. Minha contida emoção, só Deus sabia.
ImpossÃvel esquecer, naquele momento, de uma matéria que li sobre Manuel Rodriguez Sánchez, o popular Manolete, morto na sua última luta, em agosto de 1947. Sem dúvida, o mais famoso toureador espanhol de todos os tempos.
Até hoje, em sua homenagem, ainda cantam: "Manolete, Manolete/ De la tierra ‘los’ califas, gran torero/ Llevas sangre de valiente/ Y por eso a ti te aplaude el mundo entero/ De ‘Guerrita’ y ‘Machaquito’/ Eres honra y tradición/ De tu tierra cordobesa/ Tu serás el mejor galardón", são versos de um "pasodoble", de autoria de Ramos e Orozco, disse-me Francisco Duran, o "Paco", amigo que conquistei na terra salamantina.
Tarde ensolarada, arquibancadas repletas de aficionados. A arena, com seu solo de areia avermelhada, diferente do estádio de futebol, de quatro cantos, a dimensioná-los o tapete verde.
A expectativa era ouvir o toque do clarim, anunciando a entrada dos participantes. Isso, não se fez tardar. Agora, era a vez dele, do touro. Um miúra, por certo, outro "Islero", o animal que matou Manolete.
Bufando, ele entra ferozmente à procura de uma vÃtima. Investe, inicialmente, contra um robusto cavalo, bem equipado, para que as cornadas não furem seu corpo; monta-o, e de lança em punho, um membro da equipe, que espeta o touro, quem sabe para enfurecê-lo ainda mais.
Assim, a fera ataca os auxiliares da peleja que estão no centro do picadeiro. Estes fogem se amparando "en las tablas", espécie de corredor estreito, onde o animal não os alcança.Por último, ele, o toureiro, esbelto, imponente, entra em cena. Na mão direita a capa vermelha, que ajuda a enganar o touro. Na bainha da capa, a espada com a qual é desferido o golpe de misericórdia, no momento preciso. E, aÃ, tem inÃcio verdadeiramente o espetáculo.
O toureiro, a cinco metros, provoca:
– Ê toro!
Este, enraivecido, avança contra o valente inimigo que, com passos artÃsticos, se defende do ataque mortal para delÃrio da platéia, que incentiva:
– Olé!
Uma sucessão de passos de uma coreografia espetacular é dada pelo matador. Parecendo cansado, o touro é espetado com laços de fitas coloridas, por outros membros da equipe. Agora sim, o animal pode ser morto; assegura-me, ao meu lado, um espanhol de nariz avantajado.
Penso: "é Cyrano de Bergerac".
Outra vez o "toreador" entra em cena. Expondo-se à morte, faz o inimigo girar em sua volta. Suspense!… O maestro dá as costas ao touro, humilhando-o. Prepara a espada para o golpe fatal. A platéia vai à loucura:
– Olé!
Mirando o cachaço, faz pontaria com a espada e atira-se. Final de festa.
De pé, o público vibra: "Olééééé".
No futebol, o grito é outro: goooool.
Aclamado, o herói dá uma volta na arena exibindo o prêmio: uma orelha do touro.
Tudo me lembrou o filme, Sangue e Areia, que assisti em Areia Branca.
Francisco Rodrigues da Costa é escritor
“Esporte” sem sentido, brutal e vergonhoso. Torturam o pobre animal. É desse jeito.