domingo - 09/01/2022 - 10:50h

Verdade, realidade e perda da inteligência, problemas para esse século

redes sociais, algoritmo, inteligência artificial, Internet, tecnologia,Por Marcos Araújo

A mais impactante e a mais sentida transformação da sociedade neste século se deu no campo da tecnologia, especialmente pelo seu uso transformador na produção da informação. Vivemos numa sociedade em rede, para usar a expressão do sociólogo Manuel Castells. Essa “rede digital” é a nova morfologia social, modificando o processo produtivo, o poder e o ambiente cultural.

Um cidadão médio do Século XXI recebe em um dia mais informação do que um cidadão médio do século XIX recebeu em toda sua vida. A informação, que em passado bem recente tinha centralizada a sua fonte nos meios de comunicação, está no presente disseminada em bilhões de postagem de usuários da internet, que passaram a ser alimentadores de conteúdo.

A sociedade hiperconectada não armazena mais informação. A exteligencia é buscar a informação externa, tópica, onde ela está. A expressão exteligência foi empregada pela primeira vez pelo matemático francês Ian Stewart e pelo biólogo inglês Jack Cohen e lançado no livro Figments of Reality: The Evolution of the Curious Mind (Invenção da realidade: a evolução da mente curiosa), em 1997.

Com a internet, os smartphones e os aplicativos, estamos cada vez menos exigindo raciocínio de nosso cérebro. Hoje, buscamos na internet informações que satisfaçam nossa curiosidade diversiva (a curiosidade mais fútil e sem profundidade) e a curiosidade empática (a curiosidade de saber da vida alheia) e estamos deixando muito pouco espaço para a curiosidade epistêmica (a curiosidade mais analítica, profunda, que incita questionamentos e raciocínios mais profundos).

O Google tem as respostas, então não precisamos mais decorar moeda de países, governantes, capitais, distâncias, CEP´s… O Waze nos mostra o caminho. O smartphone salva os telefones dos amigos, compromissos, agenda, desperta para os compromissos, faz cálculos. Estamos delegando a dispositivos fora de nosso cérebro funções que eram prioritariamente mentais, e com isso, estamos tornando nosso cérebro preguiçoso. A sociedade está emburrecendo e perdendo o poder de criatividade.

Não foi à toa que Umberto Eco em 2015 testificou que “as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis”, que antes falavam apenas “em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade”. Acrescentou ele que “normalmente, eles (os imbecis) eram imediatamente calados, mas agora eles têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel”.

A (des)informação trazida pelos “imbecis” que alimentam as redes sociais afetam um elemento moral muito valioso para uma sociedade: a verdade.

A busca da verdade é objeto da ciência desde sempre. E o comportamento social que enfatiza a verdade como objeto de fala vem desde a Grécia antiga, chamada de Askésis por Sócrates (filósofo grego do século IV a.C.). A parresia socrática, no dizer de Michel Foucault, se refere tanto à atitude moral, ao ethos, do mestre, do diretor de consciência, quanto à técnica necessária para transmitir os discursos verdadeiros.

Sócrates foi colocado diante de um dilema: no seu julgamento lhe foi oferecida a absolvição caso ele deixasse de professar sua filosofia e, após a condenação, foi oferecida também a oportunidade de fugir.  Ao escolher beber cicuta e morrer, ao invés de fugir, Sócrates não renunciou à sua verdade. Escolheu falar a se calar.

O outro dilema secular é a fuga da realidade, também causada pela utilização massiva dos recursos da internet (cibercultura). Aplicativos e redes sociais têm servido para a construção de estereótipos virtuais. A hiperconexão tem produzido pessoas superficiais, totalmente desligadas da realidade.

É preciso perder a ingenuidade em relação à cibernética. A internet é como um iceberg. A gente só vê uma parte aparente. A parte mais complexa e dura está submersa. Aplicações e ambientes tecnológicos estão voltados para o básico: culturalmente, só pensamos sob a ótica do ligar e desligar os computadores.

Não percebemos ainda, mas os aplicativos estão dominando a nossa vida. Estamos tão apaixonados pela conectividade que ninguém se atém a ler os termos e condições de uso de determinados aplicativos, e nem mesmo os seus efeitos. A nossa tecnodependência no Whatsapp, Instagram, Facebook, Youtube e outros apps tem sido uma fonte inesgotável para a coleta dos nossos dados e dos nossos impulsos emocionais.

Tem sido a partir deles que os coletores têm feito uma avaliação psicométrica das nossas necessidades de consumo, de saúde, do estágio cultural, do posicionamento político, das condições econômicas etc. Vivemos uma cleptocracia digital. Os coletores de dados têm a psicografia como arma, e fazem operações psicológicas nas ofertas (Psyops).

Um neurocientista francês chamado Michel Desmurget, diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Saúde da França, apresentou em 2020 um estudo que demonstra de forma enfática como os dispositivos digitais estão afetando seriamente o desenvolvimento neural de crianças e jovens.

Estamos criando uma sociedade com mais inteligência em rede, mas com menos inteligência individual. E considerando o avanço dos algoritmos de Inteligência Artificial, muito em breve estaremos confiando a esses algoritmos a tomada de decisões. E então a IA vai decidir onde trabalharemos, o que faremos, com quem casaremos, o que vamos comer, etc. E neste ponto, a profecia de Yuval Harari: “Afinal, qual será o significado da vida quando todas as decisões importantes serão feitas por algoritmos?”

Não padeço de cainofobia (do grego “kainos”, medo do novo), mas o nosso futuro preocupa. Desnecessário dizer os inúmeros benefícios das redes sociais, assim como do desenvolvimento tecnológico como um todo. A reflexão é de como está sendo utilizada e qual a postura que podemos adotar para minimizar os efeitos negativos desse cataclisma sócio-tecnológico.

Marcos Araújo é professor e advogado

Compartilhe:
Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Breno Vinícius de Góis diz:

    Texto fantástico.
    Daquele tipo que te permite vislumbrar dúvidas e questionamentos que parecem óbvios, mas que só conseguimos enxergá-los após a leitura..

  2. FRANSUELDO VIEIRA DE ARAUJO diz:

    Tanto que 57 milhões de imbecis, não só elegeram, como continuam a cultuar a imbecilidade, a estupidez, o NEGACIONISMO e a IGNORÂNCIA, tendo como vértice e símbolo político a Cavalgadura Mor: JAIR CLOROQUINETE ASCO NARO!

    Não se surpreendam se em nome de Deus, da sacro_santa família e dê uma suposta moralidade, não o reelejam, pra que transforme nosso país numa TEOCRACIA PENTESCOSTAL, sonho de milhões de imbecis, inclusive americanos do Norte, os quais, desde sempre, de tudo fazem e tudo farão pra que continuemos como Quintal deles…!!!

    Aí realmente, REALMENTE, a definitiva volta a idade média, tanto nos costumes quanto na economia, se tornará realidade em detrimento de MUITOS e em favor dos privilégios da conhecida Elite do Atraso..!!

    Aliás, que eu saiba, o articulista não só digitou 17 na última eleição, bem como fez silenciosa e moralista campanha quando do golpe contra a Presidenta Dilma Canna Roussef..!!!

    Se o fará novamente…não sei…!!!

    Um baraço

    FRANSUELDO VIEIRA DE ARAUJO
    OAB/RN. 7318

  3. Fabio Salviano diz:

    Há alguns meses desativei as redes sociais, já não suportava tanta fakenews, informação esdrúxula, desinformação, gente que nunca leu um livro na vida questionar Direito, leis, política, economia , sociedade…..

Deixe uma resposta para Breno Vinícius de Góis Cancelar resposta

*


Current day month ye@r *

Home | Quem Somos | Regras | Opinião | Especial | Favoritos | Histórico | Fale Conosco
© Copyright 2011 - 2025. Todos os Direitos Reservados.