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domingo - 17/03/2024 - 10:26h

Um Oscar para o rapaz velho

Por Marcos Ferreira

Reprodução do autor da crônica

Reprodução do autor da crônica

Passei alguns dias meditabundo. Pois é, já começo esta conversa assim, com uma palavrinha cheirando a mofo, de pouca empregabilidade, falando difícil como quem desejasse que o leitor enrugue a testa e abandone esta página antes do primeiro parágrafo terminar. Mas não é este meu intuito. Então troquemos o famigerado “meditabundo” por “entristecido”. Pronto, é isso. Andei uns dias com um bocado de fastio para certos “pratos” da cozinha cotidiana de nossa existência.

Agora, porém, o apetite voltou. Inclusive o da escrita. Especialmente depois que li “Uma confissão de amor para me sentir vivo”, do meu colega de xícaras e neuras Carlos Santos. Texto de profunda inspiração que nos inspira de maneira profunda. Ao menos a mim. Isto não é um simples elogio, é merecimento. É a mais sincera opinião deste sapateiro das letras. Digo sapateiro porque é esta a única assinatura em minha carteira de trabalho (CTPS) de que tenho o maior orgulho.

Hoje não, os anos 1980 foram embora, as fábricas de calçados de Mossoró quebraram por causa da produção das grandes indústrias em escala planetária, todavia já fui um sapateiro profissional. Comecei com dez anos de idade, e o patrão carimbou minha CTPS quando completei quinze anos. “É o seu presente de aniversário”, disse-me. Daí por diante me ocupei com outras coisas, toda sorte de bicos e subempregos. Fui impostor em um bocado de atividades, até me tornar isto, um sujeito que não conseguiu aprender outra coisa melhor para fazer além de escrever.

“Uma confissão de amor para me sentir vivo”, a meu ver, só tem um defeito: não foi escrita por mim. É daquelas coisas que a gente termina de ler e exclama: “Caramba! Muito bom!” Foi o que eu disse. Tanto que agora estou pegando carona na “confissão”, escrevendo uma crônica sobre outra crônica, como se a página do Carlos Santos precisasse do brilho emprestado das minhas tintas.

Não precisa. “Uma confissão de amor para me sentir vivo” tem luz própria. É uma declaração, um testemunho tocante, uma ode apaixonada, um genuíno louvor. Enxerguei a mim mesmo em vários pontos da mensagem.

Essa entrega, esse compromisso com o mister do ofício da escrita, mexe com os meus botões. Imagino que estamos no mesmo barcos das palavras. Às vezes, pelo capricho dos ventos, seguimos em direção à notícia pura e simples; noutro momento, com ou sem um pouco de arte, ajustamos as velas no rumo das águas onde habitam as criaturas linguísticas com maior e subjetiva grandeza.

Identifiquei-me, enquanto enfeitiçado que sou da necessidade de escrever, com a reverência do rapaz velho à sua longeva profissão de fé, devoção que hoje já está com trinta e nove anos de serviços prestados ao bom jornalismo do Rio Grande do Norte, bem na borda, na beiradinha dos quarenta anos.

Quem quiser que diga que estou puxando o saco. Há sempre quem não goste de ver outrem recebendo um reconhecimento assim, público, e sem economizar os méritos do homenageado. Dirão, pois, que estou puxando o saco. É verdade que já peguei nos bagos de supostas unanimidades da cena literária potiguar, autênticos pavões assinalados, contudo foi só para deixá-los sem as bolas. Mas aposentei o bisturi; hoje não faço mais esse tipo de intervenção cirúrgico-escrotal.

“Uma confissão de amor para me sentir vivo” recebeu um nome belíssimo. Algo que fica muito bem, por exemplo, para intitular um livro de poemas, crônicas, contos ou romance. Ouso dizer, ainda, que o título é coisa de cinema. Peço, então, nesta nossa Hollywood dos invisíveis, um Oscar de melhor roteiro original para o rapaz velho. Enquanto eu concorreria, claro, como ator coadjuvante.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Carlos Santos diz:

    NOTA DO BCS – Fico todo ancho, claro. A generosidade me afeta diretamente a ponto de mexer com meu cabotinismo. Mas, acima de tudo emerge a gratidão ao webleitor e colaborador dominical, ao amigo de longas datas. A admiração é recíproca, o carinho, o desejo de vê-lo bem. E como me afetam suas instabilidades e recaídas. Sou todo compaixão, sabes. Porém, acima de tudo, amigo. Tirando todos os defeitos eu sou gente boa – que fique claro. Obrigado, meu caro. Cuide dele, Natália.

  2. Marcos Aurélio de Aquino diz:

    Meu amigo, perdemos um sapateiro, mas ganhamos um ótimo escritor, excelente no ofício que sempre nos presenteia com seus irretocáveis textos e poesias. Grato e um abraço

  3. Amorim diz:

    Um verdadeiro “artesão ” das palavras e escritas!
    Parabéns
    Um abraçaço

  4. Bernadete Lino diz:

    Eu li a confissão e comentei! Gosto do que tem conteúdo e, esse Blog Carlos Santos, é cheio de ótimas publicações; nível alto. É tanto que paro em outras publicações e vou metendo o bedelho. Tornou-se um hábito dominical acompanhar o conteúdo! Só coisa de primeira! A confissão é linda! Acho que você, Marcos Ferreira, está no mesmo nível de Carlos Santos; o troféu iria para os dois! Vocês são ótimos! As inserções no Instagram são ótimas. Sempre opino! Leio muito o Odemirton. Só publicações lindas. Nível nota 10. Então finalizo esse comentário: continuem vivos e sintam-se vivos! Vocês tem a minha admiração!

  5. Honório de Medeiros diz:

    Esse sapateiro das letras é um portento. Deus o guarde. Quanto a Carlos Santos, tirando a ranzinzice própria da idade, sou fã derna muito tempo. Portanto, grande Marcos, amém…

  6. Clauder Arcanjo diz:

    Quando dois mestres se encontram, e nos encantam.

  7. VANDA MARIA JACINTO diz:

    Olá, Marcos!
    O que um bom texto não fizer por você, nada mais o fará!

    Fico feliz só em sabe-lo aqui.

    Abraços

  8. Rocha Neto diz:

    O Oscar requerido mestre Mercos Ferreira, você ja o recebeu quando Deus te entregou a vivida para ser vivida com a força e fé que voce guarda dentro da alma.
    Então seu Oscar ninguém nunca o tomará porque é presente de Deus, veja que até Carlos Santos como amigo e seu fã Ele mandou junto com a estatueta que poderá ser denominada de o Oscar da Vida.
    E que o moço/velho e sapateiro artesão das letras tenha vida longa para nos deleitar aos domingos com o presente das telas tão bem escritas por quem muito sabe.
    Que Deus te conserve sempre com saúde e paz, outro Oscar que você merece!

  9. Airton Cilon diz:

    “Suportam melhor a censura os que merecem elogio.” – Alexander Pope
    Não existe nada mais saudável do que reconhecer o valor, o talento do outro, mesmo havendo “suspeição” pelo fato de o elogio partir de um amigo de longa data. Mas isso não tem nada a ver com puxasaquismo e sim, verdadeiro reconhecimento!
    Parabéns ao Editor Jornalista Carlos Santos, pela crônica e sua longeva labuta no ofício jornalístico. Abraços, poeta e escritor Marcos Ferreira…

  10. Raí Lopes diz:

    Perde-se um sapateiro, ganha-se um escritor.

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