Como a formiga que se prepara para o inverno, colhendo e transportando penosamente a comida para a sua toca, o artista precisa de esforço e paciência para obter os meios de que necessita para expressão do seu talento a ser traduzido em uma obra digna de ser usufruÃda por todos. Tudo isso minha avó resumia numa curta frase, “trabalho e paciência”. Lembro-a, aqui, porque noutro século, ao completar dezoito anos, recebi dela um inusitado e significativo presente de aniversário – uma longa incursão pelo interior de minha terra.
Percorri, então, senão todos os municÃpios, a maioria deles – que não eram tantos como agora… –, da sede urbana aos mais longÃnquos recantos e sÃtios rurais, para, assim, habilitar-me a escrever sobre a brava terra potiguar, um tema que para mim se tornou, com o tempo, uma forma de obsessão.
Eu me lembro que nessa época nossa famÃlia enfrentava dificuldades, embora eu tivesse recebido parte de uma herança deixada por meu bisavô materno, grande proprietário de terras e imóveis na região no Mato Grande e, em especial, no Ceará-Mirim. Essa viagem descortinou-me um mundo novo e a consciência de uma realidade que me surpreendeu e encantou.
Além de viajar sozinho, sem a salvaguarda de um parente querido e protetor, tive a grata oportunidade de conhecer terra e gente desconhecidas que me abriram os olhos para a maravilhosa diversidade de que é feito o mundo. Mais que uma excursão turÃstica, um rito de passagem para o adolescente inquieto e fatigado que tinha a idéia fixa de tornar-se escritor.
Minha avó se inspirara em um parente distante, o cronista Manuel Ferreira Nobre que em 1861 acompanhara o governador Pedro Leão Veloso, numa viagem a diversos municÃpios da provÃncia, resultando desse périplo uma “Breve Noticia” que vem a ser, historicamente, o primeiro compêndio publicado sobre o Rio Grande do Norte.
Ela pensava que, como eu queria ser escritor, poderia produzir um outro livro do mesmo gênero. Creio que nascia assim “Viagens na minha terra”, que somente começaria a escrever uma década depois, ao reiniciar minhas andanças por terras potiguares, sob a motivação de uma rotina jornalÃstica que incutiu em mim a disciplina e a consciência de quão árduo resulta o ato de escrever, quase sempre, para o olvido.
Durante trinta anos palmilhando o estado, demorando-me mais nuns municÃpios do que noutros, colhendo aqui e ali informações e depoimentos, ouvindo pessoas, revendo personagens e lugares, acompanhando as metamorfoses que o tempo, esse grande escultor, tem produzido em sua marcha inelutável sobre a terra. Trata-se, pois, de um livro que pretende lançar um olhar original sobre o nosso chão comum, ao consignar além da visão do autor a memória de muitos outros.
Há muito desejo refazer integralmente esse roteiro inicial com o intuito de finalizar o livro “Viagens na minha terra”, acompanhado de fotógrafo, para os necessários registros iconográficos. Porém, após tantas intempéries existenciais e governos desastrosos para a cultura que se faz ao largo da bajulação e do servilismo, eis-me aqui, sem apoio nem recurso, para custear esse empreendimento. Alguém falou em Lei Câmara Cascudo?
Depois do Foliaduto, acabou desvirtuada e servindo aos interesses do turismo, em detrimento da cultura. Quem quer fazer coisa séria não pode contar com ela. E não temos, aqui, nenhum rico que queira dar uma de Mecenas, financiando a mim e um fotógrafo disposto a viajar durante um ano pela nossa terra.
Franklin Jorge é jornalista e escritor – franklinjorge@yahoo.com.br
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