Por François Silvestre
Todas as ciências são de origem natural. Menos uma. Sim, porque há uma ciência de origem cultural. Isto é, criada pela ação humana. E mesmo assim essa criação humana não ocorre de forma controlada ou consciente. É a História.
Não se confunda História com historiografia. A História é o resultado da ocorrência das relações humanas; que vão desde os desdobramentos das conquistas naturais, sociais, políticas, de conhecimento, de arte e do pensamento.
A historiografia é uma disciplina histórica, narradora, limitada pelo ponto de observação do historiador. A História produz o fato. A historiografia narra ou interpreta o fato histórico.
Possuir leis e disciplinas é a marca configuradora das ciências. A numismática, a heráldica e a historiografia são algumas das disciplinas da História. A imutabilidade do fato ocorrido é uma lei da ciência histórica.
Na História, o fato ocorrido é único e imutável. Na historiografia, um mesmo fato pode acolher várias versões. Dizia Thomaz de Aquino que “contra o fato ocorrido nem a interferência de Deus tem eficácia”.
O mais que se pode fazer contra o fato ocorrido é conjecturar. Imaginar ou supor consequências diferentes caso o fato houvesse sido outro e não o que realmente aconteceu.
Exemplos de conjecturas? Se Lott houvesse vencido Jânio Quadros, em 1960, não teríamos tido uma Ditadura militar. Se JK houvesse sido eleito, em 1965, o Brasil seria outro país.
Hegel afirmou que fatos e personagens da História repetem-se em épocas diferentes. Marx, na abertura d’O 18 Brumário, confirma essa assertiva de Hegel, mas observa que na repetição, de fatos ou pessoas da História, esta se dá com o segundo fato ou personagem sendo a farsa do primeiro, que foi a tragédia.
A redemocratização advinda pelo fim da ditadura Vargas deu-se com sucessivos fatos trágicos. Dentre eles, o suicídio de Getúlio, a renúncia de Jânio, a deposição de Jango. Foi a tragédia.
A redemocratização nascida da negociação de milicos, pelegos, raposas e similares, é a farsa. Vivemos a farsa de hoje, que repete uma caricatura da tragédia de ontem.
Na tragédia, estabeleceu-se um governo provisório para preparar a democracia. Foi o Presidente do Supremo, José Linhares, que governou por três meses.
Na farsa, o governo provisório durou cinco anos. Sarney foi a farsa de Linhares. Collor, a farsa de Jânio. Temer é a farsa de Itamar Franco. Lula é a farsa de JK. Ninguém ainda quis ser a farsa de Getúlio.
O Congresso Nacional de 1964 foi vencido pela força dos tanques e pelo conluio do fascismo civil com os quartéis politizados. O de hoje é a quitanda das “leis”.
A farsa nem sempre é mais suave. A Ditadura de 64, farsa do Estado Novo, fez da tragédia uma imagem pífia. A farsa, neste caso, pariu a tragédia da farsa que somos.
Té mais.
François Silvestre é escritor
* Texto originalmente publicado no Novo Jornal.
É o domingo da sabedoria. Posso arriscar, François Silvestre, a comentar um Artigo seu ? Ontem, no lançamento do livro de Antonio Ysmael, conheci Clauder Arcanjo e muito falamos sobre a sua inteligência , a do Prof. Honório e de tantos outros que mantêm tão viva a nossa cultura. No Rio de janeiro, senti-me em solo potiguar. Foi bom demais. Estava “em casa.”
Vamos ao meu singelo comentário. Suponhamos que fizesse uma análise de seu trabalho. Primeiro, pediria perdão por minha audácia e prosseguiria.
Na História , não a do Artur, meu neto, podemos estabelecer a causa, o fato e a consequência dele. E daí podemos chegar a uma conclusão. A conclusão pode ser atingida séculos depois. Não tive oportunidades, ao longo de minha vida de observar as três etapas referidas. Há uma ,entretanto, que me marcou profundamente. E, pulamos para a Inglaterra. História Geral. Chego à Princesa Diana de Gales.
Causa: o Príncipe Charles sempre foi apaixonado por Camilla Parker-Bowles de quem foi amante, durante todo o tempo. Todavia, ele precisava conferir herdeiros ao trono inglês. Conheceu a linda professorinha Diana, filha de um nobre de sobrenome Spencer, de encantadora beleza. Mostrando-se apaixonado por Diana, embora com Camilla em sua bagagem secreta, pediu-a em casamento e promoveu a farsa do século. Com Diana, teve dois lindo filhos e estabeleceu a linha sucessória inglesa. Diana era um raio de luz em beleza e comportamento. Passados alguns anos ela descobre tudo sobre o marido. Aguentou o quanto pôde aquele casamento destinado, apenas, à procriação. Sua beleza fantástica atraiu alguns apaixonados. Todos interesseiros. Não teve sorte. Apresentou quadros depressivos, tal a sua tristeza. Príncipe Charles continuava firme com a Camilla que mantinha o sobrenome Parker-Bowles. Parker-Bowles, se seu marido fosse, era muito acomodado. Pois bem, o mundo inteiro sabia da traição de Charles, mas ele precisa se separar com aspecto de bondoso. Vamos ao Fato.
Fato: Diana apresenta-se na televisão, visivelmente abalada, deprimida, e confessa sua infidelidade ao marido. Charles, surge revigorado com a infidelidade da mulher exposta ao mundo. Passa a ser quase bonzinho. O divórcio é concedido sem que ele fique tão maculado. Só Deus sabe o que empurrou Diana àquela entrevista.
Consequência : Charles, finalmente livre, casa-se com o dragão Camilla. Diana perde títulos, sai de seu palácio e prossegue sua vida. Não fazendo parte da História Geral, finalmente ela se apaixona , é correspondida, mas morre tragicamente. Voltando à História Geral. Charles e dragão Camilla são recebidos em comemorações oficiais e é como se , para a realeza, nada tivesse acontecido à Diana, no sentido de que foi vítima de traição do marido, desde o início do casamento. Não foi esquecida por seus filhos.
Então, cem anos contados a partir da separação do casal, Charles será visto como homem de honra. Traído pela mulher, não teve opção, senão a de se separar. Dignidade de quem seria o futuro rei da Inglaterra. E, assim, a História mostrará a beleza de sua entronização.
François Silvestre, eis a única história que vivenciei do início ao fim. Em que constatei os três momentos que constituem o que vai ser lido daqui a muitos anos. E, de todo modo, é a minha forma de mostrar minha admiração pela linda rosa inglesa, de vida triste.
Naide, seus comentários melhoram meus textos. Republiquei este lá no meu Blog.
François Silvestre. Além de inteligência fulgurante você é muito corajoso. Obrigada e um grande abraço . Estou quase me “achando”, modo carioca de falar.