domingo - 13/11/2016 - 09:00h

Tragédia, farsa e vice-versa

Por François Silvestre

Todas as ciências são de origem natural. Menos uma. Sim, porque há uma ciência de origem cultural. Isto é, criada pela ação humana. E mesmo assim essa criação humana não ocorre de forma controlada ou consciente. É a História.

Não se confunda História com historiografia. A História é o resultado da ocorrência das relações humanas; que vão desde os desdobramentos das conquistas naturais, sociais, políticas, de conhecimento, de arte e do pensamento.

A historiografia é uma disciplina histórica, narradora, limitada pelo ponto de observação do historiador. A História produz o fato. A historiografia narra ou interpreta o fato histórico.

Possuir leis e disciplinas é a marca configuradora das ciências. A numismática, a heráldica e a historiografia são algumas das disciplinas da História. A imutabilidade do fato ocorrido é uma lei da ciência histórica.

Na História, o fato ocorrido é único e imutável. Na historiografia, um mesmo fato pode acolher várias versões. Dizia Thomaz de Aquino que “contra o fato ocorrido nem a interferência de Deus tem eficácia”.

O mais que se pode fazer contra o fato ocorrido é conjecturar. Imaginar ou supor consequências diferentes caso o fato houvesse sido outro e não o que realmente aconteceu.

Exemplos de conjecturas? Se Lott houvesse vencido Jânio Quadros, em 1960, não teríamos tido uma Ditadura militar. Se JK houvesse sido eleito, em 1965, o Brasil seria outro país.

Hegel afirmou que fatos e personagens da História repetem-se em épocas diferentes. Marx, na abertura d’O 18 Brumário, confirma essa assertiva de Hegel, mas observa que na repetição, de fatos ou pessoas da História, esta se dá com o segundo fato ou personagem sendo a farsa do primeiro, que foi a tragédia.

A redemocratização advinda pelo fim da ditadura Vargas deu-se com sucessivos fatos trágicos. Dentre eles, o suicídio de Getúlio, a renúncia de Jânio, a deposição de Jango. Foi a tragédia.

A redemocratização nascida da negociação de milicos, pelegos, raposas e similares, é a farsa. Vivemos a farsa de hoje, que repete uma caricatura da tragédia de ontem.

Na tragédia, estabeleceu-se um governo provisório para preparar a democracia. Foi o Presidente do Supremo, José Linhares, que governou por três meses.

Na farsa, o governo provisório durou cinco anos. Sarney foi a farsa de Linhares. Collor, a farsa de Jânio. Temer é a farsa de Itamar Franco. Lula é a farsa de JK. Ninguém ainda quis ser a farsa de Getúlio.

O Congresso Nacional de 1964 foi vencido pela força dos tanques e pelo conluio do fascismo civil com os quartéis politizados. O de hoje é a quitanda das “leis”.

A farsa nem sempre é mais suave. A Ditadura de 64, farsa do Estado Novo, fez da tragédia uma imagem pífia. A farsa, neste caso, pariu a tragédia da farsa que somos.

Té mais.

François Silvestre é escritor

* Texto originalmente publicado no Novo Jornal.

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. naide maria rosado de souza diz:

    É o domingo da sabedoria. Posso arriscar, François Silvestre, a comentar um Artigo seu ? Ontem, no lançamento do livro de Antonio Ysmael, conheci Clauder Arcanjo e muito falamos sobre a sua inteligência , a do Prof. Honório e de tantos outros que mantêm tão viva a nossa cultura. No Rio de janeiro, senti-me em solo potiguar. Foi bom demais. Estava “em casa.”
    Vamos ao meu singelo comentário. Suponhamos que fizesse uma análise de seu trabalho. Primeiro, pediria perdão por minha audácia e prosseguiria.
    Na História , não a do Artur, meu neto, podemos estabelecer a causa, o fato e a consequência dele. E daí podemos chegar a uma conclusão. A conclusão pode ser atingida séculos depois. Não tive oportunidades, ao longo de minha vida de observar as três etapas referidas. Há uma ,entretanto, que me marcou profundamente. E, pulamos para a Inglaterra. História Geral. Chego à Princesa Diana de Gales.
    Causa: o Príncipe Charles sempre foi apaixonado por Camilla Parker-Bowles de quem foi amante, durante todo o tempo. Todavia, ele precisava conferir herdeiros ao trono inglês. Conheceu a linda professorinha Diana, filha de um nobre de sobrenome Spencer, de encantadora beleza. Mostrando-se apaixonado por Diana, embora com Camilla em sua bagagem secreta, pediu-a em casamento e promoveu a farsa do século. Com Diana, teve dois lindo filhos e estabeleceu a linha sucessória inglesa. Diana era um raio de luz em beleza e comportamento. Passados alguns anos ela descobre tudo sobre o marido. Aguentou o quanto pôde aquele casamento destinado, apenas, à procriação. Sua beleza fantástica atraiu alguns apaixonados. Todos interesseiros. Não teve sorte. Apresentou quadros depressivos, tal a sua tristeza. Príncipe Charles continuava firme com a Camilla que mantinha o sobrenome Parker-Bowles. Parker-Bowles, se seu marido fosse, era muito acomodado. Pois bem, o mundo inteiro sabia da traição de Charles, mas ele precisa se separar com aspecto de bondoso. Vamos ao Fato.
    Fato: Diana apresenta-se na televisão, visivelmente abalada, deprimida, e confessa sua infidelidade ao marido. Charles, surge revigorado com a infidelidade da mulher exposta ao mundo. Passa a ser quase bonzinho. O divórcio é concedido sem que ele fique tão maculado. Só Deus sabe o que empurrou Diana àquela entrevista.
    Consequência : Charles, finalmente livre, casa-se com o dragão Camilla. Diana perde títulos, sai de seu palácio e prossegue sua vida. Não fazendo parte da História Geral, finalmente ela se apaixona , é correspondida, mas morre tragicamente. Voltando à História Geral. Charles e dragão Camilla são recebidos em comemorações oficiais e é como se , para a realeza, nada tivesse acontecido à Diana, no sentido de que foi vítima de traição do marido, desde o início do casamento. Não foi esquecida por seus filhos.
    Então, cem anos contados a partir da separação do casal, Charles será visto como homem de honra. Traído pela mulher, não teve opção, senão a de se separar. Dignidade de quem seria o futuro rei da Inglaterra. E, assim, a História mostrará a beleza de sua entronização.
    François Silvestre, eis a única história que vivenciei do início ao fim. Em que constatei os três momentos que constituem o que vai ser lido daqui a muitos anos. E, de todo modo, é a minha forma de mostrar minha admiração pela linda rosa inglesa, de vida triste.

  2. François Silvestre diz:

    Naide, seus comentários melhoram meus textos. Republiquei este lá no meu Blog.

  3. naide maria rosado de souza diz:

    François Silvestre. Além de inteligência fulgurante você é muito corajoso. Obrigada e um grande abraço . Estou quase me “achando”, modo carioca de falar.

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