Nestas últimas noites, depois que apago a luz do quarto e estendo sobre a cama este meu fardo de carne e ossos, observo no escuro do quintal, através das grades da janela e dos ramos da samambaia, a dança nervosa dos vaga-lumes em meio à solidão orvalhada do silêncio. Vão de um lado a outro, de baixo para cima, de cima para baixo com suas levezas e faiscações, suscitando inveja nos besouros e grilos deste arrabalde, indiferentes ao exibicionismo aéreo dos morcegos que arranham o quadro-negro do céu.
São erradios e pequeninos sóis da madrugada. Ora o vento os expulsa, apaga-lhes o brilho de néon, noutro momento os anima e os acende. Vão pontilhando as horas mortas de minha insônia com suas lanterninhas de azul fosfóreo, semelhando insólitos planetas na periférica Via Láctea deste quintal. Vêm quando já não ouço o fragor do serviço doméstico, o tilintar dos pratos e talheres, a babel cotidiana dos meus vizinhos e familiares.
Um deles penetra na atmosfera do quarto, movimenta-se pra lá e pra cá, abalroa num obstáculo e outro, mas logo descobre o caminho de volta e se mistura à constelação móvel daqueles de sua espécie.
Seguem desafiando o rigor das trevas qual diminutos lampiões que a brisa perversamente apagasse e acendesse.
Sempre eloqüentes e muito anchos, nenhum galo ponteia pela vizinhança o seu canto gregoriano. E nesta hora azul do silêncio — recordando um certo bruxo de antanho — eis que me indago intimamente, ouvindo entre as paredes de meu crânio o perpétuo rumor destes pensamentos baldios:
— Por que não nasci eu um simples vaga-lume?…
Mas não obtenho resposta. Talvez porque os pirilampos, assim como as flores, também não falam. Apenas luzem pela noite em fora, enquanto todos pesamos sobre nossos leitos, enquanto a luxúria dos gatos passeia por cima dos telhados e muros, enquanto a saparia emudece nos bueiros e as mariposas se deslumbram perante a luz artificial dos sonolentos postes de minha rua.
Então aqui os invejo e os contemplo na tosca paisagem da janela, ambicionando para esta prosa de brilho emprestado um pouco de sua autenticidade e beleza.
Vieram fecundar retalhos de lusco-fusco no meu pensamento, acendendo e apagando os olhinhos azuis da Poesia. De algum modo eles compreendem que representam para mim o que ainda existe de ameno e poético nestes meus enlevos de juventude e caducidade.
O mais é tudo abandono e silêncio.
Nenhum fio de luar se derrama pela fresta da telha, sequer um verso torto ou estrofe sem nexo se articula nos escaninhos do meu juízo.
Apenas refaço mentalmente a inevitável pergunta de um minuto atrás:
— Por que não nasci eu um simples vaga-lume?…
Marcos Ferreira é escritor (escrivaninhamarcos@hotmail.com)
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